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  • 30.10.08
    O chumbo só é mau na Finlândia, em Portugal é bom

    Vamos ver se percebo:

    Porque em Portugal as salas de aula são inadequadas, porque há pais que agridem professores, porque a nossa ministra desrespeita os professores e o secretário de Estado fala mal português, e porque os professores se consideram mal pagos, por isso está bem que os alunos portugueses chumbem quando revelam insucesso na sua aprendizagem.
    Se tivessem edifícios escolares como deve ser, os seus pais se relacionassem bem com os professores, a ministra tratava os professores com respeito e os secretários de Estado fossem competentes e os professores se considerassem bem pagos – aí sim, já mereciam soluções alternativas que no país que está no topo do ranking mundial no sucesso escolar, foram identificadas como melhores.

    Que Portugal tem um dos melhores rácios professor/aluno e por isso devia ter condições para aplicar estas soluções alternativas, não interessa. Primeiro havemos de construir novas escolas, ensinar maneiras aos pais, arranjar ministros bem-educados e pagar os professores melhor. Depois, se restar tempo e paciência, podemos ainda pensar nos alunos.
    29.10.08


    Drei Grazien
    (Otto Schatz)
    28.10.08
    O milagre da VW

    Ontem as bolsas europeias fecharam em baixo. O Dax de Frankfurt, pelo contrário, subiu. Prova do vigor da economia alemã? Vejamos:
    O Dax teria perdido ontem 9%, senão tivesse havido a histórica explosão do valor das acções da VW. Num dia, subiu em 146%! E hoje subiu ainda mais. Terá a Volkswagen descoberto o segredo do perpetuum mobile para os seus motores? Ou terá ganho nos Euromilhões? Infelizmente para todos nós, a segunda resposta está mais perto da verdade.
    O que aconteceu é que a Porsche aumentou a sua participação na VW para 42,6%, e anunciou controlar ainda mais 31,5% na forma de opções. A Porsche fabrica, sem dúvida, lindissimos carros e também é, ao que consta, uma empresa financeiramente saudável, mas como isso resulta neste aumento astronómico do valor da VW continuou para mim, leigo nestas coisas, um mistério. Até o SPIEGEL mo explicou.
    Existem pessoas inteligentes e corajosas que se chamam "hedgefond-managers" e ganham a sua vida na bolsa ao apostar na descida das quotações. Isto funciona assim: Eles recebem dinheiro dos seus clientes por lhes vender acções que ainda não possuem, mas se comprometem entregar, por um preço hoje acordado, numa determinada data no futuro. Se o valor das acções nesta data na bolsa é inferior ao valor acordado, eles ganham dinheiro, se é superior, eles perdem.
    Muito bem. Mas como isto criou a subida dramática das acções da VW?
    Assim: Como a Porsche assegurou o controlo de 74,1% (42,6% + 31,5%) de todas as acções da VW, e ainda outras 20% são detidas pelo Estado alemão, só estavam 5,9% das acções disponíveis para serem negociadas. Aconteceu que a quantidade de acções que os hedegefond-managers tinham prometido fornecer ontem aos seus clientes era muito superior. Ao tentar honrar os seus compromissos, meteram-se na corrida aos tais 5,9%, o que fez subir tanto o seu preço. Com as quotações de hoje, resultantes desta corrida, a Volkswagen vale mais do que todos os outros fabricantes europeus e americanos de automóveis juntos!

    Claro que isto é bálsamo para a minha alma de patriota. Tenho porém, confesso, alguma dificuldade de convencer-me que o valor na bolsa da empresa fundada pelo Führer tem algo a ver com a sua dimensão real, a sua produtividade e competitividade. Mas, como disse, não percebo nada destas coisas. Só sei que a regulamentação é do diábo e a mão invisível tem sempre razão.
    27.10.08
    Plano Inclinado

    Porque é que o escândalo do jumento me lembrou este outro - de final feliz, aliás?
    Os senhores ainda não estão lá, é verdade. Mas estão num bom caminho. E nada garante que, lá chegado, a história terá o mesmo final feliz como no caso SPIEGEL.

