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30.10.04
Y yo me iré. Y se quedarán los pájaros cantando; y se quedará mi huerto con su verde árbol, y con su pozo blanco. Todas las tardes el cielo será azul y plácido; y tocarán, como esta tarde están tocando, las campanas del campanario. Se morirán aquellos que me amaron; y el pueblo se hará nuevo cada año; y en el rincon de aquel mi huerto florido y encalado, mi espiritu errará, nostalgico. Y yo me iré; y estaré solo, sin hogar, sin árbol verde, sin pozo blanco, sin cielo azul y plácido... Y se quedarán los pájaros cantando. (Juan Ramon Jiménez) _______________ A viagem definitiva Ir-me-ei embora. E ficarão os pássaros Cantando. E ficará o meu jardim com sua árvore verde E o seu poço branco. Todas as tardes o céu será azul e plácido, E tocarão, corno esta tarde estão tocando, Os sinos do companário. Morrerão os que me amaram E a aldeia se renovará todos os anos. E longe do bulício distinto, surdo, raro Do domingo acabado, Da diligência das cinco, das sestas do banho, No recanto secreto do meu jardim florido e caiado Meu espírito de hoje errará nostálgico... E ir-me-ei embora, e serei outro, sem lar, sem árvore Verde, sem poço branco, Sem céu azul e plácido... E os pássaros ficarão cantando. (Tradução de Manuel Bandeira) Max Ernst: Capricorn 29.10.04
Há umas semanas atrás critiquei um blogue, que publicava documentos do processo Casa Pia, em que testemunhas imputaram crimes hediondos a pessoas da vida pública, pessoas até hoje não constituidos arguidos. Achei e acho - no mínimo - irresponsável divulgar para o público geral estes testemunhos - estejam eles a coberta do segredo de justiça ou não -, porque o dano provocado para uma figua pública é (em termos pessoais e profissionais) muito maior do que para um cidadão anónimo, e continua irreparável na sua totalidade, mesmo se se provar posteriormente a inocência da pessoa referida. Por isso também não linkei o respectivo blogue. Agora, e essa notícia é tão pública que a minha reserva deixa de ter qualquer efeito, o autor do blogue em questão, Do Portugal Profundo, Antonio Balbino Caldeira, foi alvo de uma busca domiciliária. Não conheço os pormenores do caso. Nem do da Casa Pia, nem do caso que motiva a busca domiciliária. Mas suponhamos que contra o A.B. Caldeira existia mesmo uma suspeita fundamentada de ter violado o segredo da justiça: Neste caso não via nenhuma coisa irregular ou preocupante no facto de um juiz ter ordenado essa busca. Isto é: Se fosse procedimento corrente de o fazer em todos os casos semelhantes. E isso não acontece, como bem sabemos. E assim levanta-se uma suspeita muito, mas mesmo muito mais grave do que a do eventual crime do A.B. Caldeira: Que a busca foi um acto de justiça selectiva, motivada por uma parte interessada no processo Casa Pia. (E cá estou eu no terreno pantanoso das teorias de conspiração, um dos últimos lugares onde me apetece vaguear...) Disse que a busca seria completamente aceitável se fosse normal ela acontecer em casos semelhantes. Mas enquanto continua a haver - não só neste caso ou no processo Casa Pia em geral - um tão deficiente law-inforcement como verificamos todos os dias em todas as áreas, cada caso, em que o é feito em concreto, adquire o caracter de justiça selectiva. Esforço-me de não ver conspirações em qualquer lado, mas não posso contentar-me, de forma alguma, com o apelo dos defensores do sistema de que é preciso acreditar nele, de acreditar, que a selecção dos casos em que se impõe as leis e daqueles em que não, é sempre feita com critérios isentos e de boa fé. Não acredito e não é preciso acreditar. O que é preciso é deixar de haver justiça selectiva! Sobre o caso da busca deixo ainda o link para este post no Blasfémias, por causa dos excelentes comentários. 28.10.04
Paes do Amaral deve ter entendido como inevitável dar esta entrevista, depois do depoimento do Marcelo na AACS, mas pagou caro. A entrevista não só é uma peça de televisão fantástica como devia ser guardada e utilisada para o ensino de psicologia, para quem aprende fazer e avaliar interrogatórios, por exemplo. É frequente ver pessoas mentir na TV, mas é raro que, quando o fazem, a evidência da mentira impregna de forma tão intensa o próprio acto. Não quero excluir que a sua tosse devia-se mesmo a uma constipação, mas fui, efectivamente, a cereja em cima do bolo. 27.10.04
