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31.3.05
Do L´ottavo libro de Madrigali de Claudio Monteverdi. (The Consort of Musicke, dir. Anthony Rooley; Emma Kirby, Soprano) No player. "Verdi? - Só conheço Monteverdi!" (Hans-Werner Henze) Os joelhos da Natalie Portman
Ontem o CBS, autor do muito novo La force des choses honrou o Quase em Português com a sua visita. Reproduzo aqui um post: Um longo Presente Levo por aqui mais de cem anos. E como quero ter um futuro, resolvi tirar um curso, coisa rara na minha juventude. E à medida que isto decorre, vou-me apercebendo cada vez mais de um fenómeno cronológico. Os meus últimos, digamos, vinte, trinta anos, são um longo Presente; Mário Soares, Álvaro Cunhal, Cavaco, fazem-me parte da Contemporaneidade, parece que aconteceu tudo há bocado. Mas para os meus jovens colegas, com vinte anos de duração, tudo práticamente é Passado; para eles só agora começa a despontar o Presente. É claro, por vezes as nossas conversas tropeçam nas escalas do Tempo. Mas quero ainda chamar a atenção especial dos meus amigos da Terra da Alegria para este grande post! É um pouco desapropriado dizer (como puto de 45 anos e estrangeiro) o que vou dizer: Muito bem-vindo! 30.3.05
Orgulho-me de ter sido um dos primeiros a perceber o potencial e valor, há hoje exactamente um ano, do exposé do romance especulativo de que hoje todo o mundo fala, e que - já é seguro dizé-lo - reduziu no que diz respeito ao sucesso de vendas e impacto na nossa visão da história, o Código da Vinci à sua merecida insignificância. Aditamento: Este post necessita de rectificação. Não tenho intenção nenhuma de associar a especulação do José ao Código da Vinci, excepto nos aspectos que referi. Porém, é ingénuo esperar que o leitor faça uma interpretação tão circundada desta referência. Podia depreender-se que quis atribuir ao exercício hipotético do José no Guia dos Perplexos (e na Terra da Alegria) defeitos que se costuma apontar ao Código da Vinci, o que não é o caso. Ao contrário do que se diz do Código, o exercício do José não usa teorias de conspiração para vender melhor, mas é, isso vê-se, motivado por uma saudável e honesta curiosidade intelectual. Que trabalhado adequadamente, também dava um belo romance de aeroporto, isso dava... Playmate da semana: Akt auf Kissen (Macke) 29.3.05
"[Os filósofos] Tiram proveito do facto de, provavelmente, não haver uma partícula fundamental última para nos exortarem a não irmos mais além. E ei-los, a seguir, a pontificarem: "O vosso pensamento não chega ao fundo das coisas, deixem-nos dar-lhes uma definição preliminar do mundo". Mas assim não pode ser! Estou decidido a explorar o mundo sem ter dele qualquer definição!" (115) [Richard P. Feynman, Uma Tarde Com o Sr. Feynman, Lisboa, Gradiva, 1991] No Rue Catinat. Nofretete 28.3.05
Até hoje nunca escrevi sobre o aborto no Quase em Português, mas nos últimos dias comentei dois posts sobre o assunto, e levei para trás, como se costuma dizer. Daí penso ser altura de também eu dar a minha colherada. Apesar de ter ouvido já repetidas vezes que neste debate ninguém convence ninguém. Teria gostado de desenvolver algumas questões sem logo traír a minha posição neste debate - que preferiria só denunciar no fim - mas vai me ser difícil. Porque basta referir um lado ou como "defensores da despenalização da IVG", ou como "defensores do aborto" ou até "abortista", e já se está arrumado no seu campo. Whatever... É inegável que um embrião é vida humana. E que, logo, um aborto voluntário é matar intencionalmente uma vida humana. Para muitos opositores da despenalização, a discussão termina já aqui. A vida humana é sagrada, em caso algum ela pode ser extinta. Ponto final. Pergunto: Porquê? Se a resposta se limita ao porque Deus assim manda, então não há mesmo nenhuma base para diálogo. Tão pouco como para o diálogo com quém defende pelas mesmas razões outra coisa qualquer, seja isto o uso do véu, uma determinada dieta obrigatória, ou a aplicação da sharia. A discussão pública sobre o aborto não pode ser uma discussão religiosa, deve ser moral. Que para algumas pessoas religiosas isso acaba de ser a mesma coisa, não as dispensa de discutrir com os que não partilham a sua religião no plano moral. Para mim, já deve ter transparecido, o raciocínio não termina na descoberta de que se trata de vida humana. Parto, não quero escondê-lo, para a abordágem do assunto com um juízo pré-concebido, emocional e largamente irreflectido, que me diz que aborto é uma coisa má, feia, mas longe de algo comparável ao assassínio. É esta a minha posição de partida, que não faz de mim um "abortista" (acho eu), mas uma pessoa que acha a decisão de abortar susceptível de ser ponderada em comparação com outros valores ou objectivos. Assumida esta posição ainda não sustentada racionalmente, vou agora procurar ganhar algum terreno debaixo dos pés. Tento perceber o que caracteriza vida humana. Para conceber uma ideia sobre o que é vida humana não vejo melhor forma do que fazê-lo em contraposição à vida animal e à vida vegetal. Vida humana é vida consciente. É vida que se apercebe de si próprio como agente entre outras vidas, capaz de localizar-se no espaço e no tempo, de se imaginar um futuro e um passado, dotado