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30.11.03
Loustal tem me devolvido o prazer em desenhar. Há uns anos descobri, sendo uma pessoa pouco interessada em BD, completamente por acaso, na livraria duma exposição sobre os ilustradores portugueses o Carnets de Voyage. Este livro tem-se tornado numa referência para mim e acompanhou me literalmente durante os últimos anos. Não por Loustal desenhar particularmente bem, não o faz. O que me inspirou era exactamente isso: A sua técnica está ao alcançe de qualquer mortal comum. O que, apesar disso, tráz a qualidade para os seus desenhos é a sua capacidade de desprender-se das convenções do desenho, a humildade e a coragem de se assumir como desajeitado (pelo menos nestes cadernos de esquissos). É aqui onde se esconde o germe da sua originalidade. E no mais importante, claro: Na sua capacidade de ver. Por isso eu devo-lhe imenso, quem deixou de desenhar por prazer no dia quando descobriu que a sua irmã de seis anos (quatro anos mais nova) desenhava melhor do que ele, e mesmo assim, mais tarde escolheu a profissão de arquitecto... Loustal: "we must believe"
Grandes Alemães
Leio hoje no Público que os meus compatriotas acham Adenauer o maior alemão de todos os tempos. Nada contra Adenauer, mas envergonha-me a escolha por causa da lista dos vencidos: Martin Luther, Bach, Gutenberg, Goethe, Einstein, Marx. Eu acrescentaria ainda uns, que não constam na notícia, como Kant e Beethoven, todos eles, na minha opinião, de colocar a frente do Adenauer... Einstein é - aliás - um caso especial: Einstein é Americano. Se não tivesse escolhido, atempadamente, o exílio e mais tarde a nacionalidade americana, teria, como judeu, concluido a sua vida de alemão sem dúvida em Auschwitz. E assim é preciso não omitir, antes de que aqueço a minha alma patriótica com aquela lista de ilustres, outro "grande" alemão: Hitler.
acerca da questão dos escritores funcionários públicos, lançada no Abrupto, (precedidas de duas afirmações):
Arte pressupõe luxo. Só quando estão satisfeitas as necessidades básicas, há arte. Por isso o exercício da arte é um privilégio de quém já não precisa de satisfazer essas necessidades básicas. A produção de arte surgiu enquadrado no exercício de tarefas religiosas, por um grupo de pessoas a qual isso foi delegado pela sociedade: os sacerdotes. _____________ Qual era a orígem dos dinheiros que sustentavam Sophokles, Sêneca, Tomás de Aquino, Dante, Leonardo, Miguel Ángelo, Maquiavel, Monteverdi, Bach, Mozart, Kant, Goethe, Hegel? Privada? Entende o JPP que há uma relação entre a qualuidade duma obra de arte e o seu sucesso no mercado? Em que é que se distingue um processo de selecção de uma obra a subvencionar feito por um júri convidado por uma entidade pública de uma por uma fundação? É verdade que há escritores bons que tiveram sucesso no mercado. Também é verdade que outros não. Proust escreveu a Recherche porque não tinha que ganhar a vida. Thomas Mann os Buddenbrooks. Thomas Mann pôde depois viver da sua escrita, Proust não. Robert Musil não conseguiu concluir o Hómem sem Qualidades mas chegou onde chegou só porque um grupo de colegas com mais sucesso (nomeadamente Thomas Mann) o sustentou. Acha o JPP isso um modelo para Portugal? Em que é a situação de uma pessoa que escreve, negligenciando a sua profissão enquanto funcionário público (por exemplo de professor) mais defensável do que a de uma que escreve tendo uma bolsa pública ou que está formalmente libertada dos seus deveres lectivos? Deve-se fechar as faculdades das letras, porque lá não só há pessoas que escrevem literatura, enquanto funcionários públicos, mas que escrevem sobre literatura!? Se não, porquê não? Não se deve fechar, por coerência, também as faculdades de filosofía? Acha o JPP que Portugal tem uma dimensão enquanto espaço cultural e um público de potenciais consumidores de literatura e outras artes suficientemente grande para que as artes, mesmo os menos comercialmente aptas, encontrarem o seu nicho de mercado? Ou acha dispensável a arte portuguesa em geral e a literatura portuguesa em especial, se ela não se sustenta? Acha o caso da literatura diferente de outras artes, da ópera ou da escultura, por exemplo? Dado como adquirido que a ópera não morrerá sem subsídios, graças à Andrew Lloyd Webber e outros, acha que uma encenação da Flauta Mágica gere receitas para cobrir os seus custos? Ou devemos nós, caso que não, contentar nos com os registos em DVD, de tempos menos esclarecidos na gestão de dinheiros públicos? E o quê fazer com óperas contemporáneas , como as da Meredith Monk, por exemplo? Acha que deve haver museus públicos de arte? Se sim, com que dinheiro estes devem comprar obras de arte? Dinheiros públicos? 29.11.03
Traduções de Poemas
Laura Rubín, uma leitora para quem sozinha valia a pena escrever este blogue, critica o meu apelo para me enviar traduções dos poemas que publico. Acha que devia continuar postar as minhas, embora deficientes. E quem quer ler uma tradução como deve ser, que compre o livro. Tem razão. Não publicarei traduções alheias. Mas, por um motivo egoista, mantenho o meu pedido: É que eu gostava muito de conhecer essas traduções...
Os riscos que eu corro!
Emenda:
Esta noite apaguei, embaraçado, um post no qual tinha dado conta de um blogue que acabou de linkar o Quase em Português. Entretanto percebi, que este embaraço tinha muito de um injustificável snobismo. Devo - sinceramente - agradecé-lo a amabilidade de me incluir nas suas (p)referências. Por isso seja aqui reposto o link: O TRAQUE Não tinha razão, Vespasiano tem: Non olet. Eines Tages vergass Sisifos, dass er Sisifos war. Da fand er sich wieder, wie er auf dem Berg sass, den Stein nebenbei, und sorglos die schöne Aussicht genoss. _______________ Um dia Sísifo esqueceu que era Sísifo. Aí reencontrou-se, como estava sentado no pico, a pedra ao lado, e a gozar, despreocupado, da bela vista.
Apaguei o post anterior (28.11.03). Cheirava mal.
