$BlogRSDUrl$>
13.1.07
A: Reconheceu no outro dia, que da sua argumentação, de que o aborto é justificado porque o embrião não é dotado de consciência, resultam perguntas também para si assustadoras. B: Sim. A: As perguntas eram: “O que vale uma vida dum embrião de dez semanas? O que vale uma vida dum embrião de catorze semanas? O que vale uma vida dum feto com oito meses? O que vale uma vida dum recém-nascido que ainda não desenvolveu um conceito do “eu”? O que vale a vida dum deficiente profundo? O que vale uma vida duma pessoa em coma?” Pode então respondê-las? B: Posso. Embora mantenho o que disse: Se venho a descobrir que nalguns destes casos subsistem dúvidas, isso não invalida o critério para os casos onde não há nada que origina estas dúvidas. A: Você pode não querer aplicá-los em todos os casos, mas outros podem aproveitar-se muito dos seus argumentos. Como disse: Você está a abrir uma porta perigosíssima! B: Não suprimo raciocínios, por temer que eventualmente possam servir à outros para fins que não partilho. Acredito profundamente que o livre raciocínio é, em última instância, sempre benéfico e que a sua supressão, por quaisquer motivos, honrosos ou não, leva-nos de volta ao obscurantismo e às trevas. Sou racionalista. A: Então vá. Responde lá às perguntas assustadoras. B: Antes de mais: “assustador” não equivale necessariamente a “perigoso”! Quando usei o termo, entendi mesmo “assustadoras”, o perigo pode ser percebido sem razão. Mas admito que me incluo, ou incluí, nos assustados. A: Ah, entretanto já não se sente assustado? Porquê deixou de está-lo? B: Devia antes interrogar-me porque estava assustado ou ainda estou, embora menos. Se tenho um critério racional, que me parece completamente válido e satisfatório no caso do embrião, porquê sinto-me inibido de aplicá-lo a um deficiente profundo, por exemplo? Se este não pensa, nem sente, e nunca pensará nem sentirá? Porque é que sinto que, apesar de tudo, se o matasse, cometia um acto imoral? - Porque é proibido pela lei? Não creio. Pelo menos não em primeiro lugar. Já violei outras leis, sem qualquer inibição. Será antes porque conto com a censura moral da grande maioria dos meus concidadãos, incluído muitos que estimo. Ou seja, a inibição vem da pressão social. Todos estamos mais ou menos sujeitos, nos nossos juízos morais, à pressão social. E não digo que é mau. Pelo contrário: Não acho que a nossa civilização funcionava sem esta força normalizadora do sentir moral. A: Com outras palavras, reconhece a necessidade da tradição, como garante da moral. B: Sim, como garante, mas não como fonte! Respeito-a por conveniência ou necessidade política. Mas tenho, obviamente, a ambição de fundamentar os meus juízos éticos em algo mais firme e universal do que nos costumes. Uma coisa é saudar a sua força normativa como garante de estabilidade mínima da sociedade, outra seria aceitar os seus juízos morais “de facto” como equivalentes aos que se deduzem de valores fundamentais. Estes valores axiomáticos devem ter uma origem algo mais consciente e nobre. Para um cristão serão os mandamentos, para mim são os direitos humanos. São estes aos que procuro reconduzir todos os meus juízos morais específicos. A: E agora vai dizer-me que, baseado nestes, podia matar deficientes e recém-nascidos? B: Admito que tenha de precisar um pouco mais. Lembra-se da nossa conversa do outro dia em que expliquei que para mim, de facto, não é a condição de ser formalmente humana, que me leva a respeitar uma vida, mas de este ter as características que distinguem a vida humana em contraste a outras? Ou seja, a consciência e os sentimentos. Isto é uma distinção importante: Se, por exemplo, alguem me apresentasse um animal, um robot ou um extraterrestre que tivesse essas características, sentir-me-ia obrigado de lhe reconhecer os mesmos direitos “humanos”. Por outro lado, um ser humano que não apresenta essas características, não pode contar com o meu respeito para estes direitos. A: O recém-nascido então? B: É um caso límite. Creio que não se pode dizer que tenha consciência. Mas sente, sem dúvida. Embora que não saiba que sente. No caso do deficiente profundo, que nem sente nem tem consciência, não tenho dúvidas. A: Está a falar a sério? O infanticídio um caso límite? O assassínio de deficientes tolerável? - Até hoje, não o tomei por um monstro, mas parece que tenho de rever a minha opinião! B: Está a ver: é essa a pressão social de que falei! Está a exercê-la. Pode ficar descansado: rendo-me a sua pressão. De facto, não defendo o infanticídio, nem o assassínio dos deficientes. A: Alto aí! Não quer dizer que se abstém destas posições por puro oportunismo? Que se rende a uma pressão que considera, na substância, estúpida e injusta! Decerto percebe que há outras razões, mais profundas, mais