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  • 22.12.07
    The Amis racism row
    21.12.07
    Grande Notícia!

    A ex-bloguista, ilustre comentadora não só do Quase em Português, e antes de mais minha amiga Sara Monteiro ganhou o Prémio Maria Rosa Colaço, da Câmara Municipal de Almada, na categoria da Literatura Juvenil!
    19.12.07

    Pope Innocent X - study after Velasquez
    (Francis Bacon)

    Helena, confesso que não li o artigo de Milliner, comentei meramente a frase citada na Voz do Deserto. Gozei com ela pela sua ideia absurda de que a arte, mais ainda a "arte contemporânea" fosse uma instituição que tivesse poderes de determinar se a religião cabe nela ou não. Disparate aparentemente partilhado pelo Sr. Elkins que, como aprendi através da tua pesquisa, Milliner critica no seu artigo.
    Tenho um asco a pessoas que acham que devem e podem estabelecer cânones de que é arte.
    O David Luz já me chamou a atenção ao facto de não ser verdade que a arte contemporânea exclui as questões religiosas. Com razão: é hoje, como sempre foi, um dos melhores meios de abordá-las.
    Contudo, não conheço arte contemporânea que exprime "straightforward religiosity" e que me interessasse minimamente. Entendo sob "straightforward religiosity" aquela que apresenta respostas pré-confeccionadas. O que me parece até uma boa descrição do que fazem as religiões na sua essência.
    Playmate?

    Luís, deveria saber quem é Carla Bruni?

    Atrevimento do pequeno burguês de outros tempos.
    (Mas a Diane Webber era mesmo uma moça gira. Mantém-se genuina, apetitosa, até no contexto mais idiota.)
    17.12.07
    Niemeyer

    O aparecimento da Arquitectura Moderna nos anos vinte do século passado foi uma revolução, uma mudança de paradigma não visto desde que o Renascimento terminou a Idade Média e uma arquitectura de racionalidade secular substituiu o Gótico.

    Oscar Niemeyer, com os seus 100 anos, é o último representante vivo dos que a protagonizaram, e a frescura e o alento da sua obra provêm do facto de ser (mesmo quando realizada mais recentemente) desta época em que se acreditava que não só iria mudar o mundo, mas trazer a felicidade a todos os homens através da tecnologia e o planeamento. Não é por acaso a coincidência temporal com o sonho comunista, embora que se diga em abono da verdade que a arquitectura moderna e o socialismo real raramente ou nunca andaram de mãos dadas. Assim os mestres da moderna venderam os seus serviços, quando perceberam que nos países comunistas se preferia, tal como na Alemanha nazi e na Itália fascista, um neo-classicismo monumental, a quem a comprava. O que foi o capitalismo americano e, um pouco mais tarde, a Europa em reconstrução depois da 2ª Guerra Mundial. Mas as grandes ideias só conseguíram ensaiar em alguns países do terceiro mundo: Índia (Chandigar), Bangla-Desh (Dacca) e Brasil (Brasilia).

    Há quase quarenta anos que este sonho derrocou. Mas depois de um tempo de tentativas de revitalizar, de forma artificial e auto-irónico (tounge in cheek) os cânones clássicos, constatámos que nada disso nos levou a novas margens. Voltámos então à linguagem moderna, de que temos tudo disponível: conceitos, formas e ainda novas tecnologias. Não temos é que a fé e o optimismo que torna a arquitectura de Niemeyer contagiante, e que somos incapazes de apreciar, por isso mesmo, sem um sentimento de nostalgia.
    A religião na arte contemporânea

    "Contemporary art refuses any set form, content, or medium - but it does, nonetheless, insist on one sure commandment: Religion has to go", de Mathew Milliner

    Louvável a franqueza da auto-crítica: Realmente, triste e débil uma religião que não consegue manifestar-se na arte do seu tempo!
    Por outro lado, não podemos deixar de reparar na forma ambígua como o autor da First Things se exprime: Quase podia parecer que se queixasse da "arte contemporânea", instituição com deveres que irresponsavelmente negligencia a não incluir a religião no seu programa.
    16.12.07