27.11.03
Era uma viágem de dois dias de Kabul. O primeiro dia num mini-autocarro da Mercedes, em que tudo parecia mais pequeno, antes de mais os bancos, de maneira que tinha de dobrar-me desconfortavelmente no meu lugar, embora ainda privilegiado, comparado com muitos outros neste veículo a abarrotar com pessoas, sacos de cebolas, de grão e caixas com galinhas vivas. À noite fizemos escala em Bamyan. O mais estranho naqueles budas era o contraste entre estes monumentes grandiosos e a absoluta pobreza de tudo em volta, das barracas, das pessoas e da paisagem. Há desertos assombrosos, mas também há desertos sem beleza. Lembro-me ter visto ao longe, talvez à dois quilómetros, uma caravana de nómadas numa nuvem de pó. Não se aproximou da aldeia. Mas mais tarde houve criânças a pedirem-me medicamentos. Por detrás das estátuas havia um vasto labirinto de túneis na montanha, que antigamente era habitado pelos monges budistas, que se podia visitar. Tenho uma fotografia minha, a cores mas já muito esbatida, tirado por um ocasional companheiro de route suiço, que me mostra sentado em cima da cabeça do buda maior, numa postura algo inibída pelas vertígens que tinha, e como pano de fundo aquela paiságem vasta e desolador. No segundo dia seguimos, num camião russo tipo todo-o-terreno, para os lagos. Era um camião aberto, o que era melhor, embora se comia mais pó ainda, e quando o sol desapareceu por tras das montanhas, ficava um frio de rachar. Na medida que subimos no Hindukush, a paiságem ficava não menos inóspita, mas mais bela. Os lagos de Band-i-Amir fazem uma cadeia com níveis diferentes; algum estranho fenómeno geológico criou aqui barrágens naturais, cavados no meio do Hindukush, à 3500m de altura. Na ponta do lago mais baixo havia uma pequena planície com algum cultivo –no verão- mas seria exagerado chamá-la verde. Aí encontrava-se um acampamento de algumas barracas, onde turistas de mochila como eu encontraram um abrigo simples. Durante a noite, em Setembro, já fez bastante frio, de maneira que mesmo dormindo em figura de estrela à volta de uma salamandra de ferro, que alguem manteve aceso durante a noite toda, acordava-se cedo e com o corpo dorido. Os lagos eram deslumbrantes. Mas eram também bastante grandes, e para vê-los melhor já não havia mais transportes, a não ser cavalos. Havia um velho que alugava cavalos por um preço -como para tudo- irrisório. A decisão era fácil: embora nunca na vida tinha montado, a não ser naquelas voltas que se faz como criânça em cima de um pony quando se visita o circo, já me havia de desenrascar. Tambem não tinham estes cavalos qualquer ar assustador, não pareciam de modo algum selvagens ou fogosos (longe da ideia que tinha dos cavalos afegães, do país do buscachi...), mas antes tambem eles um ar um bocado triste e pobre, como tudo vivo a volta. Hoje não quero jurar que o que escolhi não tenha sido até uma mula... Dei uma nota ao velho, montei o cavalo e dirigi-me monte acima, no trilho que acompanhava a margem do lago. O cavalo dirigia-se razoavelmente bem, embora lentamente, em passo. Notava-se que já conhecia o trilho. Os primeiros quinhentos metros foram fácil. Mas na medida em que nós nos afastavamos do acampamento, o cavalo abrandava cada vez mais o seu passo, até no fim parar mesmo para pastar umas hervas míseras a beira do caminho. Durante a próxima meia hora lutei para lhe arrancar mais algum avanço. Em intervalos cada vez mais espaçosos, consegui mais uns cem metros. Finalmente desisti. Estava talvez a cerca de um quilómetro acima do acampamento. Olhei a volta: Também daqui a vista do lago era deslumbrante. Provavelmente não seria muito diferente mais em frente. Virei o cavalo e iniciei o caminho de volta. Mas quando o cavalo tinha andado com agoniante lentidão, enquanto me afastava do acampamento, ele agora adoptou um passo acelerado. E alguns momentos depois, com vista para os seus prados verdes a volta do acampamento, passou ao trote. Tentei abrandá-lo, mas nada feito. Pelo contrário, ele agora corria alegremente, como me parecia, cada vez mais rápido e já muito ultrapassando as minhas capacidades de cavaleiro. Já me imaginava cair e partir uma perna, aqui em cima, à dois dias de viágem de camião do próximo médico, no hospital de Kabul. Mais valia uma queda controlada, pensava, eu tinha que mas é saltar do cavalo! Tirava um pé do estribo, para logo perceber que nunca iria conseguir tirar o segundo. Agora já me imaginava ser arrastado no chão, até ao acampamento. Desesperadamente tentava voltar enfiar o pé no estribo.... Não sei como, mas cheguei ao acampamento em cima das costas do cavalo, e lembro-me vagamente tê-lo entregue, com o coração a bater até ao pescoço e com pernas bambas, ao seu dono sorridente.
Pedido:
Não peço que me corrijam o português, mas há uma excepção: As traduções dos poemas. Não são traduções, são um recurso desesperado. Por isso: Quem traduz melhor ou dispõe de uma tradução do poema em português publicada, mande-me a por favor! Obrigado!
Reklame
Wohin aber gehen wir ohne sorge sei ohne sorge wenn es dunkel und wenn es kalt wird sei ohne sorge aber mit musik was sollen wir tun heiter und mit musik und denken heiter angesichts eines Endes mit musik und wohin tragen wir am besten unsere Fragen und den Schauer aller Jahre in die Traumwäscherei ohne sorge sei ohne sorge was aber geschieht am besten wenn Totenstille eintritt (Ingeborg Bachmann) _______________ Publicidade Mas para onde vamos descansado fique descansado quando ficará escuro e quando ficará frio fique descansado mas com música o quê devemos fazer alegre e com música e pensar alegre perante um fim com música e para onde levamos preferêncialmente as nossas perguntas e o horror dos anos todos para a lavandaria dos sonhos descansado fique descansado mas o quê acontece preferêncialmente quando o silêncio da morte cai 26.11.03
Lagos de Band-i-Amir, Afeganistão
Fez ontem duas semanas que começou o Quase em Português.