de esperança e vontade. Com a capacidade de amar e ser amado, de ser feliz e de sofrer. Quando se mata um embrião humano, mata-se uma vida humana, que podia ter sido isso tudo. Mas ainda não foi. Não se rouba a vida a um ser consciente, que sente, pensa, quer, age, que ama e é amado. Mata-se um ser vivo, que podia ter vindo a ser tudo isso, mas não o é. Impede-se a concretização de algo único e maravilhoso. Mas em relação a inegável aniquilação desta vida que tem o que tem de essencialmente humano ainda só em potência, - o que é tão categoricamente diferente entre a morte dum embrião e o impedimento da fecundação, ou ainda, como sugeri num comentário na Grande Loja, o desperdício de tantas vidas em potência por causa de fecundações não concretizadas? Há um estado, em que a vida humana (o espermatozoide é vida humana...) ainda não merece a nossa solidariedade e protecção, e há outro, em que ela a merece em todo o caso e a todo o custo. O que não vejo, é um ponto nítido e indiscutível entre estes dois estados que marca a fronteira categórica, e menos ainda que este tem de ser a fecundação. Acabei de aperceber-me, ao escrever este post, que faço uma distinção muito substancial entre "vida humana" e "vida humana consciente". Melhor formulado: entre vida humana no simples sentido de vida dum ser da espécie humana, e vida que tem as características de vida humana, em contraste à vida animal. Faço esta distinção, e parece-me correcto fazê-la. Talvéz seria mais correcto, e mais nobre, não fazê-la. Simplesmente venerar e respeitar a vida. O que implicaria, desde logo, deixar de matar animais. Implicaria que o vegetarianismo se impõe tanto ou até talvéz mais do que a recusa do aborto voluntário. A sério: Não digo isso para levar o repúdio do aborto ad absurdum. Talvéz haverá uma época futura em que olhamos a maneira como hoje tratamos os animais da mesma forma como hoje olhamos para culturas que tinham como absolutamente normal e aceitável a escravatura. Mas ainda não estou lá. Como carne e não planeio, num futuro próximo, de deixar de fazê-lo. E estou à favor da despenalização do aborto. Quém me quer rotular, por isso, como abortista, o faça. P.S.: Mais grave é a qualificação do aborto como holocausto, como o César Miranda fez. Com base, quer parecer-me, neste silogismo erróneo: 1. Aborto legalizado é a matança em massa de vida humana. 2. Holocausto é a matança em massa de vida humana. Logo: 3. Aborto legalizado é holocausto. O pressuposto implícito do César é que a segunda frase seja reversível: Que também seria válido dizer: A matança em massa de vida humana é holocausto. Primeiro, não acho correcto o formalismo de não distinguir de todo entre a vida humana dum embrião e a duma pessoa nascida. Que não é a mesma coisa, tentei demostrar no post. Mas mais grave e outra coisa: Tendo em conta o que se hoje denomina com holocausto, seria suficiente já um pouco de imaginação e só alguma informação para perceber que não há comparação possível entre o grau de crueldade e o indizível sofrimento que o termo significa, e o assunto para qual agora se pretende empregá-lo. Etiquetas: sel 27.3.05
Ernst Bloch conta no seu livro Spuren a seguinte anedota: A saída com graça: [...] No feminino, dissemos, a saída muitas vezes é má. A pergunta enganadora da mulher, quando a sopa está quente de mais: "Devo trazé-la quando está gelada?", não presta. Mas outra mulher já desperta a nossa atenção, na "anedota" da adúltera apanhada, que, apesar disso, nega. Que diz ao marido furioso, na sua situação, com o amante nu na cama: "Se confias mais nos teus olhos do que nas minhas palavras, onde está então o teu amor?" - Esta mulher soube escolher o seu exemplo para a sua afirmação de forma bastante nova e perturbadora. E o homem já não vê para além desta esquina; nem numa hora mais calma conseguia seguí-la. [...] A graça convence porque sentimos que, no fundo, a mulher tem razão. O amor, como a fé, quer se absoluto, e lembrar-nos a nossa incapacidade de tê-los assim, fá-nos culpados. 26.3.05
A Helena comentou no Dois dedos de Conversa a minha resposta ao Timshel do dia 21.03.05. Vi-me obrigado de deixar lá algumas explicações e justificações nos comentários. 24.3.05
O que teria a dizer sobre isto, foi dito aqui. Não é que não gostasse de Souto de Moura, mas o meu candidato ao Pritzker é Charles Correa. Vale a pena olhar para dentro deste livro. É possível fazê-lo online! É com alguma pena que substituo (no player) a Allemande da Sonata II pelo Erbarme dich! As Sonatas e Partitas para Violine Solo são, como algumas outras obras de Bach - as Suites para Violoncello, a Arte da Fuga e o Clavier bem-temperado - testemunhos reconfortantes da possível, da subjacente ordem do mundo. No fundo, no fundo, tudo está bem. (Se não está bem hoje, aqui, não quer dizer qua a boa ordem não existe. Com boa vontade, voltaremos lá: O sonho platónico.) Mas isto só é metade de Bach. A Paixão de S.Mateus é a outra. É a montanha russa dos bons e maus sentimentos, da lealdade e da traição, das boas intenções e da cobardia, do medo e da culpa; e da esperança. Não sei como é para quem não entende o texto ao ouvir a Paixão de S. Mateus - para mim é impossível distinguir o que se déve à música e o que ao texto -, mas a parte que me infalivelmente põe as lágrimas nos olhos, é quando Pedro se se apercebe das suas negações. Dos límites da sua boa vontade, que tinha julgado ser enorme. E do caracter fatal da culpa. Não consigo resistir a identificar-me com ele. Se ouvo com arrepio o mob que grita "kreuziget ihn!" ("crucificam-no!"), tenho ainda a distância do desprezo. Mas o Pedro sou eu, neste momento. Só me resta fazer como ele, sair e chorar amargamente, e pedir "erbarme dich" ("tenha piedade"), não tendo melhor de apresentar como razão do que as minhas lágrimas. (Ian Bostridge (Evangelist), Franz-Josef Selig (Christus), Sibylla Rubens (Sopran), Andreas Scholl (Altus), Werner Güra (Tenor), Dietrich Henschel (Baß), Schola Cantorum Cantate Domino, Choeur et Orchestre du Collegium Vocale Gent, Philippe Herreweghe, 1999.) 23.3.05
Hoje uma edição de Páscoa. Sobre últimas palavras. Sobre a representação da mulher no lugar do Salvador. Sobre últimas palavras. Visito sempre com bastante curiosidade os blogues que aparecem na lista dos referrers, só por acaso. Assim foi com o A conta da Caperuzita nunca bate certo. Li logo um post engraçado sobre a relação da pronúncia do "u" em francês (por acaso também em alemão, nessa língua que lembra o som das botas da SS) e a arte do beijar. Pela cor do blogue não duvidei por um segundo que o autor fosse uma autora, mas fiquei um pouco desorientado ao ver que assina com Pedro Chosco... Achei graça o estilo, e achei muita graça o uso pessoal e peculiar que faz da língua portuguesa, desenvolvendo uma ortografia e uma síntaxe original e estranha, mas coerente. Só depois de vários minutos, ao seguir um link para o blogaliza, percebi que a Pedro Chosco é tão pouco portuguesa como eu... Playmate da semana: Antiope (Coreggio) 22.3.05
Esta manhã fui com o meu filho (5 anos) de taxi para o infantário. No rádio - ou era CD? - uma voz com sotáque brasileiro, apoiada por sons suaves de harmónio, estava a pregar: - ...e o Senhor guia o Seu povo, orienta-o no seu caminho e fá-lo perdurar nas suas lutas... O meu menino dirige-se ao motorista: - Lutas? Como é que são estas lutas? Quem está a lutar? Etiquetas: sel O comportamento dos Dinamarqueses perante o Holocausto dá que pensar. Não é o comportamento heróico de uma ou dalgumas pessoas que se destaca. Foi um colectivo, cujos membros se mostraram moralmente à altura quando o momento chegou. Fizeram uma escolha política e colectiva, que foi, ao contrário do que nós nos habituámos achar normal, ditatda por valores e não pelo interesse. Seis mil e quatrocentos Judeus são uma percentagem ínfima do povo dinamarquês: 0,13%! Teria sido fácil sacrificá-los. É tido por um lugar comum que o Holocausto demonstrou o fracasso do projecto do iluminismo, da crença de que nascerá da razão em liberdade uma ética de responsabilidade e solidariedade. Mas temos aqui, no contexto do próprio Holocausto, um exemplo como as pessoas fizeram a coisa certa, colectivamente, sob pressão de fazer o contrário. Não será isso um motivo acrescido para estudar o modelo social nórdico? Não só o conjunto de determinadas políticas sociais, mas mesmo o modelo social, da convivência de indivíduos livres, mas solidários e responsáveis? Porque é que funcionou? Porque é que funciona? Ad maioram Dei gloriam (2)
Soube pelo Linha dos Nodos que Bach fez ontem 320 anos. Concordo com o David quanto a sua incompreensão como foi possível que não lhe foi outorgado pelo menos o título de imperador magnificente para toda a eternidade de todas as coisas mutáveis e imutáveis... Para lembrar e comprovar esta injustiça coloquei no player a Allemande da Partita II für Violine Solo, BWV 1004. Tocada por Thomas Zehetmayer. "The story of the Danish Jews is sui generis, and the behaviour of the Danish people and their government was unique among all the countries of Europe – wether occupied, or a partner of the Axis, or neutral and truly independent. One is tempted to recommend the story as required reading in political science for all students who wish to learn something about the enormous power potential inherent in non-violent action and in resistance to an opponent possessing vastly superior means of violence. To be sure, a few other countries in Europe lacked proper "understanding of the Jewish question", and actually a majority of them were opposed to "radical" and "final" solutions. Like Denmark, Sweden, Italy, and Bulgaria proved to be nearly immune to anti-Semitism, but of the three that were in the German sphere of influence, only the Danes dared to speak out on the subject to their German masters. Italy and Bulgaria sabotaged German orders and indulged in a complicate game of double-dealing and double-crossing, saving their Jews by a tour de force of sheer ingenuity, but they never contested the policy as such. That was totally different from what the Danes did. When the Germans approached them rather cautiously about introducing the yellow badge, they were simply told that the King would be the first to wear it, and the Danish government officials were careful to point out that anti-Jewish measures of any sort would cause their own immediate resignation. It was decisive in this whole matter that the Germans did not even succeed in