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  • 30.6.04
    Aí ele está!

    ...o homem sério que o PSD pode propor como sucessor de Durão Barroso. Não sei se votaria nele (de qualquer forma, não voto nas vossas legislativas), mas que há aqui um político que realmente tornava superfluo eleições antecipadas, não há dúvida:
    Rui Rio foi (só) agora nomeado pelo CAA.
    G. de' D. (1318-1389)

    Giovanni de' Dondi, de Pádua,
    gastou uma vida
    para construir um relógio.

    Um relógio sem igual, insuperado
    durante quatrocentos anos.
    Mecanismo múltiplo,
    rodas dentadas elípticas;
    ligadas por engrenagens articuladas,
    e o primeiro escapo fusiforme:
    uma construção inaudita.

    Sete mostradores
    indicam a situação do firmamento
    e as revoluções silenciosas
    de todos os planetas.
    Um oitavo mostrador,
    o mais discretode todos,
    marcava a hora, o dia e o ano:
    A.D. 1346.

    Trabalhado à mão pelo próprio:
    uma máquina celestial,
    sem finalidade e plena de sentido, como os Trionfi,
    um relógio de palavras
    construído por Francesco Petrarca.

    Mas por que perdeis tempo
    com o meu maniscrito,
    se não sois capazes
    de me imitar?


    Duração do dia solar,
    nós da órbita da Lua,
    festas móveis.
    Uma máquina de calcular, e ao mesmo tempo
    uma reprodução do céu.
    Em latão, em latão.
    Nós continuamos
    a viver sob esse céu.

    A gente de Pádua
    não olhava para o relógio.
    A um putsch seguia-se logo outro.
    As carroças da peste rolavam pelas calçadas.
    Os banqueiros
    saldavam as suas contas.
    A comida escasseava.

    A origem daquela máquina
    é problemática.
    Um computador analógico.
    Um menir. Um astrário.
    Trinfi del tempo. Restos.
    Sem finalidade e plena de sentido
    como um poema de latão.

    Nenhum Guggenheim mandava
    cheques a Francesco Petrarca
    no primeiro dia do mês.
    De' Dondi não tinha contrato
    com o Pentágono.

    Outros predadores. Outras
    palavras e rodas. mas
    o mesmo céu.
    Nós continuamos a viver
    nessa Idade Média.


    Este é o primeiro poema do Mausoléu de Hans Magnus Enzensberger, na tradução de João Barrento. O Mausoléu é uma compilação de poemas, em que cada um deles é uma evocação biografica duma personagem histórica. A poesia de Enzensberger é quase jornalistica e o seu jornalismo é poético. Difícil de classificar, Enzensberger é talvez o maior intelectual-poeta-ensaista, emfim, verdadeiro "homme de lettre" alemão vivo.

    Playmate da semana: Mulher a reclinar e mulher a tocar piano (Fuseli)
    28.6.04

    "The US Supreme Court has ruled that terror suspects held at Guantanamo Bay in Cuba can use the US legal system to challenge their detention."

    Agora umas perguntas ingénuas: Se o tribunal supremo decidiu que os prisoneiros têm direito ao uso de meios legais nos EUA, devo concluir que eles até hoje foram ilegalmente privado deles? Quer isso dizer que à partir de agora estão sujeitos à jurisdicção americana? Serão agora acusados por procuradores americanos e julgados por tribunais americanos? Em caso de absolvição, serão indemnizados? Independentemente desta questão, existe uma responsabilidade criminal (à luz da lei americana) de quem os manteve presos sem fundamento legal?

    Hieronymus Bosch: O barco dos tolos
    A piada da semana:

    - Não, não e o PM Santana!

    "O Iraque é novamente uma nação soberana."

    ...com nov@s autores!
    Nem mais!

    Quando todos falam da mesma coisa, porque ela o merece, mas tods dizem a mesma coisa, dum lado, ou o seu contrário, doutro, vou ver o que o Blogo Existo escreve: dois posts, um sobre Durão na Europa, outro sobre Sampaio em Portugal.

    "O Presidente da República tem o direito de exigir que o PSD lhe sugira nomes que mereçam um mínimo de credibilidade. Se assim não for, terá então o dever de convocar eleições antecipadas e de pôr fim a este carnaval. Se o Presidente da República for incapaz de se afirmar numa altura destas, então deveremos concluir que não serve para nada, e que a abstenção é a única atitude racional quando voltarem a pedir-nos para escolhermos um."

    Vale a pena ler a prosa toda.
    27.6.04
    A "não-intervenção política" do Abrupto:

    10:57 (JPP)
    CORREIO 2

    Em todo o correio recebido, registo esta frase de John Lydon dos Sex Pistols, enviada por João Santos Lima: "Have you ever had the feeling you've been cheated?"

    09:42 (JPP)
    CORREIO

    Muito correio, como se imagina, dados os eventos. Com uma excepção, as largas dezenas de mensagens têm todas o mesmo sentido. Bom senso, respeito por nós próprios, respeito pelo país que somos. Nalguns casos, quase desespero, impotência, perplexidade, revolta, indignação.

    Como compreendem, dificilmente poderei responder a todas, mas obrigado por todas.

    09:37 (JPP)
    POBRE PAÍS


    o nosso,
    que padece de Acédia. Acédia?
    O pecado que a gente aprende como sendo a “preguiça”, para facilitar a compreensão dos jovens catequistas e catequisados. Mas o pecado mortal não é evidentemente o que chamamos “preguiça”, venial predisposição do corpo e da alma. A Acédia é outra coisa muito mais importante: é a apatia, ou a indiferença perante a prática da virtude, ou o espectáculo do mal. Sabemos que está mal, mesmo muito mal, e ficamos calados. Acédia. Vai-se para o Inferno por isso.