Tenho que agradecer aos Cruzes Canhoto e ao Viva Espanha, que apresentaram o qep num post e já a muitos outros, que lhe dedicaram um link e começaram a falar com ele. Os blogues que referiram o Quase em Português ou o incluiram na sua lista de links, são, quanto eu sei, até agora estes: O Projecto, Terras do Nunca, Bloguítica, Blog De Esquerda, Cruzes Canhoto, Epiderme, A Lapiseira, Linha de Rumo, Notícias do Cais, Viva Espanha e possívelmente mais alguém em que não reparei... Obrigado a todos! Sinto me bem-vindo, o que sabe muito bem, e embora ainda não me acho um membro da família (que sempre ficará um bocado estranho e suspeito - eu sei!), alimento alguma esperança que lá chegarei. Também eu reparei que a blogosfera tem muito em comum com uma família: Há pessoas de todo o genero: inteligentes, estúpidas, vaidosas e ...oops!, generosas e mesquinhas, simpáticas e intragáveis, tios (e tias!) ricos e primos pobres, e como na vida não virtual, não se pode escolher com quem se partilha a casa. Mas pode-se conviver com uns mais e com outros menos, isso sim. Actualizei a lista dos links, e pus a em ordem alfabética, o que devia ter feito desde o início. (Só os de arquitectura mantive separado). Os blogues que acrescentei foram descobertas que entretanto fiz, não por eles serem blogues novos, óbviamente. Sei que continuo em falta para com a minha amiga Sara, embora que já há mais algumas vozes femininas nesta selecção...
Duas leituras nauticas:
Valéncia: Eu que gosto tanto da vela, tenho que render-me à lucidez do CAA dos Mata-Mouros. E Posicionamento, um post que há anos me pressionava para ser escrito (nem sonhava com a blogosfera), foi escrito hoje pelo Neptuno no Mar Salgado.
O JMF vai me desculpar, mas se a minha mulher soubesse quais são as horas de trabalho, da vida familiar (nos tempos em que ela está ausente) ou do meu sono que roubo para publicar posts, ficava em maus lençois.
Por isso fica como está.
Para falar de Arquitectura
Hoje li o artigo da Helena Roseta no Público. Tem razão em tudo que diz. E amanhã começa o 2º Congresso da Ordem dos Arquitectos. Porquê não tenho dito nada sobe isso no blogue? Porquê é que sempre quando abro a minha boca para falar das condições da arquitectura em Portugal e das condições em que os arquitectos exercem a sua profissão, fecho o logo a seguir e fico calado? Porque sei, por experiência, que é quase impossível de explicar a uma pessoa fora do ramo o que é ser arquitecto -em exercício - e que, se porventura uma acaba de acreditar parcialmente no que digo, me toma por um simples maluco ou - pior mas talvez mais aceradamente - por um incorrigível idealista com manias de artista, por não como qualquer pessoa com o mínimo de bom senso já ter mudado de profissão. Assim aprendi não maçar as pessoas com lamúrias. Mas às vezes não se pode ficar calado: Aconteceu-me há uns anos atrás que uma assistente social, cuja tarefa era apreciar candidaturas à bonificação de propinas do infantário, onde ou meu filho andava, recusou a nossa por simplesmente não acreditar na declaração IRS nela incluida. Não conseguia acreditar, que uma pessoa com curso superior, profissional liberal e então não desempregada, não ganhava pelo menos o mesmo que ganha qualquer funcionário público com equivalente formação! Mas era mesmo verdade. Só não está a vista a miséria dos arquitectos porque a solução para muitos de nós é ser as duas coisas, funcionário público com ordenado e reforma garantidos, e profissional liberal nos tempos livres; ou, quando as condições de trabalho no emprego público o permitem, profissional liberal ao tempo - quase- inteiro e funcionário público nos tempos que sobram. E aqui já se cruza (como em vários outros pontos) o problema individual de ter escolhido uma profissão que não tem - salvo excepções - reconhecimento monetário adequado, e o problema de Portugal ter uma arquitectura e um urbanismo actual para qual - também salvo excepções - não me atrevo escolher um adjectivo.
A educação sexual nos bordeis, a respeitabilidade e a noiva virgem
Faltei ontem a indicação da orígem do essay de Foucault. Encontrei o no catálogo da Exposição Internacional de Arquitectura de Berlim 1987, "Ideen, Prozess, Ergebnis", onde consta que este se chama no original "Des espaces autres" e nunca antes foi publicado. Aproveitei de dar a este post absolutamente desinteressante o título que devia ter dado ao post de ontem, em vez do inennaravelmente chato "Conservadorismo 4". Ainda estou a aprender... 25.11.03
Volto ainda mais uma vez ao artigo de João Pereira Coutinho sobre o conservadorismo na Bomba Inteligente. No último parágrafo JPC reconhece - com bela honestidade - que uma das vantágens do seu consevadorismo pluralista é ter disponível - em caso de emergência – por exemplo a casa de putas no bairro, sem por isso ter que perder a sua respeitabilidade ou der renunciar ou rever o seu sistema de referências. Se não me engano, foi algum teórico marxista que chamou a isto “duplicidade moral da burguesia”. (Não me lembro mesmo, quem...) Michel Foucault dá nos um bom exemplo, como esta duplicidade moral não só serve como escape para as fraquezas humanas, mas como ela pode ser elemento indispensável pela manutenção de um sistema de convenções incoerente e contaditório. Ele faz isso no essay “Outros Espaços” (1984), onde ele desenvolve o conceito das “heterotopias”. Heterotopias são espaços reais, mas que não fazem parte do contínuo do nosso espaço social. O seus acessos (voluntários ou não), são condicionados por rituais específicos de transição. Entre as heterotopias contam se os hospitais, os manicómios, prisões, cemitérios, quarteis, bordeis etc. Com recurso à eles a sociedade consegue retirar aquilo do seu espaço, que não encaixa e que perturba ou ameaça o seu normal funcionamento. Análogo e complementar às heterotopias existem as heterocronias, ou seja “outros tempos” na vida de uma pessoa, em que essa é retirada do seu tempo normal, enquanto se encontra na heterotopia. O exemplo é este: Na tradicional sociedade burguesa era uma exigência social incontestada que a mulher casasse virgem, logo sem experiência sexual. Ao mesmo tempo era objectivamente desejável, e socialmente aceite, que o homem, quando chega à noite das núpcias, já trazia alguma experiência. É este dilema, que as heterotopias resolvem, neste caso a do quartel e do bordel, e a heterocronia do serviço militar: O jovem é retirado, por um prazo limitado, da família, do seu ambiente social e sistema de valores normal, para ir para o serviço militar. Aqui, no quartel as regras são outras. É admitido e encorajado frequentar bordeis. Assim o nosso rapaz vai adquirir a experiência que lhe faltou (e as vezes outras coisas menos desejadas...), para mais tarde poder levá-las para a sua cama matrimonial. E assim o nosso rapaz, agora hómem, pode voltar a sua vida normal, com o seu sistema de valores intacto e universal, e (ao contrário das suas educadoras) ser um respeitável - e experiente - pai de família. 24.11.03
Para Ana Sá Lopes:
Numa entrevista Hemingway confessou que re-escreveu a última página de The Old Man and the Sea 17 vezes. Perguntou o jornalista: - Mas qual era o problema? - Getting the words right. ... (OK, sei que isto é só um blog...)
