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O atenuante é que a vítima não tinha valor. Travesti, gay, sem abrigo, toxicodependente, com sida. Perante isto, a matilha dos adolescentes mostrou um comportamento até natural: eliminar os mais fracos. E a sociedade compreende. Não aprova, mas compreende. As jornalistas, o padre. Coisas de adolescentes. Houve exagero, sem dúvida, um fim trágico, mas no fundo, no fundo, todos sabem que o que aqui se exprimiu foi o são sentir do povo*. (* Gesundes Volksempfinden foi o termo cunhado por Joseph Goebbels para as atitudes algo rudes, mas afinal de tudo saudáveis, pois sendo de certa forma actos de higiene do colectivo, que o povo alemão assumiu contra os homossexuais, ciganos e judeus, nos pogroms do Império dos 1000 anos.) 23.2.06
Franziskus Wendels: Heimkehr 22.2.06
Já me tinham pedido a confissão de manias. Na altura, respondi com uma só, embora subdividida. Aqui só mais uma - não se pode contar essas coisas sem mais - para o Luis e o Marco: Como o Marco, sou desarrumado. Em Berlim tinha um patrão que no fim do dia, quando eu estava em casa, me arrumava a mesa enquanto via o meu trabalho, mas com tacto para não parecer uma censura. O Abrupto tem qualidades, mas é um blogue azedo como sopa da semana passada. Sem humor e qualquer vestígio de auto-ironia. Nestas condições, metabloguismo só pode dar isto. Playmate da semana: Maja desnuda (Goya) Finalmente. Nunca a postei antes porque a redução do quadro a 420px não deixa nada para ver. Por isso posto um recorte, mas a Maya toda podem ver se clicam na imagem. 21.2.06
Impaciente, aguardo o momento em que posso tirar a bandeira dinamarquesa daqui. Não gosto de bandeiras. Adenda: O JPT acha que já posso. Talvez tenha razão. Mas esqueci-me de dizer que, se não gosto de bandeiras, esteticamente a dinamarquesa é das mais belas que há no mundo. Tiro-a já? O que faço em vez disto? Outra militância? O Quase em Português nunca foi um blogue militante, mas isto podia mudar. Podia colocar um ceterum censeo, por exemplo. CETERUM CENSEO PROCURADOR GENERAL REPUBLICAE ESSE DIMITTAM* (* se este latim está certo abro uma garrafa) Não faço a menor ideia. E agora? Henry Purcell: The Tempest (1690) Não é dos anos '70, mas talvez agrade na mesma ao Luis. Verei se ainda me lembro de outras manias confessáveis. (John Eliot Gardinder; David Thomas, Roderick Earle, Carol Hall, Rosemary Hardy, Jennifer Smith, Stephen Varcoe, John Elwes; Monteverdi Choir, Monteverdi Orchestra.) 20.2.06
Não tenho pena de David Irving. Mas acho errado a violação do princípio da Liberdade de Expressão. Acho o veredicto muito inoportuno. E faz-me espécie ser a Austría, esta primeira e impoluta "vitima" do nazismo, a condená-lo. Inteiramente de acordo com Vasco Pulido Valente. "To do is to be" __ Martin Heidegger "To be is to do" __ Karl Marx "Shobedobedo" __. Frank Sinatra (Not from me) 19.2.06
"Again and again, theologians have warned against uncritical subordination to representations of God, power or authority. That's the unlikely link between the iconoclasm of Milton, Marx and the Sex Pistols and that of the Judeo-Islamic tradition. And it's why a condemnation of the Danish cartoonists by those within other Abrahamic faiths, acting in solidarity with our Muslim brothers and sisters, is not quite so straightforward. A faith tradition that is never offended is one that is never challenged to give itself the necessary critical scrutiny. Indeed, the tendency to create dangerous idols of the divine is primarily a sin of the religious, not a blasphemy of the irreligious." Via O Amigo do Povo. Como é que não me lembrei eu a escrever isto? Rembrandt: Titus (Retrato do seu filho) 17.2.06