Playmate da semana: Juliette Recamier (Gerard) Evito recortar os quadros que aqui posto, mas para este fiz uma excepção. O quadro completo pode ver-se aqui. Juliette Recamier era contemporânea de Emma Hamilton. Era francesa e 12 anos mais nova. Ambas têm em comum a sua invulgar beleza como ponto de partida duma carreira que lhes permitiu não só alcancar poder e fama, mas de se tornarem mulheres autónomas, algo quase inédito nestes tempos. A beleza era indispensável como ponto de partida, mas para o seu sucesso óbviamente contavam a sua corágem, tenacidade e inteligência. Por outro lado há diferênças grandes. Ao contrário de Emma, menina de meios mesmo pequenos, para quem o sexo teve que ser um meio para subir na vida, conseguiu Juliette, se devemos acreditar nos relatos, morrer vírgem. (O que invalida de certa forma a minha apelidação de playmate.) Casou aos quinze anos com um homem de negócios e bon-vivant, mas consta que este, cumprindo um acordo matrimonial sui generis, a nunca tocou. Juliette tornou-se, tal como Emma, objecto de desejo de inúmeros homens do mundo social e artístico. Mas manteve os seus amores platónicos, sem que os seus admiradores perdessem a admiração, paciência ou o interesse, e tornou-se na primeira grande anfitriã burguesa de salon, que levou a uma forma de arte. O seu frequentaram, entre outros, Gerard, David, Ingres, Delacroix, Balzac, Hugo, e o seu grande amor de sempre, Chateaubriand. que não se escreve mais nos blogues sobre o drama que se passa no Diário de Notícias. Quanto a mim, não é da minha área de competência e conhecimento. Mas há de quém é. E não falo dos que lá trabalham: entendo que não são eles a discutí-lo nos seus blogues. A eles resta-me desejar-lhes boa sorte. Parabéns ao Nuno Guerreiro. Eis um blogue que merece - necessita - ser guardado em livro! Mais um Evangelho apócrifo, uma defesa esquerdista das escolas privadas, um telegrama sobre o celibato com silêncios nas entrelinhas, e um post sobre o último segredo. 25.10.04
a referência muito simpática do Luis Novaes Tito do Tugir! Só posso retribuir o link e dizer que o Tugir, postando quase exclusivamente e de forma muito competente sobre política, é dos blogues mais belos que já vi. "Cabala - as Morfologias de um Velho Ódio" na Rua da Judiaria. 24.10.04
O AAA posta no Blasfémias stickers que no seu entender se "adaptam na perfeição ao estado 'social' em que vivemos". Um diz: "Work harder! Millions on welfare depend on you!" Realmente, eu sei o que é um "estado social". Há onze anos que saí dum, em que nasci e vivi 30 anos, para viver em Portugal. Tive tempo suficiente para perceber uma coisa: Portugal não foi, não é e não será (certamente não num futuro próximo) um "estado social". O AAA tem de explicar-me onde se escondem os "millions on welfare", que ele está a sustentar com o seu trabalho. Estará a falar das crianças que vendem pensos nos semáforos? Dos cegos que pedem esmola no Metro? Dos velhos que jogam cartas nos jardins públicos? Este slogan supostamente engraçado só encarna uma mentalidade egoista e mesquinha. Aplicado a Portugal mostra também outra coisa: Uma ignorância que brada aos ceus ou, em alternativa, uma hipocrisia ainda mais gritante. Considero-me um liberal. Acho que a economia portuguesa está gravemente doente, e que sofre - sim - de parasitismo. Mas não são os pobres, dependentes da (quase) inexistente "welfare", que sugam a energia do pais. São os que não pagam impostos, porque têm meios para fugir ao fisco, mas não só usufruam dos serviços públicos modestos que o país fornece como conseguem aproveitar-se de subsídios, incentivos e encomendas vantajosas que o estado distribui. Este parasitismo assegura que os serviços públicos, embora pesando muito no bolso do contribuinte honesto, continuam tão miseraveis. Tem as suas fontes num sistema que cria um desinteresse objectivo do funcionário para os resultados do seu trabalho, e na burocracia, que faz gastar tantos ordenados sem que a eles corresponde qualquer produtividade