introducing the vitally important distinction between native Danes of Jewish origin, of whom there were about sixty-four hundred, and the forteen hundred German Jewish refugees who had found asylum in the country prior to the war and who now had been declared stateless by the German government. This refusal must have surprised the Germans no end, since it appeared "illogical" for a government to protect people to whom it had categorically denied naturalization and even permission to work. [...] The Danes, however, explained to the German officials that because the stateless refugees were no longer German citizens, the Nazis could not claim them without Danish assent. This was one of the few cases in which statelessness turned out to be an asset, although it was of course not the statelessness per se what saved the Jews but, on the contrary, the fact that the Danish government had decided to protect them. Thus, none of the preparatory moves, so important for the bureaucracy of murder, could be carried out, and operations were postponed until the fall of 1943." (in Hannah Arendt: Eichmann in Jerusalem) 21.3.05
A ler, primeiro este, depois este, e por último este post! São sobre o sexo. (Quem não quer clicar tanto, vai simplesmente ao Silsmaria e lê-os de seguida, de baixo para cima. O primeiro chama-se Tomai lá do Schopenhauer.) O meu amigo Marujo, católico assumido e empenhado, não se sente inibido de publicar esta imagem no seu blogue. Proibida na Itália, como aprendi no comentário da MRF. Como obra de arte não chega, naturalmente, embora muitissimo bem feito, aos calcanhares do original, mas como não católico estou à vontade de admitir que sabia quais dos retratados preferia conhecer mais de perto! (Agora menti um bocadinho, pelo bem da gracinha...) Quando há pouco tempo postei o quadro da virgem a castigar o menino Jesus, nenhum católico, que comentou, dizia-se ofendido por isso. Mas que os há, que se ofendem, há. Continua um mistério para mim o papel da imagem, do ídolo, na fé católica. Ninguém quer esclarecer-me? E o que dizer desta: Ainda o atéu solidário (Uma resposta ao Timshel)
Dizes que os meus argumentos derivam dum "positivismo mais ou menos explícito" e julgo que entendes sob isto o argumento racional e utilitarista, expressa na variante vulgar do o imperativo kantiano: "Faz ao outro o que queres que ele te faça!". Mas não me limitei a este argumento, disse: "Basta descobrir a minha semelhança com os outros homens e descobrir que nada distingue o meu desejo de felicidade do desejo deles. Posso ainda descobrir que me sentiria mais feliz se fosse rodeado de outras pessoas também felizes. E descobrir o prazer em partilhar e ver a felicidade na cara do outro." Não necessito de nenhuma entidade mediadora para deduzir desta experiência, que não é uma premissa lógica, mas uma experiência -, o genuino imperativo categórico de Kant, que não contém o argumento utilitarista: "Age de tal maneira que trates a humanidade da tua pessoa e dos outros como um fim, e não como um meio." Se te entendo bem, achas que não chega que alguém faça o bem. Tem de fazer o bem pelos motivos certos. Esta exigência pode ter uma razão política, e/ou uma razão moral/metafísica. Do ponto de vista político não aceito a exigência, porque simplesmente não compro, observando o mundo a minha volta, que a solidariedade humana que se baseia em motivos racionais/utilitaristas e no elementar sentimento humano, que me leva a identificar o outro como irmão, são menos fiáveis do que aqueles que decorrem duma doutrina religiosa. Resta o argumento moral e metafísico: Não te basta a acção, queres a intenção. Não te basta que uma pessoa faça o bem, queres que ela o faça porque o quer fazer pelas razões certas! Se for necessário, em sacrifício. Talvez mesmo em sacrifício, não só se for necessário? Em qualquer caso, para cumprir as ordens de Deus! Exigir mais do que actos, exigir intenções é uma violação da liberdade mais intima que uma pessoa tem, que é a liberdade da vontade. Essa exigência está na linha da argumentação de Loyola na sua famosa carta sobre a obediência, mas também - hesitei muito se devia mencionar este exemplo - na exigência dos acusadores nos processos espectáculo estalinistas dos anos 30, aos que não bastava que os dissidentes confessassem os seus supostos crimes, mas que exigiam que estes ainda acabassem por querer os seus castigos! Claro que sei que estás no extremo oposto da desumanidade desta gente, e espero que me perdoes que os uso em argumento contra as tuas posições, mas o exemplo não me ocorreu por acaso, porque acredito mesmo que até esses crimes e a sua justificação tiveram uma componente religiosa, uma componente espiritual: O desejo da aniquilação da vontade! Mas podemos deixar a Tcheka e ficar-nos pelo Inácio de Loyola e pelo Santo Ofício. A Igreja católica fez, nos últimos tempos, muitas mea-culpa, pediu perdão, e admitiu excessos na sua história, como em relação a inquisição. Mas onde é que está a discussão e revisão crítica das teorias e dos actos de Inácio de Loyola e Bernard Clairvaux, os grandes ideólogos do totalitarismo? Tenho uma resposta para mim: Não é só oportunismo, o não querer expôr a Igreja às convulsões duma autocrítica tão radical. Não é só