Coloquei aqui ao lado os links para uma série de posts interessantes do Arte da Fuga sobre o enqadramento profissional dos licenciados em arquitectura. Tenho ideias formadas sobre o problema em geral, falta-me porém o conhecimento (e o tempo de o adquirir) sobre os pormenores do conflito actual entre a Ordem dos Arquitectos e os recem-licenciados, que dependem dela para adquirir o direito do pleno exercício da sua profissão. A prática da Ordem nesta matéria, recentemente desaprovada pelo Conselho Superior das Obras Públicas, está sempre sob suspeita de servir antes de mais a um motivo incofessável: de limitar o acesso de novos concorrentes a um mercado que já é pequeno para os que actualmente nele se encontram. É verdade que esta acusação não passa dum processo de intenções, impossível de provar por via causal, mas não se lhe pode negar plausibilidade. Porém, se damos ou não crédito a essa suspeita, em caso algum está certo à partida de que este eventual motivo invalida outras razões. E o argumento admitido, para além dos formais jurídicos como a eventual aplicação de directivas europeias, é a necessidade de assegurar a qualidade minima dos projectistas, em virtude da salvaguarda do interesse público. Mas vamos dizer sem rodeios o que aqui aconteceu: Enquanto o Estado se demite da sua suposta responsabilidade de regular o ensino superior, encontraram se como opositores a Ordem dos Arquitectos, defendendo os seus membros e, para quem como eu quer acreditar nisso, a qualidade da arquitectura, e as universidades privadas, que fizeram e fazem bom dinheiro ao formarem arquitectos, tantos mais melhor, e cujo acesso à profissão agora vêem posto em causa. Quem está entalado são os jovens licenciados. Só não é líquido para mim que eles se devem queixar (só) à Ordem. Saiem das faculdades arquitectos a mais, e nem todos são bons. Faz sentido que se formam muito mais arquitectos do que o mercado precisa? - Não. Deveria o Estado ter prevenida esta situação? Obviamente não é justificável gastar dinheiros públicos na formação de profissionais que ninguém precisa. Mas o problema é que as faculdades do Estado estão em concorrência com as faculdades privadas, que nasceram de forma súbita e formam tantos quanto podem, e não devem justificações ao contribuinte. O Estado não regulamentou, e a Ordem dos Arquitectos tentou substituir-se a ele nesta tarefa. Para umo liberal, o problema porém tem uma outra solução. A "natural": Se há mais candidatos a arquitecto do que o mercado pode absorver, porque não deixar deste problema encarregar-se o mercado? Vou esquecer por um momento a ideia de que houve aqui jóvens que foram enganados e digo: De acordo, em princípio. Só que não é tão simples. Deixar ao mercado a selecção da qualidade, por via do trial and error, sai caro ao cliente e aos demais lesados, pois desembaraçar-se duma obra malfeita não é tão fácil para o cliente como a devolução dum automóvel defeituoso! Os possíveis prejuízos são enormes e a possibilidade de responsabilizar o arquitecto por eles é muito limitada, tendo em conta o seu poder económico limitado e a inoperância da justiça portuguesa. Mas isso seria um problema dono da obra. Que ele se cuide, que arranje referências, garantias, e exiga um seguro ao projectista. Mas estes só cobrem uma parte do risco. Não cobre o risco, os danos possíveis para terceiros, os vizinhos ou a sociedade em geral. As implicações que uma obra particular tem para a sociedade podem ser muito grandes, para os vizinhos directos, para a infraestrutura, seja ela a rede de esgotos, a rede electrica, o tráfego etc. Estas implicações exigem uma actuação preventiva. E eis a resposta ao AA, que pergunta se, em vez de deixá-la ao cargo da temível burocracia camarária, não se podia deixar a verificação da qualidade do projecto a entidades privadas. Não podia estar mais de acordo, no que diz respeito à verificação da qualidade dos diversos projectos em relação a sua correcção técnica. E é verdade que na prática a câmara já não a faz, se uma vez a fez. Este é a parte mais fácil. Mas a parte complicada não é delegável. Digo isto com pesar, mas convicção. Porque alinho no seu lamento sobre o inenarrável processo de licenciamento de obras em Portugal, que realmente é uma escola em que se aprende paciência, mas também, ao passo que se desepera, a desrespeitar as instituições públicas, alguns dos seus funcionários (honra