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  • 29.2.04
    Pedagogia Negra

    Nunca vou perceber porque uma pessoa se lembra com orgulho e gratidão das tareias que levou dos seus pais. Se lembra assim da dor, do medo e da humilhação, da agressão a integridade física e mais ainda à integridade psícica da criança que era.
    Sei que ela a acha bem porque foi em nome da educação. Uma educação que, não confiando na força da razão e das motivações naturais de fazer bem, recorre à criação de reflexos condicionados.
    Mas o sucesso deste adestramento cria pessoas com a sua autonomia e liberdade limitadas por exactamente estes reflexos, ou seja incapacitadas de exercer plena- e desimpedidamente aquilo que é o núcleo da dignidade humana: A livre escolha dos seus actos, baseada na responsabilidade e razão.

    Depois a pessoa repete a mesma castração de que foi vítima nos seus filhos. É isso que o meu pai (que me deu uns estalos, as raras vezes quando se passou, mas que nunca - o que é completamente diferente - me deu tareia como castigo) chama o verdadeiro pecado original.

    Porque as agressões sofridas criam agressividade que procura uma saída. E o que está mais a mão como racionalização do que o "necessário" castigo do filho?
    28.2.04
    Transferência

    Ivan, estavas a referir-te exclusivamente ao elogio, não estavas? Porque conheço bem este sentimento, que o Groucho Marx exprimiu naquela famosa frase de que nunca aceitaria ser membro dum clube que o aceitaria como membro...
    Durante muito tempo só a achei graça. Até um dia, no que percebi que estava aqui a explicação do insucesso das minhas relações amorosas...
    Finalmente colam os links aos meus posts!

    Graças ao Miguel do Viva Espanha, mais precisamente deste seu post, percebi qual era o problema com os meus posts aos quais os links não colaram: Tinha a opção dos títulos no blogger desligado. (Porque não gostei das barras cinzentas no layout.) Do que não me apercebi, era que os meus títulos eram - informáticamente - bodytext e não constuituiram âncoras para os links.
    Já resolvi o problema e os links até funcionam de forma retroactiva! Desde que crio títulos para eles, o que já fiz com os post correntes e aqueles que acho mais importante nos arquivos...
    Uff!
    27.2.04
    .


    Less is more!
    (Oswald Mathias Ungers: Haus am Kämpchensweg)
    Só soube ontem que se pode destinar 0,5% do seu IRS a uma organização humanitária da sua escolha. Por exemplo à AMI.
    Não tão bela como a do Pedro Lomba

    Hesitei, por ter consciência de não poder concorrer com a beleza literária da história dele, se devia contar a minha. Mas que se lixem as peneiras.

    Há bastantes anos atrás, assisti, sem crer e como visita em casa deles, a uma discussão de um casal amigo, que acabou - sem dúvida só pela presença minha e de mais dois amigos não aos estalos mas com a saida dele, batendo com a porta em fúria. E ela perguntou, em lágrimas, a nós, que tinhamos presenciado àquela cena com um incómodo atenuado por uns charros, porquê é que achámos que eles não se conseguiam entender?
    Aí fiz eu a minha pergunta terrível:
    Ela já uma vez tentou ver o problema deles não como o deles, mas só como o dela? Imaginar o que ela fará se o esforço comum deles falhar?

    Neste dia ela deixou de me falar.

    Mas o mais curioso era que os outros dois amigos - bons amigos -, quando lhes recordei, meses depois, esta noite, não se lembraram de rigorosamente nada. De nenhuma discussão, de nenhum conselho meu; de nada.
    26.2.04
    No campismo

    - Filho, já viste se moram pessoas no bungalo ao lado?
    - Sim já ví. São duas: Uma mulher e um homem, meio chinês e meio humano.

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    Um conselho não só para a política:

    Percebi o, quando ví uma mãe (na televisão), que já tinha perdido dois filhos na guerra, defendé-la fervorosamente, enquanto o seu terceiro e último nela estava a combater:

    Se tens poder, usa o para obrigar as pessoas a fazer um grande sacrifício para tua causa. Quanto maior o sacrifício, melhor. O que interessa é que o sacrifício seja grande para quem o faz, pode ter muito pouco ou até nenhum valor para ti ou a tua causa. Mas quanto maior o sacrifício for, maior será no futuro a lealdade a tua causa: Porque o sacrifício não pode ter sido em vão.

    (Provavelmente plagiei aqui Maquiavel...)

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    25.2.04
    CD's piratas ou Elogio do Bom Senso

    Com a nova lei contra as cópias de CD's nasce mais uma lei que - obviamente - não é para cumprir. Não estou a ver milhões de pessoas amanhã atirar os seus CD's ao lixo. Logo é mais uma lei que nos transforma todos em delinquentes.
    Entretanto penso para mim, como em inúmeros casos anteriores: Não te angustias, Lutz, não há de ser nada, isto é Portugal. E já aprendi que as pessoas têm sentido de proporção, e não são desumanos.

    Por isso, não vai ser diferente do que é com as obras clandestinas em casa. É chato, que a vizinha me denunciou. Mas o que vale é que o polícia municipal, que me apareceu em casa, é uma pessoa de bom senso, como tu e eu: Também a ele parece absurdo esperar um ou mais anos para o licenciamento das obras, antes de as fazer. E assim ele se vai embora, por um montante bem suportável (e que nem vejo porque é o empreiteiro que trata de tudo), não sem ter aconselhado para fazer tão pouco barulho e pó como possível. E não sem ter avisado que convém despachar-se com a obra, porque daqui em dois meses já não é ele o responsável por essa área, é depois teriamos que entender nos com um outro colega seu...
    Chamar isso suborno? Não é uma palavra muito feia para uma coisa que toda a gente faz e sem ela não é possivel fazer nada?

    Vai ser como com os atestados médicos falsos. Meter uns meninos da escola (em Guimarães) na cadeia por isso?! Haja juizo! (E o juiz tinha - felizmente e como era de esperar....) Privar um médico do direito de exercer a sua profissão por isso?! Um pouco de sentido de proporção, por favor! Então o homem não estava só a fazer um favor? E a sério: Conheço pessoas decentissimas e com comprovado espirito de cidadania que já passaram atestados de conveniência. Deixamo-nos de fundamentalismos!

    Vai ser como com os concursos para um emprego no serviço público. É chato que a lei obriga a montar uma fantochada, apesar de já estar decidido quem vai ocupar a vaga: uma pessoa que se conhece desde há muito e que é de confiança. Então porquê arriscar ter que ficar com alguêm que não conhecemos?
    Alquem quer chamar isso fraude? Abuso de poder? - Sinceramente. Onde é que essa pessoa vive?

    Vivo cá há dez anos. E antes de mais, tenho de admitir que na Alemanha as coisas só são gradualmente diferentes. Mas é verdade, quando cá cheguei, não achei nada disto normal. Não achei normal ter um limite de velocidade nas auto-estradas que ninguém cumpre e que ninguém faz cumprir. Que é aconselhável deitar fora as multas de mau estacionamento. Que, a não ser uma grande empresa o parceiro de negócio, fica, na prática, ao meu critério se pago ou não a última prestação para um serviço recebido.