That sugar cane, that tasted good...
Os R.E.M. fizeram um dos mais bonitos popsongs que conheço dos últimos anos: Imitation of Life A primeira vista, ou, ao primeiro ouvido, o canção é de uma leveza e alegria contagiante, mas por baixo disto jaz uma tristeza abismal, sobre a "vanitas", a falsidade e o desamparo das nossas vidas. E há o tal videoclip congenial, que capta a mesma alegria terrivelmente oca, num cenário filmado em -se me lembro bem - 23 segundos, e magistralmente montado e adaptado ao canção.
"What I want to do next?
Make another record. And then another record. And another record. That's my plan." (Michael Stipe)
Encorageamento? - Encorajamento!
Estou perante um dilema: Mesmo se até agora ninguem se queixou e ainda não recebi nenhum mail com propostas de correcções de português, sinto às vezes um desejo quase irresistível de corrigir erros que detectei em posts já postados. Até agora resisti. (Mentira: umas poucas dezenas de vezes já devo ter feito alterações a posts já lançados, mas sempre num espaço de tempo muito curto depois...) Sei que não é ético alterar textos já lançados, especialmente quando se trata de textos que fazem parte - ou podem fazer parte - de uma polémica com outros blogues: Já imagei o que seria a impressão de alguem que chega, atraves de um link de outro blogue, ao texto referido e encontra la outra coisa, ou uma coisa alterada. Por isso, decidi nunca retirar nem acrescentar frases em posts que tem mais do que - digamos - meia hora de idade. Mas peço compreensão, quando, fora desse prazo de quarantena, me apanham a corrigir ocasionalmente a ortografia, a gramática ou até uma expressão estilística. Não vou exagerar, pois se era para transformar o blogue mesmo em português, não faria outra coisa... Mas também já percebi que não devo fazer isso, porque iria perder uma - para mim surpreendente - mais-valia que este blogue tem: o sotâque. 23.11.03
"Qui parcit virge, odit filium." (3)
Desde pequeno tenho uma aversão quase visceral aos provérbios. A razão para isso é sem dúvida a minha avó. Mas quando fiquei mais velho percebi o que me irritava tanto no seu uso dos provérbios: Não era o seu conteúdo, que pode ser muito acertado e até ter graça. O problema é que provérbios são quase sempre empregues em lugar do argumento, o que eles não são: não permitem nenhuma análise, nenhuma explicação adicional, nenhuma resposta, nenhum diálogo. Arrasam pela autoridade da sabedoria ancestral e pela sua contundência estilística, e matam qualquer raciocínio. Probvérbios poupam, a quem os usa, a necessidade de fundamentar, o esforço de pensar. Por isso, os proverbios são tão facilmente um instrumento da preguiça intelectual, da estupidez e da repressão.
"Qui parcit virge, odit filium." (2)
Já não me lembo se era o Berija (chefe da GPU, do orgão de repressão interna da União Soviética) ou o próprio Estáline, que achave que havia só dois motivos das pessoas: a ambição e o medo. Pelo outro lado há, pelo menos desde há ca. de 200 anos, uma corrente de pedágogos, que não acha isso.
Uma verdade dita com muita graça! (ponto 4. do Post)
"Qui parcit virge, odit filium."
Ainda ontem escrevi que achava provável, que o conjunto de valores que partilho com João Pereira Coutinho, é muito grande. Não é prova em contrário, mas hoje tenho que ler no seu site, à propósito do conflito na Universidade Coimbra, uma referência aos clássicos: "Qui parcit virge, odit filium." ("Quem a vara poupa, os filhos estraga.") Ora essa frase não é mais verdade por ter dois mil anos ou ser em latim. Pelo contrário, a sua citação é hoje muito mais estúpida do que a sua invenção numa sociedade, na qual era geralmente aceite de torturar prisoneiros de guerra até a morte para o gaudio público, a escravatura uma normalidade incontestada tal como o direito do patriarca de dispor como entende sobre a vida e morte dos seus escravos e filhos. Aí está um belissimo exemplo do conservadorismo do tipo dois, que atràs referi. P.S.: Este comentário não é nenhuma tomada de posição sobre o conflito das propinas e a questão se o reitor da Universidade de Coimbra devia ou não chamar a polícia. Não é um assunto de que acho que com este também eu me ainda devo preocupar. Por acaso, a única explicação que encontro pelo enorme espaço que este ocupa na blogosfera, é que devem ser tantos os docentes universitários que aqui escrevem, cujo campo de visão, pela sua próximidade com os acontecimentos, é ocupado em demasia por um assunto de proporções objectivamente muito menor.