    Ainda bem!
    26.6.04

    "Não gostas do futuro primeiro-ministro?
    Os deputados escolhem o primeiro-ministro. Queixa-te ao teu deputado."

    Acho difícil, a todos os títulos, encontrar pior Primeiro Ministro do que Santana Lopes (mentira: há sempre Paulo Portas...). Mas a democracia portuguesa sobreviverá os próximos dois anos. Depois, vocês podem sufragá-lo.
    Este caso deve servir de lição a quem votou num partido, que permite a políticos como este chegar aonde chegou. O escândalo não é da democracia, é só do PSD.


    Marc Riboud: Capital do Céu
    25.6.04
    My My, Hey Hey, Rock'n Roll is here to stay!

    Muitos parabéns ao Terras do Nunca, o meu padrinho!
    Receita infalível:

    Hoje não tenho tempo para inventar um post. Ou seja, o trabalho fez-me lembrar neste momento aquela velha anedota:

    Os dois arquitectos Hugo Häring e Mies van der Rohe, ambos da geração de ouro da arquitectura moderna, unidos no movimento contra o historicismo oco e obsoleto do fim do século IXX, tinham, de resto, visões de arquitectura muito divergentes. Mies à procura da verdade platónica na geometria pura, Häring um funcionalista empedernido, que acreditava que o homem, com as suas necessidades e movimentos moldava o espaço arquitectónico.
    Ainda no início da carreira, partilhavam o atelier.
    Não pela primeira vez o Mies ouviu o amigo a bufar e suspirar sobre um problema aparentemente iresolúvel.
    Pergunta ele:
    - "Então, Hugo, qual é o teu problema?"
    - Ve-lá, Ludwig, a merda do programa não quer caber!
    Responde Mies, descontraido como sempre:
    - Não percebo, quando as coisas não cabem, porque não fazes maior...
    24.6.04
    Atão?!!

    Ia agora rever o jogo através do relato do José-Mário...
    e nada! Nicles. Isso é serviço público?
    Estou curioso qual desculpa manhosa vai arranjar!
    23.6.04
    .


    Esta semana há muitas playmates no Banho Turco, pintadas por Ingres. Quem quer olhar melhor, pode clicar na imagem...
    Pedido de admissão

    Peço ao Opus Gay de também incluir o Quase em Português na sua lista de blogues homofóbicos!
    Nesta lista já constam, entre outros, o Ma-Schamba, por ter publicado dois posts muito sérios e diferenciados sobre a questão de adopção por homossexuais, e o Bloguitica, pelo simples facto de ter recomendado a leitura destes posts!

    Assim, com o presente post, devo ter ganho o direito de ser incluido nesta lista. (Não se deixam iludir por estes posts, que escrevi na altura desta polémica.)
    "Deutschland!!! . . . Deutschland!!!"

    O meu gabinete tem uma varanda que dá para a Rua Augusta (felizmente no 4º andar). Por isso tenho um lugar privilegiado para a observação do entusiásmo das claques. Hoje, quem faz o barulho, são os meus.
    - Uma exclente oportunidade, digo eu, para o estudo antropológico.
    - Zoológico, responde a minha colega Ana.
    22.6.04

    O Cavalo Branco de Uffington
    (Oxfordshire) é a mais antiga das imágens de solo na Inglaterra. Ele tem 111 metros de comprimento, e é objecto de manutenção paisagística desde que há memória.
    Pela primeira vez foi referido no século 12 d.C., mas estudos arqueológicos recentes (análises do solo) indicaram que ele data do século 12 a.C.!
    Não se sabe qual foi o seu objectivo original.

    (Foto do livro "Flug in die Vergangenheit" de Georg Gerster e Hannelore Trümper)
    O eros e o intelecto

    Também eu ando distraído. Soube pela Terras do Nunca que o Avatares fez um ano. Parabéns!
    Ainda sobre políticos e mentiras...

    Provavelmente faço-lhe uma injustiça, mas quando tento lembrar-me de quem ouvi este citado, ocorre-me só o antigo ministro dos negócios estrangeiros alemão Hans-Dietrich Genscher:
    "Como político não se mente, o que há, é um uso económico da verdade"
    21.6.04
    .
    20.6.04
    Parabens! Mereceram!
    "Deutschland, Deutschland über alles"

    Reparo frequentemente que o texto da primeira estrofe do hino alemão, que começa com "Alemanha, Alemanha acima de tudo", é muitas vezes associado à atitude militarista e expansionista que Alemanha revelou na primeira metade do último século. Injustamente, como quero aqui demonstrar.

    Percebe-se que depois da 2ª Guerra Mundial, muitos países vizinhos ficaram especialmente alérgicos ao som do hino alemão. Mas a razão, porque os aliados, quando em 1948 devolveram a soberania à Alemanha vencida, exigiram entre outro como condição o abandono desta primeira estrofe, era mais concreta. Não era, em primeiro lugar o verso:
    "Deutschland, Deutschland über alles" ("Alemanha, Alemanha acima de tudo"), mas a delimitação do seu território:
    "Von der Maas bis an die Memel,
    Von der Etsch bis an den Belt -"
    ("Do [rio] Maas ao [rio] Memel
    Do [rio] Etsch ao Báltico")
    Não podia permitir-se a alusão a um território, que depois do ajuste das fronteiras alemães em 1945, deixou de ser alemão.
    (Em 1939 Hitler e Estaline tinham repartido Polónia entre eles. A ocupação alemã da Polónia desencadeou a II Guerra múndial, foi a razão da entrada de França e Inglaterra nesta guerra. Após a vitória dos aliados, por isso não podia haver dúvida sobre que Polónia tinha que ser reestabelecida. Mas como vencedor da guerra, Estaline não entendeu que tinha que devolver a sua parte. Por isso compensou os Polacos com os territórios alemães entre os rios Memel e Oder sob a sua ocupação, o que levou a mais uma enorme limpeza étnica do século XX, com 12 milhões de deslocados.)