adequada. E na "cunha"-cracia, que para além dum fenómeno de raízes também culturais, resulta da extrema dependência de quase todos os sectores da economia de encomendas públicas, subsídios ou de simples licenças, que impossibilita que o mérito seja recompensado, em detrimento do contacto certo. Como um amigo uma vez me disse: Em Portugal é estúpido esforçar-se muito para fazer um bom trabalho, o que é central para o sucesso é o posicionamento! E toda a gente, depois de percebido isso e gasto o seu eventual idealismo, passa a vida então num xadrez de posicionamento, até finalmente ter encontrado o ou os esquemas que lhe asseguram a sua fatia do bolo, fatia pequena porque o bolo é pequeno. E este continuará pequeno porque para o seu aumento ninguém se interessa e ninguém faz nenhum. 23.10.04
Horst Janssen: Bobethanien 22.10.04
Há uns largos anos atrás ajudei a um amigo pintar a nova casa. Eramos estudantes, e nesta altura, antes da queda do muro, era economicamente suportável por um estudante comum alugar um T0, T1 ou até T2 num prédio velho num bairro operário berlinense. (Porque o éxodo, que Berlim ocidental sofreu após a construção do muro, deixara muitos fogos vagos, e a limitação legal das rendas tratara do resto.) Não sou supersticioso, mas juro que já antes de entrar na casa, senti-me mal. Talvez a razão era o bairro, o Wedding, um dos muitos bairros berlinenses com uma tristesse muito própria, ou o prédio, feio, mas não mais feio do que tantos outros; - mas antes de mais, não tenho duvida, foi o fogo, vazio, que, apesar de também ele à primeira vista em nada diferente de outros, nos sugava toda a energia e alegria: de tal maneira que aquilo que tinhamos imaginado como uma divertida acção colectiva de restauro, com conversa e umas cerveijecas pelo meio, se afigurava como um tarefa quase insuportável, um pesado dever cujo fim ansiavamos mas que estava longe de vista. Emfim, abrímos as latas, pegámos nos rolos e começámos. Quem tinha morado aqui antes, certamente já não tinha sido um velho berlinense: O papel de parede já estava coberta dumas camadas de tinta, que em tempos tinham sido, mas já não eram bem brancas. Numa parede do quarto, estava escrito em pinceladas grandes e vermelhas: SCHEISSE (merda). Mas não era este escrito que me assustava. O que me literalmente arrepiava, eram os textos que encontrava em todo o lado, enquanto avançava pintando, nos cantos mais improváveis e escondidos, na cozinha, no corredor, na casa de banho. Escritos à lápis ou à esferográfica, sempre numa letra minúscula: merdamerdamerdamerdamerdamerdamerdamerdamerda não posso mais nao posso mais não posso mais não posso mais nao posso mais não posso mais não posso mais nao posso mais não posso mais não não não não não 21.10.04
O blogue da Alternativa está online!
Num surto de descaradamento inscrevi-me há dias no Movimento da Alternativa Real ao Bloco Central. Porque o acho uma excelente iniciativa e estou convencido que ele faz falta ao país. Se eu faço falta nele, disto estou um pouco menos convencido. Afinal, quero que não queira, pesa o facto de eu não ser português, e isso não muda por ter amigos que me dizem que não devia fazer diferença nenhuma. Faz. Mesmo se é verdade que me sinto cidadão de Portugal, trabalhando aqui, pagando imposto e contribuição para a segurança social em Portugal, e "beneficio" dos serviços públicos portugueses. Vou quando estou doente, ao médico da família do Centro de Saúde da Alvalade, e tenho os meus filhos em escolas públicas portuguesas, não em última instância pela razão que - emfim - ganho dinheiro segundo os padrões portugueses... Mas não é só isso. Reconheço que me falta vocação política e disponibilidade para me empenhar no movimento tanto como ele merecia. Porque é verdade que de certa forma, acho sim que podia contribuir com algo. Exactamente com a minha condição de estrangeiro, Cidadão dum Estado Membro da União Europeia. Certamente não contando como se fazem as coisas melhor lá fora. Para isso vocês não precisam de estrangeiros. Mas pela perspectiva de alguem quem é, para (quase) todos os efeitos, cidadão, mas não compatriota. Que, em relação a Portugal, está livre da relação amor/ódio que uma pessoa decente costuma ter com a sua pátria. Talvez tenha às vezes algo de interesse que posso contribuir para o blogue da Alternativa. Outros terão com certeza! 20.10.04