    É o número de imigrantes que os italianos interceptaram este ano. Prenderam-nos e, calculo, recambiaram-nos. A Espanha continuam a tentar chegar barcaças de africanos. Também são presos e recambiados. Isto é novo, isto é estranho.
    A Europa sempre se debateu com problemas de imigração. Entre 1750 e 1850, a Rússia ocidental ganhou cerca de 80 milhões de novos habitantes. O eixo Inglaterra-França-Alemanha recebeu milhões de imigrantes durante o século XIX. O mercado de trabalho ditava as rotas. Braudel relembra a descrição pavorosa que Stendhal fazia das hordas de famélicos que cruzavam as estradas da Mittleuropa. Homens novos, viúvos e mulheres solteiras compunham a horda. No Vale do Ruhr, Duisburg cresceu de 7000 habitantes em 1831 para 92,500 em 1900. Esta é a nossa História (*).
    Este movimento ocorreu porque a Europa tinha trabalho para oferecer, agora ocorre porque ainda tem algum trabalho - que os europeus desdenham - e por causa de um factor novo: uma ideia de sociedade. Um maliano prefere ser desempregado em Bruxelas do que na sua aldeia. Por muito que se critique cá o modelo social europeu, ele é considerado um paraíso lá.
    Ao recusarmos os imigrantes estamos a desenhar uma relação nova da Europa com os outros espaços, sobretudo o africano. De certa forma, estamos a criar uma Europa artificial e asfixiada. Ratzinger já o reconheceu. O Papa está particularmente interessado na abertura pois sabe que de outra forma a asfixia atingirá também a Igreja.

    * com a ajuda de A.Lees e L. Lees, Cities and the Making of Modern Europe,1750-1914, Cambridge2007»

    (Filipe Nunes Vicente)
    26.10.08
    Alaska

    Islândia não foi a minha única paixão por um lugar distante e frio. Tinha outra. Digo tinha, pois embora sei que os mitos deviam estar imunes à realidade das suas referências, a verdade é que não a suportam. (Jack, camarada da minha adolescência, para onde se sumiram os blizzards do Klondyke? - O que fizeram ao teu belo nome, triste Caroline? - E Maggie – oh Maggie! -, fada das minhas solitárias noites da TV, como pudeste abandonar-me, ceder o teu lugar à Sarah?)
    25.10.08


    Ballonfahrt
    (Otto Schatz)
    24.10.08
    Heresia! Bovinidade!

    O que dirão os nossos guardiões da doutrina pura da traição deste dos seus profetas?
    A liberdade do parlamento

    Quando elogiamos a coragem - aliás, não a coragem mas a falta da falta de coragem - de atribuir o Prémio Sakharov a Hu Jia, convém realçar que este prémio é atribuido pelo Parlamento Europeu, e não pela Comissão ou por uma instituição nacional. Um parlamento é menos vulnerável a pressões e considerações "pragmáticas" do que um governo. Seria bom se o parlamento fosse revestido de poderes para mostrar a sua maior liberdade de decidir com transparência e em função de princípios não só quando se trata de um prémio. Ou seja, além nos domingos também nos dias úteis.
    Da maldade

    Há dias o Luis Jorge aproveitou a cisão CincoDias/jugular para um post. Paulo Pinto Mascarenhas fê-lo também. Foi uma boa oportunidade de ver a nobreza da maldade “porque sim” em contraste com a miséria da maldade interesseira.
    22.10.08


    Les amies
    (Pat Andrea)
    21.10.08
    Para o Campo Pequeno, e já!

    Rui, eu sinto exactamente o mesmo! Se isso tem a ver com ser de esquerda - e tem -, não tem porém nada a ver com ideologia, teorias, com ter lido Marx ou não lido Marx, com acreditar ou não na superior eficácia da economia do mercado. Também não tem a ver tanto com a nossa socialização, com a classe em que nascemos. Não digo que não tenha nada a ver, mas muito menos do que se possa pensar. Sei isso por experiência. Tenho na familia pessoas que são irmãs, uma tal e qual como esta Laurinda Alves, e outra que abomina esta forma de estar na vida tanto como tu e eu. Talvez é mesmo genético, um gene da esquerda, que se tem ou não tem, e que faz com que uns têm um elementar sentido de justiça e de vergonha, e outros não.