seja feita dos outros, que realmente há, e onde todos por favor se incluem que actualmente têm nas suas mãos processos da minha autoria!) e, por fim, a própria lei. Sem que se possa alegar má fé da maioria dos intervenientes, os obstáculos burocráticos, alguns até com uma justificação técnica plausível, parecem lá estar de propósito só para despir o requerente de todos os seus direitos que ingenuamente julgava deter e colocá-lo completamente à mercê dos técnicos municipais e/ou dos políticos, sem cuja ajudinha benevolente não pode ter nenhuma esperança de sair em tempo útil deste mundo kafkaiano. O prazo médio dum licenciamento em Lisboa é de três anos! Se alguém me perguntasse como contrariar esta situação triste, diria: Com mais qualidade. De formação. Se ela não existe, porque o Estado falhou em assegurá-la nas faculdades, será que a Ordem está agora tão mal a tentar de impô-la? Mesmo sendo suspeito de motivos menos nobres. Mas isto seria um remédio provisório, que não deixa de cheirar mal! Só uma melhoria da qualidade do ensino da arquitectura assegurava que não só os autores dos projectos subissem de qualidade, mas também os que estão nas entidades públicas, licenciadoras e outras, e isso, sim, seria um grande passo! Se estes depois ainda funcionassem em regime de exclusividade, assim libertos da tentação de considerar a sua função pública como o seu segundo emprego, e como oportunidade para misturar negócios privados com os seus deveres públicos, e ficassem em vez disto devidamente remunerados, melhor. Mas mesmo este passo relativamente grande ficaria sempre curto, enquanto não houver uma responsabilização de todos os agentes, públicos e privados. Estamos muito longe disso. E continuaremos a estar enquanto não passamos a ter uma justiça operante. O post é longo, e já passei dos recem-licenciados aos defeitos do processo do licenciamento e à inoperante justiça. Basta. Apetecia-me dizer ainda muita coisa sobre isto, mas melhor não. Pela primeira vez sinto que, tivesse eu um blogue anónimo, teria escrito diferente... A não perder: a série do ...bl-g- -x-st- sobre a guerra! 16.2.06
O que é que o Procurador Geral averigou no caso do Envelope 9 durante o mês passado? Não sabemos. Só sabemos que ele agora, depois deste tempo todo, se lembrou de fazer uma rusga ao jornal e ao jornalista, que denunciou o caso. Presumir a inocência de arguidos às vezes custa, mas presumir a boa fé de magistrados às vezes também. E deste! 15.2.06
Playmate da semana: Maia (Bartolomeus Spranger) 14.2.06
Via ...bl-g- -x-st-. Já que ninguém, excepto o Carlos, se incomoda com a frase, digo-lo eu: Esta frase é geralmente proferida para impedir a discussão sobre o que se manda e com que legitimidade manda quem manda. Não estou a favor de que se ofende gratuitamente as pessoas. Nem os seus sentimentos religiosos. Ou estou, sim: Pois acho bem que isso acontece de vez em quando, na medida certa, sem que isso porém descamba na pancadaria ou pior. Gostaria que as pessoas se tornassem menos susceptíveis nesta questão, pois acho que o apego a símbolos identitários, religiosos e outros, já se saldou em tragédias que chegam. Não começou com as cruzadas e como se vê ainda não acabou nos nossos dias. Mesmo admitindo, o que faço, que se deve ver qualquer conflito também sob o prisma do materialismo, estou convencido que o aspecto simbólico tem imenso peso. E estou convencido que, ao longo prazo, é uma prerrogativa da paz, que conseguirmos dominar os impulsos instintivos e tendencialmente violentos que acompanham a relação afectiva com os símbolos. Isto vale para representações de profetas, a bandeira nacional como para o chachecol do clube de futebol. Ainda não desisti da esperança que a humanidade aprendesse distinguir entre valores e símbolos. Que ganhasse juizo e deixava de matar-se por cruzes ou bandeiras. Por isso, acho salutar o iconoclasmo que se deu na história ocidental. Obviamente, não me agrada a destruição de obras de arte e de património irrecuperável (isto é para a Zazie!), como aliás a necessidade