Quer que a TV seja do governo. Playmate da semana: grand nu avec miroir (Loustal) "Beauty is more important in computing than anywhere else in technology. [...] Beauty is important in engineering terms because software is so complicated. Complexity makes programs hard to build and potentially hard to use; beauty is the ultimate defense against complexity." (David Gelernter) Etiquetas: sel ...é acentuadamente política. Com destaque para um hilariante "Evangelho Neo-liberal" segundo Carlos Cunha! 18.10.04
Anthony Gormley: Body and fruit 17.10.04
Gostava de poder, domingo a noite, ficar no sofá ao lado do meu amor, e ver televisão com ela. Mas não sou capaz. Não consigo ver a Quinta das Celebridades. Na festa de anos do meu filho, converso com a mãe do Francisco, amigo e antigo colega dele na escola primária. O sexto ano começou mal para o Francisco. Em menos de duas semanas, já arranjou uma falta disciplinar. (Depois do toque, começou a falar baixinho, e inquirido pela professora, respondeu que estava a contar o tempo que passava desde o toque. Fez mal.) O que lhe custa mais: Pelo motivo da falta disciplinar foi destituido do cargo de delegado de turma, para o qual foi eleito na semana anterior, e de que se orgulhava muito. Ficou muito triste, mas em contrapartida ensinaram-lhe algo: Não são os eleitores que contam, mas quem detem o poder. No Abrupto um leitor relata uma conversa com uma americana sobre as razões porque votará em Bush: "No mês passado fui a Lisboa e a senhora do check-inn aqui no aeroporto perguntou-me se os europeus odiavam os Americanos. Eu disse-lhe que não, mas que uma grande parte dos europeus odiavam o Bush por ele ser tão violento, tão arrogante e tão ganancioso, e perguntei-lhe se ela não preferia os tempos do Clinton, quando havia menos crimes, os salários subiam mais depressa que a inflação, a segurança no trabalho era uma prioridade, era ilegal mandar mercúrio para os rios, etc. Ela desatou aos berros, a dizer que o Bush era “a good man,” e eu insisti: “Mas o seu poder de compra desceu, não desceu? Deixe-me adivinhar: o seu cheque da redução dos impostos deve ter sido para aí 200 dólares e a subida do seu seguro de saúde deve andar na ordem dos 1.000, não é?” Era. “E os seus netos? Ainda têm programas à borla a seguir à escola? Não?! Agora você tem de pagar, não é?” Ela interrompeu-me aos berros “Isso não interessa nada! Eu estou mais pobre e está tudo mais caro, sim senhor, mas isso é por causa da Economia! O que interessa é que os homossexuais se querem casar e anda para aí tudo a fazer abortos!" "Resposta à Pergunta: O que é Iluminismo? Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade, em que se encontrou por culpa própria. Menoridade é a incapacidade de usar a sua razão sem orientação por outrem. Por culpa própria é essa menoridade, quando a sua origem não está na falta de razão, mas de decisão e de coragem, para fazer uso dela sem orientação de outrem. Sapere aude! Tem coragem para usar a tua própria razão! é então o lema do Iluminismo. Preguiça e cobardia são as origens, porque uma parte tão grande dos homens, depois de já estar libertos, pela natureza, de direcção alheia (naturaliter maiorennes), durante toda a vida, porém, continuam alegremente como menores; e as orígens porquê é tão fácil para outros de arrogar-se como os seus tutores. É tão confortável ser-se menor. Tenho um livro, que tem juízo para mim, um padre, que tem consciência para mim, um médico, que avalia a minha dieta, etc., então eu próprio não preciso de esforçar-me. Não tenho a necessidade de pensar, desde que sou capaz de pagar; outros já assumirão essa tarefa desagradável para mim. Que a grande maioria dos homens (entre eles todo o belo sexo) julgam o passo para a maioridade, para além de ser penoso, também de ser perigoso, - de garantir isso já tratam os tutores, que bondosamente assumiram o fardo da sua supervisão.[...]" (Immanuel Kant) Sempre tinha fé, que a educação para todos tornaria o mundo mais racional e, em consequência, mais humana. Não se diz que fé é a manutenção de convicções contra as evidências... 15.10.04