    Adenda (23.10.08):
    Fiz uso da tirada "para o Campo Pequeno, e já" em sentido figurativo, tal como podia ter dito "puxo da pistola". Lamento ter usado esta frase sem consideração pelos visados. É indecente confrontar alguém com a imagem de ser posto num estádio, a aguardar o seu eventual fuzilamento, mesmo numa figura de estilo. Peço assim desculpa a Laurinda Alves e a outros que se possam identificar com os participantes no evento por ela descrito.
    Retiro a frase, mas isso não significa que me envergonhe do sentimento de que deu conta de forma infeliz.
    20.10.08
    Colóquio Internacional sobre Tarrafal

    no 29.10.2008 no Auditório da Assembleia da República. Mais informações aqui.
    19.10.08


    A Sofia Loureiro dos Santos teve a amabilidade de me atribuir um prémio. Estou grato e lisonjado. E sendo assim, tenho de admitir que estes prémios fazem sentido, mesmo na forma detestada de chain-letter. O que pode ter de mal deixar o outro saber do nosso apreço? - Nada. Mas fico, como sempre nestas ocasiões, embaraçado perante o dever que a aceitação do prémio implica. No caso, de indicar 15 blogues que acho merecedores do mesmo prémio e, tambem!, lhes passar as obrigações da corrente. Não é que não me ocorressem 15 blogues que acho muito bons. Só será que devo importunar, por exemplo, um já recomendadíssimo Pedro Mexia, que não me conhece, com a solicitação de participar neste jogo? Além disso, elencar os blogoamigos do costume pode deixar a ideia que serão recomendados por serem amigos e não por serem bons bloguistas. Contra isso só posso reiterar: se recomendo um blogue é porque o acho bom.
    E boa é a oportunidade para partilhar descobertas minhas recentes, ou o meu apreço por blogues que, no meu entender, ainda não têm o eco que merecem. Não são todos, pois já há premiados nas minhas preferências:

    Amor e outros desastres
    Bios politikos
    bl-g- -x-st-
    Boas intenções
    Dois dedos de conversa
    Hole horror
    Imagens com texto
    Lida insana
    Linha dos nodos
    Ma Schamba
    Mar Salgado
    A Natureza do Mal
    Segunda língua
    A vida breve


    As belas
    (Werner Augustiner)
    18.10.08
    Blogues

    Convulsões em dois blogues colectivos que gosto de ler. Cinco dias e Corta-fitas. Acho sempre curioso como muitos leitores se enervam ou entusiasmam com estas coisas. Tomam lados ou, mais absurdo ainda, acusam os bloguistas por não terem conseguido manter o blogue como estava!
    Do Cinco dias saiu, na sequência de um desentendimento ou não - não quero saber - um grupo de autores para formar um novo blogue, jugular. Toma este o lugar dos Cinco dias na lista dos meus preferidos. O Cinco dias vai para os outros.
    No Corta-fitas, descobriram que Paulo Cunha Porto, um amável monárquico não democrata que convidaram recentemente, era monárquico não democrata. Pediram-lhe de ser menos monárquico não democrata, o que resultou - surpresa! - na sua saída. João Távora e Duarte Calvão não gostaram e saíram também. Assim é a vida dos blogues.

    Por fim, lembra o JMF que há blogues muito bons. Tem razão.
    Isto anda tudo ligado

    Se ainda não sabem o que o casamento homossexual, a pedofilia e o assassinato de Aldo Moro têm a ver uns com os outros, lêem este post de Helena Matos.

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    16.10.08

    New York
    (Otto Schatz)
    15.10.08
    Cunhado

    Quanto a isto, lembrei-me que na Índia me ensinaram que o pior insulto é "cunhado": fodi a tua irmã!
    Luz
    Mau efeito da educação cristã

    Perante a derrota anunciada da dupla McCain/Palin, e o desespero dos profetas do mercado não regulamentado em face da bancarrota das suas crenças, senti-me algo inibido de comentar mais estes assuntos. Parecia-me já não valer a pena, e até vagamente de mau gosto.
    Entretanto apercebi-me como esta postura está errada. Nunca a palavra de Nietzsche esteve mais certa do que aqui: O que está a cair, ainda se deve empurrar!
    14.10.08

    (Otto Schatz)
    13.10.08
    McCain, a decent man

    Via Terceira Noite. E muito bem comentado no Contemplamento.
    Era uma vez uma senhora e um senhor
    Alívio e raiva

    O DAX subiu 6% depois do anúncio do governo alemão de um programa de garantias e apoios à banca de 470 mil milhões de Euros. (para comparar: isto equivale a 636 mil milhões de Dolares). Veremos o que os outros paises Europeus farão, depois de acordado uma estratégia comum na cimeira deste fim de semana.
    12.10.08
    Lados