da destrução dos símbolos ainda revela que são levados a sério, mas a sua desvalorização no plano da mudança das mentalidades foi benéfico. A ofensa que uma pessoa sente ao ver denegrido um símbolo que lhe é caro, é consequência da imperfeita separação do representante do representado, e é igual àquela que o meu filho de seis anos sente, que chora e bate nos colegas do recreio, quando lhe chamam caixa de óculos. O pluralismo, a convivência pacífica, não só promove mas também depende da dessensibilização deste tipo de susceptibilidades, de que não fiquemos neste estado de discernimento limitado e de autoconfiança ainda frágil do meu filho. Para alem disso, a limitação da liberdade de expressão, em nome de sensibilidades colectivas de outros, e não da salvarguarda do seu bom nome individual, o que não está aqui em causa, cria sempre um tabu e salda-se inevitavelmente numa limitação do pensamento também. E esse preço não deve ser pago! Uma questão bem diferente é o incitamento ao ódio e ao crime. Aqui deve haver límites claros, embora, na prática, nem sempre fáceis de estabelecer. Nestes casos devemos aplicar o princípio da oportunidade. A proibição da negação do holocausto e da propaganda nazi e de afirmações antisemitas na Alemanha acho hoje, por exemplo, já não oportuno. O que não muda o que penso e sinto acerca destas opiniões. (actualizado) 13.2.06
Andre Kertesz: Debaixo da torre Eiffel Frases que impõe respeito™
Tem que haver alguém quem manda. Mário Pinto sintetiza no Público de hoje muito bem os argumentos dos que se opõe ao direito de ridicularizar símbolos religiosos e outros. Cito um parágrafo: "Criei-me ouvindo, da boca de toda a gente, à minha volta, sem contestação, a sentença da sabedoria popular que, na sua linguagem de incomparável força e beleza, diz assim: 'há coisas com que não se brinca'." Neste trecho está tudo: A saudade dos bons costumes do tempo do outro senhor. A asfixiação paternalista da curiosidade intelectual, a cultura bafienta do tabu, que não necessita de justificar a sua razão de ser. O desprezo pela mobilidade intelectual do outro. O parádigma do discurso autoritário e anti-iluminista: Sapere non aude! Com algum espanto dou-me conta, nos últimos dias, de que a aliança dos defensores do autoritarismo e da censura facilmente atravessa as fronteiras confissionais. Não estarão de acordo sobre o conteúdo das suas crenças, mas que essas não devem ser questionadas é lhes mais caro do que isso. 11.2.06
“O que lá aconteceu, é – agora vocês todos têm de mudar [de registo nos voss]os cérebros – a maior obra de arte que uma vez existiu. Que espíritos realizam algo num acto, que nós na música nem conseguimos sonhar, que pessoas ensaiam como loucos durante dez anos totalmente fanaticos para um concerto e então morrem. Isto é a maior obra de arte que existe em todo o cosmos. Só imaginem o que lá aconteceu: Ali então há pessoas, que estão focados para um espectáculo, e então manda-se 5000 pessoas para a ressureição, num único momento. Eu não conseguia isto. Contra isto não somos nada, como compositores. Imaginem, eu seria capaz de criar uma obra de arte e voçês não só ficariam espantados, mas cairiam imediatamente, ficariam mortos e renasciam, porque simplesmente é demasiado louco. Pois alguns artistas também tentam atravessar a fronteira do que é de todo pensável e possível, para acordarmos, para que nos abrirmo-nos para um outro mundo.” Em resposta à pergunta se estava a equiparar arte e crime: “Um crime o é, porque as pessoas não estavam de acordo. Não foram para o “concerto”. Isto é claro. E ninguém lhes anunciou, isto aí pode acabar convosco. O que aconteceu espiritualmente, este salto para fora da segurança, para fora do evidente, isto pois as vezes acontece, pouco a pouco, na arte. Ou ela não é nada.” Karlheinz Stockhausen, no 16.9.2001, sobre os atentados às Torres Gémeas Rogier van der Weyden: Virgem com filho 10.2.06
