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30.12.03
O Pior do 2003
Faço um permanente esforço para livrar-me de sentimentos patrióticos, mas com resultados limitados, senão não me sentiria picado pela classificação da "coligação Chirac/Schröder" pelo Cidadão Livre como pior acontecimento do ano 2003 (ao lado das guerras no Kongo e do Iraque). Não morro própriamente de amores nem por Schröder nem por Chirac, mas choca-me ver o entendimento entre os dois visto na companhia destes acontecimentos. Entendo - até a um certo degrau - o incômodo, ou devia dizer: angústia, que muitos sentem quando vêem a França e a Alemanha entender-se bem. Embora sendo alemão, vivo em Portugal, isto é, dependo da situação económica de Portugal como qualquer português, e se um "directório" um dia marginalizará ainda mais a nossa economia, perdo com isso como os portugueses (os meus filhos e a minha mulher, por exemplo). Mas quando vejo a "amizade" entre Chirac e Schöder, vejo antes outras coisas. Não achei a postura deles na ONU, em respeito à guerra do Iraque, muito negativa (embora motivada, em ambos dos casos, por motivos muito menos nobres do que os invocados). E depois quero lembrar que esta amizade só é a reedição de "amizades" anteriores: entre Kohl e Mitterand, Schmidt e Giscard, Adenauer e De Gaulle. Essas amizades tem sido, antes de tudo, uma enorme benção para a Alemanha e para a França, e para a Europa toda. Talvez é quase impossivel perceber, sem ter vivido nestes paises, como é que mudou a relação entre estes arqui-inimigos. Esta "amizade" entre políticos, que naturalmente merece ser mencionada sempre com aspas, foi e é possivel perante milhões de mortos, que um pior entendimento entre estes paises e os seus governos costumavam ter durante séculos. Talvez é mais fácil perceber esta questão assim: Estariamos melhor se os governantes de França e de Alemanha não se entendessem? 28.12.03
Peter Zumthor: Museu em Bregenz 23.12.03
Talvéz não muito a propósito, mas occoreu-me quando li o post do Avatares de um Desejo, este canção sedutor, piroso, engandor e completamente verdadeiro do disco Hunky Dory, mas que não é de Bowie: Fill your heart with love today. Don't play the game of time. Things that happened in the past only happened in your mind, only in your mind. oh forget your mind and you'll be free. The writing's on the wall and you can know it all if you choose. Just remember: Lovers never lose because they are free of thoughts unpure and of thoughts unkind. Gentleness clears the soul, love cleans the mind and makes it free. Happiness is happening, the dragons have been bled. Gentleness is everywhere fear's just in your head. Only in your head. Fear is in your head Only in your head So Forget your head And you'll be free The writing's on the wall, and you can know it all If you choose. Just remember: Lovers never lose Because they are free of thoughts unpure and of thoughts unkind. Gentleness clears the soul Love cleans the mind And makes it free. (Biff Rose, Paul Williams) Albrecht Dürer: Maria mit dem Kinde (1512) Como não se pode ter carinho para esta mãe... E se ela teve prazer na conceição do seu filho, não teria menos carinho por ela. Antes mais. 22.12.03
Trabalho com ele há quatro anos. As vezes não nos vemos durante semanas, mas normalmente vemo-nos várias vezes por semana. E há fases de trabalho, em que a colaboração é intensa, não só diária, mas criando aquela cumplicidade que é tão gratificante num trabalho em equipa. É um homem honesto, empenhado, solidário e leal. Quando cometo um erro, é ele que está lá, para apanhar as castanhas. Sem cobrar depois para isso. É um homem que gosta de fazer as coisas bem feito, mas que se preocupa, não só com o resultado, mas tambem com as pessoas que participam no projecto. Faz parte das suas responsabilidades, por exmplo, adjudicar serviços. E aqui ele tem sempre em conta, para além do interesse da entidade para qual trabalha, uma certa justiça na distribuição das encomendas: Tem o cuidado para assegurar que quem se tem mostrado empenhado não fica sem recompensa. O senhor é um militar reformado. Ainda hoje não sei, qual o seu grau militar. Não faz disto um assunto. De facto, notei que é uma pessoa metódica, disciplinada e pontual, mas em tudo o resto, está muito longe do cliché do militar alemão. Não tem mesmo nada de arrogante, frio ou autoritário. As vezes, entre os assuntos que tratamos profissionalmente, trocamos uns comentários sobre assuntos mais gerais. No outro dia, já não sei como chegámos ao assunto, ele disse o seguinte: "Herr Brückelmann, não me entende mal, mas digo-lhe que daqui em 100 anos, vamos avaliar Hitler de uma forma muito diferente." Etiquetas: antisemitismo, moral
Respeito
Aqui está alguém que se dá o trabalho de reflectir sobre as suas opções. (Que não partilho.) Concordo com o Cidadão livre: Assim valem a pena os blogues.
O mestre de Naumburg
Leio agora que a Uta representada na escultura já estava morta há 200 anos, quando esta foi feita, e não existiu registo pictorial dela nenhum. A admiração que tenho por ela então é devido (não era sempre?) ao artista e ao seu modelo(?). Ele é que era capaz de ver uma mulher assim, duzentos anos antes de van Eyck e van der Weyden. 21.12.03
À esquerda da Uta (isto é: à sua direita - e não aparecendo aqui na fotografia, por ser muito menos bonito) encontra-se o seu marido, o conde Ekkehard. Reparem como ela puxa a gola, para demarcar-se dele, e realçar a sua independência!
Uta von Naumburg Uma mulher que conseguiu afirmar-se como indivíduo, em 1250! 20.12.03
Li posts acerca disso já um pouco por todo o lado: no Janela para o Rio, no Viva Espanha, e agora no Barnabé. Mas não me parece que o problema já foi abordado do ângulo certo. É isso que vou fazer aqui: Que três quartos dos portugueses estão contra a imigração, é triste. Mas assim é também noutros paises, como na Alemanha, por exemplo. É uma vergonha, claro! Mas o que vale, é que são só os plebeios que são racistas e xenofobos. Posso garantir que nos meios onde eu me movimento, ou seja, entre gente culta e civilizada, não encontrei nenhuma xenofobia e muito menos racismo. Muito pelo contrário. Estamos todos muito contentes com a última onde de imigrantes, nomeadamente daqueles que vieram dos paises do leste! Resolveu-se finalmente um problema que já estava ficar mesmo aborrecido: A falta de empregados domêsticos de qualidade. Os imigrantes de cor (achamos mal chamar-lhes pretos, tem-se que ter cuidado com os pormenores, para defender-se dos primeiros sinais de racismo!) já estavam a ficar um bocado preguiçosos e arrogantes. Não é racismo se o digo. É mesmo a pura verdade, a que cheguei por experiência própria: Já era preciso mudar a empregada de très em três meses. Estavam a ficar mesmo exigentes, a quererem ser pagos quando estão doentes, ou até uma gratificação do natal! Também nunca simpatizei com essa frase "tassemal tassemal tassemal em Portugal...". Se estão mal, agora podemos dizer-lhes a vontade: que vão para onde vieram. (Era o que eu faria, se estivesse mal aqui: voltava para Alemanha, óbviamente!) As coisas mudaram muito para o melhor, ultimamente. Os moldavos, ucranianos e romenos são muitissimo mais empenhados. E melhor formação também têm, não há comparação! Confesso que nós ainda não conseguimos, mas uma amiga minha tem uma medica ucraniana como nanny! (Nós temos só uma enfermeira...) Tenho outro amigo cujos pais agora tem um genuino general russo na quinta deles: como caseiro! E um outro casal amigo tem agora também uma empregada interna, e até baratinho! Foi ela (uma bióloga ucraniana) que o quis ser! Para se libertar do jugo da organização mafiosa que a tinha trazido para Portugal (Estas organizações são uma vergonha, sem dúvida...) e a manteve quase presa numa pensão e que lhe ficou com quase todo o dinheiro que ela ganhou. Agora fica ela muito mais barata aos meus amigos, e não imaginem como ela está grata! É comovente ver como há ainda gratidão como esta no mundo! Mas nada contra negros, a sério! Também tenho amigos que ainda tem empregados negros e estão satisfeitos. Tenho um que tem uma angolana, digo vos: lindissima! O rapaz está mesmo esperançado: É que ele anda já há muito sem namorada e estava a ficar aflito... Agora fazemos todos figas para que as coisas corram bem! 19.12.03
They did the right thing, didn't they?