    Constato com surpresa que o Pedro Picoito não consegue identificar o argumento com que sustentei a minha qualificação da sua frase final como arrogante e condescendente. E surpreendeu-me que descobriu uma minha militância irreflectida num "lado". Não milito nem militei uma vez nalgum movimento, seja este o LGBT ou outro qualquer, nem num partido político. Não sou um homem de causas (excepto de tão banais como a honestidade e o bom senso) e não tenho agenda. Não fui eu que dividiu em "bons" e "maus". Não fui eu quem falou de tácticas políticas e insinuou a outros uma agenda oculta. Não fui eu que "duvidou" dos seus motivos honestos. Critiquei uma frase. Critiquei algo mais, também com argumentos, mas o Pedro tem naturalmente todo o direito de ignorá-los.
    Que me atribui um "lado", só me posso explicar por uma percepção enviesada pela sua própria perspectiva que, essa sim, tem um lado. É o Pedro que resume os seus argumentos em nome de um nós que não tem que dar o casamaneto como "prémio de consolação" aos homossexuais - estes outros.
    Eu não faço essa distinção. Que quem queira beneficiar do direito ao casamento sejam homossexuais, é me deveras indiferente. Não me é indiferente que haja quem queira casar e não possa fazê-lo, sem que existam razões sólidas para impedí-lo. No caso dos homossexuais não vejo essas razões sólidas, e não as descortinei no longo post do Pedro Picoito. Expliquei isso no meu.
    Quanto a disputada arrogância, deixo o "prémio de consolação" falar por si.
    De mortui nihil nisi bene

    Paulo Pinto Mascarenhas repreendeu o Pedro Sales porque este, na ocasião da morte de Jörg Haider, teceu comentários depreciativos sobre o seu partido. De facto, a decência é um valor importante, e por isso e para compensar pela indelicadeza do Pedro, resolvi dar, em homenagem ao defunto, a palavra ao mesmo:

    «O FPÖ não é uma organização na continuidade da NSDAP. Se fosse, teria a maioria absoluta.»

    «Os Freiheitliche [o FPÖ] não são a praga da democracia. Somos o produto antipraga. Aqui governam os pele-vermelhos e os pretos – não como noutros sítios – onde vivem em reservados.»

    «Ai, isso no Terceiro Reich não existia, pois no Terceiro Reich fizeram uma política de emprego de jeito, o que nem o Vosso governo em Viena consegue. Isto também tem de ser dito uma vez.»

    «Aqueles que lá atrás gritam, ainda vão – quando eu mando - precisar do seu ar. Para trabalhar.»

    «Estive com amigos na Namíbia, no antigo Deutsch-Südwestafrika, com a minha família, porque quis experimentar um pouco como é o convívio com os negros, quando têm a maioria. Com os negros isto realmente é um problema. Mesmo onde têm a maioria, não conseguem pôr nada de pé. Não há mesmo emenda.»

    «O direito dos naturais [da Áustria] à pátria [“Heimat”] é mais forte do que o direito dos estrangeiros a vida familiar. Por isso deviamos afastar-nos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.»

    «A Waffen-SS foi parte da Wehrmacht e por isso cabe-lhe toda a honra e respeito.»

    «Na Áustria há 300.000 desempregados e 300.000 estrangeiros oficiais.»

    «Cada asilado vai logo buscar a sua família e manda reestabelecê-la em termos de saúde. A custa dos austríacos competentes e trabalhadores.»

    «Quem não trabalha, terá de habituar-se outra vez ao trabalho. Além do mais, este sistema é também um sinal para a juventude e os parasitas sociais, aos quais deve ser dito: o carnaval acabou, agora volta-se pôr as mãos a obra.»(c)

    Tomara que estes exemplos de civismo sirvam de lição ao Pedro Sales.

    Für Friely
    (Horst Janssen)
    11.10.08
    Parabéns

    à Joana, pelos dois anos do Hole Horror.
    Uma boa notícia para o Luis

    Para inverter as sondagens que estão negras, a Sarah Palin talvez segue ao conselho de Paris Hilton e ainda se despe.
    10.10.08
    O casamento numa sociedade livre

    O Pedro Picoito escreveu um longo post contra a legalização do casamento homossexual. Não tenho tempo para responder com a abrangência que queria, mas vou comentar alguns aspectos centrais do seu texto.