válidas para proibir o infanticídio. Não acredito que não as partilha! B: Quais, por exemplo? A: Será mesmo necessário elencá-las? B: Sim. Faça-me esse favor. A: Antes de mais o intocável valor da vida humana, que aliás está fixado na declaração dos direitos humanos que diz ter como referência. Este devia bastar. Mas posso elencar outras. A lei natural, que se manifesta no instinto da protecção dos bebés indefesos. E o civismo elementar. Então não acha que conduziria à desintegração da sociedade, se se permitisse assassinar bebés? Qual vida humana ainda se respeitaria, se nem se respeitasse o das bebés? Seria a selva. B: Vou começar onde concordamos. Os perigos sociais levo a sério. Embora lembro que houve civilizações bastante estáveis, que praticaram o infanticídio, como a romana, dou crédito ao argumento que a liberalização do infanticídio teria um efeito embrutecedor, e reduziria o desejável respeito pela vida humana consciente. É um argumento social válido e como tal, na prática, bastante, mas em termos éticos não é central. Também admito que a sua importância seria possível reduzir através do controlo da forma e das condições em que o infanticídio seria permitido. A: Continuo arrepiado, mas estou a ouvir. B: O argumento da lei natural não me convence. A lei natural nunca protegeu ninguém, nem adultos, nem bebés, basta serem os do inimigo. Por isso, vamos ao que interessa: o valor intocável da vida humana. Aqui já disse que acho em que este consiste: Na consciência, na capacidade de pensar, sentir, amar, sofrer, esperar... Gostaria de devolver a pergunta: Porque hei de respeitar uma vida que não tem essas características? A: Porque ainda é humana. Porque lhe devemos solidariedade e respeito, como também humanos. Porque pode ainda ser amado. B: É impressão minha ou evitou deliberadamente acrescentar: porque é uma criação de Deus? A: Tem razão. Porque é um ser humano a quem Deus deu vida. Que Lhe pertence. E só Ele pode tirá-lo. B: Agradeço a sua delicadeza e coerênca de procurar manter Deus fora deste debate, de acordo como originalmente combinámos. Fui agora eu a introduzi-lo porque me parece central na distinção das premissas das nossas posições. A distinção é a pertença. Você como cristão acredita que o ser humano pertenece a Deus, eu acredito que pertence a si próprio. Daí, se não existe sujeito, e acho que não se pode falar de sujeito onde não há consciência – sei que no plano jurídico não é bem assim, por razões que não são relevantes no nosso debate – se não há então sujeito a quem a vida pertence e ninguém mais é prejudicado pela sua eliminação, não há obstáculo para elminá-lo. A: Com esta postura podia candidatar-se a um emprego no projecto de “eutanasia” nazi, que levou a cabo o extermínio da “vida inválida”, exactamente dos deficientes de que está a falar! B: Não de todo! O seu “exactamente” é errado e injusto. A semelhança como a “eutanasia” nazi existe, mas é muito inexacta. E nesta diferença, entre o que os nazis fizeram e aquilo contra eu não tenho argumentos baseados nas minhas premissas morais, está tudo! Volto a realçar: Condição é que ninguém será prejudicado! Porque é obvio que grande parte da repulsa espontânea, que a ideia de matar humanos sem consciência, como fetos, deficientes profundos, para não falar de recém-nascidos, suscita é consequência da associação imediata com horrores que a “eutanasia” nazi cometeu. Mas os nazis violaram esta condição, de que ningém pode ser prejudicado. Arrancar crianças amadas das suas famílias e matá-las contra a vontade destas, assassinar deficientes mentais ou doentes psícicos, que eram pessoas bem conscientes, etc. foi terrível e será sempre terrível. A: Como é que vai assegurar, no seu plano de matança “indolor” e “sem prejuízo para ninguém”, que este não desliza para o cenário de horrores que reconhece como tal? B: Através da sua proibição. Acho muito importante que mantenhamo-nos bem longe de casos que possam suscitar a menor dúvida, dos onde existe algum vestígio de consciência ou algém poderia sofrer, como os seus familiares, por exemplo. Lembro que não vim aqui propor o infanticídio ou matar deficientes. Apresentei um critério para avaliar a licitude do aborto de embriões, e você desafiou-me de confrontar-me com as consequências da sua aplicação universal. Foi isso que fiz e penso ter demonstrado de que as reservas contra a sua aplicação universal, digamos, simplificando: aos nascidos, são em parte fruto de sentimentos irracionais, que originam de falsas generalizações, e em parte de razões válidas de cautela, quer com vista de prevenir erros e abusos que em cada caso individual seriam terríveis, quer para proteger a sociedade dum embrutecimento, que contraria o que também eu desejo, uma “cultura da vida”. (Dedicado ao Timshel) |
|
||||
|
|||||