    Hoffmann von Fallersleben, o autor do hino, não escreveu, 1841, "Deutschland Deutschland über alles" como apelo para uma campanha expansionista, mas como uma chamada à unidade de todos os alemães que viviam em várias dúzias de pequenos reinos e ducados. Queria a Alemanha posto acima não das outras nacões, mas de todos os interesses particulares dos seus compatriotas. Para ele e muitos da sua geração, os ideiais da revolução francesa fundiram-se com o sonho duma Alemanha unida e livre, sonho que não se concretizou: Em seu lugar surgio em 1871 um império militarsta dominado pela Prussia.

    Não vejo nada no texto do hino, de que um alemão se teria que envergonhar. Embora que a segundo estrofe me faz sorrir, pelo alinhamento daquilo que von Fallersleben entendeu como os quatro valores principais alemães.
    E a 3ª estrofe do hino, à qual se resume hoje o hino oficial, destaca-se de muitos outros hinos pela sua total ausência de militarismo e pelos valores nela enunciados.

    1.
    Deutschland, Deutschland über alles,
    Über alles in der Welt,
    Wenn es stets zu Schutz und Trutze
    Brüderlich zusammenhält,
    Von der Maas bis an die Memel,
    Von der Etsch bis an den Belt -
    Deutschland, Deutschland über alles,
    Über alles in der Welt.

    2.
    Deutsche Frauen, deutsche Treue,
    Deutscher Wein und deutscher Sang
    Sollen in der Welt behalten
    Ihren alten schönen Klang,
    Uns zu edler Tat begeistern
    Unser ganzes Leben lang.
    Deutsche Frauen, deutsche Treue,
    Deutscher Wein und deutscher Sang.

    3.
    Einigkeit und Recht und Freiheit
    Für das deutsche Vaterland.
    Danach lasst uns alle streben,
    Brüdelich mit Herz und Hand!
    Einigkeit und Recht und Freiheit
    Sind des Glückes Unterpfand.
    Blühe im Glanze deines Glückes
    Blühe deutsches Vaterland!

    ___________


    1.
    Alemanha, Alemanha acima de tudo
    Acima de tudo no mundo,
    Quando sempre, na defesa e resistência
    Fica unida irmãomente,
    Do [rio] Maas ao [rio] Memel
    Do [rio] Etsch ao Báltico
    Alemanha, Alemanha acima de tudo
    Acima de tudo no mundo.

    2.
    Mulheres alemãs, fidelidade alemã,
    Vinho alemão e canto alemão
    Devem manter no mundo
    O seu velho e belo som,
    inspirá-nos para acto nobre
    durante toda a nossa vida.
    Mulheres alemãs, fidelidade alemã,
    Vinho alemão e canto alemão.

    3.
    Unidade e justiça e liberdade
    Para a pátria alemã.
    Zelaremos todos para isso
    Fraternamente com coração e mão.
    Unidade e justiça e liberdade
    São a garantia da felicidade.
    Floresce no brilho da tua felicidade
    Floresce pátria alemã!

    Etiquetas: ,

    A esperança de Bush

    "Uma mentira, vezes suficientes repetida, torna-se verdade"
    (Joseph Goebbels)

    "A razão porque insisto em que havia uma relação entre o Iraque e Saddam e a Al Qaeda é porque havia uma relação entre o Iraque e a Al Qaeda"
    (George W. Bush)
    19.6.04
    .


    Dubuffet: Bouche
    18.6.04
    Patriotismo cauteloso

    O vizinho do meu colega colocou no início do Campeaonato Europeu uma bandeira na janela, mas recolheu a após a derrota com a Grécia.
    Depois do jogo com a Russia, pô-la outra vez na janela.
    Honra a quem ela é devida

    "[...]Até porque depois do jogo de quarta-feira, dissiparam-se todas as dúvidas em relação às excelentes marcas que a selecção de todos nós está a deixar pelos relvados deste Europeu. Esta é, pois, a nossa forma de homenagear esse irrepreensível grupo de patriotas cujo contributo para elevar a nossa auto-estima está a revelar-se inestimável. São estes os nomes que estão a conduzir o nome de Portugal mais longe:

    Ricardo Luziaves Pereira
    Fernando Hyundai Couto
    Nuno Periscope Maniche
    Tiago Sumol Mendes
    Rui Pepsi Costa
    Cristiano Espírito-Santo Ronaldo
    Luís Galp Figo
    Anderson de Sousa City Desk Deco
    Simão Sacoor Sabrosa
    Nuno McDonald's Gomes
    Pedro Terra Nostra Pauleta

    Luís BPN Scolari (Mister)

    Viva Sagres! Viva Portugal!"

    (hoje, no Quartzo)
    Insel Hombroich



    O baixo Reno, o rio mais intensamente navegado do mundo, já está canalizado há muitos anos.
    Mas para lá das margens dele, ainda existem paiságens que fazem lembrar como ele deve ter sido há duzentos anos atrás: Ramos mortos, lagos, pántanos, pastos húmidos. E calma.
    Nesta paisagem, perto da cidade de Neuss (e Düsseldorf), um herdeiro duma fortuna e duma colecção de arte criou o projecto Insel Hombroich. Comprou uma ilha e convidou um arquitecto paisagista, para nela criar um jardim, uns arquitectos, para construir neste jardim pavilhões para acolher a sua colecção e uns artistas, para instalar os seus ateliers nele.
    Excepto nos meses do inverno, uma pessoa pode visitar a ilha, e tem, incluido no preco do bilhete, para além da visita da belissima paisagem, da arquitectura e das obras de arte, direito a uma refeição de batatas, "quark" (queijo fresco), pão preto, mel e café.