    Há muito decidi não linkar mais bloguistas que escrevem disparates, só porque escrevem bem. O que há de dizer de quem assegura que os Led Zeppelin não prestam, e a seguir posta Sérgio Godinho?
    Contudo, defendo a Ana da crítica do Luis, que não entende porque ela leva o novo livro de Miguel Sousa Tavares para a Índia. Eu, nos dias e noites que passei nas carruagens de terceira classe das incomparáveis Indian Railways, li e reli até os folhetos dos meus medicamentos de viagem.
    14.12.07
    Num mundo perfeito

    Num Mundo Perfeito, Isabela, havia profissionais do sexo que exerciam o seu ofício com gosto e brio, respeitados por isso pela sociedade, e cujos serviços usávamos tal como vamos a um bom restaurante, para saborear uma diversão da cozinha em casa, que nos inspira e lembra que a culinária, para além de satisfazer uma necessidade básica, é uma arte.
    12.12.07

    Lesbische Freuden
    (Hellmuth Stockmann)
    11.12.07
    Resocialização

    Sarkozy tem fama de durão implacável com a delinquência. Fama, como se vê, manifestamente injusta. O homem não só acredita na resocialização, pratica-a activamente:
    Proporcionou ao Khadafi emendado que, como se sabe, já pagou (em dinheiro) pelos seus crimes, uma visita de shopping em Paris:
    21 Airbus, uma estação de dessalinização, uma central nuclear, e armas, claro. No valor de 10.000.000.000 €.

    O que só prova como Sarko é um bom cristão: Ao pecador arrependido, há de dar uma segunda oportunidade. Nuclear, se for preciso.
    10.12.07
    A ler:

    Os posts do ON sobre a lógica difusa. O assunto merece aprofundamento. Espero que o ON e outros tenham o tempo para isso, que eu não tenho.
    A lot to live up to



    Achilles' Last Stand
    - Led Zeppelin em Knebworth, 1979. Hoje voltam a tocar juntos.

    Já agora: Há dias mudei a música no player na barra ao lado. Depois de meio ano de Skating Away dos Jethro Tull, agora uma das melhores canções dum dos discos da minha vida. Infelizmente não há Youtubes decentes deste.
    8.12.07
    A Atenção

    Recupero aqui para o Quase em Português um post que escrevi em 2004 para o blogue Terra da Alegria, na qualidade de colunista convidado agnóstico naquele projecto católico. Já há algum tempo que senti que este post falta na lista aqui ao lado dos posts que considero - pela minha modesta bitola - os melhores que escrevi. Lembrei-me agora dele a propósito deste post do Timshel, e do nele citado do Palombella Rossa. Estamos de acordo, excepto naquele ponto de infelizmente não conseguir fazer ver ao meu amigo Timshel que não ter um Deus como referência não significa de forma alguma não ter uma moral para além da utilitária. Qualquer moral vai além do utilitarismo, porque sempre tem que responder a pergunta "útil para quê, para quem?".
    Mas vai aqui o texto, impregnado de profunda convicção de quem não acredita num Deus pessoal, nem num Juízo Final.

    «Cristo ensinou-nos (a parábola do Bom Samaritano), que o Amor ao próximo sobrenatural é a troca da compaixão e da gratidão, que acontece como um relâmpago entre dois seres, dos quais um é revestido daquilo que o constitui como ser humano e o outro é privado disso. Um dos dois é só um pouco de carne nua, sangrento e sem vida na berma da rua, um sem-nome, de quem ninguém nada sabe. Os que passam por aquilo, mal reparam nele e esquecem momentos depois, que nele tinham reparado de todo. Um único pára e dedica-lhe a sua atenção. O que se segue àquilo em actos, só é a reacção automática deste momento de atenção. Esta atenção é criativa.
    Porque o amor ao próximo se baseia na atenção criativa, ele parece-se com a genialidade. A atenção criativa consiste nisto, que se está mesmo atento àquilo que não existe. A humanidade não existe neste pedaço de carne sem vida na berma da estrada. O samaritano, que mesmo assim pára e olha, dirige mesmo assim a sua atenção àquela humanidade ausente, e os consequentes actos são prova de que se trata de atenção verdadeira. A Fé, diz Paulo, é a visão daquilo que não vemos. Neste momento da atenção a Fé está tão presente como o Amor. O Amor vê o invisível.»