Disseram me agora que a filha de Saddam diz que está convencida que o drogaram, antes de o tirar do seu buraco. O que explicava o facto de ele ser capturado vivo, e até o ar sonso que tem naquele filme. Óbviamente não tenho maneira de confirmar se essa versão da história é verdade ou não. Mas plausivel é! E não sei o que impediria os americanos, que fizeram este filme, de o preparar desta maneira. Se serve para uma boa causa, ou seja, a destruição do mito de Saddam, está também essa medida, que só salva vidas, justificada. - Ou não? Por acaso confesso me enojado com este cenário, que ainda não me tinha ocorrido, na minha santa inocência. Mas o Maquiavel certamente não estaria, ou, se estaria, não permitiria por razões éticas, que este nojo influenciaria a decisão acertada. (Não me digam mal do Maquiavel, vocês os politicamente correctos! À sério: Este homem merece respeito!) Etiquetas: moral
Ainda o filme sobre o barbudo
Embora um pouco atrasado, queria ainda aplaudir ao artigo do José Pacheco Pereira no Público de ontem. Não à infeliz primeira parte, evidentemente, na qual também ele não resiste àquela estúpida desacreditação da genuinidade da alegria dos opositores a guerra sobre a captura de Saddam, mas ao resto, em que aborda a questão da deliberada e rquintada humilhação pública ao que os americanos o submeteram. Esta humihação tem um objectivo político justo (o que não é idéntico com a justificação do próprio filme), que é a demolição do mito Saddam Hussein perante os Iraquianos, para além de outros objectivos politicos menos justos, como os benefícios para a campanha eleitoral de Bush. É de facto um caso em que é preciso perguntar-nos, quando nos indignamos, se não servimos, antes de uma boa causa, a nossa decência... (ver o post no QeP do 9.12: A impossibilidade de ser ético e viver éticamente...) Mas como JPP, continuo a achar injustificado a exibição do filme: Não há só uma consideração pedagógica em relação aos Iraquianos, mas em relação a todo o mundo. Não está certo humilhar, não podemos ser assim. (Já repararam, eu, quem estava e está contra essa guerra, disse nós!) Etiquetas: moral 17.12.03
Amanhã vou meter me no avião e voar para a terra da minha infância. Onde núvens baixas se perseguem em cima de prados, pántanos e florestas. Onde vou fazer caminhadas no vento e na chuva miudinha, encontrar as lontras, garças e memórias de outrora. Onde escurece às quatro de tarde. Voltar a uma casa com uma mesa posta e lareira acesa, cheia de crianças nesta época do ano, para a alegria de um casal cada vez mais velho, Filemon e Baucis talvez não são, mas me querem parecer. Uma casa visitada por um Pai Natal que fala alemão mas nunca ninguem viu, onde o menino Jesus anda mas nunca ninguem fala nele. Onde as crianças vão buscar a árvore de natal, num carrinho de mão, agasalhadas mas com os narizes encarnadas, no dia 23. Onde vão enfeitá-lo, só eles, sem intervenção dos adultos, com estrelas de palha, que fizeram este ano, no ano anterior e os seus pais em tempos quando tinham a idade deles. Onde as velas são de cera e a música não vem da aparelhagem. Vai haver natal este ano, como no ano anterior, e como no ano antes deste; e para o ano vai haver outro natal, e depois outro, e depois outro, mas não para sempre, não, vai haver um ano em que o natal vai ser diferente, em que a casa ficará mais vazia, as garças e as lontras mais estranhas e a chuva mais fria... _______________ Hälfte des Lebens Mit gelben Birnen hänget Und voll mit wilden Rosen Das Land in den See, Ihr holden Schwäne Und trunken von Küssen Tunkt ihr das Haupt Ins heilignüchterne Wasser. Weh mir, wo nehm ich, wenn Es Winter ist, die Blumen, und wo Den Sonnenschein, Und Schatten der Erde? Die Mauern stehn Sprachlos und kalt, im Winde Klirren die Fahnen. (Friedrich Hölderlin) ______________ Metade da vida Com peras amarelas E cheia de rosas bravas A terra pende no lago, Vós cisnes graciosos, E embriagados de beijos Mergulhais a cabeça Na água sobria, sagrada. Ai de mim, de onde tiro quando É inverno, as flores, e de onde A luz do sol E sombras da terra? Os muros estão Calados e frios, no vento Batem as veletas. 16.12.03
Viver no século 21
Já o tenho alguns meses, mas ainda quase todos os dias olho para o meu portátil Samsung P20 (um modelo que cá não há e que encomendei por internet!) com o entusiasmo e o carinho de uma criança que olha para o há muito cobiçado presente de natal. E dou graças para me ser permitido viver nume época tão maravilhosa! E depois tento abrir a "abertura fácil" duma embalagem de fiambre do Pingo Doce... Quando fiz seguir às minhas especulações sobre a orígem da desumanidade nos campos de extermínio aquele texto fascinante de Ignácio de Loyola sobre a obediência, isto era óbviamente intencional. Não é que quero postular alguma paternidade moral (ou seja, em relação a objectivos) de Loyola para a shoah; isto seria tão injusto como fazê-lo em relação a Wagner e Nietzsche, que de resto tinham mesmo muito pouco em comum com Loyola. (Mas em relação não aos objectivos mas ao método, há uma citação interessante de Hitler*: "Aprendi muito com a ordem dos jesuitas. Até hoje, nunca existiu uma coisa tão grandiosa na terra como a organização hierarquica da igreja católica. Transferi muito desta organização para dentro do meu partido." E Walter Schellenberg, antigo chefe da contra-espionágem alemã, disse o seguinte: "A organização da SS foi constituido por Himmler de acordo com os princípios da ordem jesuita. Os seus regulamentos e os exercícios espirituais prescritos por Ignácio de Loyola foram o modelo que Himmler tentou copiar exactamente. O título de Himmler como chefe supremo da SS era para ser o equivalente do "general" dos jesuitas e toda a estrutura era uma imitação estreita da ordem hierarquica da igreja católica." ) Não me interessa aqui julgar Loyola; se isto acontecer, será um efeito colateral. Estou a tentar compreender assassinos. E aqui acho que a carta ajuda. A carta, de resto, fala por si. A obediência foi uma sempre reincidente explicação e justificação apresentada pelos arguidos nos processos que tentaram julgar os crimes nos campos da morte. E não me parece que era só conversa, só desculpas fabricadas a posteriori. Há aqui algo que evidentemente não desculpa mas que convém perceber. É verdade que houve animais que matavam e torturavam por prazer, mas a questão da obediência, e da convicção dos arguidos da sua inocência resultante dela, parece-me a questão chave: Sem essa obediência nada do que aconteceu poderia ter acontecido. A carta de Loyola é talvez o texto mais lúcido que uma vez foi escrito sobre a obediência. É uma pena que não encontrei nenhuma tradução portuguesa dela na net (o que não deixa de ser um pouco irónico, tendo em conta que ela foi escrito para destinatários portugueses...): Aqui havia uma tarefa meritória para os colégios jesuitas portugueses. Não sei se o Colégio S. João de Brito o faz, mas esta carta deveria ser leitura obrigatória nas escolas... Porque ela explica muito, explica como a obediência bem aprendida cria robots inteligentes, que não são atrapalhados por qualquer sentimento ou raciocínio divergente daquele que é transmitido pela cadeia de comando. Basta uma vez na vida ter se convencido da legitimidade do topo da hierarquia (para os jesuitas: Deus, para os nazi: Hitler), e nunca mais pensa-se nisso... Há mais uma outra coisa que torna essa carta tão importante. Percebi através dela o enorme fascínio que exerce a ideia da obediência absoluta. É uma tentação forte (que consigo sentir bem), para desprender-me de uma vez por todos do meu ego e de entregar-me, com todas as fibras, corpo e alma, à uma vontade alheia. Isto é um fascínio essencialmente religioso: É o doce canto de sereia da submissão. Essa atracção para mim era tão grande, que durante os anos da minha adolescência não consegui ler esta carta: Tinha o texto entre os meus livros, tinha curiosidade, mas desisti, ao mais tardar na segunda página, com um sentimento de repulsa, de pudor, como se de uma aproximação imprópria se tratasse... Afinal, talvez é melhor não. Não deveria ser leitura obrigatória nas escolas... * (não tenho uma fonte segura destas citações) Etiquetas: alemanha, antisemitismo, moral, sel
Dum Dum? - Dumm!