    Os actuais pavilhões na Insel Hombroich são da autoria de Erwin Heerich, pouco conhecido internacionalmente, mas não duvido que aguentarão bem a vizinhança daqueles, que estão previstos noutra ilha ao lado - o projecto cresce -, e que serão da autoria de Tadao Ando e de Álvaro Siza, entre outros.

    Se não passa lá por perto nos próximos tempos, vale a pena clicar na foto em cima e fazer a tour pela ilha já aqui.

    O site: www.inselhombroich.de
    17.6.04
    Post patriótico sobre futebol

    Quando era cooperante dum "Kinderladen" (infantário particular subsidiado pelo estado e gerido pelos pais) em Berlim, que tinha como regra inviolável, entre outro, a alimentação vegetariana, fiz questão de buscar de vez em quando o meu filho com o hamburger na mão. Para relativizar uma regra que subscrevia, mas não quis levado demasiado a sério. Mas também porque gosto mesmo de fast food.

    Acho errado entregar-se, sem estar activamente envolvido no respectivo grupo, a orgulhos colectívos, e ainda mais ceder à impulsos patrióticos. Mas também acho errado viver com demasiada consequência estas convicções. Por isso, e porque me soube mesmo bem lê-lo, remeto para este post de alguêm que percebe mesmo de futebol, e que reestabelece a honra futebolística dos alemães.
    Sentido, jogos de linguagem, memória, auto-referencialidade

    Mais uma vez merece me destaque um, não, dois posts do OzOnO, um blogue que me atrai pela sua riqueza e latitude temática. No Eternal Sunshine, do 7.6. aborda a relação entre a memória e a percepção do tempo, remetendo entre outro para um interessante artigo da Stanford Encyclopedy of Philosophy.

    Num outro, O Absurdo, do 14. de Junho, desenvolve à partir dum excerto do Mito de Sísifo de Camus a seguinte ideia:

    Existem duas forças fundamentais e contraditórias que não podemos negar. Uma é a nossa necessidade de dar um significado à vida, e outra é o silêncio absurdo da mesma, face a esta necessidade. Perante este confronto, arrisco, duas respostas. Primeira: Existe um sentido absoluto, objectivo, exterior ao espírito humano, e somos neste momento incapazes de o apreender. Segunda: Não existe um sentido absoluto, todo ele é subjectivo, e evolutivo. É a constante tensão entre a nossa necessidade de significado e o absurdo do mundo, que faz emergir nos jogos da linguagem o próprio significado. Somos "máquinas" de fazer significado.

    Parece-me claro que os dois posts estão tematicamente ligados:
    Não é só a noção de tempo, que construimos à partir da memória, parece-me que a nossa própria identidade, e a nossa consciência, dependem dela. Pode imaginar-se consciência sem memória? Penso que não, porque a consciência de qualquer coisa, mesmo presente, só pode existir perante um pano de fundo de outra coisa qualquer, que existe para nós graças à memória. Não há consciência sem um eu que a tem. Toda a genese de consciência faz-se num permanente processo (análogo ao hermeneutico), em que, miraculosamente invertendo o processo da entropia, se cria mais complexidade e estrutura à partir de menos. Quase me quer parecer que o segredo divino (enquanto força criativa) reside de alguma forma na auto-referencialidade.

    É verdade que a constante tensão entre a nossa necessidade de significado e o absurdo do mundo nos leva a fazer jogos da linguagem, e que neles é gerido significado. Não partilho, no entanto, a frustração de Wittgenstein sobre a falta de fundamento destes jogos. Não vejo a auto-referencialidade destes processos como defeito. É verdade que esses jogos não fornecem o fundamento ontológico que tanto desejamos. Mas também é verdade que sem esses jogos não se gera nada.
    E ainda é verdade que, apesar disso, existem evidências, que não conseguimos nem fundamentar nem destroçar com os nossos jogos, que resistem.
    Essa por exemplo: que somos.

    (Este post é um exemplo acabado de filosofia amador. Para quem deseja um pouco mais rigor nos conceitos e na terminologia, a este recomendo vivamente o livro de António Damásio: "O Sentimento do Si".)

    Etiquetas:

    16.6.04
    Parabéns!

    Que alívio! Já tinha começado a mentalizar-me para aguentar as vossas caras tristes amanhã. Assim, fica para outro dia. O mais tardar, na final.
    Contra Alemanha.
    .


    Playmate da semana: Nu (Rodin)
    15.6.04
    "Se soubesse, diria que dois mais dois são quatro."

    (Mullah Nasrudin, segundo Idries Shah)
    Holanda - Alemanha

    Cresci numa vila pequena a cinco quilómetros da fronteira holandesa. O lado de lá sempre atraiu a mim e os meus amigos mais do que as cidades no vale do Reno.
    Assim passei, quando pude, uma boa parte dos tempo livre da minha adolescência neste lado. Fiz vela no rio Maas, passei muitas tardes nos coffee-shops onde fiz outras coisas que não convém relatar aqui.
    De um modo geral, nós os alemães, gostamos dos holandeses. E é com uma certa incredulidade, mais do que mágoa, quando descobrimos que o sentimento não é recíproco.
    Podia dizer-se a antipatia dos holandeses aos alemães é por causa da ocupação Nazi. (Ainda há minutos ouvi na TV, que o ponta de lança dos holandeses, Van Niestelroy, jogou para vingar essa ocupação. Só o conseguiu de uma forma imperfeita: Fez um golo, que só deu para empatar... Para o resto da vingança olho assim descansadamente - mesmo se for cumprida, penso que nós os alemães termos-ão safados de forma baratinha.)