Há obras de arquitectura que me impressionam à primeira. Umas continuam a convencer-me, decorrido os anos, a maioria delas não. Há outras obras, que ganham com o tempo. É o que acontece com a estação Cais de Sodré de Pedro Botelho e Nuno Teotónio Pereira. Se gostei logo a estação do Metro, irritou-me no início um pouco o uso excessivo de perfís de aço na estação dos comboios. Nos últimos tempos calhou que passei a utilizar ambas as estações com alguma frequência. (Entretanto está concluido também a estação fluvial.) E cada vez que lá vou, gosto mais delas. De facto, tudo o que lá esta, está certo. Discreto, mas convicto, e com propósito. Quando era estudante, era esse o meu sonho, chegar a fazer obras assim: Que não importunam, mas encantam e fazem sentir bem com uma influência discreta e calma; hoje, amanhã e nos tempos quando as modas actuais serão as asneiras do passado. "Dizem que já não há Esquerda, nem Direita. Talvez não. Em todo o caso não deixou de haver «os de cima» e «os de baixo» e o PSD esta agora manifestamente a favor dos «de cima», por muito que o Santana se esfalfe a fingir que não." Vasco Pulido Valente no DN de hoje (sem link). Texto completo no Pula Pula Pulga 14.10.04
A Terra da Alegria ganhou recentemente um novo autor muito interessante: Afonso Cruz do alerta amarelo. No seu post "Quatro grandes alegorias" no TdA da Segunda-feira passada (11.10.04), que só agora cheguei a ler, escreve, entre outro, sobre Flatland, um livro de Abbott Abott, que já tem mais de cem anos. Flatland é um mundo bi-dimensional em que vivem seres bi-dimensionais, quadrados, triângulos etc., dotados de consciência, que podem interagier e movimentar-se no seu universo plano, mas só nele, como sombras numa superfície. Num dia um deles, um quadrado, é visitado por um ser extraordinário - uma esfera. E a esfera tenta dar ao seu amigo bi-dimensional uma ideia do que é o espaço. Mas como seria possivel, para quem toda a percepção do mundo está confinada a duas dimensões, imaginar um mundo tri-dimensional? Ultrapassa a sua imaginação, mas o quadrado deixa convencer-se: há fenómenos inexplicáveis, que a esfera trouxe ao Flatland, que parecem milagre, mas passam a ser explicável com o conceito da tri-dimensionalidade: A esfera, que se afigura no Flatland naturalmente como um disco circular, tem uma capacidade extraordinária: Pode modificar a sua dimensão, aumentar ou diminuir o seu diámetro e até desaparecer. Estas capacidades, que nenhum dos normais habitantes do Flatland tem, são explicadas pelo movimento vertical da esfera. Com a terceira dimensão o quadrado dispõe agora duma teoria científica que explica observações anteriormente não explicáveis. Percebe-se que, mesmo não tendo lido o livro - como é o meu caso (só sei dele, se me lembro bem, do livro Metamagicum de Douglas Hofstaedter, e agora do post do Afonso) - esta analogia abre um leque muito grande e interessante sobre o nosso saber e sobre o como do nosso saber. Muito engraçado e elucidativo é a passagem onde o quadrado sugere à esfera a possivel existência duma quarta dimensão -, que esta rejeita imediatamente, como ideia demente! A analogia do Flatland devia fazer parte obrigatória do curriculo do ensino secundário. Não sei bem em qual a área. Podia estar em tantas: Matemática, Física, Filosofia, Religião e até na formação cívica. 13.10.04
Playmate da semana: Diana no banho (Watteau) 11.10.04
Christian Rohlfs: Clowns Boas notícias para o movimento
O movimento da Alternativa Real ao Bloco Central ganhou hoje um apoio de peso: José Manuel Fernandes clama no seu editorial exactamente por aquilo que há dias por alguns bloguistas - Nelson Santos, Nuno Peralta e Rui Branco e outros - fundaram. Como se vê, o José Manuel Fernandes faz bem em ler blogues. (Inscrevi-me hoje, depois de alguma hesitação, no Yahoo-Group do movimento. Não tenho ambições nem vocação política, e a minha condição de estrangeiro separa-me à partida dos outros membros, movidos pelo sentido patriótico. Mas inscrevo-me como cidadão, que vive neste pais, usufrua e contribua para esta sociedade, que considero, sim, também a minha.) 10.10.04