Encorageamento
Escreve-me uma amiga: "... e quanto ao português nada de pânico, pois lê o seguinte: - De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea, nao ipomtra a odrem plea qaul as lrteas de uma plravaa etaso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma ttaol csãofnuo que vcoe pdoe anida ler sem gnderas pobrlmeas. Itso é poqrue nós nao lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo. Cosiruo não? -" 22.11.03
David Smith: Hudson River Landscape Agora um bocado mais a sério: João Pereira Coutinho fala no seu artigo na Bomba Inteligente de "formas de encarar" ou "escolas [que olham]" os conservadores. Não sendo especialista nestas materias, não vou referir à "escolas", mas vou, o que me parece legítimo neste contexto, falar de diferentes tipos de conservadorismo, que se distinguem pelas suas motivações. (e que naturalmente podem ser parcialmente coincidentes). O primeiro tipo que JPC refere, é o conservadorismo por interesse, daqueles que não querem mudança porque teriam muito (ou mais do que outros) a perder. É uma motivação inteligente e humanamente mais que compreensível, mas nem para mim nem para o JPC, ao que entendi, legitimação para o conservadorismo. O segundo tipo é dos tradicionalistas. Neste grupo, que julgo ser de longe o maior, incluam-se muitos, que não têm privilégios para defender, mas em vez disso uma outra coisa que valorizam ainda mais: A paz de espírito, ou seja, a segurânça de referências absolutas, uniformes, inquestionáveis etc. As pessoas assim motivadas podem ser decentes mas, no meu entender, difícilmente ao mesmo tempo inteligentes e informadas, porque a pluralidade e a orígem social das referências, e a arbitrariedade da nossa pertença a uma ou outra sociedade, ou seja, sistema de referências, está a vista para qualquer um quem nâo fecha os olhos. Acontece no entanto que muitos os fecham, como penso, pelos motivos psicológicos acima referidos. Essas pessoas são, no meu entender, as mais perigosas. (Todos os fundamentalistas são - óbviamente - deste grupo, mas não só eles. Aliás, como falamos em motivações, é evidente que pode e normalmente conflui mesmo numa postura conservadora mais do que uma das referidas...) A terceira motivação, defendida por um grupo, no qual - julgo (não mostra as cores neste artigo sem reserva...) - o JPC se inclui, parece-me de facto ser pouco diferente de uma postura céptica e liberal, com o acrescento de um "conjunto de valores basilares da vida" e de uma postura cautelosa em relação às ameaças que as mudânças representam: o referido consevadorismo natural. Ou seja, uma postura de "live and let live", que até reconhece valor na diversidade de referências e formas de viver. Sem me considerar conservador, revejo-me nesta postura, com a salvaguarda do esclarecimento dos referidos acrescentos. Relativamente ao conjunto de valores basilares acho provável que, se fizermos uma comparação, o JPC e eu ou qualquer representante da esquerda liberal iríamos encontrar uma esmagadora coincidência neste domínio, e ainda bem: É este o common ground em que se fundamentam as nossas democracias ocidentais. Fica então o conservadorismo natural, ou seja, a reserva cautelosa - muitas vezes bem avisada - em mudar as coisas. Se fizer parte do conjunto de valores basilares, que o JPC e eu temos em comum, a premissa de não só querer o bem para nós, mas o melhor para o maior número de pessoas para além de nós, e consequentemente admitimos que os nossos actos políticos não devem somente defender os nossos interesses particulares ou os do nosso grupo (família, classe, etnia, nação), se isto for o caso, então reduz-se a nossa divergência a uma divergência não de princípio, mas gradual, ou seja sobre o grau de mudança que entendemos por um lado suportável arriscar e/ou de todo possível atingir, e por outro lado necessário para melhorar as coisas. (Ponho aqui de lado as filosofias salvatóricas que Popper denunciou na Sociedade Aberta: Se sou da esquerda - não sou daquela esquerda!) Claro que nesta avaliação das nossas opções podemos chegar a resultados embora gradualmente, mas mesmo assim muito diferentes. (Os resultados dos nossos raciocínios sobre a mudânça podem ter sido produzidos por análises e juizos racionais, mas estão sempre - e legítimamente -suspeitos de terem sido influenciados pelas motivações dos tipos 1 e 2 acima referidos, e ainda pelo "wishful thinking". Esta suspeita recai igualmente sobre conservadores e progressistas...) Mas se não acredito em filosofias salvatóricas, - e quem ainda faz isso? -, isto não reduz em nada o escândalo que sinto e vejo nas condições de vida da esmagadora maioria dos habitantes deste planeta. E este escândalo é tão grande, que dele advém no meu entender uma obrigação moral (pois é - agora está dito...) para todos nós, que somos - às vezes esquecemos isso - incrívelmente privilegiados, de não nos contentar com o status quo.
Conservadorismo 2
Acho que percebi! Conservador decente e inteligente e informado = céptico e liberal ! ... Mas espera aí... Isso sou eu! Será que sou conservador?! O que é que vou dizer aos amigos?!
Agora é a vez de agradecer ao Blog de Esquerda pela sua simpática menção do Quase em Português. Faço isso aqui públicamente, bem consciente do quase ridículo, que esta retribuição de referências (link), tem, perante da diferênça do impacto que elas têm, num caso e noutro...
21.11.03
Há elogios que sabem bém, mas que colocam, pela sua qualidade, a fasquia tão alto, que obrigam a respirar fundo e dizer: Calma, e continua a fazer o que fazes. Se amanhã vais desiludir, vais desiludir porque foi inevitável. Não é por tentares agora algo de extraordinário, é que conseguirás responder melhor às expectativas...
P.S.: Por coincidência, A Praia também avisa. 20.11.03
Questionário:
1. Tem a certeza que está mesmo interessado, quando Você e todos os seus conhecidos já não existem, na preservação da espécie humana? 2. Porquê? Bastam apontamentos. 3. Quantas criânças não chegaram ao mundo por causa da Sua vontade? 4. Quem teria preferido nunca encontrar? 5. Está consciente de uma injustiça que cometeu em relação a uma pessoa, que não precisa de saber disto, e odeia antes Si mesmo ou esta pessoa por isso? 6. Gostava de ter a memória absoluta? 7. Qual e o nome do político, cuja morte por doênça, acidente de viação etc. podia enché-lo com esperânça? Ou acha ninguêm insubstituível? 8. Quem, que está morto, gostava de voltar a ver? 9. Quem, pelo contrário, não? 10. Teria preferido pertencer a outra nação (cultura), e a qual? 11. Qual é a idade que gostava de atingir? 12. Se tivesse o poder de ordenar, o que lhe hoje parece certo, ordena-o-ia contra a objecção da maioria? 13. Porque não, se lhe parece certo? 14. Quando parou de achar que continua a ficar mais inteligente, ou ainda acha? Mencionar idade. 16. Convence-o a Sua auto-crítica? 17. O que acha que lhe levam mal e o que leva mal a Sí próprio, e se não for a mesma coisa: Para que pede perdão antes? 18. Se imagina de passágem que não teria nascido: Incomoda-lhe esta ideia? 19. Quando pensa em falecidos: deseja que o falecido lhe fale, ou queria antes dizer ainda qualquer coisa ao falecido? 20. Ama alguêm? 21. E de que depreende isso? 22. Suposto que nunca matou uma pessoa: Como explica que nunca se chegou a isso? 23. O que lhe falta para a felicidade? 24. Para que está grato? 25. Preferia estar morto ou viver ainda algum tempo como um animal saudável? E como qual? Em Max Frisch: Tagebuch 1966-71 (Sketchbook 1966-71)
Conservadorismo
Desvendou-se para mim um bocado um mistério, que já me intriga há muitos anos: Como é possível que há pessoas decentes, inteligentes e informadas, que são conservadores! (Que os há, sei, e até já desde há algum tempo...) Devo isso à um excelente artigo de João Pereira Coutinho, posto anteontem pela Bomba Inteligente, onde ele explica o conservadorismo às criânças (e pessoas como eu). Obrigado aos dois. Vou continuar a pensar sobre o assunto...