A ler, sem falta, os comentários a este post do bombyx mori, e o post da Susana Bês. Sim, a Liberdade de Expressão é poder. Poder de dizer como as coisas são, tão alto como se pode. Para alem da opinião é preciso ter voz ou, como a Susana diz, altifalante. É util lembrar que a distribuição dos altifalantes não é egalitária, mesmo onde supostamente reina a Liberdade de Expressão. Há quem pode falar mais alto, o que lhe dá mais poder. E tendo mais poder, pode falar mais alto. Neste sentido, não temos uma Liberdade de Expressão ilimitada, temos Liberdades de Expressão limitadas, para uns, muitos, mais, para outros, poucos, menos. A Liberdade de Expressão do Dr. Joseph Goebbels foi muito grande, as de Randolph Hearst ou de Rupert Murdoch também não foram ou são desprezíveis. A minha é mínima, mas comparado com o iraniano comum ainda é enorme. Admitamos então que ela não é nem pode ser absoluta, e que temos de aceitar a eventualidade da sua limitação por mecanismos democráticos (quais?), que asseguram que o poder decorrente da Liberdade de Expressão dalguns não se torne excessivamente ameacador para os outros. Mas quero defender a Liberdade de Expressão enquanto utopia, apesar de tudo! O facto de que ela nunca se realizou no sentido estrito não diminui, no sentido historico, o seu sucesso estrondoso! De repente não me lembro de nenhuma ideia que teve tanto impacto histórico, a ideia da democracia incluído. A realização, mesmo que deficiente, mesmo que parcial, da sua promessa é inegável. Lembramo-na: Que ela permite a emancipação das ideias do poder. Que as ideias se encontrem num espaço de liberdade, se confrontem, derrotem, fertilizem e transformem, não afectadas pelo quem as profere. Que este não conte. Que o poder de quem fala já não lhes acrescente razão, o seu estatuto não as torne mais válidas. Que elas, a partir de agora, se teriam de se aguentar sozinhas. Nunca foi bem assim. Mas foi suficientemente assim, para levar a orientação do nosso pensamento em direcção à Verdade, em vez da sua construção a partir da Verdade (revelada). O que nos levou a procura da felicidade em terra e nesta vida. O que produziu, no fim, o resultado que de todas as diferenças entre a nossa e a civilização islâmica é a principal fonte da sua inveja e do seu ressentimento: O nosso progresso. (François Avril) O Timshel e outros amigos devem admirar-se porque abandonei a ideia de não discutir mais o escândalo das caricaturas. Em vez disso, acabei de subscrever um abaixo assinado a este respeito e fui até a uma manifestação. Explico: A manifestação tornou se necessária como contraste à tomada de posição oficial pelo governo português, que não só era superflua como escandanlosamente entendeu condenar as caricaturas mas não sequer referir a violência dos que se sentem ofendidos. Tenho grande pena que a estratégia de ignorar tanto as caricaturas como as reacções ofendidas afinal foi inviável. Tenho pena não só porque politicamente seria a coisa sensata de fazer. Seria também a todos os outros respeitos adequado reduzir o assunto à importância que merece. Mas não deu. Devo ainda salvarguardar-me dum possível equívoco. No penúltimo post, onde me dei conta de que já não acredito na bondade da proibição da calúnia de grupos, e neste contexto referi o artigo de Pacheco Pereira do Público de ontem, esqueci-me de deixar claro que não concordo de todo, mesmo de todo, com o súbtil ou nem tão súbtil incitamento ao pánico que este faz. Não precisamos de pánico, e também não da mobilização para uma guerra de que JPP como muitos outros querem nos convencer que já esteja em curso, precisamos de ser firmes, sim, de não ceder um milímetro, quando se trata da liberdade, mas precisamos de sê-lo de forma descontraída, pois: de forma civil. Adenda: Muito bem recomenda o João Pinto e Castro o artigo de Timothy Garton Ash. 9.2.06