    Deixei de estar sobremaneira indignado. Indignação permanente cansa e não faz bem a saúde. Também não torna uma pessoa mais simpática...
    Mas cresceu em mim, com o tempo, uma convicção:
    Isto é assim - e apesar das queixas de toda a gente - isto é assim porque as pessoas querem que assim seja. Porque embora teoricamente podemos reconhecer como bom fosse, se viviamos todos cumprindo mesmo as regras, todos também ja temos, se não fomos completamente toscos, investido em esquemas e nos comprometido de tal maneira que já não podemos querer, no nosso caso pessoal, que se cumpre as regras todas.

    Portugal é, em grande e em pequeno, dirigido por pessoas, que conseguiram colocar-se em posições estratégicas para vender ou traficar formas de contornar regras e procedimentos - não raras vezes mesmo estapafurdias. E que por isso objectivamente não têm nenhum interesse no seu desaparecimento.

    P.S. Todos os exemplos são, obviamente, fictícios!

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    Antisemitismo velado?

    Já aqui disse, e mantenho, que não acho estar na posição certa para me meter em debates sobre a questão Israel/Palestina. Mas não posso, pela mesma razão que me obriga a contenção nesta matéria, ignorar a questão do antisemitismo. Daí a minha pergunta:
    Confesso que não identifiquei o antisemitismo velado que o CAA detectou no artigo de Vital Moreira. Será que sou também antisemita, sem o saber? Ou só ingénuo? Gostava muito de ouvir a opinião da Rua da Judiaria. O Aviz já se pronunciou sobre isto.
    Porque também eu achei e acho, que é preciso distinguir entre a condenação da política do governo israelita e o antisemitismo.
    Bem, confesso que me deve ter escapado aqui alguma coisa. Porque isso decerto nem o CAA quer por em causa... O límite para mim e, leio, para Vital Moreira é, quando se começa a por, explicita- ou implicitamente, em causa o direito a existência do estado de Israel.

    Há com certeza ocasiões em que convém clarificar os campos no combate político. (Embora eu pessoalmente, talvez por defeito meu, não estou muito dado a arrumar-me num ou noutro.) Mas identificar a questão Israel/Palestina com a do antisemitismo parece-me uma coisa absolutamente desastrada. Para quem quer lutar conta o antisemitismo, e contra outras agressões aos direitos humanos também.

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    Uma fotografia fantástica
    de esculturas de Anthony Gormley - no Blogo...Existo.
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    Playmate da semana: Belle (Modigliani)
    24.2.04
    Quadrilha

    João amava Teresa que amava Raimundo
    que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
    que não amava ninguém.
    João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
    Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
    Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
    que não tinha entrado na história.


    (Carlos Drummond de Andrade)
    Carnaval

    Aos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11:
    Pistolas e Fulminantes.

    Aos 12:
    Naquela festa, não sei como, a primeira namorada. Estar sentados de mãos dadas. Beijos de olhos e boca fechados. Imenso orgulho.

    Aos 13, 14, 15, 16:
    Desfiles em fevereiro, na Alemanha. Pés gelados. Cheiro a vómito.
    Mesmo após cervejas e Korn: Vergonha pela estupidez dos outros, e pela minha incapacidade para a alegria.

    Dos 17 aos 30:
    Fuck Carneval...

    Aos 31, 32, 33, 34...:
    Pistolas e Fulminantes.
    Carnaval, só aqui.
    21.2.04
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    Rafael Moneo: Ayuntamiento de Murcia






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    Volto na terça-feira. Ou quarta.
    20.2.04
    Agradeço
    as palavras simpáticas do Guia dos Perplexos!
    O José não me leve mal, se aproveito para fazer uma rectificação que acho importante: Assumo-me como não-cristão, mas isso para mim não é idêntico com não ter fé. Admito que entraria em graves dificuldades de explicar em que, então, tenho fé. Porque se não é fé cristão, também não é fé judia, islamica, budista etc. Mas estas dificuldades são mais intelectuais ou até linguísticas do que essenciais. Se não consigo dizer em que tenho fé, isso é menos um problema da , e mais do dizer.
    Já que se interessa simpáticamente pelas minhas reflexões sobre esta matéria, permite-me referir dois posts que escrevi no 2. e 3. de Dezembro passado. (Infelizmente não sou capaz de fixar links nos meus posts...)

    P.S.: Não se preocupe com a polícia linguística. O seu português é excelente! (Como vê, escrevo com autoridade.) Espero que mandou o gajo para um sítio feio - ou melhor ainda, para o Quase em Português.
    Quando eu morrer, a terra aberta
    Me beba de um trago
    E esqueça.
    Aos deuses minha oferta
    É levar o que trago:
    Eu, dos pés à cabeça.

    Assim, com ervas altas
    Acabam os que começam.
    Que Deus nos perdoe as faltas!
    Dizem: "A terra que nos come":
    Eu digo: "A que nos bebe" - e basta.
    Somos só água que se some:
    Choveu - e fomos
    Na vida gasta.


    (Vitorino Nemésio, in Eu, Comovido a Oeste) c.f. Almocreve das Petas
    "Exigências que derivam da mensagem de Cristo"

    Reli o post anterior e engasguei-me naquela frase. Realmente, esta frase não é coerente para quem, como eu, se assume como não-cristão. E na verdade a exigência moral em questão no post anterior (de direitos e liberdades iguais para todos os humanos, a recusa de privilégios) não tem por isso validade para mim, porque ela deriva da mensagem de Cristo. Confesso que até ficaria um pouco atrapalhado se alguem me pedisse, de repente, para demonstrar como deriva...
    Ao contrário, a personagem de Cristo, na bíblia, merece-me o imenso respeito pelo facto de encarnar uma coerência e postura moral, na qual me revejo.
    A minha moral - em grande parte coincidente - não é conscientemente edificada em cima das bases do evangelho. Recuso sem rodeios a autoridade exterior deste livro: A bíblia não me convence por que é a bíblia; a bíblia convence-me porque convence.
    Não posso negar o caracter circular desta argumentação, tendo em conta que herdamos o grosso dos nossos valores da nossa cultura e que cresci numa cultura com valores cristãos. Mas também me convencem outros testemunhos, de outras culturas e religiões. (Tal como acontece com a bíblia, lá não me convence tudo.)

    Qual é o fundamento da minha moral, então?

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    19.2.04
    Palombella Rossa
    Realmente não sei porque tenho linkado outros blogues cristãos e o Palombella Rossa ainda não. Porque não é só desde hoje que acho que este blogue encarna melhor do que qualquer outro a mensagem cristã. Não lecciona, não incomoda o leitor com a sua doutrina. Incomoda, sim, com perguntas práticas, que confrontam a nossa vida real com as exigências que derivam da mensagem de Cristo.
    Exigências às quais não estou disposto ceder, mas que por isso não desaparecem:

    Refutando os eufemismos correntes, o Palombella Rossa dá à divisão entre o Primeiro e o Terceiro Mundo o nome apartheid.