    Pedro Picoito acha que o direito à igualdade garantido pela Constituição não aplica a questão do casamento homossexual, pois ao contrário do que alegam os seus defensores, o direito ao casamento não é universal, mas limitado por muitas e significativas excepções.
    De facto existem, para além do que diz respeito a pessoas do mesmo sexo, outras excepções ao direito de casar, muitas destas por boas razões. Está proibido o casamento com menores de 16 anos, para proteger a parte menor, a qual não é reconhecida a autonomia necessária para assumir um contrato de tal envergadura; entre ou com dementes notórios, por razões semelhantes; está ainda proibido o casamento entre familiares próximos, por razões eugénicas, e está proibida a poligamia, também por razões historicamente e socialmente compreensíveis. (Nestes dois últimos casos, parece me contudo desejável uma revisão atenta relativamente a sua necessidade e utilidade social hoje em dia.)

    Para mim, ao contrário do Pedro, há uma condição essencial para poder aceitar essas excepções: cada uma necessita de justificação específica. E muitas têm, como apontei. Concluir desta situação actual que o direito ao casamento não é universal, é inverter um princípio basilar de qualquer sociedade livre: "Tudo que não tem de ser proibido é permitido."
    Logo, numa sociedade livre, o ónus de justificar está no lado de quem quer impor uma restrição de direitos, no caso, de quem defende a (manutenção da) proibição do casamento de pessoas do mesmo sexo.

    Apesar do muito que se escreveu nestes dias contra o casamento homossexual, pouco li que possa ser chamado argumento neste sentido. Em vez destes, lêem-se apenas críticas ao comportamento táctico dos defensores da proposta lei, e a imputação, manifestamente paranóica, de uma "agenda fracturante" que visa, com a luta pelo direito ao casamento dos gays, na verdade destruir a instituição do casamento tout court. E entre afirmações mais ou menos explícitas da defesa da ordem divina, ressalta o argumento cândido "mas porquê hão de querer casar", com ou sem - sem, no caso do Pedro - adição de "sendo, como é sabido, irremediavelmente promíscuos".

    Como expliquei, essa pergunta, feita a título de argumento, nem necessitava resposta, mas vou responder:
    Para ter um enquadramento legal que lhes permite partilhar a sua vida com outra pessoa - independente do seu sexo - com as mesmas garantias e responsabilidades que actualmente dá um casamento civil heterossexual. Pois as garantias da União de Facto - informem-se ou deixem de fazer de conta que não estão informados - não são as mesmas, nem pouco mais ou menos.

    P.S.: Queria este post sóbrio e cordatro, mas é apropriado comentar também aqui a última frase do post do Pedro Picoito: «O respeito pelos gays não consiste em dar-lhes o casamento como um prémio de consolação pelos dois milénios passados no armário.»
    Esta frase é de suprema arrogância. Parte do pressuposto de que o Pedro, ou "nós", os heteros, temos ou não de "dar-lhes" o casamento. (Quanto a mim, não pretendo dar o casamento a nenhum homossexual. Já estou casado.) Mas pior é ainda a condescendência com estes maricas, que precisavam dois mil anos para arranjar coragem para sair do armário.

    P.P.S.: Recomendo vivamente este post do Lida Insana.

    Um belo blogue, descoberto graças à Helena.
    Disciplina de voto

    Não é ridículo que os deputados do PS hoje se submetem à disciplina de voto. Não é ridículo que uns ainda fazem uma declaração de falso voto vencido que, obviamente, não é uma declaração de voto vencido porque não votam vencidos. Não é ridículo. É vergonhoso. Como se explica que não votam de acordo com as suas convicções? Que acham merecer ser deputado apesar de não votar de acordo com as suas convicções?
    8.10.08
    Islândia

    Nunca estive em Islândia. Tenho pena, pois agora é tarde. Conservei o fascínio por um paraíso remoto desde muito pequenino, desde os meus quatro anos de idade, quando comuniquei a minha mãe a minha decisão de ser, em adulto, capitão de alto mar, e ela logo aproveitou para me solicitar uma viagem para esta ilha do seu sonho, e ma descreveu: no meio do mar, um porto com marinheiros barbudos e meninas bonitas, e uma paisagem selvagem, fria e quente ao mesmo tempo. Desde então, nunca mais deixou de ser um lugar mítico para mim. Às qualidades elencadas pela minha mãe - vulcões e glaciares e geysires e lagos quentes - acabei, com o tempo, de juntar outras. O facto de ser ilha, e uma relativamente pequena, e de ser um país com uma sociedade próspera, tolerante, feliz, com um nível de igualdade real inalcançado por qualquer outra, onde as mulheres são senhoras da sua vida, e nem por isso menos bonitas ou disponíveis - antes pelo contrário; tudo isso me explicava porque Islândia figurava no índice mundial de felicidade no primeiro lugar. Natural que uma pessoa como Björk só podia ser oriunda dali.