    Li em tempos num estudo sociológico holandês sobre este fenómeno, que o ressentiment contra os alemães é mais forte no grupo etário entre os 15 e 25 anos! Aqueles, que têm mesmo razões biográficas para (no mínimo) uma certa reserva, têm uma postura muito mais favorável.

    Tenho umas explicações caseiras para essa antipatia:
    A primeira é que eles têm que aturar, proporcionalmente, muito mais turistas alemães do que nós turistas holandeses. (E os portugueses devem ser o único povo no mundo que é capaz de aturar turistas sem depois odiar a nação dos mesmos.)
    A segunda, que me parece mais forte, é: Eles são o vizinho mais pequeno dum pais grande, que é culturalmente e até em termos de mentalidade muito mais parecido com eles do que gostam. Sentem-se ameaçados, não militarmente, nem economicamente, mas sim de serem absorvidos um dia, culturalmente.

    Ou seja, um pouco como os portugueses em relação a Espanha.
    .


    Templo Zen a.k.a. Barcelona Pavilhão 1929 (Mies van der Rohe)
    14.6.04
    Resposta a um leitor da Terra da Alegria

    Muito obrigado pelo seu mail "Mística e Simone Weil: sobre o seu post no TdA".
    Foi uma leitura muito interessante! (O texto de Huiziga já conhecia). Tendo em vista de que o que me enviou, são citações, presumo que não tenha objecções se os publico no meu blogue Quase em Português.
    Espero que se possa desenvolver uma discussão sobre as críticas referidas.
    Reafirmando os meus agradecimentos e com os melhores cumprimentos,

    Lutz Brückelmann
    Nada a fazer...

    Há uma semana que não desaparecem os anúncios para produtos religiosos na barra da publicidade aqui em cima! (Provavelmente já repararam que ela é inteligente e adapta-se temáticamente ao blogue.)
    Ainda vão virar-me as costas todos os leitores agnósticos e/ou ateus por tanta beatitude e deixar-me sozinho com os meus amigos católicos! Por favor não o façam! O próximo post político vem com certeza, e já na quarta-feira, uma nova playmate da semana!

    (Os amigos católicos hão de perdoar-me, afinal é o dever deles...)
    More is more!

    Parabéns ao Projecto, que faz hoje já um ano!
    .
    13.6.04
    Porquê será?

    "Hoje no telejornal da RTP ouvi que tinham estado no Portugal-Grécia um grande número de políticos a assistir ao jogo.
    Não ouvi nenhum deles a comentar o jogo no fim."

    (no Timshel)
    12.6.04
    Nunca me senti tão só na blogosfera!

    ...como neste momento. 16h15 e sete unique visitors até agora!
    Mas, depois de andar por ruas vazias, descer avenidas abandonadas, e atravessar praças desertas entrei no Blogue de Esquerda e deparei com duas almas vivas: O CC e o Zé-Mário a conversar sobre um romance. (Salvo seja...)

    Quando vocês lêem este post, daqui a umas horas, já estarei um pouco melhor.

    Vocês também. Muito. Ou talvez não.
    .


    Jardim-Zen Rioyan Ji
    11.6.04
    Europa

    Como portador de Cartão de Residência De Nacional De Um Estado Membro Das Comunidades Europeias tenho o direito de votar em duas eleições: as Autárquicas em Lisboa e as Europeias.
    Admito que é com mais entusiasmo que voto nas autárquicas: Ir, como todos os vizinhos portugueses para o local do voto - no meu caso a belissima escola no bairro de S. Miguel - e votar no (ou contra o) meu futuro presidente de câmara dá me a sensação de ser um genuino cidadão de Lisboa, plenamente integrado, no exercício dos seus direitos e deveres.
    Que assim me possa sentir é óbviamente consequência directa fo facte de Portugal como Alemanha serem membros da União Europeia.
    Não deve ser difícil entender que uma pessoa na minha situação, tem fortes razões para ser um europeista convicto.

    Queria ainda escrever sobre o valor que a ideia de Europa tem para mim, para além das razões pessoais, mas desisto - por enquanto - e remeto em vez disso para o fabuloso artigo de Eduardo Lourenço no Público de hoje.
    10.6.04
    "O que é que o poeta nos quis dizer?"

    O problema das interpretações é esse: elas reduzem e distorcem sempre o sentido do texto original. Na teologia como na poesia. (Há poesia onde essa distinção não se justifica...). Por isso a pergunta do professor "O que é que o poeta nos quis dizer?" leva em regra a um dos exercícios mais estúpidos que se podem fazer: A (suposta) tradução do poema para a linguagem comum. Se o poeta quis dizer o que pode dizer a interpretação, porque não escreveu esta e deu-se ao trabalho de escrever o poema?
    - Não me venham dizer que é por causa da beleza!

    Muitos dos textos mais belos não foram escritos com o intuito de serem belos, mas de exprimir algo que é (quase) impossível de exprimir. A beleza é um derivado da procura de verdade. Não é, não deve ser objectivo em si.

    (Isto é o desenvolvimento duma ideia motivada pelos comentários ao post anterior)
    O vinho evangélico

    Ontem só com custo resisti à tentação de responder ao Timshel para salvar a honra dos protestantes, que ele tem posto em causa, espalhando rumores vergonhosos sobre eles.
    Não o fiz porque, infelizmente, tenho que reconhecer a minha falta de autoridade moral para falar em nome deles.
    Fico agora muito satisfeito a constatar que a resposta necessária veio dum lado com incontestável vocação para isso: da Voz do Deserto.
    .


    Paul Klee: Zwitschermaschine
    9.6.04
    O óbvio nem para todos é óbvio

    É uma lição mais que apropriada que Pedro Caeiro do Mar Salgado dá ao Acidental.