    Acertado e irrefutável.
    Confronto então o meu juizo moral sobre a apartheid com a nossa preocupação (do primeiro mundo) - entre outro -, de vedar as nossas fronteiras ao afluxo dos imigrantes. - Não encontro justificação moral. Claro que há argumentos políticos e económicos, que convergem mais ou menos na previsão de, se o fizessemos, iriamos "terceiromundializar" o nosso primeiro também. Mas mesmo se fosse verdade, não é uma justificação moral. Era exactamente este o discurso dos sul-africanos brancos que defendiam a apartheid.

    Agora perguntam-me, se - tendo chegado a essa conclusão - estaria disposto de abrir as fronteiras e expor-me a mim e os meus filhos, sem demais privilégios, à luta pela sobrevivência com os restantes seis mil milhões habitantes deste globo...

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    Rapariga com brinco
    Um artista é uma pessoa que retira a sua energia afectiva do seu objecto natural (os seus próximos) e investe-a na sua obra. Nós, os presenteados com a sua arte, amamo- e admiramo-lo pelo que não deu a quem com ele viveu.
    18.2.04
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    Billy Elliot

    Este filme de Stephen Daldry foi o que fez o meu filho querer aprender dançar. É muito bonito e, entre outro, a história de uma amizade entre dois rapazes, um straight (Billy) e o outro gay.
    Muito aconselhável para crianças e os seus pais homofobos...
    Gay love is as good as any love

    Não conheço o Refúgio Aboim Ascensão, mas de uma coisa estou certo: Uma família tem que ser mesmo muito disfuncional, para ser pior do que tal Refúgio ou outra melhor instituição do género.
    E que homossexuais podem constituir uma família, só não vê quem não quer.
    Correndo o risco de ser piroso: Antes de todo o resto, o que é preciso para um bom desenvolvimento de uma criânça é amor. E isso significa compromisso pessoal. Que nenhum educador pode dar na plenitude. Muito menos uma instituição.
    Não estudei psicologia para ter aprendido isso. Parece que outros não o aprenderam, mesmo com estudos.
    17.2.04
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    Playmate da semana: Venus (Ticiano)
    Gelegentlich
    Gelegentlich habe ich
    beschrieben gefunden,
    wie es ist,
    wenn etwas
    übrig bleibt -
    von einem Nelkenstrauß
    eine Nelke,
    von einem Gewehrschuß
    das Loch in der Schläfe,
    von einem mächtigen
    ein toter Mann,
    von einem Nachtessen
    die Tagesordnung,
    von der Liebe
    ein Kind.


    (Karl Krolow)

    __________

    Às vezes

    Às vezes encontrei
    descrito,
    como é, quando algo
    fica -
    dum ramo de cravos
    um cravo,
    dum tiro de espingarda
    o buraco na fonte,
    dum homem poderoso
    um morto,
    duma refeição nocturna
    a ordem do dia,
    do amor
    uma criança.
    Fobia Oral
    Nas férias de Natal na Alemanha li num número antigo do semanário "Der Spiegel" um conjunto de artigos sobre a explosão dos custos do sistema de saúde alemão, que tem entre outras orígens, como o envelhecimento da população, o alastramento vertiginoso de velhas e o aparecimento de inúmeras novas doenças. Assim triplicou, por exemplo, no ano passado na Alemanha o número dos que sofrem de excesso de colesterol no sangue. (Se me lembro bem, entre os adultos agora 60%...) O SPIEGEL explicou que este crescimento se verificou mais precisamente num só dia: Quando foi acordado entre as entidades médicas competentes e os seguros de saúde, baixar os valores considerados críticos. O SPIEGEL não seria o SPIEGEL, se não insinuava que esta decisão não era completamente indesejada por parte dos laboratórios que fornecem os respectivos medicamentos e dos demais grupos envolvidos no tratamento correspondente...

    Mas o que mais me impressionou - e de que agora me lembrei a propósito da exasperação do Vincent - foi a oficialização de um novo sindroma do foro psicológico, com direito a baixa médica e tratamento à custa dos seguros de saúde (que sendo obrigatórios, são pagos por todos): uma tal fobia oral.

    "Fobia oral" é nada diferente do que o velho "medo do dentista".
    16.2.04
    A propósito de Pedro Santana Lopes, O Companheiro Secreto cita Camus:
    "Quando se não tem carácter, é preciso recorrer a um método."
    "Cuidado com as imitações!"
    (Só com elas?)

    Onde é que eu li que a psicoanálise não é uma ciência, mas uma narrativa mitológica com formato de poder competir com as grandes religiões?
    Parece-me de haver aqui uma situação de evidente concorrência: Não é só a psicoanálise que exige uma vida inteira ao "doente" para lutar com o seu problema de culpa.
    Que ela é um furo comercial, não nego. Mas também nisto não está só.

    Relativamente às doenças psícicas dos tempos modernos, não tenho dúvida que existiram ou tiveram os seus equivalentes em todas as épocas. Não é preciso mais do que um olhar superficial a história humana, para descobrir que tudo já lá estava, desde sempre: histeria, paranoia, sindroma maniaco-depressivo, depressão, psicose, até a anorexia, e para aí fora. As denominações eram outras, os "tratamentos" eram outras, mas basta ler os relatos nomeadamente do dia-a-dia dos conventos, para saber isto.
    É verdade, lá fora, na luta pura e dura pela sobrevivência, possívelmente não se chegava a morrer de anorexia. Morria-se da fome saudável, já antes.

    Não tenho aqui nenhuma ambição de defender a psicoanálise.
    E com toda a compreensão pela falta de pachorra com a moda de sofrimento psícico, gostaria de lembrar só ao Vincent e ao Tiago, que essas doênças ridículas são - com ou sem psicoanálise, com ou sem ajuda da igreja - frequentemente mortais.
    Uma frase sobre a arte

    A arte remove a crosta de sentido morto de cima das coisas e confronta-nos de novo com a carne viva da sua natureza misteriosa.