    Este pequeno texto sobre a parábola do bom samaritano, que é duma carta que Simone Weil escreveu ao Padre J.M. Perrin, é de uma grande utilidade prática. Porque explica com clareza, que aquilo que separa a humanidade da inumanidade não é o sentimento da compaixão, embora que esse por si só, uma vez despertado, funciona de facto como motor das acções, que a humanidade requer de nós. (E que pode ser bastante ou não, na medida em que as circunstâncias, a nossa cobardia e o nosso egoísmo lhe podem colocar limites.)
    Todos nós, excepto uma minoria muito pequena, somos capazes dos bons sentimentos da generosidade, do amor e da compaixão, e de boas acções per eles induzidas.
    Adolf Eichmann, o organizador do holocausto, por exemplo, era. Quando foi capturado 1962 pelos serviços secretos de Israel e levado ao seu famoso processo, que resultou na sua condenação a morte e a consequente execução, a sua grande preocupação e angústia não se relacionaram com a sua vida. Estava preocupado com a hipótese que os judeus podiam vingar-se na sua família: nos seus filhos e netos!

    Não quero aqui especular sobre o espectro seguramente muito lato, os diferentes graus, em que pessoas diferentes são capaz desses sentimentos. O que importa é ver que esses por si só não protegem o mundo da inumanidade. Porque só terão consequências positivas se são despertados. E são-no de forma rara e selectiva.

    Simone Weil aqui justamente enaltece a atenção, como capacidade criativa de humanidade. Neste texto, no entanto, quero focar-me naquilo que condiciona o seu exercício.

    É verdade que esta atenção é uma grande virtude. Mais: A primeira e principal virtude. Ao contrário de outras virtudes, que aprendemos, com custo, na medida em que crescemos e ficamos adultos, o que acontece com esta é geralmente o contrário. Desaprendemo-na.
    Lembro-me – é verdade que já só vagamente – que como criança tinha dela uma boa dose. Uma desgraça que via, via a mesmo. Fazia-me pesado o coração e não me deixava descansar até ver que iria ser remediada. Ainda tinha aquela fé ingénua de quem vive uma infância feliz e num mundo aparentemente intacto: de que qualquer desgraça tinha remédio! Na medida em que cresci, perdi essa ingenuidade, e descobrindo um mundo repleto de desgraças sem remédio à vista fui me blindando emocionalmente. Sem realmente dar por isso, passei por um programa de dessensibilização.

    Culpa da sociedade egoísta e materialista? Sim. Culpa minha? Certamente. Mas também não posso fechar os olhos ao facto que ninguém, com a excepção de Jesus Cristo (e aqui, como descrente que sou, diria: nem ele!) é capaz de ter a atenção criativa da qual a Simone Weil fala, a mesmo toda a desgraça que passa perante os seus olhos.
    O que mereceria a nossa atenção é demais para qualquer um. Só se escolhesse viver num ambiente muito fechado, com poucos contactos para o mundo, como num convento por exemplo, sem TV, Internet, etc. e com pouca vida pública e social, seria talvez capaz de ter a atenção devida para o que se passa a minha frente. (Não o pior argumento a favor da vida monástica, por acaso.)
    Para todos nós, que não temos essas condições, resta ter uma atenção selectiva.

    Por ser praticamente inevitável, isso não deixa de significar que escolhemos cada vez, quando escolhemos não olhar, a inumanidade. Que optamos por não reconhecer no próximo o irmão, que optamos - para usar uma palavra que uso com pouco à-vontade e gosto - pelo pecado.

    Isto é fraqueza. Mas onde realmente entra o Mal no mundo, em grande escala, não é pela fraqueza. É no estabelecimento de critérios de selecção para os objectos da nossa atenção, e na sua institucionalização. A selecção deixa de ser percebido como pecado e não só o que ela exclui, ela própria desaparece da nossa consciência, na medida em que se estabelece como padrão socialmente aceite.