Escreve o Comprometido Espectador: "[...] Temos o pressuroso pessoal de esquerda que, no meio de uma avalanche alucinada de depoimentos sobre a convenção de Genebra e julgamentos justos, parece reproduzir o comportamento de um insecto a quem lançaram uma nuvem de dum-dum em cima. Este pessoal, depois de andar muito contentinho nos últimos meses a asseverar que estávamos no Vietname outra vez, que isto era a derrota certa, a catástrofe, já não sabe muito bem o que dizer e creio que rapidamente desistirá desta linha de argumentação (a menos que uma verdadeira catástrofe sobrevenha). [...]" Não sei melhor resposta a este esfregar as mãos do que este post honesto do Avatares de um Desejo: "[...] Há, sem dúvida, uma estranha perversidade quando tomamos partido em opções estratégico-políticas. Mais ou menos inconscientemente, desejamos que a realidade confirme as nossas previsões, queremos estar certos. Infelizmente o Iraque tem confirmado tudo (e mais) o que disseram as oposições à guerra unilateral: a ausência de armas de destruição massiva, o estabelecimento de laços entre os ex-militares iraquianos e a al-quaeda, o fim do multi-lateralismo anti-terrorista e um renovado suporte discursivo para o fundamentalismo islámico. Eu sei que não posso desejar que as minhas previsões se confirmem, elas previam que a guerra nos termos em que foi empreedida seria o pior dos caminhos. Só posso desejar que os planos d'outrem saiam certo, e que a democracia no iraque e a luta contra o terrorismo no mundo vençam. Alojados que estamos todos na lógica de Bush e seus vassalos, muitos como eu vêem-se a desejar algo que não conseguem acreditar.[...]"
Acerca dos comentários sobre as fotografias incómodas,
uma frase de Willy Brandt: "Se era para falar só com pessoas decentes, iriamos fechar o ministério de negócios estrangeiros ainda hoje." O Terras do Nunca diz bem qual é a questão: De que é que eles falam? Mas essa nuance é certamente demais para o Jaquinzinhos; - Jaquinzinhos, nuance... pois... 15.12.03
-----Original Message----- From: Paulo Pereira [mailto:ppereira@uevora.pt] Sent: Mittwoch, 10. Dezember 2003 10:01 To: bruckelmann@bau.pt Subject: Proposta de simbiose Boas; daqui fala do Blogo Social Português. Estou a abrir uma secção de Blogs em simbiose com o BSP. Assim, aqui fica o convite para uma mútua referencia dos respectivos Blogs. Eu poria o quase em português nos Blogs simbióticos. Até breve, Paulo Pereira Investigador: Ecologia numérica e Botânica. http://blogosocialportugues.blogspot.com/ http://www.pedexumbo.com/ http://www.cea.uevora.pt/umc ----- Original Message ----- From: bruckelmann@bau.pt To: 'Paulo Pereira' Sent: Friday, December 12, 2003 6:26 PM Subject: RE: Proposta de simbiose Caro Paulo Pereira, Em primeiro lugar peço desculpa pela resposta tardia! Agradeço o seu convite, mas não sei ainda, se o vou aceitar... Não é que vejo nele qualquer coisa de mal, mas interrogo me, se a escolha dos meus links deviam obedecer a essa sua lógica de simbiose. Nada contra simbiose, pelo contrário! Mas acho que não é só uma razão do meu interesse individual, se declino o seu convite, por achar importante de rever-me, isto é os meus interesses e as minhas preferências pessoais, na minha lista dos links. (Não a acho assim tanto especial.) A minha razão príncipal porque hesito é essa: Se todos nós aderissemos ao seu sistema de simbiose, teriamos a entropia total, cada um teria 4000 links, o que retirava qualquer sentido a ter links de todo. Ou seja, a não aceitar o seu convite, posso, para além de continuar a rever-me na minha lista dos links, sentir de dar um contributo à diferênciação da estrutura da blogosfera na sua diversidade... Relativamente ao seu blogue, que de facto visitei pela primeira vez depois do seu mail: acho o bastante interessante, e por isso não é pouco provável que o incluirei numa futura ampliação da minha lista. Nessa altura, ou quando quiser, antes ou nunca, ficarei contente se referênciasse o Quase em Português. Não é que não estaria interessado em mais leitores. Com os melhores cumprimentos, Lutz Brückelmann P.S.: Peço que me diga se vè algum mal na eventualidade de eu usar esta minha resposta num post no QeP. Obrigado. Lb Received from [15.12.03]: Paulo Pereira [ppereira@uevora.pt] Re: Proposta de simbiose Estou de acordo.... A simbiose é uma estratégia, como qualquer outra possível. A probabilidade de todos aderirem a esta estratégia é mínima; no entanto, hipoteticamente, seria possivel que isso acontecesse. Claro que pode usar esta resposta (não tenho nada contra)!! Gostei bastante das reflexões filosóficas induzidas pela proposta de simbiose; só por essas considerações, já valeu a pena esta troca de e-mails. De momento, revejo-me na lista de links da simbiose. Quando a coisa descambar (os tais 4000 links), então o melhor será mudar de estratégia. Obrigado pelo estímulo intelectual!!! Paulo Pereira Investigador: Ecologia numérica e Botânica. http://blogosocialportugues.blogspot.com/ http://www.pedexumbo.com/ http://www.cea.uevora.pt/umc ____________ Pensando bem, acho que o Paulo Pereira tem razão: é uma estratégia legítima. E um caso em que não se aplica - necessáriamente - o imperativo categórico de Kant.* * "Age somente, segundo uma máxima tal, que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal." Max Ernst: Aprés moi le Sommeil 14.12.03
La primera, que se va a lo más alto;
la segunda, que no sufre compañía, aunque sea de su naturaleza; la tercera, que pone el pico al aire; la cuarta, que no tiene determinado color; la quinta, que canta suavemente. Juan de la Cruz: Dichos de Luz y Amor
Vejo o Saddam na televisão, como lhe mexem no cabelo, lhe olham na boca, lhe viram a cara... Claramente este filme, que é visto em todo o mundo, tem um objectivo: humiliação.