    (para o Epiderme)

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    Elogio

    O facto de eu visitar regularmente um blogue que posta sobre futelbol significa um enorme apreço pelos seus posts sobre outras matérias.
    15.2.04
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    Ruy Athouguia e Formosinho Sanchez: Bairro das Estacas, Lisboa

    Aqui estão as prometidas fotografias do Bairro das Estacas. Apesar de não encontrar, depois de 50 anos, virtualmente nenhuma fachada que não foi alterada - o que dificulta fazer uma fotografia "bonita" - o bairro mantém a sua qualidade: uma figura urbana simples e sóbria, com espaços exteriores calmos e agradáveis. Os fogos que conheço, porque tenho amigos que lá moram, são excelentes, embora com dimensões modestas: isto foi concebido como habitação económica.
    Zum ewigen Frieden *

    "As razões, as verdadeiras, as que foram dadas internamente pelos neo-conservadores, desde o primeiro dia em que o seu idiota inútil tomou posse, todos ficámos a saber e a direita recusa-se sempre a discuti-las, foram outras: o controlo estratégico do Médio Oriente, criando no Iraque um novo pólo de intervenção na região; o controlo de uma das principais fontes de energia para o EUA; o aviso a todas as potências regionais que, em cada lugar, saiam dos carris definidos pelas várias administrações norte-americanas; e a destruição sistemática da regulação internacional dos conflitos, assumindo definitivamente a lógica do direito imperial de intervenção."
    (Daniel Oliveira)

    Consola-me (sem ironias!) que há pessoas da direita, como Pedro Mexia, que não partilham este cinismo. Mas depois sempre custa controlar a nausea quando defensores da guerra - como João Pereira Coutinho naquele semanário que não se consegue linkar - elogiam Kant.

    * "Para a paz eterna" - Recomendável leitura de Kant sobre esta matéria...
    14.2.04
    Finalidade interna, externa

    Não, caro a-bordo, não creio que é uma falsa questão.
    Comentário sobre um assunto que não me diz respeito:

    Se o Pedro Santana Lopes vier a ser eleito Presidente da República em 2006, não ficarei sobremaneira preocupado pelos estragos que poderá fazer neste lugar. Ficarei triste por saber que os portugueses escolheram um homem com estas características como o seu representante máximo.
    O bom sangue alemão

    - Ó filho, vai levantar a mesa!
    - Porquê? Não fui eu que a pôs!
    13.2.04
    Alguém que não consegue amar

    O Granito é, fazendo jus ao seu nome, o blogue mais implacável de língua portuguesa. Continua na sua missão de disponibilizar as grandes obras-primas portuguesas de expressão inglesa, na língua de Camões.

    O resultado provoca-me - como é que vocês dizem? - pele de galinha. E por duas razões. Também eu não escrevo na minha língua materna. E já Thomas Mann demonstrou-nos o efeito estranhamente desinibidor do uso duma língua estrangeira. Hans Castorp faz a sua declaração de amor a Clawdia Chauchat em francês. (Ah Clawdia! Nunca me atreveria de pronunciar o teu nome em alemão!)

    Vejo que não terei outro remédio a não ser de traduzir cada post para o alemão, antes de o publicar. Dá muito trabalho, mas o Quartzo convenceu-me que vale a pena. Mas não arranjarei coragem de fazé-lo com os textos já publicados: ainda descubro que a minha sensibilidade concorre com a de David Fonseca...
    A blogosfera em 2005 na Blogitica
    Liberdade de expressão

    Sei que toda a gente lê o Barnabé. Eu também, embora muitas vezes só (?!) porque têm graça. Mas este post - e os seus comentários - são mesmo muito importante!
    Meia idade:

    Gostar das meninas giras, não porque são giras, mas porque são jovens. Porque encarnam a frescura da vida e promessas ainda por concretizar...
    Formosinho Sanchez

    Anteontem, quando soube da morte de Formosinho Sanchez, fui a net, pescar uma imágem de uma obra dele, para a postar. Não encontrei nenhum. Sic transit gloria mundi. Muito injustamente, neste caso. Vou ver se levo a máquina digital este fim de semana e faço umas fotografias do Bairro das Estacas. Sempre um merecido Prémio Valmor, se não me engano.

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    Foster em Santos

    Há dias o Tiago do TM&RP desafiou-me (e o Lourenço) de pronunciar-me sobre o arquitecto Norman Foster.
    Nunca me entusiasmou muito a obra de Foster. Tenho, e muito, respeito pelo empresário, que conseguiu montar uma empresa de grande competência profissional em todos os níveis, incluindo o arquitectónico. Gosto do Reichstag, e um ou outro edifício.
    Mas a maior parte da sua produção não me toca. O que será o caso, pelo que vejo, também do projecto para Santos. Não me choca, não me entusiasma. A Torre, emfim, não me tapa a vista, mas não descubro o propósito que o fez nascer. A não ser este: Disse-me, em tempos, um professor meu, que projectou a sede de uma grande empresa alemã: "A torre tem-que ser, quem investe tanto dinheiro quer rever-se em algo que se destaca."

    Agora essa conversa do San Marco é um exemplo acabado de desinformação publicitária. (Recomendo a leitura do que m'A escreveu sobre isto, no GANG.)
    Como este blogue não se dirige só a arquitectos (nenhum arquitecto acaba o primeiro ano do curso sem ter aprendido isso), digo o aqui: A forma sozinha não faz o espaço urbano! (Por isso, a Piazza de San Marco trazido para Lisboa, deixa de ser a Piazza de San Marco...) A forma arquitectónica só é arte, se é a síntese de todos condicionantes do projecto: do programa, do terreno, da vivência do envolvente de agora, da vivência pretendida no futuro, da sensibilidade pessoal do autor do projecto, etc.
    Parece-me, que, lá em Santos, não é disto de que se trata. É um empreendimento imobilário. Será, se avança, projectado por quem sabe o seu ofício. Mas provavelmente não será arte; será talvez, o que não é pouco, como expliquei num outro post ("Well, there is a problem" do 05.02.04), boa construção corrente.

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    12.2.04


    Horst Janssen: Kant
    The common ground

    Não se pode acusar José Pacheco Pereira, no seu artigo no Público de hoje, de falta de clareza.
    A decisão para a guerra do Iraque estava - também para JPP - tomada, independentemente e antes do desfecho da questão da existência de armas de destruição massiva. Perante isto não me interessa muito que ele acha, a posteriori, que foi um erro tentar uma legitimação da guerra na ONU. Apesar de me lembrar bem como na altura especialmente Pacheco Pereira usou o argumento das AMD com insistência.

    Mas não faz sentido acusar de hipocrisia, quem – para mim agora sem equívoco, deixou o terreno ético que até agora julguei comum entre democratas: o terreno preparado por Kant.

    Depois do 11. de Setembro, JPP escolheu o império em detrimento do direito internacional.
    Se no início me pareceu inconsistente que um político de um pais pequeno como Portugal desiste de insistir na validade de processos legais ao nível internacional, e opta pela submissão á hegemonia do mais forte (uma postura que não defende na relação com os seus parceiros europeus) percebo entretanto que isso tem a sua lógica: É a da esperteza do mais fraco, que se encosta ora a um poderoso para se defender de outros, ora a outro. - Que triste projecto para um país....

    Mas o que acho mesmo deprimente é a desistência daquele grande projecto da humanidade que comecou com as revoluções americana e francesa, que era de criar direitos iguais para todos os humanos e - por inevitável e expressa consequência - de criar uma ordem mundial que assenta em regras válidas para todos.
    José Pacheco Pereira escolheu o bicentenário da morte de Imanuel Kant para assumir sem equívoco: Dele não quer saber nada.
    Epifania I, IV

    Admiro a elegância como o Homem a Dias se ajusta a realidade de que não foram encontradas armas de destruição maciça no Iraque.