    A selecção - essa palavra tem, para quem se lembra de Auschwitz, uma conotação terrível, que aqui vem muito à propósito - divide entre quem reconhecemos como humano e o resto. Talvez eu não tenha força de envolver-me com todos que o merecem, mas é preciso – e possível - manter a consciência de que esse resto só o é por incapacidade minha. Que, realmente, o resto existe ou, para dizer o mesmo ao contrário: que, na verdade, não pode existir um resto. Mesmo não sendo capaz de lhe dirigir a atenção humana devida, não tenho o direito de ignorá-lo, de perdê-lo de vista por completo.

    Porque o outro, que desaparece, desaparece não só como candidato concreto à minha caridade. Como candidato à caridade até, por vezes, e depois a desgraça ter acontecido, pode reaparecer. (Lança-se uma campanha humanitária...)
    Mas ele também desaparece como factor com o qual contamos nas opções políticas, nas escolhas entre alternativas complexas. Ele, que não está presente, acaba de morrer da fome numa terra longínqua qualquer, flagelado por uma guerra civil alimentada com armas cuja venda ajuda à nossa economia, acaba esmagado debaixo das lagartas dos nossos tanques numa guerra "justa"; acaba afogado nas cheias num delta qualquer, em consequência de problemas ambientais que a nós convém ignorar.

    Se a palavra caridade para mim tantas vezes soa à hipocrisia, então é nestes casos: quando - emocionados - tentamos remediar um pouco a desgraça dos homens que antes tínhamos optado por não considerar nos nossos planos.

    A resposta da Joana à corrente dos filmes lembrou-me de uma omissão na minha própria lista, que agora me é inexplicável. Deveria ter incluído, evidentemente, Lawrence de Arábia.
    Que ele faz parte das suas preferências também, surpreende-me. Não calculava que uma mulher podia apreciar um filme tão marcadamente misógino ou, em todo o caso, desinterressado nas mulheres.

    Aproveito a oportunidade para fazer um elogio ao blogue da Joana, que quis fazer já há muito. Bem escrito, calmo, desprovido de qualquer vaidade, e cuja qualidade gráfica condiz com a dos textos, o Hole Horror é um oásis que dá prazer visitar.
    Karlheinz Stockhausen morreu

    Referi o homem a tempos, quando discuti a legitimidade ou não de subsídios públicos de artistas. Stockhausen é um caso clássico de um artista de minorias, que não poderia ter produzido a obra que produziu, se não o tivesse feito com subsídios e/ou em empregos públicos.
    Mas ao ver a lista de artistas que se declaram em dívida para com ele, dificilmente se poderá dizer que o investimento público não teve retorno.
    Cimeira estranha

    «A sensação que tenho desta cimeira entre chefes europeus e chefes africanos é que, de África, vieram não os descendentes dos escravos libertos mas dos chefes tribais que os vendiam aos negreiros europeus. E que os representantes políticos dos povos europeus são gente de negócio a representar, com nojo contido, uma espécie de política de hipocrisia condescendente baseada no racismo altruísta. Enquanto África não veio a Lisboa, continua lá, em África.»

    (João Tunes)

    Concordo. No entanto, estou de acordo que se faça a cimeira. A tristeza é que não há alternativas àquela do que falar com quem manda. Com quem se falaria, senão com eles? O João sabe como ténue em quase todos estes países é a "sociedade civil", como escassas as pessoas com preparação para serem alternativa àquelas que mandam, e também como estas, se chegarem ao poder, muitas vezes não se portariam diferente do que as que hoje mandam.