o poder das respectivas ordens que isto impede. Tenho para mim que a razão é mesmo teológica: Inácio e Bernard, de certo modo, dum modo muito essencialmente religioso, têm razão! Uma religião que não visa a total aniquilação da vontade do indivíduo, a total submissão do ego dos seus crentes, perde a sua alma, a sua razão de ser. (Ainda vou escrever um dia um post sobre o sacrifício de Abraão que contêm essa mesma lição). Acho que a religião tem que ser radical. Que a sua exigência sobre o homem é total. Se não a é, não é religião, é convenção, algo flácido, hipócrito e desprezível. Mas como a história nos mostra que os projectos da aniquilação da vontade, no plano político, sempre e com impressionante eficácia levam ao inferno, por isso mesmo temo e rejeito todas as instituições religiosas, porque ameaçam, e tanto mais quanto mais vigorosas são, estrangular a liberdade com a sua natureza intrinsecamente totalitária. Igrejas só são aturáveis para uma sociedade livre, se não têm poder e não têm um projecto de poder. Ou se já são pouco mais do que convenção. P.S.: Recomendo mesmo a leitura da carta de Inácio de Loyola. Etiquetas: sel 20.3.05
Finalmente... What did take you so long? Horst Janssen: Bettina, gedacht 19.3.05
Sei das boas razões que se invoca para defender a irresponsabilidade do juiz. É, de facto, uma necessidade indispensável em qualquer estado de direito, proteger as decisões dos juizes de pressões. Mas tem que haver mecanismos que removem pessoas flagrantemente incompetentes para o cargo, e permitem reparar os danos, que fizeram, na medida do possível, mas em todo o caso com maior rapidéz. Não é preciso ser jurista para ver que no caso da criança de Vila Franca foi violado o interesse indiscutivelmente prioritário: O interesse da criança. Como é que se garante, em concreto, em Portugal, para além da preparação jurídica, a preparação humana dos candidatos ao cargo de juiz? Sempre me irritou, desde que cá vivo, a veneração que se oferece aos membros desta classe, numa clara confusão entre o necessário respeito pela instituição que servem, e pelos indivíduos. Uma irritação que se transforma em desespero, quando vejo que o destinatário nem cumpre os mínimos de sensíbilidade e bom senso exigível a quem tem de decidir sobre a vida dos outros. Existe uma relação entre aquela veneração, que pertence ainda, tal como a igualmente irritante mania dos títulos (Sr. Doutor, Sr. Engenheiro de frente de cima de baixo e de trás) ao tempo do outro senhor; e esta incompetência e falta de responsabilidade, que caracterizam não só a justiça, mas de um modo geral toda a nossa sociedade. 18.3.05
A música que podem ouvir no player (aqui ao lado, no topo do sidebar) é do Paulo Curado e dum disco que se chama O lugar da desordem. Ouvem-na, e percebem porque me poupo os demais apresentações! O Paulo tem agora um blogue, com o mesmo nome. Sobre música, claro, mas não só. Em Samos, no porto da ilha grega do mesmo nome, dirigi-me ao companheiro de viagem e comentei (em alemão) um prédio - já não me lembro o quê: - Já viste como é "komisch" (="curioso, cómico")? Não tinha reparado no homem a minha frente. O homenzinho já idoso, vestido, apesar do calor, com rigor, com fato e casaco, que no entanto já tinha visto melhores dias, virou-se e repreendeu-me, irado, num alemão perfeito: - "Komisch", pois! Você está aqui em calções e chinelos para divertir-se e achar "komisch" o meu país. Porém, tudo o que vocês são e têm, são e têm graças aos meus antepassados, que criaram estas obras magníficas quando os seus ainda só vestiam peles e nem em cabanas dormiam. Graças aos meus você sabe ler e escrever e fazer contas e tudo o resto, o que lhe permite vir cá, sentar-se na esplanada, vestido como nem em casa me atrevia estar, e achar "komisch" o meu país, enquanto os meus filhos lhe servem à mesa. Friedrich Karl Waechter: Adele mostra aos seus seios os homens 17.3.05
Não vou esperar mais para referir o Silsmaria. Honestamente não sei porquê, mas não tinha imaginado por de trás dum nome tão eminentemete nietzscheano uma mulher. Duas mulheres: uma jovem, outra nem tanto, se fazemos fé do que ela diz. (Noutros casos talvez seria, mas neste não é de todo impróprio falar da idade desta mulher, que não conheço.) Gosto do blogue, do conteudo inteligente, e gosto especialmente do tom: É discreto e franco ao mesmo tempo, como só pessoas verdadeiramente cultas conseguem ser. E mesmo se não tivesse a série fantástica dogma/ícone, visitá-lo-ia ainda sempre com muito prazer. O quadro de playmates, que postei anteontem, continua a incomodar-me. Embora que o meu critério para as minhas escolhas é bastante lato, encontro inevitávelmente, na procura das candidatas, os límites do meu pudor, ou do quer que seja mais que me orienta sobre algo ser aceitável para postá-lo no Quase em Português. Não se trata, neste caso, dos límites da pornografia - também as tenho, mas não são estes alcançados neste quadro; - trata-se de outra coisa. Vou já dizê-lo: O problema é que se trata de bruxas. Quando vasculhei a obra disponível na net do pintor alemão Hans Baldung Grien (1484-1545), percebi rapidamente que tinha encontrado não só um eroto-maníaco, como um homem obsecado com a bruxaria. Há dezenas e dezenas