COMUNICADO - CONVITE Hoje, 5ª feira, 9 de Fevereiro, pelas 15 horas, um grupo de cidadãos portugueses irá manifestar a sua solidariedade para com os cidadãos dinamarqueses (cartoonistas e não-cartoonistas), na Embaixada da Dinamarca, na Rua Castilho nº 14, em Lisboa. Convidamos desde já todos os concidadãos a participarem neste acto cívico em nome de uma pedra basilar da nossa existência: a liberdade de expressão. Não nos move ódio ou ressentimento contra nenhuma religião ou causa. Mas não podemos aceitar que o medo domine a agenda do século XXI. Cidadãos livres, de um país livre que integra uma comunidade de Estados livres chamada União Europeia, publicaram num jornal privado desenhos cómicos. Não discutimos o direito de alguém a considerar esses desenhos de mau gosto. Não discutimos o direito de alguém a sentir-se ofendido. Mas consideramos inaceitável que um suposto ofendido se permita ameaçar, agredir e atentar contra a integridade física e o bom nome de quem apenas o ofendeu com palavras e desenhos num meio de comunicação livre. Não esqueçamos que a sátira – os romanos diziam mesmo Satura quidem tota nostra est – é um género particularmente querido a mais de dois milénios de cultura europeia, e que todas as ditaduras começam sempre por censurar os livros de gosto duvidoso, má moral, blasfemos, ofensivos à moral e aos bons costumes. Apelamos ainda ao governo da república portuguesa para que se solidarize com um país europeu que partilha connosco um projecto de união que, a par do progresso económico, pretende assegurar aos seus membros, Estados e Cidadãos, a liberdade de expressão e os valores democráticos a que sentimos ter direito. Pela liberdade de expressão, nos subscrevemos Rui Zink (916919331) Manuel João Ramos (919258585) Luísa Jacobetty Como se vê, mudei de opinião. Uma vez que os cartoons e o protesto não caiem no merecido esquecimento, e perante o vergonhoso comunicado do governo português, há de assumir uma posição pública clara. Também subscrevi por isso a declaração "Como uma liberdade", de Rui Bebiano e Tiago Barbosa Ribeiro. "Pergunta-se [...]: é a liberdade de expressão absoluta? Não, não é. Tem límites na lei na democracia, tem regras mínimas, para proteger outras liberdades e outros direitos. Regras mínimas, aliás habitualmente violadas sem consequência, para proteger a dignidade dos indivíduos, a sua intimidade, a sua personalidade, o seu direito de não ser caluniado. Mas são regras para os indivíduos, não são nem para religiões, nem comunidades, nem crenças, nem para a 'blasfémia':" Pacheco Pereira no Público de hoje. Na Alemanha, a liberdade de expressão não vai tão longe. Quem nega a existência do holocausto é punido por lei, com multa ou até cinco anos de prisão. Quem publica a tese que os judeus (ou outros) são uma raça inferior, ou que eles são a fonte dos males no mundo, pode contar com no mínimo três meses de prisão, no máximo também com cinco anos, pois viola a lei contra o incitamento ao ódio racial. (§130 StGB Volksverhetzung). Acho bem? - Achei bem até ontem. Mas o caso dos cartoons dinmarqueses levou-me a reconsiderar. Agora um jornal do Irão prepara a publicação de cartoons anti-semitas e que gozam com o holocausto. Proibia-os, se tivesse poder para isso? Ainda não os vi, mas prevejo que tenha dificuldade em estabelecer, em termos do princípio da liberdade de expressão, este caso como diferente do dos cartoons da Jylland Posten, cujo direito a serem publicados defendi e defendo com todas as fibras. Assim só me resta, apesar de revoltado e entristecido pelo facto de que outra vez - que maldição! - serão os judeus que levam por tabela, defender o direito a sua publicação. Abole-se então a proibição do incitamento ao ódio racial. Permite-se a calúnia, desde que ela não visa indivíduos, mas comunidades, como o Pacheco Pereira defende. 8.2.06
Sad Lisa, uma pequena canção, simples, límpida, com letra igualmente simples e límpida. Do homem que acha que Salman Rushdie devia ser executado. Uma canção de grande ternura e beleza triste. Playmate da semana: Nude on sand (Edward Weston) 7.2.06
Espero. Devemos voltar à ordem do dia. Que não podemos ignorá-los, é evidente, mas tanto os cartoons como as reacções dos ofendidos merecem ser ignorados. Só posso esperar que, depois desta onda de protestos violentos e pressões políticas, haja quem volte a publicar cartoons como estes. Se não fazemos uso da liberdade que temos, uso extensivo, perdemo-la. 6.2.06