E então? - Não é que, se uma vez um homem mereceu um castigo, então este? Mas eu vejo esta cena com um misto de vergonha e nojo. O que é que me faz sentir que um castigo, uma vingança, sempre e inevitavelmente macula, enxovalha quem a inflige? "[...] 2. The Foundation of Obedience The superior is to be obeyed not because he is prudent, or good, or qualified by any other gift of God, but because he holds the place and the authority of God, as Eternal Truth has said: He who hears you, hears me; and he who rejects you, rejects me [Luke 10:16]. Nor on the contrary, should he lack prudence, is he to be the less obeyed in that in which he is superior, since he represents Him who is infallible wisdom, and who will supply what is wanting in His minister, nor, should he lack goodness or other desirable qualities, since Christ our Lord, having said, the scribes and the Pharisees sit on the chair of Moses, adds, therefore, whatever they shall tell you, observe and do: but do not act according to their works [Matt. 23:2-3]. Therefore I should wish that all of you would train yourselves to recognize Christ our Lord in any superior, and with all devotion, reverence and obey His Divine Majesty in him. This will appear less strange to you if you keep in mind that Saint Paul, writing to the Ephesians, bids us obey even temporal and pagan superiors as Christ, from whom all well-ordered authority descends: Slaves, obey those who are your lords according to the flesh, with fear and trembling, in singleness of heart, as to Christ, not serving to the eye as pleasers of men, but as the slaves of Christ doing the will of God from your heart, giving your service with good will as to the Lord and not to men [Eph. 6:5-7]. From this you can judge, when a religious is taken not only as superior and guide in the divine service, what rank he ought to hold in the mind of the inferior, and whether he ought to be looked upon as man or rather as the vicar of Christ our Lord. 3. Degrees of Obedience Obedience of Execution and of the Will I also desire that this be firmly fixed in your minds, that the first degree of obedience is very low, which consists in the execution of what is commanded, and that it does not deserve the name of obedience, since it does not attain to the worth of this virtue unless it rises to the second degree, which is to make the superior's will one's own in such a way that there is not merely the effectual execution of the command, but an interior conformity, whether willing or not willing the same. [...] And thus my dear brothers, try to make the surrender of your wills entire. Offer freely to God through His ministers the liberty He has bestowed on you. Do not think it a slight advantage of your free will that you are able to restore it wholly in obedience to Him who gave it to you. In this you do not lose it, but rather perfect it in conforming your will wholly with the most certain rule of all rectitude, which is the divine will, the interpreter of which is the superior who governs you in place of God. For this reason you must never try to draw the will of the superior (which you should consider the will of God) to your own will. This would not be making the divine will the rule of your own, but your own the rule of the divine, and so distorting the order of His wisdom. It is a great delusion in those whose understanding has been darkened by self-love, to think that there is any obedience in the subject who tries to draw the superior to what he wishes. Listen to Saint Bernard, who had much experience in this matter: "Whoever endeavors either openly or covertly to have his spiritual father enjoin him what he himself desires, deceives himself if he flatters himself as a true follower of obedience. For in that he does not obey his superior, but rather the superior obeys him." And so he concludes that he who wishes to rise to the virtue of obedience must rise to the second degree, which, over and above the execution, consists in making the superior's will one's own, or rather putting off his own will to clothe himself with the divine will interpreted by the superior. Obedience of the Understanding But he who aims at making an entire and perfect oblation of himself, in addition to his will, must offer his understanding, which is a further and the highest degree of obedience. He must not only will, but he must think the same as the superior, submitting his own judgment to that of the superior, so far as a devout will can bend the understanding. For although this faculty has not the freedom of the will, and naturally gives its assent to what is presented to it as true, there are, however, many instances where the evidence of the known truth is not coercive and it can, with the help of the will, favor one side or the other. When this happens every truly obedient man should conform his thought to the thought of the superior. [...] On the other hand, without this obedience of the understanding it is impossible that the obedience of will and execution be what they should be. For the appetitive powers of the soul naturally follow the apprehensive and, in the long run, the will cannot obey without violence against one's judgment. When for some time it does obey, misled by the common apprehension that it must obey, even when commanded amiss, it cannot do so for any length of time. And so perseverance fails, or if not this, at least the perfection of obedience which consists in obeying with love and cheerfulness. But when one acts in opposition to one's judgment, one cannot obey lovingly and cheerfully as long as such repugnance remains. Promptitude fails, and readiness, which are impossible without agreement of judgment, such as when one doubts whether it is good or not to do what is commanded. That renowned simplicity of blind obedience fails, when we call into question the justice of the command, or even condemn the superior because he bids us to do something that is not pleasing. Humility fails, for although on the one hand we submit, on the other we prefer ourselves to the superior. Fortitude in difficult tasks fails, and in a word, all the perfections of this virtue. On the other hand, when one obeys without submitting one's judgment, there arise dissatisfaction, pain, reluctance, slackness, murmurings, excuses, and other imperfections and obstacles of no small moment which strip obedience of its value and merit. Wherefore Saint Bernard, speaking of those who take it ill when commanded to do things that are unpleasant, says, with reason: "If you begin to grieve at this, to judge your superior, to murmur in your heart, although outwardly you fulfill what is commanded, this is not the true virtue of patience, but a cloak of your malice." Indeed, if we look to the peace and quiet of mind of him who obeys, it is certain that he will never achieve it who has within himself the cause of his disquiet and unrest, that is, a judgment of his own opposed to what obedience lays upon him. [...]" Ignácio de Loyola: Carta sobre a obediência Etiquetas: antisemitismo, moral, sel Acho que, no último post, usei com "compaixão" a palavra errada. Compaixão tem uma componente de soberba, que implicitamente já legitima uma situação desigual de direito ou poder, e também tem connotações de sentimentalismo que não quis invocar. Nem a tradução da palavra alemã "Mitgefühl", simpatia, descreve bem ao que me quis referir. Queria referir-me a uma capacidade humana, quase um sentido, que nos permite sentir como o outro se sente, que nos possibilita meter nos, emocionalmente, na sua pele. É espantoso como este sentido está distribuido de forma desigual entre os homens. Entre os meus conhecidos mais próximos, nos quais não se conta nenhum torcionário ou outro monstro (quanto sei...), há pessoas a quem falha este sentido de tal maneira, que, se de cores se tratasse, devia chamar-lhes daltónicos. E são pessoas com boas intenções, princípios éticos semelhante aos meus, solidários, e com apurada sensibilidade artística. Mas não conseguem, mesmo quando isso está fortemente no seu interesse, como em negociações por exemplo, sentir ou imaginar as emoções do outro. Possivelmente também se pode, com o devido treino, adquirir ou reforçar este daltonismo, como Himmler pediu aos seus homens. O que é preciso para isso é uma convicção forte, espírito de missão, sentido de dever, e disciplina, disciplina, disciplina... Etiquetas: antisemitismo, moral, sel 13.12.03
O Abrupto interroga-se ao ler o texto do Requiem Alemão de Brahms, como é possível tantos alemães terem feito o que fizeram, apesar de certamente terem ouvido, com genuina emoção (?), estas palavras bíblicas. Posso assegurar-lhe que estou convencido que a emoção foi genuina. Famoso é o caso de Reinhard Heydrich, o cultissimo chefe do "Reichssicherheitshauptamt", que tem fama de ter sido um excelente e sensivel violoncellista. Uma pessoa, de cuja sensibilidade duvido (embora falta me o conhecimento), é o chefe de Heydrich, Heinrich Himmler. Há um notável discurso deste homem, que fez perante "funcionários" altos (entre outros) dos campos de concentração. Neste discurso ele reconhece perante os torcionários e assasinos em massa, como é muito difícil e psicológicamente exigente fazer o trabalho que eles fazem. Mas que é necessário. E o mérito, pelas dificuldades sofridas, é tanto maior. A falha ética na construção do homem reside, creio eu, na sua capacidade de distinguir entre nós e os outros. Ou seja, na capacidade de desligar a compaixão para qualquer ser humano, que não é dos "nossos". Os relatos sobre torcionários que eram pais e avós carinhosos, há em massa. (Eichmann, por exemplo, que estava, quando já capturado pelo Mossad, antes de mais preocupado não com a sua própria vida, mas com o fado dos seus netos, porque temeu que os israelitas iriam vingar-se neles...) Para tentar perceber como funciona este mecanismo de descompaixonamento, imagino as pessoas que trabalham num matadouro. Não duvido que num martadouro podia sentir-se, se uma pessoa quisesse, o terrivel medo e sofrimento dos animais. Mas fazemos um esforço para não o sentir. É outra coisa: São animais. (Não quero pôr, de maneira alguma, quem trabalha num matadouro na próximidade de um torcionário de um campo de extermínio. Alias, como eu como carne, estou moralmente absolutamente equiparado com eles...) Etiquetas: antisemitismo
(na Janela Indiscreta)
Um dos primeiros equívocos que descartei era que uma droga como LSD trazia algo de novo para a minha mente. Claro que não o faz. É só um quimico e não há nada neste pingo no pedaço de papel mata borrão que entra na minha alma. O que este químico faz é o contrário: retira algo. Retira a carapaça que a experiência construiu em volta das minhas percepções e sensações. Os nossos sentidos e também o nosso cerebro deixam entrar um mundo muito mais intenso do que aquele de que normalmente estamos conscientes. Desde o nosso nascimento estamos a ganhar experiencia, classificamos as sensações, aprendemos a interpretá-las e desenvolver reacções adequadas. E assim, na medida em que aumentamos a nossa aptidão de nos orientar e movimentar no mundo, retiramos-lhe mistério, cor e beleza. Chegado a idade adulta, temos o quase completamente desencantado. Mas o mundo ainda está aí, com todo o seu esplendor. Isto é a experiência maravilhosa e ao mesmo tempo o terrível do trip. No que diz respeito ao controlo das emoções e percepções fiquei remetido para o estado alma de uma criânça de colo. Tudo é novo, tão misterioso, tão belo e tão terrivel como quando o vi pela primeira vêz. Senti-me nu e novo, completamente indefeso mas também incrívelmente livre... _____________________ Um dos meus amigos que experimentou como eu com LSD ficou esquizofrênico. Não faço ideia se é uma consequência do uso da droga. LSD não é viciante. Digo eu: Porque não é confortável estar num trip. É muito desgastante. Não conheço ninguém que ficou viciado em LSD, ao contrário do que é o caso com outras drogas. LSD não é absolutamente indispensável para voltar a sentir o mundo como em criança. Basta apaixonar-se a sério. (Bem, quase...) ____________________ Como avisam Wolfgang Schmidtbauer und Jürgen vom Scheidt: As luzes do travão do carro a tua frente podem ser, se estás num trip de LSD, uma experiência única, a revelação sobre a essência do vermelho; - mas não é isso que garante a tua sobrevivência. Essa é garantida pela tua capacidade de não te perderes nessa experiência, na capacidade de interpretar correctamente esta informação e carregar atempadamente nos travões. 12.12.03
Overland to India
O meu pai achou uma vergonha, que eu, uma semana antes da minha partida, ainda não tinha nenhuma rota definida, não tinha comprado nenhum livro sobre a India, ou o Irão, ou Afeganistão ou sobre o quer que seja. Não tinha comprado nenhum guia, nem estudado qualquer matéria relacionada com os paises que iria visitar... Nada da sua história, das sua cultura, religiões, monumentos, situação política, económica, social, nem as línguas. Nada. Mas não era distracção ou negligència ou falta de empenho da minha parte. Eu simplesmente não queria saber o que estava a minha espera. Simplesmente não queria saber... Etiquetas: prosa O desenho é uma representação esquemática do "Fliegenglas": Uma armadilha para moscas, que é basicamente uma garrafa com gargalo invertido. Dentro da garrafa coloca-se um pouco de mel ou outro isco semelhante. Uma vez entradas na garrafa, as moscas nunca mais encontram a saida. Porque a saída não se encontra em nenhum ponto da periferia, mas no centro da garrafa. (O amigo, que me em tempos contou esta analogia para problemas que não tem solução sem que se consciencializa pressupostos erradas, disse-me que ela é de Wittgenstein.) 11.12.03
"D'abord je trouve. Puis, je cherche."