de pinturas e desenhos, que representam bruxas no exercício da sua arte, e de uma forma tão explícita que efectivamente já não teriam cabimento no Quase em Português. Desenhos que se integrariam perfeitamente na pornografia hardcore e até bizarre dos nossos dias. Recordo que no ambiente histórico e mental, em que Hans Baldung Grien viveu e pintou, os seus motivos foram, ao contrário de hoje, em que se vende e consome a pornografia como divertimento, brincadeira nenhuma. Bruxaria era genuinamente temida, e estava na ordem do dia que verdadeiras mulheres foram torturadas - e estranguladas, afogadas ou queimadas publicamente depois de finalmente ter confessado o concubinato com o Diabo. É um equívoco achar que o ambiente sinistro, o céu amerelado, o fumo vermelho e o bode são atributos acrescentados para apicantar a situação - ou como pretexto hipócrito (frequente no século XIX) para poder pintar duas gajas sexy. O que vemos, é o pecado vil, as portas do inferno, e o deleite que tenho enquanto os meus olhos percorrem as costas da mulher, o encanto que sinto quando eles finalmente se encontram com o seu olhar sedutor, devia misturar-se com o sentimento de culpa e com o genuino temor do castigo indizível que me espera. Daí, só uma intêncional e frívola ignorância desta mensagem do quadro permitiu-me postá-lo aqui na rúbrica de playmates. P.S.: É bom lembrar que a moral sexual deste quadro e a moral de João César das Neves, que comentei aqui, bebem da mesma fonte. 16.3.05
Um dueto da semi-opera "King Arthur" de Henry Purcell, um dos melhores songwriters de todos o tempos. Letras de John Dryden. Interpretes: John Eliot Gardiner, Monteverdi Choir, The English Baroque Soloists. Jennifer Smith, Gillian Fisher, Elisabeth Priday, Gill Ross, Ashley Stafford, Paul Elliott, Stephen Varcoe (Aqui ao lado, no topo do side-bar, devia haver o player.) Playmates da semana: Duas bruxas (Baldung Grien) 15.3.05
Uma "música" absolutamente fantástica podem ouvir no Plasticina! E muito recomendável é também o blogue, sobre teatro, música e arte em geral, apresentada na perspectiva de alguém que a faz. Uma amiga, não quero esconder. "Este inquérito foi suspenso devido à constatação de uma fraude na votação. Foram detectadas máquinas que contornavam o sistema de validação concebido para impedir a repetição do voto pela mesma pessoa e que votavam sistematicamente na opção NÃO." (No Público Online) Esta batalha não será a mais difícil. Mas se esta fôr perdida, tudo está perdido. (Cheguei à notícia do Público via Pula Pula Pulga) Vem aí a minha resposta ao Timshel, que se queixa de que nunca ninguém lhe conseguiu refutar a sua demonstração de que um esquerdista tem de ser necessáriamente cristão e um neo-liberal necessáriamente atéu. O esquerdista egoista: Posso ser de esquerda - aceitando aqui a definição do Timshel: lutar contra a desigualdade - sem intenções moralistas, por achar que essa luta é necessária para garantir a paz social. E posso estar interessado na paz social por motivos puramente egoistas: Por recear de acabar como vítima duma guerra de classes. Ou por estar no lado dos desavantajados ou temer de acabar por lá estar, por exemplo. O neo-liberal moralista: Por outro lado, posso ser neo-liberal, isto é promover políticas que defendem a propriedade e o empenho egoista, e que combatem a redistribuição estatal dos bens, por achar que – no cómputo geral – todos ganham com isso. Por achar que a redistribuição dos bens reduz a motivação das pessas de produzí-las e que isso acabaria por prejudicar todos, incluindo os desavantajados. Essa justificação corrente não me parece atacável do ponto de vista moral. O ataque a esta justificação é sempre um processo de intenções: Não se acredita que essa análise será mesmo a genuina razão da defesa desta política! Mas este ataque é obviamente ilegítimo. (Só podia fazé-lo em cada caso concreto.) O que só pode contar no debate, é a avaliação das teorias económicas e políticas. O ateu solidário: Também não vejo de forma alguma demonstrado que quem tem uma postura moral coincidente com a que Cristo defende/representa na Bíblia, tem de ser – em coerência - cristão, ou até ser crente de alguma religião. Do ponto de vista lógico - e não histórico, onde naturalmente não consigo dissociar a orígem dos meus valores da cultura cristã em que cresci - posso chegar a defender exactamente a moral de Cristo, sem jamais ter ouvido falar dele e até sem recurso a um outro ser superior qualquer. Basta descobrir a minha semelhança com os outros homens e descobrir que nada distingue o meu desejo de felicidade do desejo deles. Posso ainda descobrir que me sentiria mais feliz se fosse rodeado de outras pessoas também felizes. E descobrir o prazer em partilhar e ver a felicidade na cara do outro. Posso ainda concluir logicamente que todos viveriam muito melhor, e eu em primeiro lugar, se todos se comportassem de acordo com a minha moral, coincidente com a do Cristo, más de quem, lembro, nunca ouvi falar. Deus para ter moral? Não é preciso! Etiquetas: sel ...é o Portugal que tem de desaparecer. E vai. (É a economia, estúpido!) Um belissimo retrato no Povo de Bahá! 14.3.05