    Quase teria sido um problema, que Bush mentiu, mas alto! - O Miguel Portas mentiu também, porque disse os Americanos iriam tratar de encontrá-las em qualquer caso, o que não aconteceu.
    E conclui com precisão: Afinal não houve problema nenhum.
    O véu - Não: Os direitos das crianças

    Não sei se não sei o que pensar sobre o a proibição dos símbolos religiosos. Pelo menos, algumas coisas são bastante claras para mim. Uma é que uma pessoa deve ter o direito de ostentar os símbolos que entender - com a excepção dos que promovem inequivocamente o crime ou políticas claramente criminosas, como a suástica - e vestir-se como quer, desde que se evita atentados mais flagrantes ao pudor. (Admito a proibição de que um educador infantil apareça nú no infantário, por exemplo.)

    Acho que a questão subjacente da proibição do véu consiste nos límites que o estado deve impor aos poderes dos pais sobre os seus filhos/filhas. Ou seja, enquanto ninguém deve impedir uma pessoa adulta de se vestir, em privado ou em público, como entende, deve haver pelas mesmas razões, as da liberdade e dignidade humana, límites aos poderes dos pais sobre a vida dos seus filhos/filhas. Como o estado nunca se tem revelado - nem cá, nem em França, nem em qualquer outro lado - muito capaz de substituir-se à família, o controlo destes límites, isto é, a defesa dos direitos humanos dentro da família, tem grandes dificuldades; e as tentativas neste sentido correm facilmente o risco de serem contraproducentes.
    Não obstante, enquanto princípio continua claro que o estado deve tentar garantir ao qualquer menor condições para um desenvolvimento para um adulto livre e autónomo. E este objectivo é, no meu entender, claramente incompatível com a imposição, pelos pais, do uso da burka, por exemplo.

    Que o estado aproveita, perante das referidas dificuldades de intervir no interior da família, a presença - obrigatória - das criaças na escola, para proibir o que dificulta este desenvolvimento, acho adequado. O que é o caso da burka, do véu na cara, mas já não do lenço na cabeça e muito menos dos eventuais símbolos luniformes, cruciformes, estrelares, redondos ou quadrados ou de qualquer outro feitio.
    O problema não é a ostentação de símbolos religiosos, seja de que tamanho forem!

    Teóricamente, segundo o meu critério, o estado não devia impedir o uso do veu a um(a) adolescente, se ele(a) o usasse por vontade própria. Mas na prática não acredito que este caso acontece (salvo talvez uma ou outra rarissima excepção), apesar de não ter dúvida que as respostas que ia ouvir, se perguntasse às respectivas adolescentes se elas querem usar o véu, seriam quase todas subjectiva- e convictamente afirmativas.

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    11.2.04
    Cito um extrato deste excelente post do Exacto:















    Ó meu caro m'A, não duvides da sabedoria do mercado!

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    Em Roma faz como os romanos

    Vários paises africanos e da Oceánia decidiram seguir o exemplo da França e proibir em lugares públicos, nomeadamente em escolas, cobrir partes do corpo ali tradiconalmente descobertas.
    Assim todas as alunas, incluindo as ocidentais, terão a partir de agora de frequentar as aulas com os seios destapados.


    Playmate da semana: Nu cor-de-rosa (Matisse)
    Contributo - fora da competição - para o Festival das Definições do Epiderme:

    Ein Wort

    Ein Wort, ein Satz -: aus Chiffren steigen
    erkanntes Leben, jäher Sinn,
    die Sonne steht, die Sphären schweigen,
    und alles ballt sich zu ihm hin.

    Ein Wort - ein Glanz, ein Flug, ein Feuer,
    ein Flammenwurf, ein Sternenstrich -
    und wieder Dunkel, ungeheuer,
    im leeren Raum um Welt und Ich.


    (Gottfried Benn)

    ___________

    "Ein Wort.."

    Uma palavra vem - dos signos brota
    apercebida vida, abrupto senso,
    o sol detem-se, esferas são silentes,
    e tudo se concentra à sua volta

    Uma palavra - brilho, voo, fogo,
    língua de chama, estrela cadente
    - e a treva monstruosa que regressa
    no vácuo espaço entre mim e o mundo.

    (Tradução de Jorge de Sena)
    10.2.04
    Ainda acerca dos arquitectos de esquerda

    ...deixei um longo comentário ao post do T.M.M. no Blog-sem-Nome.
    Obrigado!

    Não é todos os dias que sou comparado com uma luz, ainda que ao fundo do túnel. E também sinto-me lisonjeado por ser comparado com Osvaldo Payá (ainda que só por razões retóricas).
    Ao contrário do Terras do Nunca, por ingenuidade ou por falta de preconceito - não conheci o Quinto dos Impérios - não entendi que a referência a Osvaldo Payá tinha como objectivo desvalorizar a crítica a recusa do visto para Ibrahim Ferrer. (De resto, o João tem, como quase sempre, razão: Há uma diferença fundamental entre criticar a Cuba do Castro e criticar os EUA: Quando criticamos o comportamento dos EUA, criticamos o nosso lado, e é aqui - não percebo porque isso não entra nas cabeças da direita - onde nos temos que começar, onde temos o maior direito e maior dever de criticar.)

    O que me deu a pensar é o post mais recente do Quinto dos Impérios. Não me revejo de forma alguma na descrição da esquerda que lá faz. Honestamente, nunca acreditei em filosofias salvíficas: Os tipos que distribuiam panfletos políticos no refeitório da Universidade Técnica de Berlim eram me tão suspeitos como os que distribuiam os panfletos religiosos.

    Não estranha que hoje não estou mais impressionável, quando os mesmos tipos me outra vez vêm com ideias salvíficas, só desta vez vindo de Texas.