... é a citação correcta do Picasso, diz me o Ivan. Obrigado! OK. Sorry. O Ivan tem razão.
O meu comentário pareceu - se calhar era - mesmo snobbish. ["peneirente" era a palavra que ontem não encontrei!]
São realmente só os anos 80 que acho tão pirosos... Sem fundamento intelectual nenhum. E não obstante: a Madonna naquela fotografia é mesmo apetitosa... Também gostei do joke. Mas reconheço que depois de ter maltratado os ícones eróticos da sua adolescência, devo-lhe este coming out: 10.12.03
Um discípulo prodigioso de Beckett e Wittgenstein!
Na Rua da Judiaria descobri um blog de puro génio. A sério. Ri-me às gargalhadas. E ao mesmo tempo, sinto me ameaçado pelo mais absoluto desespero. Talvéz não há blogue mais honesto do que este. Talvéz é mesmo isso, e só isso, that it´s all about... (Mas essa verdade, se realmente for uma, só aguentarei a brincar.)
Um chato.
O Terras do Nunca tem um defeito, que temo também em mim não conseguir combater com o sucesso necessário: É insuportávelmente moralista! Agora fala nos das criânças afegãs... Ele lembra me de um compatriota meu, Erich Kästner, que também tinha o hábito de incomodar os seus contemporáneos com histórias da desgraça. Perguntaram-no: - Herr Kästner, onde fica o positivo?! E ele respondeu: - Pois, porra! Onde é que fica?
Ai os anos 80!
Como pode um homem, que postou a foto da Emanuelle Béart, postar isto e aquilo? Brrrrrr.
O post anterior
Essa é a dificuldade de quem procura Deus...
"Eu não procuro. Descubro."
(Picasso) Durante muito tempo achei isso uma engraçada mas muito arrogante afirmação de um génio. Mas não é só isso. Descreve o método do artista. Quem procura, só descobre o que já conhece. 9.12.03
História
"Há um quadro de Paul Klee que se chama Angelus Novus. Nele está representado um anjo que parece como se ele estivesse na iminência de se afastar de algo, para onde está a olhar fixamente. Os seus olhos estão arregalados, a sua boca está aberta e as suas asas estão estendidas. Assim deve ser o aspecto do Anjo da História. Tem a face virada para o passado. Onde nos aperece uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma única catástrofe, que amontoa imparavelmente destroços em cima de destroços e que os lhe atira aos pés. Ele gostava sim de demorar-se, acordar os mortos e juntar o partido. Mas uma tempestade sopra a partir do paraíso, que se prendeu nas suas asas e que é tão forte, que o Anjo já não as consegue fechar. Esta tempestade empurra o imparavelmente para o futuro, ao qual vira as costas, enquanto o monte de destroços a sua frente cresce até ao ceu. O que nós chamamos progresso, é esta tempestade." (Walter Benjamin) Lembrei-me por causa dos posts no Abrupto, no Barnabé e no companheiro secreto... Paul Klee: Angelus Novus
Sobre o post anterior:
Talvéz será necessário acrescentar que Max Frisch era suiço. - E que não acho que o texto seja uma explicação cabal do terrorismo moderno, também. (?) Que o texto tem 50 anos, depreende-se do título do livro.
A impossibilidade de ser ético e viver eticamente - ou uma pessoa deixa ambos ao meio... A ética, como ela nos é ensinada, inclui sempre e à partida a derrota mundana; não salvamos o mundo do diabo, entregamo-lhe o mundo, para que nós próprios não sermos de diabo. Simplesmente deixamos o campo: para ser ético. Ou não o deixamos; não nos deixamos matar a tiro, não simplesmente, não sem atirarmos nós também, e o massacre está aí, o oposto do que queriamos...
Uma pessoa pode estar empenhada em impor e realizar o bem, ou uma pessoa pode estar empenhada em ser uma boa pessoa - isto são duas coisas distintas, que se excluam mutuamente. A maioria quer ser boas pessoas. Nínguem se alegre mais, quando ficamos boas pessoas, do que o mau. Enquanto as pessoas, que querem o bem, não ficam por sua vêz mãs, o mau está na maior! (Enquanto os pobres não "roubam".) Amoralidade em mentes fortes provavelmente não é - na maioria das vezes - nada diferente do que o desejo para uma outra ética, uma ética possível viver. Experiência diária nas coisas pequenas: A tua decência é a maior e mais barata arma dos teus inimigos! Tu prometeste a tí não mentir - por exemplo - e isto é bonito da tua parte, excelente, enquanto podes permitir-te isso; seria tolo, se achares que com isso servirias sem mais nem menos, a verdade. Serves a tua decência. Certas exigências éticas, acho, ficavam desde há muito esquecidas, se não os indecentes, que se libertaram destas exigências, teriam um interesse natural, que os outros se deixam atar por essas exigências - isto é válido para todas as exigências cristãs que dizem respeito à propriedade... Toda a educação, que não só a nossa igreja, mas também as nossas escolas fornecem, visa essencialmente que sejamos pessoas decentes, que, por exemplo, naõ roubam - não educa para que nós nos defendermos, sempre e onde se rouba, e que nós devemos lutar para o bem, que nos ensina. O bem, sabemos, se realiza, na melhor das hipotes, dentro do próprio peito. Uma boa ideia, de facto, boa para quem manda. A impossibilidade de ser ético e viver eticamente - a sua agudização em tempos de terror. Com o que é que trabalha qualquer terror? Com o nosso instinto de sobrevivência e consequentemente o nosso medo da morte, sim, mas também com a nossa consciência ética. Quanto maior a nossa consciência, mais garantida está a nossa destruição. Quanto maior uma fidelidade, mais certo a tortura. E o resultado de qualquer terror: os biltres se safam sempre. Porque o terror serve especialmente bem, assim parece, para o extermínio de pessoas decentes. Ele está calculado para uma certa decência; o seu falhanço mais cedo ou mais tarde relaciona-se talvez com o facto, que ele consome a decência, até ao momento em que já não pode prender ninguém nela. E antes de mais ele também desvaloriza a vida, a alegria na vida, até ao momento em que já não é preciso uma corágem superhumana para apostar uma vida desvalorizada contra ele - não como vítima na pedreira, onde é tarde demais, não como mártir ético, mas como agente ímoral, antes de ser tarde demais: como terrorista. in Max Frisch: Tagebuch 1946-49 Etiquetas: moral 8.12.03
Arno Rafael Minkkinen: Prague (in UP, Peter Gabriel)
Re: Hiroshima sem Amor
O Terras do Nunca está chocado, muito justamente chocado, com a exposição da Enola Gay, do avião que lançou a bomba atómica sobre Hiroshima. Sem enquadramento, sem explicações. Acredito que há militares que odeiam matar. Que odeiam a guerra. Que exercem a profissão por um sentido de dever, com a nobre intenção de proteger os seus (no sentido mais lato). Com humanidade. (Bem... isso já não sei, mas não queria enveredar por aí.) Mas o que nunca vi, é um militar que não tem um fascínio por armas. Um fascínio que compreendo, porque eu próprio não estou completamente livre dele. Tento defender-me dele, e estou muito, mas mesmo muito longe de ser um fetichista de armas. Mas sinto este fascínio, reconheço. E os meus filhos ainda! Quando sentimos o fascínio, não imaginamos os outros a morrer, não vemos pessoas a contorcer-se na dor. Não vemos mães a chorar os seus filhos. Estamos fascinados, estupidamente. A indignação do Terras do Nunca é justa. Partilho-a. Sem reservas. Mas a Enola Gay não é Hitler. Hitler é muito pior. É uma outra dimensão do Mal.