    E não há alternativa ao falar com eles de negócios: sem este assunto, como ganhar a sua atenção, a disponibilidade de dialogar? (Só uma ameaça militar poderia suscitar um "interesse" equivalente...) Não estou nada confiante que os negócios que depois se farão à pala desta cimeira, sejam éticos. Até nãda me leva a supor que sejam. Há tantos que já se fazem que não o são...
    Mas vamos então ver os resultados que a cimeira dará. Vamos criticá-la onde e como for preciso. E acho bem que se aproveite a cimeira para dar visibilidade ao péssimo tratamento dos direitos humanos em quase toda a África, e exercer a pressão possível.
    7.12.07
    A falta de cultura de transparência

    comentei o problema há dias. Não sei se João Cravinho tem razão com a sua preferência pela OTA, mas com isso tem razão: "Num pais decente não é aceitável que os estudos sobre o mais importante investimento estrutural seja financiado por gente que não se quer dar a conhecer." (No DN de hoje.)
    Filmes

    Também eu, como o Timshel, sofro do defeito grave de falta de cinefilia. Nenhum filme me marcou como há livros ou discos que me marcaram.

    Fiz uma lista de filmes de que ainda me lembro e que gostei, são uns vinte ou trinta. Depois seleccionei cinco, mas poderiam ter sido cinco outros. A única constante seria que em todas haveria um Hitchcock. Eis a escolha:

    Rear Window - Alfred Hitchcock
    Chinatown - Roman Polanski
    The Killing Fields - Roland Joffé
    As good as it gets - James L. Brooks
    Shakespeare in Love - John Madden

    Passo a bola ao JPT, ao José Luis Sarmento, ao ON, à Joana e ao David. Já sabem, se não têm pachorra, não fico ofendido...
    5.12.07

    Zwei spanische Akte (Osterakte)
    (Gerhard Richter)

    Substituí a playmate da quarta-feira por estas, muito melhores...
    4.12.07
    O apreço

    Há uma coisa - entre outras - que os que expulsaram o Tiago Mendes como traidor, não compreendem. O grande apreço que nestes dias lhe é mostrado por muitos, inclusive militantes da esquerda, não confirma a traição, nem é tentativa de aliciá-lo para as suas hostes. Vem simplesmente do gosto que dá ver uma pessoa livre.
    3.12.07
    Double standards

    Há algo intrigante na nossa fixação em Hugo Chávez. Em parte, só em parte, deve-se à personagem. O homem dá se ao jeito. E não ingenuamente: dá-lhe jeito. A nossa atenção indignada já lhe conferiu um estatuto muito acima da sua importância real. O caso de Putin é diferente. Este não precisa de mostrar a ninguém que conta. E a nossa indignação, a haver, guardamo-na para nós.
    Porque? Será porque num caso vemos uma alternativa que agrada - ao menos àlguns de nós: a volta à oligarquia corrupta de antes? E no outro não vislumbramos nenhuma que nos interessa?
    A democracia venezuelana é nos cara, a russa não

    Chávez perdeu o seu referendo. É motivo de festejar, e de continuar vigilante.
    Putin ganhou folgadamente. Que ganhou condicionando grosseiramente as eleições - aí Chávez tem ainda muito que aprender - só nos merece um encolher dos ombros.
    2.12.07

    Sempre ambicionei ser uma pessoa de sucesso que menospreza o sucesso.
    1.12.07
    Verdade e religião

    No De Rerum Natura está a decorrer, desde há dias, um debate interessante sobre a sustentabilidade racional da religião. A argumentação não é nova, mas é conduzida com muita erudição, como é habitual neste blogue.
    Tal como o Desidério Murcho acho irrefutável que a fé em Deus não tem sustento racional. Mas faz-me sorrir a candura com que acha inquestionável que a aproximação à verdade deve e pode ser exclusivamente por via racional, através do método científico. A verdade que procura a religião, não é a verdade científica. Acho aliás errado chamar aquilo que a ciência procura e pode estabelecer, verdade. Como o Desidério bem sabe, a ciência leva-nos, quando for bem sucedida, a modelos da realidade que nos permitem fazer previsões do que acontece em determinadas circunstâncias e de as aproveitar para adaptar o nosso comportamento. E para desenvolver aparelhos que nos facilitam a vida. Deste modo, a ciência é o instrumento sem rival para nos orientarmos no mundo. Mas não passa de um instrumento para só este fim. Não é útil para nos levar a verdade, não o é, em todo o caso, mais do que a religião. Aliás, quem acha que a ciência nos pode levar a verdade está a usá-la como religião.