    E agora dizem que Islândia está na bancarota! Não só os seus bancos. O país, o estado inteiro! - Não sei como hei de viver com isto. Parece a confirmação dos desmancha-prazeres que insistem que em terra não pode mesmo haver paraíso e se, qual Babel, algum lugar feliz se atreve de aspirar a isso, inelutavelmente acaba por ser castigado com um fim cruel.
    Agora só resta ver quem comprará a ilha arruinada. A lógica diz-me que será um país com capacidade financeira, com excesso de liquidez. Os Emirados Árabes Unidos, por exemplo.
    7.10.08

    i and Thou
    (Ophrah Shemesh)
    6.10.08
    Têm razão

    Há aqui muita gente a irritar-se com a "esquerda festiva" que insiste em desperdiçar o nosso precioso tempo com "causas fracturantes" que, para além da minoria visada, só deviam interessar ao menino Jesús. Estamos a viver a maior crise económica mundial desde os anos da Grande Depressão, e com que esses gajos continuam a maçar-nos: com o casamento dos homossexuais!

    Têm toda a razão. Isso tem de acabar! Aprove-se então a proposta do BE na Assembleia da República e não se fala mais nisto.
    5.10.08
    Eu, membro confesso do "submundo"

    Claro que tens razão, JPT, e obrigado pela história sobre António Costa, deverás elucidativa!
    Tenho sempre pejo em comentar parvoices ofensivas como esta, pensando - com alguma altivez, admito - que não vale a pena responder a quem me considera indigno. E a quem me diz que não respondo a ele, mas defendo a minha dignidade perante os outros, pergunto, então, e esses outros precisam desta resposta para formar o seu juízo sobre mim? - Um pouco na linha do lema: não digas que és decente, tente sê-lo.
    Sei que, de ponto de vista político (mesmo sensu latu), isto é pura ingenuidade. Lá, o contrário serve melhor. Mas não estou aqui a fazer política.
    O problema desta sociedade

    Lamento ter de dizê-lo ao Lourenço, mas a Dina Aguiar tem mesmo razão. É curioso como essa história agora faz escândalo, que é tão antiga e do conhecimento comum. Até eu sabia de alguns casos em que ateliers foram cedidos a artistas por valores irrisórios, embora conhecendo os números só sob forma de boato. No meio – sem presença dos visados – comentava-se os casos num tom de falsa indignação moral que não disfarçava a inveja e até a admiração, de como estes gajos conseguiram a benesse, e que não deixava dúvida nenhuma que também se aproveitava, na primeira oportunidade. Quanto a todos estes, cujo supremo valor é ser amigo do amigo, a Dina Aguiar tem mesmo razão quando os acusa de inveja e hipocrisia.

    Mas obviamente a senhora está enganada se acha que isso lhe serve de desculpa. Mais triste do que «o problema desta sociedade [ser] a dor de cotovelo e a inveja» é que a Dina Aguiar e tantos não compreenderem que há regras de decência que estão independentes da existência ou não da dor de cotovelo dos outros.
    Botín vs Dona Branca

    Um dos grandes vencedores da crise do crédito é o Banco Santander que, estando sólida graças a uma política financeira cautelosa, imposta pelo seu presidente, Emilio Botín, mas também pela apertada regulamentação vigente em Espanha desde a crise da banca dos anos '80, aproveita para comprar os destroços dos actuais perdedores.
    O lema de Botín, com que levou o Santander ao primeiro lugar na zona Euro, soa muito antiquado e unamerican: «Se não compreende um instrumento financeiro, não o compre. Se você próprio não compraria o produto, também não tente vendê-lo a outros. E se não conhece muito bem o seu cliente, não lhe empreste dinheiro.»*