(Hans Memling) Gente bonita num ambiente upper class britânico, a representar uma história já inúmeras vezes contada e vista. Nunca apreciei especialmente Woody Allen, mas nalguns casos lhe reconheço perspicácia psicológica e alguma graça. Aqui, nem uma nem outra. Só clichés. Irritante a evidente aposta na beleza física dos actores e nos cenários luxuosos, tudo muito caro e de bom gosto. Como dizia o outro, nada mais longe da arte do que a estética. Um filme fútil. P.S.: Decidi não ver mais filmes com Scarlett Johansson e esforçar-me-ei de esquecer este. Assim talvez salvo a memória da menina encantadora do Lost in Translation e do Menina com brinco de perola. 5.2.06
François Avril: Prédio vermelho ...o drama dos cartoons. Eduardo Pitta consegue-o, com a sua habitual lucidez. Sou pouco sensível à ofensa que pessoas sentem pelo insulto aos seus símbolos religiosos. Custa-me perceber qual o mal é que faz se alguém troça dum simbolo. E não sinto vontade nenhuma de sensibilizar-me. Acho quem deve desensibilizar-se são os ofendidos. Defendo que qualquer um deve ter o direito de denegrir o símbolo que entende denegrir, seja ele a bandeira nacional, a imagem de Maomé ou a da Virgem Maria. Se assim entender, pode usar folhas do corão ou da bíblia como papel higiénico, publicamente, se quiser, mas se faz um cartoon Maomé-bomba, está a fazer algo diferente, e pior. O mal deste cartoon não está no denegrimento da imagem do Profeta, mas na denúncia dos crentes muçulmanos em geral como bombistas. Notem bem, não é o Maomé que merece defesa, é um grupo de pessoas que estão, embora de forma implícita, sumariamente atacados como criminosos. O que de facto é equivalente ao que faz o cartaz do judeu insaciável que crava as suas garras num globo sangrente. P.S.: Acredito que a razão da minha censura ao cartoon em questão não coincide com as razões das massas muçulmanas em fúria. "Voltando, para rematar, ao problema: a história e a biologia explicam porque é que o código civil define o casamento (legal) como um "contrato entre indivíduos de sexo diferente" mas essas circunstâncias são destituídas de importância perante o programa legislativo do Estado constitucional que temos e, mais particularizadamente, perante a justificação da disciplina jurídica do casamento (um pacote de efeitos jurídicos, cuja atribuição depende de certos requisitos, um dos quais tem sido a heterossexualidade). Na verdade, o reconhecimento legal dos modelos da conjugalidade, seja hoje a matrimonial em sentido estrito, seja a da união de facto, não se baseia, nem poderia basear-se, nas circunstâncias da sexualidade, que é assunto juridicamente irrelevante, nem da procriação, que deixou de ser o centro de gravidade da existência de regras relativas ao casamento, mas sim na supremacia da dignidade do indivíduo, o qual é o alfa e o ómega da Constituição, e no que daí resulta quanto às tarefas do Estado. É a supremacia do indivíduo, em cuja dignidade a República Portuguesa se baseia, recorde-se o artigo 1º da Constituição, que comanda a protecção da família e do casamento. Com isso do que se trata é de estabelecer um reconhecimento, com efeitos jurídicos concordantes, das circunstâncias existenciais da rede social de apoio de cada um, a qual, no que respeita às relações entre adultos, tem a sua expressão máxima nas uniões de partilha de vida. Assim, a questão do casamento dos homossexuais não tem a ver com sexo, nem com moralidade, nem com opções políticas; tem a ver com acesso ou não acesso a pacotes de efeitos jurídicos, com indivíduos, com cidadania. Se tiver a ver, para além disso, com a renovação das pautas da consideração social, como parece que também tem, isso já é ainda um outro assunto." Este é só uma parte do grande post da Susana sobre o casamento. Indispensável! 4.2.06