    Para usar um exemplo de uma área que possa ser mais compreensível para quem não é religioso:
    O cientista que quer explicar as questões que a religião coloca parece-me como alguém que acha que pode explicar o mistério da música de Bach com o instrumentário sofisticado de análise acústica ou da neurologia. Um dia será possível, não duvido, explicar como as ondas de som moduladas que me chegam ao ouvido são transformadas em impulsos electromagnéticos no meu cérebro e induzem, por sua vez, processos químicos que no fim fazem que me sobem, cada vez quando oiço o "Erbarme Dich", as lágrimas aos olhos.
    Mas essa explicação arruma a questão? Obviamente não.

    A religião responde a uma inquietação metafísica e existencial, que uma explicação do "como" não consegue apazigar.

    Dito isto, convém reconhecer a perigosa e nociva influência das religiões, que de facto reclamam muitas vezes autoridade em domínios da ciência.
    Também não reconheço autoridade moral ou social às religiões, excepto em determinados casos, mas por razões somente instrumentais e não essenciais, como explicarei mais em baixo. Uma coisa é a legitimidade de uma resposta irracional ou para-racional a questões que escapam à razão, resposta individual ou colectiva. Outra é deduzir desta resposta quaisquer regras que extravazam o grupo dos crentes. É absurdo procurar introduzir resultados da religião na ciência, como fazem os criacionistas.
    Mais comum e mais grave contudo é quando querem impor-nos as suas regras sociais. Defendo, e felizmente muitos crentes sensatos também defendem a invalidade de argumentos religiosos no debate da moral pública. (Veja-se o exemplo do aborto.) Pois além da razão, a única alternativa de chegar a um "acordo" entre pessoas que não partilham a mesma opinião é a violência. Se queremos encontrar-nos, pacificamente, atravessando os limites das nossas crenças religiosas, temos de fazê-lo inevitavelmente no plano da razão. O irracionalismo, individual e colectivo, é aceitável se se restringe ao domínio e o grupo dos seus adeptos, mas deve ser combatido sem hesitação quando manifesta, o que aconteceu e acontece todos os dias, a pretensão de condicionar a vida dos não crentes ou crentes de outras confissões.

    Um olhar para a história e outro à nossa volta ensina-nos algumas coisas importantes a esse respeito. Uma é que a religião historicamente foi indissociável da estrutura social, que o seu código coincidia com o código moral e legal da sociedade e que, antes do surgimento de instituições seculares, só a sua ordem permitiu que houvesse ordem de todo. Vendo isto, compreende-se, se chegamos a negar-lhe hoje, e bem, a autoridade de condicionar a ordem social, que estamos a retirar-lhe um domínio milenar, que preencheu durante muito tempo; e por falta de alternativa, com legitimidade. E é ainda hoje aconselhável, antes de tentar de retirar-lhe o resto que lhe ainda sobra, pensar naquilo que existe ou não que pode preencher o espaço que ela cede.
    Sê-lo-á em graus diferentes na Alemanha, no Portugal ou no Iraque, mas pode ser preciso reconhecer a necessidade política de lhe deixar espaço e influência social, mesmo se não temos outra razão do que a da falta de alternativa viável.
    Que a autoridade das religiões de definir o que é verdadeiro e correcto é racionalmente insustentável, para isso basta olhar a nossa volta e admitir a simultaneidade de diversas religiões concorrentes e dogmas incompatíveis que não podem estar todas certas, embora cada uma delas se auto-justifica pela experiência da fê dos seus crentes, pelo seu devir histórico e a sua legitimação pelas respectivas escrituras sagradas. A sua arbitrariedade é evidente para qualquer um quem os vê por fora, o que hoje, só não faz quem não quer.
    A luta inglória por uma direita tolerante

    Tiago, bom seria para a direita portuguesa, se fosses da direita. Mas quer me parecer que "só" és um liberal. Eles não te merecem.

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