    A fiar-me no Bravenet, ainda tenho mais new visitors do que returning visitors, por isso talvez vale a pena explicar o que é a Terra da Alegria:
    Trata-se dum blogue colectivo de seis católicos, em boa parte assumidamente "heterodoxos", que é de actualização semanal, nas Quarta-feiras. Eles convidaram crentes de outras religiões e agnósticos para escrever numa edição especial da Terra da Alegria, que sai todas as Segunda-feiras.
    A quem se interessa para questões religiosas, mas não gosta, quando entra numa igreja, de só ouvir a lenga-lenga conhecida, nem de ver logo o saquinho de peditório à sua frente e muito menos de sentir a mão paternalista do padre no ombro, - a ele recomendo este blogue.
    .


    Playmate da semana: la couleur des rêves (Loustal)
    8.6.04

    O A Bordo publica hoje uma síntese da religião Bahá'í, que vale a pena citar na íntegra:

    «A religião Bahá'í surgiu no século XIX na Pérsia (actual Irão). O seu fundador foi Bahá'u'lláh (em Português, "Glória de Deus"). O ensinamento principal de Bahá'u'lláh pode ser resumido na frase "A terra é um só país e a humanidade os seus cidadãos". Segundo os ensinamentos bahá'ís, todas as religiões provêem do mesmo Deus. A essência dos ensinamentos espirituais das religiões é a mesma; os ensinamentos éticos e sociais é que variam. O Criador envia ciclicamente à humanidade Profetas com ensinamentos adequados à nossa maturidade e capacidade de compreensão. Assim tivemos Abraão, Moisés, Zoroastro, Jesus, Maomé, Krishna, Buda, e mais recentemente Báb e Bahá'u'lláh. Foram como professores divinos da humanidade. Tal como nós na escola vamos evoluindo, e vamos tendo professores que nos vão explicando a realidade de acordo com a nossa capacidade de compreensão, também estes Mensageiros nos vão explicando os ensinamentos divinos de acordo com as nossas capacidades e necessidades colectivas.
    Este conceito de unidade da humanidade e de revelação progressiva são os pilares dos ensinamentos bahá'ís. Mas existem outros princípios:
    - A igualdade de direitos entre homens e mulheres
    - A educação obrigatória para todas as crianças
    - A adopção de uma língua auxiliar internacional
    - A criação de uma nova Ordem Internacional
    - A livre e independente pesquisa da verdade
    - A eliminação de preconceitos
    - A harmonia entre ciência e religião.
    A religião Bahá'í é uma religião independente; tem os seus próprios livros sagrados, dias sagrados, a sua organização administrativa. Não é uma divisão, ou seita, de outra religião. A relação que existe entre a religião Bahá'í e o Islão é a mesma que existe entre o Judaísmo e o Cristianismo.
    Hoje existem mais de 6 milhões de bahá'ís espalhados em praticamente todos os países e territórios do mundo. Os países com mais bahá'is são a Índia, o Irão, a Bolívia, o Uganda, o Peru e os Estados Unidos. Em Portugal somos cerca de 3000. No site da BBC pode encontrar-se uma análise independente sobre a fé bahá'í.»


    Não conheço entre as religiões nenhuma, cujas ideias (baseando-me nesta curta síntese...) são mais coincidentes com as minhas. Salvo uma, que seguramente é central: a ideia de um Deus pessoa, que envia profetas.

    O Marco Oliveira, o meu colega autor na Terra da Alegria, não me leva mal, quando digo que o único defeito na religião Bahá'í que vislumbro, é ser religião.

    "Como todos sabem, a estupidez é «uma das mais potentes e obscuras forças que impedem o crescimento do bem-estar e da felicidade humana», e explica-se através de cinco leis fundamentais:
    A primeira, também conhecida por «lei áurea» (embora seja na verdade a definição da própria estupidez), reza:
    «Uma pessoa estúpida é aquela que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas sem que com isso alcance uma vantagem para si, ou mesmo sofrendo, por essa via, uma perda»."

    As outras quatro regas, à ler no Mar Salgado.
    7.6.04

    Sem comentário? - É exactamente esse o problema: Encolhemos os ombros, triste por um minuto, pensando: que vergonha. - e voltamos ao nosso dia-a-dia.
    Quêm tem hoje interesse para este assunto, a nossa agenda é: Iraque, Iraque, Palestina, Al Quaeda, Iraque...
    A ONU? - A ONU são os membros, e estes têm a agenda acima referida.

    6.6.04
    De mortui nihil nisi bene!

    Eu sou um daqueles que bloquearam os acessos aos quarteis americanos na Alemanha para impedir o estacionamento dos misseis Pershing II. Mas os misseis foram estacionados. A III guerra mundial não chegou, e oito anos mais tarde acabou o império soviético.

    É hoje, não só à direita, tido como adquirido que o estacionameto dos Pershing e a "guerra das estrelas" de Reagan foram decisivas para precipitar o colapso do bloco sovietico.
    Confesso que na altura não o percebi: Que estes oito anos de corrida do armamento foram concebidos e revelaram-se como suficiente para arruinar as economias comunistas, e para levar, em consequência, as populações à derrubar os seus regimes! E que a figura carismática de Reagan iria inspirá-los para enfrentar destemidamente os seus opressores!

    Por isso esse homem, que propôs, ainda como governador de California, intensificar os bombardeamentos sobre Vietnam e transformar todo este pais num "nice, clean parking-lot", (uma boa amostra da sempre encantadora obsessão americana com a limpeza), é o verdadeiro heroi do fim da guerra fria, e não estas figuras cinzentas e secundárias - como e que se chamaram? - ah, pois era: Gorbatchov, Woytila, Sacharov, Walesa, Havel...