Bolas!
Tinha escrito um longo e muito inteligente post, no qual comentava o post THE LITERAL LEFT do NMP do Mar Salgado. Demonstrei que o elogiado artigo de Cristopher Hitchens padece dos mesmos defeitos que denuncia (a dizer que a administração Bush nunca disse, que existia uma relação entre 9/11 e Saddam) e que seria, antes de um contributo sério para o debate sobre o problema do Iraque, uma peça para a campanha eleitoral da reeleição do actual presidente, na medida em que tenta minorizar o problema de credibilidade dele. Que é um problema, antes de mais, interna-americano, e só em segunda parte, para o mundo ocidental, ou seja, as democracias, e completamente marginal para o problema que constitui o Iraque hoje... Mas mesmo no momento em que ia gravar o post, crachou o computador... Não tenho paciência para repetir a escrevé-lo. Embora que é uma pena, acreditem! 7.12.03
YO NO SOY YO.
Soy este que va a mi lado sin yo verlo; que, a veces, voy a ver, y que, a veces, olvido. Ele que calla, sereno, cuando hablo, el que perdona, dulce, cuando odio, el que pasea por donde no estoy, el que quedará en pié cuando yo muera. (Juan Ramon Jiménez) 6.12.03
Mais Privatizações
Agora entusiasmei-me com as privatizações: Em primeiro lugar privatizava, óbviamente, os Serviços de Estrangeiros e Fronteiras: Não tenho a menor dúvida que a Lufthansa, a Ryanair ou até a Tap conseguem melhor do que os dez meses para uma renovação do Cartão de Residéncia para estrangeiros. E também acho que o sistema de classes que existe no transporte aéreo, com Economy Class, Business Class e Navigator Class se adequaria muitissimo bem ao existente regime diferênciado nos SEF, com filas curtas e atendimento educado para cidadãos membros dos estados da UE e um outro atendimento para o resto. Os serviços dos Cartórios Notariais podiam passar a ser prestadas nos balcões da Staples Office-Centre, que já provou que consegue fazer fotocópias bem mais rápidas e baratas. Um especial benefício esperava da privatização da Direcção Geral dos Impostos; acho os primeiros passos que a nossa ministra neste domínio já deu, com a entrega do crédito mal-parado à banca estrangeira, muito promissor. Com certeza conseguir-se-ia aqui excelentes resultados. Percebo que talvéz, na situação politica mundial do momento, pode ser um bocado delicado escolher um banco árabe, mas podia-se sempre convidar outros. Lembro-me aqui da banca suiça, de Gibraltar e das Ilhas Cayman, que - pelo menos através das relações com os nossos clubes de futebol - já terão experiência na re-negociação de créditos mal-parados. Ainda queria propor a privatização das autarquias. Mas aqui os meus colegas me avisaram que isso já foi feito. Só não dei por isso porque o atendimento público nos Departamentos de Urbanismo continua nos mesmos moldes de sempre. Mas isso é, explicaram-me, só porque se decidiu não privar as pessoas menos abastadas da esperança de eventualmente um dia verem aprovados os seus projectos arquitectónicos e urbanísticos também.
Privatizem essa merda, e já
O Cidadão Livre conta uma história, que só fortalece a minha convicção de que se deve privatizar a administração pública toda, e já! Lêem na. Conto aqui uma minha: Sou daqueles que aderiram ao Plano Mateus. Tinha falhado, nos primeiros tempos após a minha imigração, de inscrever-me na Segurança Social portuguesa. Quando as minhas economias e o Plano Mateus o permitiram, regularizei a situação. Fui para as respectivas filas, que eram várias e longas, preenchi um molho gordo de guias e paguei. E mandei os comprovativos para onde foi pedido... Um ano mais tarde recebi uma carta da Segurança Social, com aviso de recepção, em que me foram dado dez dias para regularizar a minha dívida, sob pena de perder todas as regalias do Plano Mateus e de ter que pagar multas e juros de mora etc. Quando, no mesmo dia, fui à Av. Afonso Costa, com o meu comprovativo debaixo do braço, e depois de ter esperado em duas filas mais duas horas cada, consegui esclarecer a situação: Mal abri a boca, a funcionária simpática sorriu e disse: "Já sei! Não fique preocupado, está tudo bem! O seu caso não é único. Sabe, houve uma falta, que não era nossa, da Segurança Social, mas da empresa que nos presta serviços informáticos. É que eles perderam os registos. E assim tivemos que mandar essa carta, a todos, para assegurar que as dívidas abertas pudessem ser cobradas. Mas como o senhor agora fez prova que não deve, que aceitamos, pode ficar tranquilo..." Por isso acho aquilo deve ser privatizado. Mas tem que haver concorrência: Para que os funcionários possam escolher onde vão ouvir as reclamações.
3 em 1 para o Barnabé
Talvéz é um bocado tarde, e certamente é muito ingrato como há poucas horas o Quase em Português foi incluido na lista dos links do Barnabé (!), mas também eu quero ainda dizer alguma coisa sobre o tabloide: Um tabloide é um amplificador da estupidéz, sempre, seja o da direita, seja o da esquerda, seja o da bola. E não há objectivo político à curto ou médio prazo, nenhuma necessidade de mobilização da malta, que isso justifica. A essência do jornalismo de tabloide é a simplificação e o carregamento emocional da informação. Agora o Pedro Oliveira diz que não era bem isso que queria... Mas então enganou-se no termo tabloide, como já os jornais de referência se tabloidizam todos os dias mais... Uma coisa não tem rigorosamente nada a ver com a outra, mas como é referida no mesmo post, e como é tão hilariante, não resisto a fazer este repto: Convido o Pedro Oliveira com toda a sinceridade para escrutinar o poder corporativo dos arquitectos! Depois de concluido o escrutínio, peço ao Pedro, que mo mostre! Gostaria tanto de vê-lo, mesmo se for só por curiosidade: como sou contra qualquer corporativismo... Pois. - E obrigado, claro. 5.12.03
Será que é uma educação antiquada e obsoleta, que me inibiria referir-me a um determinado chinês como chinês merdoso? Ou a determinado preto como preto merdoso? Ou, respectivamente, a um americano merdoso, árabe merdoso, católico merdoso, judeu merdoso? Será que é a hiper-sensibilidade de alguém que, dada a sua nacionalidade, nunca mais se livra dos fantasmas do passado? Ou tem a expressão, que o meu colega tanto e repetidamente gosta de usar para referir-se a outro colega, de quem, legitimamente, não gosta, o seu quê de racismo? Mesmo se o colega só acha que está a ter graça?
