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  • 17.6.04
    Sentido, jogos de linguagem, memória, auto-referencialidade

    Mais uma vez merece me destaque um, não, dois posts do OzOnO, um blogue que me atrai pela sua riqueza e latitude temática. No Eternal Sunshine, do 7.6. aborda a relação entre a memória e a percepção do tempo, remetendo entre outro para um interessante artigo da Stanford Encyclopedy of Philosophy.

    Num outro, O Absurdo, do 14. de Junho, desenvolve à partir dum excerto do Mito de Sísifo de Camus a seguinte ideia:

    Existem duas forças fundamentais e contraditórias que não podemos negar. Uma é a nossa necessidade de dar um significado à vida, e outra é o silêncio absurdo da mesma, face a esta necessidade. Perante este confronto, arrisco, duas respostas. Primeira: Existe um sentido absoluto, objectivo, exterior ao espírito humano, e somos neste momento incapazes de o apreender. Segunda: Não existe um sentido absoluto, todo ele é subjectivo, e evolutivo. É a constante tensão entre a nossa necessidade de significado e o absurdo do mundo, que faz emergir nos jogos da linguagem o próprio significado. Somos "máquinas" de fazer significado.

    Parece-me claro que os dois posts estão tematicamente ligados:
    Não é só a noção de tempo, que construimos à partir da memória, parece-me que a nossa própria identidade, e a nossa consciência, dependem dela. Pode imaginar-se consciência sem memória? Penso que não, porque a consciência de qualquer coisa, mesmo presente, só pode existir perante um pano de fundo de outra coisa qualquer, que existe para nós graças à memória. Não há consciência sem um eu que a tem. Toda a genese de consciência faz-se num permanente processo (análogo ao hermeneutico), em que, miraculosamente invertendo o processo da entropia, se cria mais complexidade e estrutura à partir de menos. Quase me quer parecer que o segredo divino (enquanto força criativa) reside de alguma forma na auto-referencialidade.

    É verdade que a constante tensão entre a nossa necessidade de significado e o absurdo do mundo nos leva a fazer jogos da linguagem, e que neles é gerido significado. Não partilho, no entanto, a frustração de Wittgenstein sobre a falta de fundamento destes jogos. Não vejo a auto-referencialidade destes processos como defeito. É verdade que esses jogos não fornecem o fundamento ontológico que tanto desejamos. Mas também é verdade que sem esses jogos não se gera nada.
    E ainda é verdade que, apesar disso, existem evidências, que não conseguimos nem fundamentar nem destroçar com os nossos jogos, que resistem.
    Essa por exemplo: que somos.

    (Este post é um exemplo acabado de filosofia amador. Para quem deseja um pouco mais rigor nos conceitos e na terminologia, a este recomendo vivamente o livro de António Damásio: "O Sentimento do Si".)

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