He was just being funny and I didn't get it!
Sorry! - Mas afinal de tudo, sou alemão. Por acaso até topei que ele estava a ser engraçado, o que não percebi, era a requintada denúncia do cinísmo americano. Sorry outra vez!
Quando ontem abri este blogue, que costuma postar imágens com moderação, o que aprecio, isto encheu me o ecrã – e o meu coração.
19.11.03
Mais uma no Pedro Lomba:
O que me ontem irritou, não era a argumentação pouco séria, o que me irritou era a desumanidade bem-disposta, com que ele se passeava em cima dos cadávers desta guerra. „Sovadela“. Sinceramente...
Claro como Água: A fronteira está aí, em ambos os lados, e não no meio.
David Smith: 3 cubis (xviii, xvii, xix), 1963-64 18.11.03
Re: Idiomas (I+II)
Para além de agradecer tenho que dizer ao Paulo Gorjão, que a minha capacidade linguística não é de outro mundo. Veja bem: Passei toda a minha infância a cinco quilómetros da fronteira holandesa, e uma boa parte dos fins-de-semana da minha adolescência - por razões que prefiro não explanar aqui - mesmo para lá dessa fronteira. Garanto que o meu neerlandes é bem pior do que o do seu filho. É só a necessidade que faz a diferênça. Se vive na Bélgica talvez ainda não reparou na -esta sim- extraordinária capacidade de aprendizagem de português dos imigrantes moldavos, ucranianos e de paises afins em Portugal!
Prometo não repetir, porque não quero imitar ninguém, fornecer com um dia de atraso as informações correspondentes à imágem que postei na última noite:
As esculturas são de Eduardo Chillida e chamam-se Peines del Viento, e podem ser visitadas na costa atlântica perto de San Sebastian. A minha mulher bater-me-à, mas confesso que tenho imensa inveja de Chillida. Conta a sua viúva, orgulhosamente, o seguinte: Quando eles casaram, ainda jovens, e o Eduardo com a sua grande carreira de artista ainda pela frente, fizeram um acordo. Que ele, Chillida, nunca, mas mesmo nunca, se teria que preocupar com questões de dinheiro... E assim foi.
It's not funny!
Pedro Lomba explica nos hoje que todos somos culpados, porque todos mentimos: ele próprio, Bush, Saddam, a França, o nosso governo, Hitler, Elvis. - Elvis? Ah, não. Este aparece por outra razão no artigo. Diz muitas coisas, entre outras que "Os pacifistas têm a sua culpa. Foram eles que levaram os americanos a esta inconstância argumentativa." So far so funny. Mas depois diz coisas que já não têm graça nenhuma: "Saddam andava a pedi-las. [...] O fanatismo islâmico precisava de uma sovadela. O Iraque era o melhor país para a experiência." Eu já suspeitava que havia quem tinha estes motivos para esta guerra. Quem, na fulanização descontraida da guerra, pensa que o Saddam andava a pedi-las. E que o fanatismo islámico precisava de uma sovada. E que se podia assim matar dois coelhos com uma caçadada. Tem lógica. É como no recreio: Levei uma, não posso bater no gajo certo, bato noutro. Pá. Também sabe bem! Agora, que o desastre está a vista, a alguns interessa qualquer argumentação, quão mais inconsistente ela seja, para co-responsabilizar os críticos pela guerra no Iraque. Outros, mais inteligentes ou sérios, admitem: "É pá. OK. Está mesmo a correr mal. Talvez enganámo-nos. Mas agora não há nenhuma maneira de voltar atrás. Vocês agora têm que estar solidários." E os que gritaram "Não em nosso nome!" dizem: "Querias!" Embora reconhecendo o gozo que dá agora dizer "querias!", que deve ser proporcional à raiva dos que defenderam a intervenção, tenho que dizer: Isto não chega. Porque não estamos no recreio. It's not funny! Aos que disseram "não em nosso nome", dos quais fiz parte, embora com voz baixinha, pergunto: Onde está um cenário defensável e minimamente exequível como alternativa à permanência das tropas dos EUA no Iraque? P.S.: Ainda queria postar - mas já não tenho tempo para ir a procura dela - uma fotografia do tal menino sem pernas e braços, com a legenda: "Saddam andava a pedi-las!" (Pedro Lomba)
Pedro Lomba põe lugar a disposição!
O conhecido comentador do DN, Pedro Lomba, admitiu hoje publicamente no DN que mentiu. Num gesto de coerência infelizmente pouco vulgar, anunciou hoje no mesmo jornal: “Devemos assumir as nossas responsabilidades. Pela minha parte, estou pronto. Quando quiserem, apresento a minha demissão.” Ainda não nos foi possível apurar quem será o sucessor de Pedro Lomba na página “Geração de 70”.
Arquitectura:
Numa conversa com estudantes, num bar, diz um: – Em resumo, o que interessa é ser melhor do que os outros. – Não concordo. O que interessa é fazer uma obra perfeita. Que pode ser necessário ser melhor do que os outros, para conseguir uma oportunidade para tentar, é outra coisa.
„A formulação de diversos projectos faz parte das ocupações principais do homem moderno. Seja o que for que se pretende realizar hoje em dia nas áreas económicas, políticas ou culturais, primeiro tem que se formular um correspondente projecto, para depois submeter um pedido de aprovação ou financiamento à uma ou várias entidades. Se o projecto for recusado na sua forma inicial, tenta-se modificá-lo, para conseguir a sua aceitação apesar disso. Se um projecto for chumbado definitivamente, não se tem alternativa, a não ser de submeter um projecto novo. Assim ocupam-se todos os membros da nossa sociedade permanentemente com a concepção, discussão e recusa de sempre novos projectos. Escrevem-se pareceres, calculam-se orcamentos rigorosissimas, criam-se commissões, convocam-se grémios, e tomam-se decisões. Não são poucos contemporáneos que não lêem outra coisa a não ser estes projectos, pareceres e orçamentos. A maioria destes projectos ficam para sempre sem realização. Basta que parecem à um ou outro perito pouco promissor, difícil de financiar ou de todo indesejável – e todo o trabalho de formulação de projecto é em vão.