    A sério: Não sabia que era da esquerda. Foi aqui na blogosfera que descobri: O discurso que me põe os cabelos em pé, vem do lado a minha direita. Se isso serve para me posicionar no espectro político: É a única coisa que tenho.
    Into The Great Wide Open

    Eddie waited til he finished high school
    He went to Hollywood, got a tattoo
    He met a girl out there with a tattoo too
    The future was wide open

    They moved into a place they both could afford
    He found a night club he could work at the door
    She had a guitar and she taught him some chords
    The sky was the limit

    Into the great wide open
    Under them skies of blue
    Out in the great wide open
    A rebel without a clue


    The papers said Ed always played from the heart
    He got an agent and a roadie named Bart
    They made a record and it went in the chart
    The sky was the limit

    His leather jacket had chains that would jingle
    They both met movie stars, partied and mingled
    Their A&R man said, "I don't hear a single."
    The future was wide open

    Into the great wide open
    Under them skies of blue
    Out in the great wide open
    A rebel without a clue


    (Tom Petty and Jeff Lynne)
    9.2.04
    O que aprendi com o blogue:

    Há três meses, quando comecei com isto, não sabia que era da esquerda.
    Tripulação e lastro

    O Mar Salgado é desde a primeira hora um dos meus blogues preferidos. Isso apesar de não me rever - em regra - nas posições políticas nele expressas. Mas o actual debate interno nele, sobre a descolonização, o facto que é possível na sua abrangência e como é feito, é um bom exemplo do que aprecio neste barco. Assim até aturo o VLX!
    "Arquitectura é uma oferta do arquitecto à sociedade."
    (Joachim Ganz)

    O Lourenço do Projecto está desiludido comigo. Com alguma razão, porque o texto que deixei na caixa dos comentários, é de facto, demasiado sintético e por isso equívoco:

    A pergunta devia ser: Why so many good left-wing architects?
    E a resposta: Pessoas da direita não acreditam em causas públicas e querem, antes de mais, ganhar dinheiro.


    Vou então reformular:
    Quanto sei e vi, pessoas da direita, ou seja pessoas que acreditam abrangentemente na lógica do mercado, não acham que devem, no exercício da sua profissão, perseguir um objectivo transcendente ou diverso ao qual para que são pagos.
    Um bom arquitecto procura, para além de servir ao cliente, ao bem público. E por nenhuma outra razão a não ser aquela de fazer o seu trabalho tão bem como possível. Mas esse "tão bem como possível" ultrapassa em muito o o que é, do ponto de vista duma gestão económica, racional e justificável. Se eu fosse gerente de um gabinete de arquitectura e tivesse como objectivo, como é normal em qualquer outro ramo de serviços, de maximizar o lucro ao longo prazo (o que já inclui a garantia da qualidade do produto, da imágem e da sustentabilidade da empresa), teria que impedir aos meus arquitectos de fazer o trabalho que leva o mero projecto à arquitectura.
    Isso não tem nada a ver com lirismo, ou com desinteresse pelo dinheiro (à sério, que venha o dinheiro!), tem a ver só com prioridades. E a prioridade de um bom arquitecto é fazer boa arquitectura. Agora estou convicto que boa arquitectura tem, inevitávelmente objectivos que ultrapassam os do cliente, e que se subsumam numa causa pública.

    E a experiência na própria pele, que a lógica do mercado, do livre jogo das forças económicas, não leva a boa arquitectura, faz com que os arquitectos tendem para a esquerda.

    Uma última nota: Não estou a marchar contra o sistema. Só sei que a produção de projectos puramente dentro da lógica do mercado normalmente não leva a arquitectura, mas a obras como o excelente - no sentido de cumprimento dos objectivos do cliente - Centro Comercial do Colombo.

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    ...do direito à propriedade honestamente adquirida, herdada...

    Não me levam mal a ignorância - como estrangeiro não conheço bem a história de Portugal: Até ontem pensei mesmo que os espoliados eram os povos colonizados!
    Defensor do direito à vida, à Liberdade e à propriedade honestamente adquirida, herdada, desenvolvida ou produzida...e ao pensamento em via única

    O Terras do Nunca tem razão:
    O Liberdade de Expressão tem mesmo muita graça! O que aprecio especialmente, é que o disparate vem tão arrumadinho...
    Não pensem que não sou voyeur!

    Mas sou esquisito. Não fiquei enojado com o relato minucioso do conteúdo do despacho de Rui Teixeira porque não o vi. Eu sei que ninguem acreditará: mas o nojo dispenso mesmo.
    8.2.04


    Demasiado perigoso para entrar nos EUA
    O Interesse

    Há no Canal Panda um pequeno programa - acho que é diário -, em que se mostra a fotografia e o nome duma criança que faz anos naquele dia. A banda sonora deste episódio, que dura talvez 20 segundos, é "Parabéns a você".

    Sempre que o meu filho (4 anos) o vê chama-me, com urgência:
    "Pai, pai, rápido, vem cá! - Como é que se ela (ele) chama?"
    7.2.04
    E agora chega

    Na minha vágem pelos blogues cristãos, acabei agora de chegar aos Animais Evangélicos. E apercebi-me como estou a anos luz deste mundo de verdades tautológicamente comprovadas:

    "[...] O cristão que quiser comunicar eficazmente, deve estabelecer com o descrente que a supressão do conhecimento de Deus é um dilema ético, e não apenas intelectual ou do âmbito do sintoísmo (argumentação do tipo: “eu sinto que Deus existe”; “Cristo é verdade porque me dá paz e eu sinto isso”). O cristão terá de demonstrar que o pensamento do não-cristão, é uma “fuga de Deus”. E, assim poderá afirmar o seguinte:
    a) toda a epistemologia construída a partir duma “fuga de Deus” leva ao abismo existencial.
    b) tal atitude é categorizada como pecado. [...]"
    Coversas de atelier

    Conta-me um amigo que António Lobo Antunes, numa entrevista, falou da necessidade de ter que rasgar páginas boas para que o livro seja bom.
    Para os arquitectos, cujas obras são as páginas do livro da cidade (ou paisagem), isso é igualmente válido, mas custa ainda mais.

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    6.2.04
    Cem contos

    terei agora de pagar por ano, para poder consultar o Diário de República online!
    Mas eis o mercado: Se achares caro, vai para a concorrência!
    Dizem-me que a versão online do Diário da República (?!) espanhol é de borla...

    P.S.: Vi agora que se pode subscrever uma petição contra este aumento.
    There is another problem

    O conflito de interesses do arquitecto entre a sua ambição artística e o interesse do cliente é um grande tabú da nossa classe. Eu próprio sentí isso, quande escrevi o post anterior. Não escrevendo no anonimato, comprometo, com qualquer posição que assumo nesta questão, ou a minha reputação entre os colegas que respeito e admiro, ou a confiânça dos meus (potenciais) clientes.


    Egon Schiele: Knieender Halbakt

    Já há muito que me apeteceu postar uma menina, e como não quero que me digam outra vez que o blogue parece um calendário de oficina, optei por uma obra de arte...
    5.2.04
    Well, there is a Problem! (act.)

    O Planeta Reboque - colocou o de seguinte forma:
    "Se arte é incomodidade, se arte é trazer para o presente o olhar do futuro, como conciliar isso com a necessidade de conforto que a arquitectura implica?"

    Pedro Jordão do Epiderme não vê aqui problema nenhum, porque distingue - e bem - a incomodidade que é um necessário aspecto da arte, do conforto, que se exige dum edifício ou de forma mais geral de um espaço arquitectónico.