    Não posso negar que recordo de Ronald Reagan o corajosissimo repto que lançou em Berlim, à partir duma tribuna montada a frente do muro: "Mr. Gorbatchov, tear down this wall!"
    Hoje sei que na altura fiquei injustamente indignado por ter que passar essa tarde no Bahnhof Zoo a espera de poder ir para minha casa em Kreuzberg. E pelo facto de que a polícia Berlinense tinha cercado e fechado este bairro de 400.000 habitantes, para facilitar ao presidente americano a sua perigosissima tarefa. Qual valor perante tanta ousadia tem o acto de Gorbatchov em 1989, quando manteve as tropas nos quarteis enquanto os Alemães derrubaram o muro: Só fez o que Reagan lhe já tinha exigido...

    Lembro-me também da gloriosa vitória sobre a perigosissima Grenada, que finalmente reestabeleceu a auto-estima do Americanos em termos militares, após aquela retirada pouca dignificante do Vietnam (da responsabilidade daqueles maricas seus antecessores).

    Mas antes de mais, penso que Ronald Reagan deve ser lembrado pelo que fez pela mudança profunda das mentalidades na América e em todo o mundo ocidental: Pela reconquista dos valores eternos do egoismo, da ganância e vaidade.
    Para além, claro, da redescoberta duma ancestral verdade: Os bons somos sempre nós, os maus (o império do mal) os outros.
    Como modelos e referências da éra Reagan ficam-nos assim muito justamente, para além do próprio, Rambo e Donald Trump.
    Obrigado!

    Etiquetas:

    5.6.04
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    Andy Goldsworthy: Rowanleaves
    An die Nachgeborenen

    1

    Wirklich, ich lebe in finsteren Zeiten!
    Das arglose Wort ist töricht. Eine glatte Stirn
    Deutet auf Unempfindlichkeit hin. Der Lachende
    Hat die furchtbare Nachricht
    Nur noch nicht empfangen.

    Was sind das für Zeiten, wo
    Ein Gespräch über Bäume fast ein Verbrechen ist.
    Weil es ein Schweigen über so viele Untaten einschließt!
    Der dort ruhig über die Straße geht
    Ist wohl nicht mehr erreichbar für seine Freunde
    Die in Not sind?

    Es ist wahr: ich verdiene noch meinen Unterhalt
    Aber glaubt mir: das ist nur ein Zufall. Nichts
    Von dem, was ich tue, berechtigt mich dazu, mich sattzuessen.
    Zufällig bin ich verschont. (Wenn mein Glück aussetzt, bin ich verloren.)

    Man sagt mir: iß und trink du! Sei froh, daß du hast!
    Aber wie kann ich essen und trinken, wenn
    Ich dem Hungernden entreiße, was ich esse, und
    Mein Glas Wasser einem Verdurstenden fehlt?
    Und doch esse und trinke ich.

    Ich wäre gerne auch weise.
    In den alten Büchern steht, was weise ist:
    Sich aus dem Streit der Welt halten und die kurze Zeit
    Ohne Furcht verbringen.

    Auch ohne Gewalt auskommen
    Böses mit Gutem vergelten
    Seine Wünsche nicht erfüllen, sondern vergessen
    Gilt für weise.
    Alles das kann ich nicht:
    Wirklich, ich lebe in finsteren Zeiten!

    2

    In die Städte kam ich zur Zeit der Unordnung
    Als da Hunger herrschte.
    Unter die Menschen kam ich zu der Zeit des Aufruhrs
    Und ich empörte mich mit ihnen.
    So verging meine Zeit
    Die auf Erden mir gegeben war.

    Mein Essen aß ich zwischen den Schlachten
    Schlafen legte ich mich unter die Mörder
    Der Liebe pflegte ich achtlos
    Und die Natur sah ich ohne Geduld.
    So verging meine Zeit
    Die auf Erden mir gegeben war.

    Die Straßen führten in den Sumpf zu meiner Zeit.
    Die Sprache verriet mich dem Schlächter.
    Ich vermochte nur wenig. Aber die Herrschenden
    Saßen ohne mich sicherer, das hoffte ich.
    So verging meine Zeit
    Die auf Erden mir gegeben war.

    Die Kräfte waren gering. Das Ziel
    Lag in großer Ferne
    Es war deutlich sichtbar, wenn auch für mich
    Kaum zu erreichen.
    So verging meine Zeit
    Die auf Erden mir gegeben war.

    3

    Ihr, die ihr auftauchen werdet aus der Flut
    In der wir untergegangen sind
    Gedenkt
    Wenn ihr von unseren Schwächen sprecht
    Auch der finsteren Zeit
    Der ihr entronnen seid.

    Gingen wir doch, öfter als die Schuhe die Länder wechselnd
    Durch die Kriege der Klassen, verzweifelt
    Wenn da nur Unrecht war und keine Empörung.

    Dabei wissen wir doch:
    Auch der Haß gegen die Niedrigkeit
    verzerrt die Züge.
    Auch der Zorn über das Unrecht
    Macht die Stimme heiser. Ach, wir
    Die wir den Boden bereiten wollten für Freundlichkeit
    Konnten selber nicht freundlich sein.

    Ihr aber, wenn es so weit sein wird
    Daß der Mensch dem Menschen ein Helfer ist
    Gedenkt unserer
    Mit Nachsicht.

    (Bertolt Brecht)
    _________________

    Aos que vierem depois de nós

    1

    Realmente, vivo em tempos sombrios!
    A palavra inocente é tola. Uma testa sem rugas
    Denota insensibilidade. Aquele que ri
    Só ainda não recebeu
    A terrível notícia.

    Que tempos são estes, em que
    Falar de árvores quase é um crime,
    Porque implica silêncio sobre tantos horrores!
    Aquele que ali cruza tranquilamente a rua
    Já não está contactável pelos amigos
    Que estão em apuros?