UP (a embalagem)
Susan Derges é só uma de muitos artistas, que participaram na elaboração do CD UP do Peter Gabriel. Um CD que vale a pena comprar, mesmo se nunca íamos ouví-lo.
E agora?
O meu filho, depois de ter aprendido que se morre de velho, mesmo se ganhe todas as lutas na vida, tirou as consequências: Os quatro anos, como a festa já está marcada, os amigos convidados e os presentes a vista, ainda fará, mas depois fica-se por aqui. Nem pensar em chegar aos cinco. E ele está a falar a sério. Falo-lhe de uma vida após a morte? Digo-lhe que não vai morrer, se não quiser? Já lhe disse que tem ainda muitos e muitos anos de vida pela frente. Não o satisfez. Susan Derges: The Observer And The Observed: Peter 4.12.03
NEC SPE, NEC METU (Nem esperânça, nem medo)
"O que é que eles sabiam, que nós não queremos aprender?" pergunta o Abrupto, na admiração para Isabella d'Este, que tinha este leme. Claro que sabe. Este leme é a síntese da filosofia do estoicismo, que tem três maiores representantes entre os compatriotas da Isabella, muito populares na altura, embora também muito mais velhos: Séneca, Epicteto e Marco Aurélio. Basta lê-los. Ou se calhar, não. Talvez depende também da vida que se tem. O que é que leva uma mulher do Renascimento a adoptar uma divisa tão austera? - Isso também se podia perguntar a sua cunhada, Lucrécia Bórgia. A resposta lê-se - e isso é mesmo a razão de ser deste post - no Ou César ou Nada, de Manuel Vásquez Montalbán. Epicteto também recomendo.
O que é que tem o Alberto João que é diferente dos outros?
Alguém explica isso a um pobre estrangeiro, que não sabe, mas vive, trabalha e paga impostos em Portugal?
"E os animais sagazes logo percebem que não estamos muito seguros no mundo interpretado"
Outro compatriota meu - se merecesse a honra de me incluir no grupo daquelas pessoas sem pátria, como Celan, como Flusser - é hoje apresentado pelo Almocreve das Petas. E não resisto de incluir aqui um dos muitos links, que o Almocreve meritóriamente junta ao seu post.
Só na Blogosfera!
Li nO Projecto o que este leu no Bloguitica o que o Janela para o Rio postou, que leu no Expresso online. Não é sobre arquitectura.
Samarra
"Conheço" Samarra desde há muitos anos. Aquela mesquita e o minaret são uma das grandes referências da arquitectura mundial. Mas só agora, pela primeira vez, realizei que Samarra não é só um lugar de arquitectura; hoje é tambem, como diria este simpático general na televisão, "um teatro da guerra". Pela primeira vez pensei nas pessoas que lá vivem. É curioso como sou selectivo nos aspectos que aceito ver num lugar: Quantos livros e filmes sobre monumentos de civilizações passadas, sobre a vida selvágem, a natureza, o montanhismo etc. já vi, sem me uma única vez interrogar sobre o que se passa lá no presente com as pessoas. ... Espero que não vão estragar os monumentos... A este propósito, lembro-me agora do último comandante militar alemão de Paris, antes da sua libertação pelas tropas aliadas, na segunda guerra múndial. O general tinha ordens para, em caso de queda de Paris, minar a Torre Eiffel, o Arc de Triomphe, o Louvre, a Notre Dame e outros monumentos, e fazé-los explodir. Quando chegou o momento, o general encontrou a sua consciência: não o fez. Preferiu ser destituido de todas as suas honras militares e condenado a morte (embora a revelia). ... Curiosamente a sua consciência não se fez ouvir antes, quando ele, como comandante militar, dava cobertura à caça aos judeus e as deportações para os campos de extermínio... 3.12.03
Niemand knetet und wieder aus Erde und Lehm, niemand bespricht unseren Staub. Niemand. Gelobt seist du, Niemand. Dir zulieb wollen wir blühn. Dir entgegen. Ein Nichts waren wir, sind wir, werden wir bleiben, blühend: die Nichts-, die Niemandsrose. Mit dem Griffel seelenhell, dem Staubfaden himmelswüst, der Krone rot vom Purpurwort, das wir sangen über, o über dem Dorn. (Paul Celan) ___________ SALMO Ninguém molda nos de novo em terra e argila, ninguém evoca o nosso pó. Ninguém. Louvado sejas, Ninguém. Por amor a tí queremos florescer. Ao teu encontro. Um Nada eramos, somos, iremos ficar, florescendo: a Rosa do Nada, Rosa do Nínguém. Com o carpelo claro de alma, o estame ermo de ceu, a coroa vermelha da palavra púrpura, que cantámos acima, oh, acima do espinho. ___________ ...Bem, este massacrei mesmo! Normalmente faço a escolha dos poemas que ponho no blogue também em função da minha aptidão de traduzi-las. Este, assim, nunca teria entrado no blogue. Mas para além de ser talvez o poema do Celan do que gosto mais, achei-o adequado como Post Scriptum aos meus posts sobre a fé... Minaret, Samarra Os católicos poderão dizer-me que não posso eliminar a igreja, dois mil anos de teologia com uma penada. Não o faço. A igreja é um edifício imponente e maravilhoso, todo ele iluminado e aquecido pelo núcleo quente, que é a experiência religiosa. Ele dá abrigo a muitos, e bem, porque é aterradora a exposição à essa experiência. E esta casa está cheia de sabedoria sobre como relacionar-se com ela, orientações sobre o que fazer desta experiência no dia a dia. Também pode ser e é – verdade seja dita -, para outros, uma prisão. Mas o que é importante, ela está construída em volta deste núcleo, não se alicerça nele. Ainda ninguém me demonstrou e não creio que uma vez me poderá demonstrar, que ela é o desenvolvimento natural é necessário deste núcleo. Há aqui uma fenda que só é ultrapassado pela invocação da autoridade. E também não é necessário ter estudado história religiosa comparativa, para perceber, que a igreja católica não é o único edifício construído em volta deste núcleo. Sobre o que esta e outras igrejas têm feito na história para se assumir como único edifício, não quero falar agora... 2.12.03
Uma resposta ao Ivan Antes de mais devo dizer que não sou católico: Sou protestante, e mesmo isso só culturalmente, porque acho que estou já demasiado longe dos credos protestantes e até cristãos em geral; embora também estou convencido de que as referências continuarão acompanhar-me, queira não queira, até ao fim da minha vida. Decidi tentar responder, mesmo assim, à sua pergunta por duas razões: A primeira é que em Portugal o termo católico e crente são utilizados frequentemente como sinónimos, e talvez isso será o caso aqui também. A segunda é que me intrigou e intriga essa mesma questão já ha muito tempo, e confesso que já não me sinto tão longe de uma resposta. É essa que quero tentar esboçar aqui. Peço para admitir, provisóriamente, uma hipotese de trabalho: O sentimento (palavra certa?) religioso é o sentimento de amor que se libertou do seu objecto amado. (Quem ama normalmente não sabe ou não quer saber, mas o milagre do amor não está no amado mas em quem ama...). Isso explicaria porque o Ivan não obtem respostas das pessoas crentes a quem pede explicações. Já uma vez ouviu de uma pessoa que ama uma explicação convincente do seu amor? – Essa ou fica calada, por pudor, ou, se lhe falta o juizo (coisa frequente nestas circunstâncias...) começa a elogiar as qualidades da pessoa amada, o que pode ser encantador ou divertido para quem ouve e não ama, porque costuma ser só o amante quem as vê. Agora se o objecto do amor for inexistente ou afastado ou desconhecido (Deus), o discurso não ganha clareza por isso. Mas o amor naõ é menos forte e real, pelo facto de lhe faltar sustento racional. Todos sabemos, que é a força que pode levar uma pessoa a fazer – e sentindo se feliz por isso – quase tudo. Não quase: Mesmo tudo. Em sociedades fechadas houve e há maior facilidade de falar sobre o objecto do amor, porque o objecto existia (existe), de forma afastada e inatingível. Nestas sociedades construiu-se um consenso (quase) geral não só sobre a sua existência como sobre os seus aspectos. Deus era uma pessoa concreta, com qualidades, rosto, o que facilitava a projecção: Assim as