Ainda a título de experiência, música no Quase em Português. Esta canção é de Meredith Monk e chama-se Memory song. Espero que ela, e os que se seguem, me perdoam a violação do copyright... No Viva Espanha:
O Manchete de hoje no jornal Metro expressa a ânsia de todos nós: Que Pedro Santana Lopes volte, retome as rédeas e acabe com a barrifunda! Admito que sempre tive uma certa repulsa de render-me aos encantos eróticos do calçado feminino. É um pudor que ainda não me consegui explicar bem, e ao que relaciono - justificadamente ou não - também a minha pouca paciência para com um certo estilo representado aqui por uma bloguista de reconhecida qualidade; um pudor selectivo aliás, pois não tenho nenhuma atitude semelhante em relação à lingerie, mesmo quando essa roça o piroso. Porém, quando vi ontem esta imagem (da Louis Vuitton) na Pública, percebi que já não sou como dantes... 13.3.05
O trabalho que este homem me já deu de alterar o template! Definitivamente merece um link permanente! Há certezas que o medo não vence, poucas, talvez, mas muito concretas. Há um saber que não precisa de espelhos ou de lupas para se assegurar de si. Não sou só eu que sou capaz de amar, não sou só eu que sou capaz de sofrer, não sou só eu que sou capaz de morrer, não sou eu aquele que é incapaz de matar. Há perigos que o medo alimenta. E nada de mais perigoso há do que o dia em que passamos a sofrer de forma perene e inesgotável. Lembrem-me estas palavras se fraquejar… Não me ocorreu nada de novo e genuino, na ocasião do aniversário do atentado de Madrid. E não quis escrever um post de circunstância. Admito que fui, medido pelos standards do Rui, um dos indiferentes. É verdade que vi o noticiário com lágrimas nos olhos, mas arrumei o caso, com bastante rapidez, junto das outras desgraças inconsoláveis do mundo. Não tenho força para expôr-me a todas, como devia, como irmão humano. Há um perigo - outro perigo do que aquele de que o Rui fala - na sociedade de informação, que é de acabar por não me expôr a nenhuma. 12.3.05
Há certezas que são tão intrínsecas que uma pessoa não repara em que as tem até ao dia em que as vê posto em causa. Para mim uma dessas é a propriedade da minha vida. Quando oiço alguém afirmar que eu não seja proprietário da minha vida, vejo-me logo agredido no que me é mais caro: Dizer que não sou proprietário da minha vida é sugerir que outro alguém o seja, e para isso existe um nome: Escravatura. Pouco me interessa, neste caso, se este outro é o soberano, a sociedade, o pai, marido ou um postulado Deus. Nomeadamente no último caso sempre há quem se sente instituido para exercer a Sua vontade em terra. 11.3.05
Post no Viva Espanha, 10.03.05:
Programa informático avalia se uma canção pode ou não transformar-se num êxito Próximas novidades: programa informático avalia se vale a pena ler um livro programa informático avalia se vale a pena visitar museus programa informático avalia se vale a pena ver um filme At 5:43 PM, Lutz said... Fase seguinte: programa informático escreve os livros programa informático cria as obras de arte programa informático realiza os filmes Fase final: Matrix From: Miguel Silva Sent: quinta-feira, 10 de Março de 2005 18:11 To: bruckelmann@bau.pt Subject: Uma pergunta Estava aqui a tentar publicar uma resposta ao comentário, mas o blogger hoje está impossível. Por mail vai mais depressa. Quase que arrisco dizer que alguém, algures, deve andar a trabalhar nesses softwares. A Matrix já esteve mais longe . Aproveito para fazer duas perguntas (é mais uma pergunta desdobrada em duas): Se as obras de arte forem criadas por computadores, isso deve alterar a forma como as apreciamos? Se um computador, autonomamente, criar uma pintura (ou um livro, ou um filme...), podemos considerá-la ainda uma obra de arte? Um abraço Miguel Lutz: Depende, como é óbvio, de que entendemos como arte. Aquilo que o programa consegue analisar na canção da Norah Jordan, é um conjunto de padrões aos quais o homem/mulher (“ser humano” quero dizer) responde com agrado. No fundo uma forma sofisticada de exploração de reflexos - pavlovianos e outros. Quem como os behavioristas pensa que a mente do homem, o homem mesmo, se resume a isso, deve achar que só é uma questão de tempo até que lá chegamos. Agora eu acredito que a arte é algo mais do que só coçar as costas, do que facultar uma sensação agradável. Penso que arte é uma forma de comunicação de homem para homem sobre - em última instância - o homem. E assim acho que a resposta a tua segunda pergunte é não. (E sendo ela não, a primeira não pode ser colocada nos seus termos rigorosos.) Mas tenho uma ressalva: A resposta negativa deixa de fazer sentido quando chegamos – se chegamos – à verdadeira inteligência artificial, como definida no famoso Teste de Turing. Provavelmente já o conheces, mas aproveito o facto de que nós os dois estamos neste momento a cumprir os requisitos da situação laboratiorial do teste, para devolver-te nela a pergunta: Nunca nos encontrámos no mundo físico, nem tens prova da minha existência a partir de terceiros. Tens a certeza, Miguel, que eu sou um humano e não só um programa de computador sofisticado? Se não tivesses a certeza, porque p.ex. estarmos no ano 2050 e a inteligência artificial ser vulgar, - em que medida essa dúvida mudaria a tua recepção do que escrevo