    Conforto (psicológico) certamente não é uma qualidade de uma obra de arte. Embora que seja verdade que obras de arte confortam, fazem-no, se o fazem, só e inevitávelmente num plano que é distinto do nosso conforto do dia-a-dia: O conforto que me dá a Paixão de S. Mateus de Bach tem nada, mas mesmo nada, a ver com o conforto que posso por exemplo comprar num daqueles CD de bem-estar da papelaria. (Irónicamente posso encontrar neles até o devidamente açucarado Air do mesmo compositor).
    Porque o conforto de uma verdadeira obra de arte só posso sentir se antes arrisquei de abrir-me para um espaço de experiência, em que a harmonia não me espera na primeira esquina, e onde pelo contrário, o caos e o desconhecido espreitam. "Porque o belo só é o início do terrível..."

    Estou então de acordo que conforto não tem nada perdido na arte. E estou também de acordo que arquitectura é arte.
    Se agora ainda aceito o pressuposto do Planeta Reboque, de que arquitectura implica conforto, estou numa aporia. E esta só se resolve, se admito que a arquitectura de que o Planeta Reboque fala, não é a mesma de que o Epiderme ou eu falamos.
    Dou por adquirido que o Pedro do Planeta Reboque não só se refere ao conforto físico, mas também ao conforto psicológico. Porque a questão do primeiro seria facilmente dissociar da arte, enquanto do segundo já não.
    Para mim, quem pratica a arquitectura (faz e realiza projectos), surge este problema que o Planeta Reboque menciona, com frequência, e como um problema de consciência. Porque o meu cliente procura os meus serviços na espectativa de que lhe crio uma espaço (casa, jardim, etc.) que lhe confere conforto. E mesmo que lhe providencio com bastante à-vontade o conforto físico, - opõe-se não raras vezes o interesse manifesto do cliente e o interesse do projecto enquanto arte. Porque quase ninguém quer viver o seu dia-a-dia numa obra de arte. E a história, que já ouvi várias vezes da boca de arquitectos famosos, que esse antagonismo não existe, e que o cliente só não sabe, que o intereese da obra de arte é o verdadeiro dele, e por isso isto resume-se a uma questão de pedagogia, que o arquitecto terá que aplicar ao cliente/utente; isto é um mito de autojustificação do arquitecto, que não compro. Há dias um colega contou me que um arquitecto famoso português dizia: "Quando inicias um projecto, tens que ter consciência que no fim terás mais dois inimigos para a vida: o empreiteiro e o cliente!"
    É - nem sempre, obviamente - possivel persuadi-lo. Mas se o faço feliz, ao longo prazo, é muito menos do que certo.

    A questão que se me coloca - contragosto - é se realmente toda a produção arquitectónica pode e deve ser arte: um instrumento cujo principal fim é colocar o destinatário fora do seu contexto habitual e pô-lo em contacto com o - aterrador e belo - essencial. Não será só construção que se procura: um projecto, sim, bem pensado, mas não mais? (Um dos meus antigos professores, Joachim Ganz, dizia que a arquitectura é uma oferta do arquitecto a sociedade, porque o que nos solicitam - e pagam - é só um projecto...)
    Claro que me vão responder que um artista não condiciona o que faz pela procura (Picasso: "Um pintor pinta o que vende, um artista vende o que pinta!"), mas um arquitecto?
    Não estou convencido que - por exemplo - cada prédio de habitação deve ser um instrumento para a experiência do desconhecido. Se não o é, pode ser na mesma um bom prédio: Quais foram as intenções, as menságens artisticas de toda a excelente arquitectura anónima que se fez, durante a história humana toda e em tantas diversas culturas? Não defendo com isto o desleixo, nem que outros deviam, em vez do arquitecto, ser autores destes projectos. Acredito que continua indispensável a sensibilidade artística do arquitecto, e também todo o seu empenho enquanto artista, quando, nas sua missão de construção corrente, deve procurar de contribuir com o seu objecto de não-arte, de forma adequada para aquela grande obra de arte que é a paisagem, paisagem urbana.

    Muitas das casas mais famosas enquanto obras de arte não costumavam ou costumam ser habitadas, a não ser pontualmente (Haus Tugendhat, Vila Savoie, Falling Water, House Fansworth, House Douglas). Porque será? Merecedor de uma análise interessante seria a questão porque as casas de Adolf Loos escapam... Loos, de facto, era, como o seu conterraneo e companheiro de lutas Karl Kraus, um inimigo declarado da "Gemütlichkeit" (conforto psicológico), mas as suas casas, sem ficarem por isso nada, mas mesmo nada, menores enquanto obras de arte, são quase todas muito confortáveis.
    A palavra alemã "Gemütlichkeit" (conforto psicológico) é familiar da palavra "Gemüt" (alma), assim que se pode traduzi-la com "confortável para a alma". Este tipo de conforto, a "Gemütlichkeit" é o horror de qualquer arquitecto com ambição de artista.

    Infelizmente não tenho só pessoas com Karl Kraus como cliente, que dizia (cito de memória):
    "As pessoas queixam-se que as cidades modernas não são confortáveis ("gemütlich"). O que quero da cidade é eléctricos e agua quente da torneira, gemütlich é que sou eu!"

    E depois há ainda o texto de Vilém Flusser, em que explica que o próprio acto de morar transforma o "belo" em "bonito", ou seja, a arte em kitsch.

    Se isso não é um problema para a arquitectura...

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    Verdades inesperadas

    "Na minha juventude tinha a ideia de que a poesia seria ume espécie de núvem colorida de metáforas e sugestões mais ou menos difusas, que eventualmente podia ser apreciada, mas dificilmente poderia ser associada a uma visão coerente do mundo. Como arquitecto aprendi a perceber, que provavelmente o contrário dessa noção juvenil da poesia se aproxima mais a verdade.
    Um edifício pode dispor de qualidades artísticas, se as suas formas e conteúdos diversos acabam de encontrar-se numa disposição de fundo, que nos consegue tocar. Essa arte não tem nada a ver com configurações interessantes ou com originalidade. Ela trata de compreensão, de juizo e antes de tudo de verdade. E talvez poesia é a verdade inesperada. O seu aparecimento precisa de silêncio. Dar forma a essa expectativa silenciosa, é a tarefa artística do arquitecto. Porque o edifício em si nunca é poético. Ele somente pode dispor destas qualidades delicadas, que em momentos especiais nos permitem entender algo que nunca antes conseguímos entender assim."

    (Em Peter Zumthor: Architektur denken)
    4.2.04
    Crise de Identidade?

    "O que eu tenho para dizer demorava a apurar. Não consigo aprimorar para o blogue. Este meio é muito difícil. Infatiliza-me estupidamente. Nada do que aqui escrevo diz o que quer que seja a meu respeito - sou muito mais chata do que isto. Não encontro a palavra certa: a ternura sai-me pirosa, o humor bacoco, a mensagem imperfeita e tonta. Vou jantar."
    (Ana Sá Lopes)

    Já disse, quem fala aqui, não sou eu, é uma personagem que fala. E esforço-me para que essa personagem fosse inteligente, sensato, sensível, interessante... emfim: assim como queria que eu fosse.
    Mas um blogue é uma armadilha terrível: uma pessoa acha que tem uma ideia, acha-se inspirado, ter graça - e tumba, o post está publicado. Se deixava todos os posts em quarantena por, digamos, uma semana, antes de decidir se merece a publicação, estou certo que não teria um blogue.
    Assim o momento da vaidade inconsciente no momento da publicação do post é pago por semanas, meses de humilhação a seguir. Mas exactamente por isso, e apesar de todo o bluff que tento fazer, acho que o blogue, que comecei querendo escrever para mim e que rápidamente descobri que escrevia para outros, acaba de servir para o que foi começado. Que não era para ser jornalismo. Ou literatura.
    3.2.04
    Aquele?