Este blogue, que acabou de honrar o Quase em Português com um link, encontra-se no extremo oposto no espectro de que me orienta em materias de design. Mas só posso confessar - sem ironia - que fiquei, na minha visita, ainda antes de ler um qualquer post, imediatamente rendido ao seu encanto gráfico. Verdadeiramente insuperável! A sério, não percam isso! 9.10.04
Mark Rothko: sem título 8.10.04
"Mas, se pretendemos classificar as pessoas pelo critério da cidadania, a classificação que sempre tive como fundamental é a que distingue os homens livres dos capachos. O grande mal português é que temos, verdadeiramente, poucos homens livres. Pouca gente, poucos cidadãos, que estejam dispostos a viver a sua vida, a construir o seu caminho, sem terem de prestar vassalagem a várias formas de poder. Os arquitectos não são livres, porque dependem dos interesses económicos do dono da obra. Os médicos não são livres, porque, regra geral, querem ser simultaneamente profissionais liberais e assalariados do Estado. Os advogados de sucesso não são livres, [...]" Não é por acaso que o Miguel Sousa Tavares começa o seu exemplo com a invocação das três clássicas profissões liberais, dos arquitectos, dos médicos, e dos advogados. Por alguma razão os profissionais liberais são o arquetipo do cidadão livre. Supostamente não dependendo dum patrão, mas sim da sua competência pessoal, encarregues de cuidar de bens essenciais da sociedade, da cidade, da saude, do direito, atribui-se a eles uma dedicação desinteressada a causa pública, recompensada nem tanto pecuniariamente como pelo respeito do resto da sociedade. E é verdade que escolhi a profissão de arquitecto, mais do que pelo desejo de me exprimir artisticamente, pela aparente possibilidade de ser um cidadão livre, e poder contribuir com o meu trabalho, segundo o meu critério, para a sociedade com aquilo que entendo correcto e posso defender como bom. Depois, não durou muito, descobri que não é tão simples. As colunas de MST são - no melhor sentido - edificantes. Fala aqui alguém que acredita. Acredita na coluna vertebral, na liberdade, na dignidade individual. Acredita na sociedade composta por cidadãos livres. Sinto-me bem quando o oiço e vejo defender esses valores, como se fossem a coisa mais óbvia no mundo. Como todos nós pudessemos sê-lo: livre. Confirma-me as verdades em que acreditei e quero continuar acreditar: A cidadania é um dever moral. Que dá sentido à nossa existência. No fundo - isso percebemos - só merece respeito quem assume esse dever. Sem liberdade, sem independência, não há dignidade. Gosto das colunas do MST, mas é um gosto algo ingénuo, não: hipócrito, porque sei o que não quero admitir: A elevação da cidadania de MST devia estar ao dispôr de todos, mas não está. Muitos optam por rastejar, muitos mais ainda por contornar situações em que são obrigados a isso, aceitando assim ficar sem papel ou com um papel marginal na cidadania. Só a um grupo muito restrito, é dispensado vender-se, por mérito próprio a alguns, a outros por nascença. Ser cidadão é o luxo duma elite restrita. A coluna vertebral era e ainda é um privilégio aristocrático. Faço um esforço para poder fazer parte dela. O sucesso não está garantido a partida, ao contrário do que o amor-próprio me quer sugerir. O Bengelsdorff acabou
"...mas a vontade e o sentido da escrita em blogs vai-se esfumando e enfraquecendo. Sinto que não tenho mais nada para dizer em cada vez mais ocasiões.[...] Termino a minha participação nos blogs, acima de tudo por cansaço e porque quero fazer outras coisas com o tempo que aqui uso." Percebo demasiado bem de que o Vincent fala - mas fico com um sentimento de perda. "Os blogs podem ser vistos de muitas formas, mas o que mais me interessa é que uma nova forma de um dos maiores bens que se pode ter se manifestar: a amizade.[...]" Um abraço e felicidades ao Vincent e ao David: valeu a pena blogo-conhecer-vos! 7.10.04
6.10.04