mulheres (freiras) podiam amar de uma forma muito mais concreta e doce o seu salvador, e os homens (frades) a virgem Maria - e ao contrário se for o caso, claro... (De passagem: Deus também pôde chamar-se Enver Hodxa ou Saddam Hussein...) Mas a pergunta era outra: Como é que podem pessoas inteligentes, com os dois pés assentes na terra, hoje insistir na sua fé? A resposta é simples: porque a fé é real, o amor é real. E perante esta realidade pouco importa que as descrições não acertam. E mesmo se importa: Melhor uma – essa – descrição do que nenhuma. Como descrever a cor de uma coisa sem cor, descrever a forma de uma coisa sem forma? Durante toda a histórioa da civilização, houve muitas pessoas, representantes das diversas religiões, que admitiram essa impossibilidade. São os místicos. Os místicos têm geralmente mã fama, tanto entre os racionalistas, por razões óbvias, como dentro das próprias religiões, às quais pertencem, pela sua característica antisocial e subversiva. Porque se baseiam na sua experiência, e não na doutrina, como as igrejas gostassem. Não se baseiam também na razão: Baseiam-se, e só, na experiência. (E essa experiência é forte, tão forte que resiste frequentemente aos apelos da razão, à meios de dissuasão mais fortes como p.Ex. à ameaça da fogueira, ou –o que hoje deve ser o mais vulgar - de um tratamento psiquiátrico.) Acho que esse amor solto, à procura do seu objecto, esse sentimento religioso, é uma parte essencial da nossa condição humana, à qual estamos todos, de uma forma mais ou menos intensa, de uma forma mais ou menos filtrada, sujeitos. E essa energia foi desde sempre tão grande, que as sociedades desenvolveram desde os primeiros dias instituições para as canalizar, domar, controlar: As igrejas (não só as cristãs, claro). As igrejas tentam fazer a ponte entre o divino e a realidade social. Tentam meter ordem naquela perigosa energia à solta. E para isso elas têm que explicar, tem que desenvolver o que não tem desenvoltura, dar estrutura ao que não tem estrutura. Tem que inventar um discurso para explicar... Também há aqui um desejo compreensivel. Nem todos querem viver com essa incerteza, queriamos ter um objecto amado, sentiriamo-nos mais seguros se o objecto fosse reconhecido por todos. Boas razões para construir Deus. Assim as pessoas aceitam. E as pessoas informadas, na falta do melhor, aceitam também estes sistemas explicativas como referente à uma coisa, de cuja existência estão mais ou menos certo, por experiência (por evidência), sem ter provas e muitas vezes assumindo conscientemente uma quebra óbvia na sua concepção racional que têm da vida em todo o resto. O Ivan tem razão: É o Pai Natal. Os crentes (mais informados) sabem que o Pai Natal não existe assim. Mas sabem que este Pai Natal está mais próximo da sua Verdade do que Pai Natal nenhum. O meu ponto é esse: Deus pode ser – é – uma construção social, mas o Divino, o essencial, o amor não é! Mas mesmo sabendo isso, também eu não consigo, como recomendam os místicos radicais, viver desprezando todos os sistemas explicativas, apoiado em nada, no Nada, e vou construindo o meu sistema explicativo, como muletas, para atravessar essa vida. Sei que este pequeno exercício de bricolage psico-sociológico não tem valor científico nenhum. Sei que deixa em aberto muita coisa, por exemplo o Bem e o Mal, a vida apos a morte etc. Em relação ao Bem e o Mal só um apontamento: Acho que a energia proveniente do amor é boa na sua essência (talvez por ser uma pessoa com uma atituda genericamente positiva em relação à vida), mas o seu emprego, nas religiões, ou de uma forma mais genérica, nas sociedades, nem por isso: Porque o sentimento do amor, do Bem, não leva automáticamente a comportamentos que favorecem o Bem. Os comportamentos continuam fortemente condicionados por mecanismos psico-sociais, e podem fazer estragos terríveis, através da lógica inclusão / exclusão (amigo / inimigo), de uma maneira radical e perversa. De tal maneira que eu acredito que, por exemplo, quem se faz explodir numa esplanada dum café em Tel Aviv, faz o Mal, mas fá-lo por amor. Espero ter podido de fazer me entender, o que não é fácil nestas matérias, e que o que escrevi não lhe parece também um pensamento fantasioso que faria mais sentido em crianças de quatro anos de idade. Não tenho mesmo a certeza. Mas deste risco sabia antes de escrever este post. Mais uma vez as minhas desculpas por ter respondido, sem ser católico, - e às eventuais pessoas, cujos sentimentos religiosos possa ter ofendido: Não era a minha intenção.
Diário autêntico
O Sublinhar escreve: Em 1876, Fiódor Dostoievsky começa a publicação de uma folha mensal que pretendia que fosse "um diário íntimo, em toda a acepção da palavra, isto é, um fiel relato do que mais me interessou pessoalmente." Ou seja, algo muito parecido com um blog. Mas três meses depois ele escreve: "Custa a crer, mas é verdade, ainda não encontrei a forma do Diário, e não sei se algum dia encontrarei... Assim, tenho 10 ou 15 assuntos (pelo menos) para tratar, quando me sento para escrever. Todavia, os meus assuntos preferidos, afasto-os involuntariamente. Ocupar-me-iam demasiado espaço, exigiriam demasiado ardor da minha parte... e, deste modo, não escrevo o que me agrada. Por outro lado, imaginei com demasiada ingenuidade que se trataria de um autêntico "Diário". Um verdadeiro "Diário" é impossível; só se pode fazer um diário artificialmente preparado para o público...". (Os devidos agradecimentos ao Socio(B)logue e ao Icosaedro, que me fizeram o caminho para este post...) 1.12.03
Pelo que escrevi no último post podia parecer que não goste do comentador Miguel Sousa Tavares. O contrário é verdade: em Portugal não conheço melhor. Só é preciso ter cuidado com qualquer um. De resto, o MST está a merecer a minha desconfiânça em boa companhia, isto é com o igualmente por mim muito admirado SPIEGEL, também aí despertada pelas publicações sobre arquitectura.
Voz com autoridade
Partilho o problema que o Pedro Jordão confessa no Epiderme: Também eu não consegui ainda formar opinião sobre as torres do Siza na Alcântara. Era exactamente numa conversa sobre esses Torres, em que um colega me confessou o seguinte: "Habituei-me de admirar o Miguel Sousa Tavares, pela lucidéz, pela coragem e pela contundência com que ele crítica e analisa os assuntos públicos de vária ordem. Agora ouvi o falar com igual soberania e à-vontade sobre um assunto, de que acho perceber um bocadinho, e descubro que o que ele diz está desprovido do mínimo de rigor, conhecimento e até sentido exigível para uma abordágem séria do assunto. E fiquei com uma dúvida terrível: Será isso também o caso em outras matérias, onde o tomei até agora por uma voz com autoridade?" Vilém Flusser (1920-1991) era judeu de língua alemã, nasceu em Praga, e fugiu 1940 ao fascismo para o Brasil, onde desenvolveu a sua obra filosófica. Mesmo assim, parece que há poucas das suas obras disponiveis em português, ao contrário do que acontece com o alemão. Flusser não é só uma inspiração para arquitectos e emigrantes... "[...] Nem todos temos pátria, mas todos moramos. Os clochards, sob as pontes de Paris; os nordestinos, nas favelas paulistanas; os ciganos, nas caravanas e, embora seja difícil admití lo, morava se em Auschwitz. Porque o homem é bicho que não pode viver, se não mora. Há varias maneiras de formular tal impossibilidade, mas a formulação informática é a menos sentimentalizante. Para captarmos informações, devemos dispor de redundâncias, porque sem redundância tudo que se capta não passa de ruído. E não é possível viver-se em mundo ruidoso, no caos. A morada e a redundância que me permite captar informações como também criá las a partir dos ruídos. Não morar, estar no caos, à loucura que leva ao aniquilamento. [...]" continuação do artigo |
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