    A queda do império soviético não acabou com o comunismo como ideologia, mas reduziu-o a uma seita cuja persistência se pode olhar com incredulidade mas também com descanso, porque deixou de constituir uma ameaça.
    Tenho esperança que a actual crise financeira fará o mesmo com o liberalismo à Dona Branca.
    4.10.08
    Tarrafal



    Um rectângulo plano, confinado pelo que de fora parece uma muralha do Portugal dos Pequeninos, com ameias e torres nos vértices. A muralha está em bom estado de conservação, o que acrescenta ao seu sabor a falso. Um sabor a Castelo de Guimarães, a Estado Novo, a sua pequenez, ao seu complexo. As ameias têm meramente funções decorativas, são, aliás, o único elemento decorativo. O muro é baixo, mas funciona por causa do fosso regular e cimentado que se encontra, ao contrário do que acontece nos castelos, no seu lado interior.

    Fiquei surpreendido que havia tão pouco para ver. Mas o quê esperava ver num campo penal? - Quatro barracas compridas, em alvenaria sólida, o seu interior dividido ao meio longitudinalmente, formando dormitórios estreitos de trinta metros de comprimento, mas apenas de quatro e tal de largura. Num lado a entrada, com uma porta gradada, muito sólida, com varões mais grossos do que alguma vez vi. No outro, no topo, atrás de um murete, as latrinas abertas, também elas em cimento. Das latrinas, em desuso desde 1974, já não há cheiro. Nem das pessoas que aqui dormiam: 30? 60? - Estou sozinho, sou o único visitante. Só o calor é tão insuportável como dantes.

    À frente de cada par de dormitórios há um edifício mais curto e mais compartimentado. Passa-se pelo mesmo tipo de portas gradadas, para entrar num curto corredor que acaba em beco sem saída. Num lado, muro, noutro, atrás de pesadas portas de madeira, três celas solitárias, dois por três metros, sem luz ou ventilação natural, excepto do que passa pela vigia, de tamanho de um palmo de mão. Ao contrário dos dormitórios, que estão, salvo as latrinas, completamente vazios de qualquer mobiliário fixo, as celas têm um banco em cimento. Aqui devem ter guardados os presos mais complicados; e imagino que era aqui onde os espancavam à noite, uma prática rotineira, como mais tarde leio na pequena exposição na entrada do campo.

    O que há mais? Um "Posto de Saúde", pavilhão pequeno e colocado de forma ridícula no centro do complexo, no meio da rua direita que se desenvolve a partir do único acesso do campo e que o divide ao meio. No posto de saúde lê-se que este foi muito tempo dirigido por um médico militar cujo nome não fixei, que não gostava de tratar os presos; preferia, como dizia, emitir os seus certidões de óbito. Acto para que teve frequentes oportunidades. Nenhum Mengele, ainda assim. Consta que um dos seus sucessores foi deposto por se ter insurgido, oficialmente, contra a forma desumana como se tratava os presos. Do seu nome devia recordar-me, mas não me recordo.

    Há ainda um edifício de cozinha, em estado avançado de degradação, e outro pequeno, cujo destino original não descortinei. Foi remodelado recentemente para não se percebe o quê: um café, um centro de divulgação? - Há vitrinas e prateleiras vazias, cadeiras Arne Jacobsen estranhamente deslocadas neste ambiente, e não vivalma, nem café.
    Há espaço. Bastante espaço. Os edifícios do campo não preenchem, nem de longe, o rectângulo delimitado pelo muro. Sobra terra, de momento coberta por uma erva irritante cujas sementes espinhosas se agarram aos meus pés. Nos restantes meses do ano, não há dúvida, só há pó. E sol.

    Tudo isto está visto em quinze minutos, que bastam para eu ficar tonto do calor que está fora e ainda mais dentro dos edifícios. Visto em quinze minutos por mim, por outros em quinze anos.

    Ao sair, e depois de ceder o meu Compal ao neto da velha na bilheteira, já no meu carro ar-condicionado, recordo as imagens dos dignatários do regime a visitarem Cabo Verde, e lembro-me de outros, hoje ainda vivos, e membros respeitáveis da nossa sociedade democrática. Apetece-me perguntar-lhes - a eles, não aos verdugos - que compactuaram por carreirismo, ou porque concordavam mesmo com este "mal necessário", embora não com os "excessos" de que porventura não sabiam muito e não quiseram saber mais: como é que convivem hoje com Tarrafal? Pensam nele às vezes?

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