O actor movimenta-se com uma graça inegável, ao contrário dos pantomimeiros seus adversários, que se encontram no palco por um triste engano. O prazer de assistir ao espectáculo pode fazer esquecer o conteudo da história, que existe mesmo, e que é assustador. Mas não é a história que faz o espectáculo. Playmate da Semana: Emma (George Romney) Emma - Emily Lyon - nasceu em 1765 como filha dum Ferrador. Sabe-se pouco da sua infância e adolescência, mas por volta de 1780 ela era empregada, com funções algo duvidosas, dum famoso curandeiro deste tempo. Em 1781 era amante dum country gentleman, Sir Harry Featherstonhaugh, que correu com ela em Dezembro deste ano. Estava grávida, e no seu desespero virou-se para o Hon. Charles Greville, que já conhecia. Nesta altura chamava-se Emily Hart. Greville, um gentleman conhecido na sociedade, com gostos artísticos mas com as economias limitadas por dívidas, aceitou-a como amante e forneceu-lha alguma educação, e assim ela aprendeu cantar, dançar e representar de forma profissional. Foi através de Greville que conheceu o pintor Romney, autor de inumeros retratos seus. Em 1784 Sir William Hamilton, o tio de Greville, viu-a e apaixonou-se por ela. Oferecendo liquidar as dívidas do sobrinho, conseguiu que este lhe cedesse Emma como amante. Os próximos anos Emma viveu com Hamilton em Nápoles, onde ela conseguiu, à partir do seu estatuto de mera amante, construir uma rede de contactos influentes. Em 1791 Sir William Hamilton acabou de casar com ela. Essa legitimação interessava a rainha da Inglaterra, que se quis aproveitar ainda melhor dos talentos diplomáticos de Emma na corte de Nápoles. La destacou-se - entre outro - por conseguir abastecimentos para a armada inglesa. Em 1798 Emma e o Almirante Lord Nelson, retornado vitoriso da sua campanha do Nilo, iniciaram a sua famosa romance. Em vez de esforçar-se de manter as aparências, ambos ostentavam a sua paixão, deixando o Hamilton fazer uma triste figura. Quando os Hamiltons voltaram à Inglaterra, Nelson viveu, sempre que não estava em campanha, na casa deles e Emma e ele a sua romance sob os olhos do marido. Quando Hamilton morreu em 1803, Nelson e ela assumiram-se definitivamente como casal em público. Embora dotada duma uma pensão razoável da herança de Hamilton, Emma entrou - após a morte de Nelson em Trafalgar - em problemas financeiros, devido ao seu estilo de vida exuberante e ao vício do jogo. Ficou preso por um ano por causa das suas dívidas e refugiou-se dos credores na França, onde morreu em 1815, na miséria. 4.10.04
...uma frase sobre ela: Arquitectura é contrabanda. É algo que se junta clandestinamente ao produto que o cliente encomendou. É uma substância delicada: Só às vezes sobrevive e ainda está lá no fim da obra. Hoje com uma lição de moral do Zé-Filipe, uma oração da Marvi e um texto meu, sobre o poder e a bondade de Deus. 3.10.04
...linkou-me o "Hunk Heaven"! O quê? Foi só através do novo banner do Blogger? - Não acredito! Seja como fôr: agora que fui descoberto, entro de certeza na sua colecção. O reitor da Universidade Católica descobriu a receita contra o insucesso do ensino superior em Portugal. Nunca mais fui tão bom pensador como aos dezasseis anos. Debatia com todos, que se dispusessem para isso, tudo, e de preferência, a filosofia e a política: as opções da vida. Era muito bom nisto, mas especialmente quando debati com mais velhos. Era mais rápido no raciocínio, e muito mais livre. Estava em vantágem: Podia pensar tudo, enquanto os meus adversários mais velhos só aquilo que não punha em causa a sua vida já vivida. 1.10.04
Gerhard Richter: Lesende O João Morgado Fernandes acha excessivamente simplista culpar os terroristas pela morte das 40 crianças que eles mataram ontem em Bagdad. Mas João, então de quem é a culpa? Do Bush ou do Rumsfeld, que porventura usaram os pobres terroristas como instrumentos para os seus jogos maquiavélicos? Excessivo simplista parece-me o teu argumento. Bush & Co. são, tambem acho, culpados de muita coisa, mas não dos actos dos terroristas. Destes são, que os perpetram e ordenam. Claro que há responsabilidades enormes do lado dos ocupantes, responsabilidades que assumiram sem estar a altura delas. Espero que dormen mal por isso, mas duvido. E já há quem está a engendrar como fugir a elas, num esquema delirante, que chamam descaradamente "win/win exit strategy"! |
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