Joseph Beuys: Quando te cortas, não liga o dedo mas a faca. Linkei aqui ao lado dois posts pertinentes do da literatura, um sobre o casamento gay e outro sobre a auto-censura no respeito pela sensibilidade religiosa, com os que concordo plenamente, e um já mais antigo do Ma Schamba, com que discordo, mas que vale a pena ler. Espero ter tempo para um post a explicar porquê. Censuro-me por ser incapaz de acompanhar a polémica dos cartoons sem um sentimento de condescendência para com os muçulmanos em fúria, consciente de que essa condescendência é parte das razões da sua fúria. Mas não vejo outra postura possível... Cresci a poucos kilómetros da fronteira holandesa, que atravessei com muita frequência enquanto lá vivi, não só porque lá se podia fumar impunemente o que não se podia fumar noutros lados, mas também e antes de mais pela maior liberdade que alí reinava, pela invejável cultura de viver e deixar viver, de que isso só era um exemplo. Hoje leio que a ministra holandesa de Estrangeiros e Integração propôs um "código de conduta" que proíbe que se fala línguas estrangueiras em público. Na prática isso significaria que por exemplo os meus pais e irmãos, ao par de centenas de milhares de alemães que diáriamente visitam a Holanda, têm de deixar de fazê-lo ou calar-se. Os comerciantes das cidades fronteiras Maastricht, Venlo e Arnhem, dos centros de Amsterdão, Delft, Utrecht, de todas as outras cidades lindissimas deste país encantador, irão ressentir-se da quebra de negócio, a não falar das praias do Mar de Norte, que ficarão desertos no próximo verão. Pois nós os alemães, com poucas excepções, não falamos holandês, e suspeito que antes passaremos a escolher outro destino para fazer compras e férias do que aprender esta língua. Mas admito que talvez fiz uma interopretação injusta e deliberadamente excessiva das intenções da ministra, pois ela já reconheceu, segundo o Expresso, onde li esta história, que se pode continuar a falar qualquer idioma na rua, "desde que não causa sentimentos de insegurança". Ou seja, basta pedir autorização aos holandeses que me possam ouvir, antes de me dirigir ao meu sobrinho de seis anos em alemão, e eles provavelmente ma concedem, mais ainda porque não pretenderei falar turco ou árabe. P.S.: Se uma semelhante lei fosse posta na prática em Portugal, teria razões bastantes para abandonar, depois de onze anos, o vosso belo país. Pois mantenho a intenção chauvinista de assegurar que os meus filhos, apesar de cá viverem possivelmente para sempre, um domínio tão bom quanto possível da sua língua paterna. Para que quero falar alemão com eles, também em público. 3.2.06
Pois é, Susana. erste strophe erste zeile erste strophe zweite zeile erste strophe dritte zeile erste strophe vierte zeile zweite strophe erste zeile zweite strophe zweite zeile zweite strophe dritte zeile zweite strophe vierte zeile dritte strophe erste zeile dritte strophe zweite zeile dritte strophe dritte zeile vierte strophe erste zeile vierte strophe zweite zeile vierte strophe dritte zeile (Gerhard Rühm) _________________ soneto primeira estrofe, primeira linha primeira estrofe, segunda linha primeira estrofe, terceira linha primeira estrofe, quarta linha segunda estrofe, primeira linha segunda estrofe, segunda linha segunda estrofe, terceira linha segunda estrofe, quarta linha terceira estrofe, primeira linha terceira estrofe, segunda linha terceira estrofe, terceira linha quarta estrofe, primeira linha quarta estrofe, segunda linha quarta estrofe, terceira linha 2.2.06
(Rebecca Horn) (1) Sou contra hábitos. (2) Antes do dia de trabalho começar, gosto de tomar pequeno almoço no café, sozinho. (3) Como sempre a mesma coisa, mas detesto que o empregado me traz, sem perguntar, o habitual. (4) Por isso, de vez em quando, mando o habitual para trás. Para que ele aprenda que comigo não há habitual. (5) No dia seguinte, volto a encomendar o habitual. Obrigado, Isabella, pela oportunidade deste post! (Estou sem tempo e inspiração.) Não vou nomear ninguém. Se alguém quer continuar a corrente, pode considerar-se convidado. actualização: Obrigado, Susana, também! 1.2.06
Playmate da semana: Jovem (Raffael) |
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