    É verdade: ganho o meu pão ainda,
    Mas acreditem: é puro acaso. Nada
    Do que faço justifica que eu possa comer até fartar-me.
    Por acaso estou poupado. (Se a sorte me abandonar estou perdido).

    Dizem-me: "Tu come, bebe! Alegra-te, que tens!"
    Mas como posso comer e beber, se
    Ao faminto arranco o que como, e se
    O copo de água falta ao sedento?
    Mas apesar disso como e bebo.

    Também gostaria de ser sábio.
    Nos livros antigos diz como é ser sábio:
    É manter-se afastado das lutas do mundo e passar o breve tempo
    Sem medo.

    Também dispensar da violência,
    Retribuir o mal com o bem,
    Não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
    Consta que é sábio.
    Tudo disso não sou capaz.
    Realmente, vivo em tempos sombrios.

    2

    Às cidades cheguei em tempos de desordem,
    Quando reinava a fome.
    Misturei-me aos homens em tempos de revolta
    E indignei-me com eles.
    Assim passou o tempo
    Que me foi concedido na terra.

    Comi o meu pão entre às batalhas.
    Deitei-me para dormir entre os assassinos.
    Do amor me encarreguei sem cuidado
    E a natureza vi sem paciência.
    Assim passou o tempo
    Que me foi concedido na terra.

    No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
    A palavra traiu-me ante o carrasco.
    Era muito pouco o que eu podia.
    Mas os governantes
    Se sentavam, sem mim, mais seguros, — esperava eu.
    Assim passou o tempo
    Que me foi concedido na terra.

    As forças eram escassas.
    E o objectivo
    Encontrava-se muito distante.
    Via-se claramente,
    Ainda que mal atingível, para mim.
    Assim passou o tempo
    Que me foi concedido na terra.

    3

    Vocês, que surgirão da maré
    Em que perecemos,
    Lembrar-se-ão também,
    Quando falam das nossas fraquezas,
    Dos tempos sombrios
    De que puderam escapar.

    Pois íamos, mudando mais frequentemente de país do que de sapatos,
    Através das lutas de classes, desesperados,
    Quando havia só injustiça e nenhuma revolta.

    E, contudo, sabemos:
    Também o ódio contra a baixeza
    Distorce a cara.
    Também a raiva sobre a injustiça
    Torna a voz rouca. Ai nós,
    Que quisemos preparar o terreno para a bondade
    Não pudemos ser bons.

    Vocês, porém, quando chegar o momento
    Em que o homem seja do homem um amigo,
    Lembram-se de nós
    Com indulgência.
    4.6.04

    ...pode fazer mais estragos do que o crime.
    Há 15 anos na praça da paz celeste



    Há nesta cena - talvez - mais do que um heroi. O primeiro é o óbvio, o que vemos, aquele que aposta a sua vida, solitário, sem violência, para a causa que sabe justa.

    Mas também há os que não vemos, o motorista, o comandante do tanque, que não avança. Não sei quais foram as ordens que tiveram. Não sei se eles, na altura, comunicaram com os seus superiores via rádio sobre o que deviam fazer. Mas talvez eles tiveram escrúpulos, reconheceram que o que lhes foi exigido não estava certo, e não avançaram por isso. Talvez sou ingénuo. Mas talvez foi assim: pessoas vulgares descobriram, numa determinada situação, que há uma responsabilidade que não é delegável, e reagiram de acordo com isso.
    O que me daria esperança, mais do que aquele que se coloca no caminho dos tanques, e quem, sem dúvida, tem maior mérito, mas que é daqueles dos quais haverá sempre demasiado poucos.
    3.6.04
    A libertação das coisas

    Um dos aspectos mais desagradáveis em envelhecer é a inevitável acumulação de coisas que nos pertencem. Há quem goste disso, se a acumulação é acompanhada dum proporcional aumento de espaço de que dispõe: Casa maior, 2ª habitação, a quinta... Assim isso é vivido como experiência de expansão. (E tudo o que vive, sente expansão à partida como algo salutar.)
    Quanto a mim, sinto a acumulação como um fardo, e creio que não só porque me falta espaço.
    Lembro me com inveja da história dum povo - fictício ou não - da América Central, que Max Frisch conta (já procurei, mas não encontrei onde):
    Este povo abandonava de 54 em 54 anos as suas cidades e tudo que nelas tinha construido, destruia casas e templos, partia as loiças todas e migrava para um novo lugar no mato, onde arroteava uma clareira e comecava a construir tudo de novo, de raíz, para o próximo ciclo de vida.
    Tudo desaparece

    Uma pessoa tem de despachar-se, se ainda quer ver alguma coisa.

    (Paul Cezanne)
    2.6.04

    Hoje escrevem os seis residentes: sobre a oração; o não-dialogo sobre o aborto; a voz de Letízia; sobre o que nós distingue ou não dos torturadores de Abu Ghraib; o divórcio; e o ecumenismo.


    Playmate da semana: Liegende (Schiele)
    1.6.04

    Meredith Monk descobriu, na música, algo verdadeiramente novo, e ao mesmo tempo, muito arcaico.
    Música é uma línguagem sofisticada, com vocabulário, gramática, regras. A música de Meredith Monk não é menos sofisticada, mas não no uso das regras, que faz às vezes mais, às vezes menos - mas o essêncial da sua música encontra-se noutro plano muito mais elementar do que este. Ela usa a voz. A música é só suporte, por vezes quase superfluo, para uma relação directa e intensa entre a voz e a psiche.
    Não é sentimental, não é intelectual, não é difícil de entender - o meu filho de quatro anos a entende perfeitamente -, mas é eventualmente aterrador.

    Escolhi aqui uma canção muito convencional, pelos critérios dela: Scared Song do CD Do You Be.

    Numa outra ocasião ponho talvez algo mais radical...


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