E o trabalho não é, de forma alguma, pouco – e o correspondente volume de trabalho até cresce cada vez mais [...]. Os documentos de projecto submetidos aos diversos grémios, commissões e autoridades são criados de forma cada vez mais atractiva e formulados cada vez mais detalhados, para impressionar positivamente os respectivos peritos. Assim, evolui a formulação de projectos para uma própria forma de arte, cuja releváncia para a nossa sociedade ainda está a ser reflecida de forma muito insuficiente.” em Boris Groys: Topologie der Kunst 17.11.03
O Paul Celan -e o público- perdoem-me, se massacrei este poema numa desajeitada tentativa de tradução.
Pena é que a minha língua materna não é nem espanhol, inglês ou francês: podia postar os meus poemas preferidos sem tradução. (Mas tenho também poemas preferidos sem serem em alemão.)
Einmal, da hörte ich ihn,
da wusch er die Welt, ungesehen, nachtlang, wirklich. Eins und Unendlich, vernichtet, ichten, Licht war. Rettung. (Paul Celan) ______________ Uma vez, ouvi-o, lavou ele o mundo, não visto, por uma noite, real. Um e Infinito aniquilado eram eu. Houve Luz. Salvação. 16.11.03
Blogues e o Sexo
Ontem disse me uma amiga, a quem tinha falado entusiasmadamente da blogosfera em geral e do meu blog em particular: "Mas isso é um fenómeno quase exclusivamente masculino, não é?" Fiquei sem resposta. É verdade que entre os 22 links no side-bar do quase em português - os que visito regularmente - há um único, que liga um blog de autores, em parte, femininos (Glória Fácil)! Agora como é que cheguei a fazer esta selecção? Num dia, no início de Setembro digitei "blogues" na Altavista. Apareceu-me a página blogues.no.sapo.pt, que recomenda, como bons exemplos, alguns blogs conhecidos. Já não sei se foi o Abrupto ou o Aviz que cliquei primeiro, por já conhecer os seus autores através da TV. Foi a partir daí, que todo o mundo dos blogues desabrochou para mim. Será que foi o ponto de partida, que me levou à fazer esta selecção (quase) totalmente masculina? Ou foram as minhas escolhas (inconscientes em relação à questão da quota feminina)? Teria hoje uma lista diferente no side-bar, se tivesse começado a minha viágem na blogosfera não com o Abrupto ou com o Aviz, mas com a Bomba Inteligente? Para ser honesto: duvido. Ou será que a representação feminina no meu side bar é proporcional à sua representação na blogosfera em geral? Duvido também. Agradeço respostas para esta questão a quem as tem. E para ajudar a minha amiga (e a mim): Quem pode recomendar interessantes blogues femininos? P.S.: Alguêm esperou um conteúdo diferente deste post? O Terras do Nunca teve ontem a amabilidade de dedicar um Post elogioso ao aparecimento do quase em português. Fiquei feliz pela publicidade mais que bem-vindo para um blog recém-nascido, mas não só por isso. Como disse Phil Collins ,que é – deixamos de lado aqui o songwriter – um excelente baterista: “I was a drummer who wanted to be respected by other drummers who I respected.” 15.11.03
A partir das notícias que leio na imprensa sobre a situação na Georgia ainda não consegui formar uma opinião sobre o que se passa neste pais. Também confesso que não me empenhei sobremaneira para o conseguir: não está nos meus interesses mais prioritários. Mas mexe comigo. Como alemão que viveu apaixonadamente os tempos da Perestroika, da queda do muro de Berlim e a reunificação alemã, tenho um sentimento de afecto, um misto entre gratidão, admiração e confiânça para com Chevardnadse (MNE do Gorbatchov nesses tempos), que, como ainda hoje acho, não tem o seu fundamento exclusivamente naquilo que este homem contribuiu para o benefício do meu pais, mas num juízo de carácter que formei com base também na personalidade que nos aparece via os media. Por isso custa me ver o homem acusado, ao que parece, por um movimento popular, de fraude eleitoral. A minha reacção espontánea é: Não pode ser! Mas na realidade tenho de reconhecer: Não sei. Nunca o conheci. Conheci uma figura pública que fez coisas corajosas e boas (também) para os alemães. Mas não conheço, nunca conheci Eduard Chevardnadse. E apesar desta conclusão continuo a gostar dele, quem não conheço... 14.11.03
Claro que esta anedota engraçada é muito perturbador, para não dizer incriminatório, para os pais. Como pai liberal (eufemismo para desleixado) não abolí a televisão em casa, e também não proibí, o que seria mais difícil, aos filhos de o ver, e também não controlei criteriosamente, o que seria ainda mais difícil, o que eles vêem e o que não. Assim não é surpreendente que a experiência de vida do meu filho nesta matéria lhe ensinou que as pessoas morrem em lutas. 13.11.03
Ouviu o meu filho (3 anos) que morreu a avó do Francisco, um amigo do infantário. Pergunta ele: – Quem a atacou? – Ela já estava velhinha. – Ah. Mas quem a atacou? Etiquetas: sel
Concurso Público para a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa:
Cerca de 120 gabinetes de arquitectura compram a documentação, ponderam então a sua participação. Trinta e oito concorrentes entregam, de forma anónima, uma proposta de projecto. Trinta e dois propostas são eliminados pelo júri por causa de deficiências formais, nomeadamente por causa de entrega incompleta de documentos. (O erro de alguns limita-se a não colocar a legenda certa nas plantas...) Entre os seis restantes, o júri estabelece a hierarquia e propõe esta ao Dono da Obra. Muitos dos eliminados protestam e o seu protesto recebe o apoio da Ordem dos Arquitectos, apesar de ele ter estado representado na organização do concurso, dado apoio técnico e jurídico ao promotor e ao júri e nomeado um dos cinco membros do júri. Um ano mais tarde, os concorrentes recebem uma carta do promotor do concurso, da Universidade Nov de Lisboa, informando que o concurso foi cancelado por causa da recente reclamação do terreno por parte do Ministério de Justiça. Nós (os propostos vencedores) investimos ca. de 600 horas neste concurso. Tomando isto, que é razoável, por um valor médio por concorrente, foram gastas ca. de 38x600 = 22.800 horas, sem contabilizar as horas do promotor e do júri. Calculando a hora média de um arquitecto com 50€, o custo para a economia nacional foi de 1.140.000€. Não há nada de excepcional neste caso... 12.11.03
Progresso:
Aprendi através de uma amiga, que recentemente foi a Angola, uma nuançe do Português angolano: Na Angola uma mulher não engravida, engravida-se! De facto parece-me um progresso na lingua portuguesa, em direcção a mais clareza: Não deixa dúvidas sobre quem tem as responsabilidades para tal acontecimento. Notem, mulheres: Quem f*** pode engravidar. Mas quem se engravida, f***-se mesmo.