    Quando me começaram a falar dele,
    reconheci o brilho nos seus olhos...
    E ao longe
    parecia mesmo ser ele.
    - Oh, irmãos!

    Mas nos seus relatos, ele
    ganhou contornos, um perfil
    estranho e sinais
    confundíveis.

    Já não sei.
    Quem vi em tempos, vi
    muito nitidamente, com muita clareza, mas não,
    não sei descrevê-lo.
    Não me esqueci: já então
    não consegui descrevê-lo.

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    Escutando a Voz

    Volto a fazer uso de um dos privilégios da blogosfera: meter-me em conversas para as quais não fui chamado.

    Lecciona o Tiago de Oliveira Cavaco em quatro posts, do alto das suas certezas:

    No primeiro assume-se como um evangélico que não se assusta com uma Bíblia com coxos a andar, pragas de gafanhotos, multiplicações de pães e tablettes de demónios, pertencendo a espécie de gente que se manteve a olhar para as Escrituras sem temer pelas ferocidades do animal. E deixa, de passagem, subentendido, quem não faz como ele, sofre da cobardia espiritual.

    No segundo explica nos que a assunção arrotada pela ignorância do costume vislumbra com um suor frio condescendente que coisa bela é tratar bem dos pobrezinhos. Está a falar da nossa ignorância, claro.

    No terceiro post acusa os que se atrevem de falar em nome dos pobres como sendo obscenos, admitindo assim esta tarefa exclusivamente aos pobres, que têm certamente autoridade de falar da sua pobreza; se eles eventualmente não têm voz, não interessa ao autor da Voz do Deserto.

    No quarto post ele até concede um elogio ao André Belo, a quem todos estes posts são dirigidos como resposta.

    E num quinto post, já não respondendo ao André, dirige-se - não, não se pode dizer que o Tiago se dirige; da sua altura, ele refere-se ao patriota romano chocado, isto é a alguns estimados bloguistas católicos [que] aproveitaram a boleia do Barnabé para se atirarem aqui ao protestante de serviço. Some things never change.

    Pois. Não sendo patriota romano, confesso-me chocado, não, espantado perante tamanha soberba, que atribui a quem deduz dos evangelhos uma missão moral, primeiro cobardia e depois ignorância.

    Há dias, atrevi-me, timidamente, de fazer um comentário:
    Referi Paulo, 1 Cor 13.
    Mas devo o ter entendido mal.
    Só a Voz do Deserto é que sabe.
    2.2.04

    Pieter de Hooch: Pátio de uma casa em Delft, 1658

    Com muito poucos arquitectos aprendi mais, como arquitecto, do que com o pintor Pieter de Hooch. O seu conterraneo Vermeer é um artista maior, no que diz respeito ao tratamento da luz, da insinuação da materialidade, e também na profundidade psicológica dos seus personágens. E o mundo retratado, o milieu, é o mesmo.
    Mas como Pieter de Hooch explora a tensão entre o espaço privado e o público, os rituais da vida doméstica, isto tem uma subtileza e uma riqueza de ensinamentos, que é única para quem quer perceber o que é (e era em Delft no século 17.) habitar.
    Novos links:

    No Sous les pavés, la plage - ou como nós dizemos: "Unterm Pflaster ist der Strand" - que substitui os Murmúrios do Silêncio, é onde Tiago Barbosa Ribeiro continua a sua actividade, agora com outros. OzOnO (para a minha curiosidade), Universos desfeitos e Outro, eu, dois blogues que não precisam da minha recomendação, e O Mundo de Claudia, com belas fotografias e textos interessantes em inglês.
    Por fim, a-bordo, de que me confesso fascinado. Um exemplo:

    Companhia e cegueira. Quando eu estive em França, não me lembro do que vi em França. Quando estive em Lisboa, não me lembro do que vi em Lisboa. E enumerava… E se isto é assim em casos tão simples como estes, em casos bem mais complexos, como o sorriso cúmplice dos ocupantes do meu café habitual, a minha visão piora… É então bem verdade que tem olhos não vê. É então verdade que só vemos se tivermos os olhos abertos. Mas se agora vemos, e antes não víamos, como poderemos ter sido nós a abrir-lhes a abertura? – Não, mas sim, foi o M. que me chamou atenção para a astronomia. Rima e é verdade. Tudo depende da companhia.

    (a-bordo: 24-01-04)
    1.2.04


    Auditórios da Universidade de Aveiro

    Morreu Vítor Figueiredo,
    um dos melhores arquitectos portugueses dos últimos cinquenta anos. Quando Portugal reparou nele, tinha ele 69 anos. Foi em 1998.

    Etiquetas:

    We want(ed) the world and we want(ed) it now!

    Hoje acho bonito que a história do Lost in Translation acaba como acaba, mas isso não foi sempre assim.
    Quando vi com 12 ou 13 anos - e na TV, claro - Roman Holiday com Audrey Hepburn e Gregory Peck, fiquei pior que estragado que no fim o amor entre a princesa e o jornalista não se consumara. O amor tinha que vencer, caraças! Que pretextos piégas inventaram para obstruir o desfecho natural das coisas.
    (Por acaso neste filme o pretexto era mesmo reaccionário: A princesa assumio o seu dever, as barreiras de classe não deviam ser ultrapassadas...)

    Mas também não teria tido compreensão pelas razões de Bob e Charlotte in Lost in Translation.
    Uma velha história outra vez contado, e bem.

    Lost in Translation: Os dois protagonistas do filme cairam - temporáriamente - para fora das suas vidas.
    Charlotte e Bob encontram-se naufragados noutro lugar e num outro tempo, - o que lhes dá liberdade para serem honestos: não há papel que lhes é exigido.
    Não há passado, não há futuro, e assim o presente enche-se de uma promessa de um amor, do qual ambos (ele mais do que ela) à partida sabem que é impossivel, que nunca poderá sobreviver fora deste estranho tempo e lugar onde se encontram. Lúcidos, cada um por si, rendem-se a essa evidência e procuram evitar de se magoarem.
    É daí que a história adquire o seu encanto especial: da ternura do pudor.
    __________

    Percebo com facilidade o Bob: A atracção do homem de meia idade para uma jovem mulher. O inverso é um dos mistérios que não percebo, mas também não é preciso que se se percebe tudo...

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