Voltando ao Dogville:
Então e se o von Trier tivesse razão. Que ninguem presta. O que fariamos com essa conclusão? Tiramos as consequências? Quais seriam as consequências? Ou não tiramos consequências nenhumas, porque seriam, se fossem tiradas, demasiado drásticas? Ou é impossível chegar a essa conclusão (que mesmo niguem presta) porque simplesmente não pode ser? Ou será que já há quem tirou as conclusões e só não dei por isso? 11.11.03
Há uns tempos fiz férias em Monte Clérigo. Há la uma estrada muito bonita, que sobe, serpenteando, a encosta, a direita a rocha (calcário), escassamente coberto de trepadeiras, à esquerda, para alem de um baixo murete de pedras naturais, o atlantico imenso, o horizonte. Chegado a casa, desenhei a situação, da memória: a estrada sinuosa, a encosta, o muro baixo, o horizonte. Fiquei satisfeito, porque senti que consegui captar o que me tinha fascinado nesta situção. Uns dias mais tarde passei pela mesma estrada, e reparei que em nenhum momento se conseguia ver em simultáneo o mar (com o horizonte), e a estrada sinuosa para cá do murete. Ainda assim continuo a achar que captai qualquer coisa de essencial desta paisagem no desenho, apesar de que este desenho não corresponder a “verdade” (como seria possível fotografar). Acontece-me frequentemente no trabalho, que me lembro de uma ideia arquitectónica visto algures, e decido usar-la. Depois, quando comparo o resultado do meu trabalho com o original que “plagiei”, fico quase sempre espantado pela diferenca muito grande entre este e a fonte da inspiração. Não faço um esforço especial para me afastar da fonte, aliás, parece-me que a diferênça, aquilo que me afasta da fonte não está em mim, mas provém quase sempre das exigências do próprio trabalho que estou a desenvolver, que tem as suas próprias necessidades, criando as suas próprias regras. (De propósito: Acho legitimo roubar conceitos, temas, desde que se diz de onde eles vêm. Agora o que se rouba tem que ser bem empregue, se fica solta, não integrado, não transformado, então surge a vergonha do plágio! Não tenho pretensões em ser original, seguindo o conselho de Matisse: não tentes ser original, se tens originalidade, ela acaba de sair naturalmente!) Etiquetas: sel Já li um texto muito interessante sobre este filme n'A Praia e uma nota no Barnabé que aliás prometeu uma continuação que aguardo com muito interesse. Agora eu: Um filme muito impressionante! O filme encena uma fabula, com uma mestria e simplicidade que faz dele grande teatro (porque é teatro de que se trata aqui). Mas o seu ser uma fábula é também a orígem dos seus problemas, que ambos são éticos, profundamente éticos (e são estéticos num sentido menor, na medida em que a coeréncia argumentativa é uma qualidade estética). O primeiro problema é muito óbvio e muito irritante, ao mesmo tempo que, apesar de tudo, tendo em conta a envergadura desta obra, até quase desprezível: O filme é de um anti-americanismo de fazer sombra ao Bin Laden. Se não fossem os últimos minutos dos créditos, com a sequéncia das fotografias conhecidissimas das vítimas da grande depressão americana dos anos 30, com a banda sonora de "Young Americans" de Bowie, ainda seria possível entender todo o resto, o setting numa aldeia no interior da América puritana, a referéncia aos classicos filmes de gangster, como um dispositivo do dramaturgo para fazer o seu ponto, ou seja ficava a hipótese que podia ter havido outro setting qualquer. Mas von Trier faz questão de nã deixar aqui dúvidas. Agora tenho para mim que fábulas só fazem sentido, se se referem à todos nós. Se eles, através da sua agudização, da sua simplificação conseguem colocar em questâo nós, os espectadores. Não se prova através duma fábula - inevitavelmente simplificador - que os americanos são uns merdas, hipócritas e cobardes sem emenda, que não merecem melhor do que uma solução final... (Aliás, só como um exercício mental: Se alguem se lembrasse de fazer uma fábula tão simplificador e condenatório sobre um outro povo? Os judeus por exemplo? - Verdade é que isso já foi feito no seu tempo...) Esta fábula só faz - eventualmente - sentido se aquela escumalha nâo são os americanos, mas nós próprios. Todos nós. Toda a humanidade. E o filme parece-me querer provar isto: Então a vingança final da Grace não singifica isto: A Grace nâo é melhor do que os outros!? Ninguem presta, não há redenção. Nem a dignidade da revolta sem esperânça há, com em Camus. Só há nausea. Uma verdade impossível de viver... Como disse Max Frisch, por coincidência um autor de fábulas de teatro, enquanto crítico: Deve reconhecer-se que o artista realiza os seus objectivos com grande mestria, mesmo se os considera o diametralmente opostos dos seus... __________________ Deus o todo poderoso manda o seu filho para salvar os homens. Ou melhor, o seu filho quer salvar os homens, e está disposto de o fazer até ao ponto de se sacrificar, perante dum pai que nâo está muito convencido que os homens merecem ser salvos. O filho vai a terra disposto para beber o cálice até ao fim. Mas ao contrário do que acontece na história conhecida, o pai tira o filho da cruz e este convence-se de que o Pai afinal tinha razão. Não diz: Perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Diz: Mate os todos, sem excepção. Obriga os de ver morrer os seus filhos primeiro, eu devo-lhes isso...“
quase em português
Apesar das minhas limitações numa língua que só parcialmente domino, começo este blog. Sobre tudo. Mas serão três características, que irão condicionar - penso eu - o seu conteudo: Sou imigrante. Sou arquitecto. Sou pai de família. De resto, não sei para onde me isto levará... |
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