no Quase em Português? Pressupondo, pelo bem do argumento, que alguns dos meus posts fossem arte, mereciam eles agora uma recepção diferente? Um abraço, Lutz Miguel: Este mail é mais desafiante para uma resposta do que as capacidade que eu detenho a esta hora da noite. Vou dormir sobre o assunto (um velho e sábio conselho do meu avô) e retomar a coisa amanhã. Gosto especialmente da perspectiva comunicacional da arte. Sobretudo porque tem muitas vertentes que podem ser analisadas (a arte como forma de expressão do autor; o seu carácter simbólico; a percepção do observador, etc.) Acho que a intervenção do ser humano é essencial para definir algo como arte. Mais claramente, tem que existir um sentido atribuído, o que não é passível de ser feito por uma máquina. Ou seja, se alguém programar uma máquina para desenhar determinados padrões numa tela, com o intuito de elaborar uma obra de arte, dificilmente lhe podemos negar esse estatuto. O mais que se pode dizer é que saiu uma bela porcaria... O resto deixo para amanhã, mas ainda deixo o que me ocorreu quando fui ver o primeiro filme Matrix ao cinema: e se é esta a nossa realidade e o filme não passa de uma ironia desenvolvida pela Máquina para gozar connosco? Mas também aqui há muito para dizer. Um abraço Miguel (continua...) Quem faz coisas dessas, porque sim, porque quer, porque pode, tem logo a minha simpatia. Não surpreende, infelizmente, que exactamente coisas dessas são de todo incompreensíveis para mentes paranóicas. 10.3.05
9.3.05
Playmate da semana: Reclining nude (Hopper) Agora sei que desde que falo e escrevo em português, sou melhor pessoa. 8.3.05
Eu estava tão cansado. O avião devia ter partido de Nova Delhi a uma da noite, mas por uma razão técnica, cuja natureza não nos foi dada a conhecer, o Boeing 747 só levantou voo às 4.30, hora local. Todo o tempo esperavamos no interior da avião. Depois dum longo voo, que passei duranto o maior tempo em pé, no corredor, a espreitar pela única janela vaga, a da porta, e a ver passar em oito horas as paisagens nocturnas que dez meses antes tinha percorrido em autocarros, em camiões, de comboio, no sentido inverso, aterravamos em Frankfurt, numa manhã soalheira mas fria de Fevereiro. Embora que já me tinha custado não adormecer no Shuttle Train, que ligava o aeroporto ao Frankfurt Hbf, ainda arranjei energia para procurar um compartimento vago, perto da locomotiva, para ser incomodado o menos possível. Arrumei a mochila e vi o ponteiro do relógio da estação saltar, abruptamente, para os dez e cinco, e no mesmo momento senti o comboio pôr-se em movimento. Estava de volta, na Alemanha. Ela entrou na estação seguinte, em Wiesbaden. Perguntou educadamente se me incomodava, o que neguei, e instalou-se no banco oposto. Uma rapariga talvez um ou dois anos mais nova do que eu. Acerca dos dezoito. Olhou-me, com um ar curioso, aberto. - Vens do aeroporto? - Sim. Ela era deslumbrante, mas eu não tinha força para fazer conversação. Lá fora passava a paisagem do vale do Reno. Também lindissima, e também só era capaz de registá-la superficialmente, sem maior envolvimento. - De onde é que vieste? - Nova Delhi. - Realmente? Voltou a olhar-me, agora com um misto de curiosidade e admiração, mas também com a autoconfiança natural de quem não precisa de ouvir que é bonita, que não faz disso assunto, nem implícito. Simplesmente é. Ela abriu o saco e tirou uma maçã apetitosa. Estendeu a: - Queres? - Não obrigado. Comeu-a ela. Poucas pessoas conseguem comer uma maçã com graça. Ela conseguiu. Sabia que estava a desperdiçar uma oportunidade, mas estava mesmo cansado. E sentia-me bem, muito bem. Afinal aqui estava a prova. Naquele momento apercebi-me pela primeira vez e com toda a clareza porque tinha feito essa viagem, sozinho, overland to India, dez meses com tanta solidão e tanto medo: Para voltar como outro homem. E voltei. Saber isso chegava-me para já. - Desculpa, queria mas não consigo estar mais comunicador. Estou muito, muito cansado. Penso que vou dormir. Não te importas de acordar-me antes de chegarmos a Colónia? Ela não se esqueceu. Saí em Colónia. Ela seguiu. Sem ter trocado sequer o endereço ou o número de telefone. Nunca mais fui abordado por uma rapariga bonita no comboio. O grande Frank Gehry terá de alterar um dos seus edifícios mais emblemáticos, o Walt Disney Concert Hall em Los Angeles. A sua superfície de aço inox polido aquece - em certas circunstâncias - a envolvente até aos 60º Célsius. O Gehry, um dos arquitectos mais caros do mundo - como os lisboetas já sabem -, e que sem dúvida dispõe duma equipa inter-disciplinar de grande gabarito, não soube prever o problema. Ou não quis. Eu, no seu lugar, sentiria-me muito mal, se tivesse cometido semelhante borrada. Mas isso é - entre outro - uma das razões porque não sou nenhum Frank Gehry. É comum que os grandes arquitectos, e aqui podem esquecer desde já todo o discurso de cidadania eventualmente por eles proferido, se estão a borrifar por todos os problemas que ameaçam impedir a realização da visão central da sua arte. Estando na América, até é provável que o autor do projecto seja responsabilizado financeiramente pelo prejuízo. O que achava bem. Mas a história deve também servir de aviso aos seus clientes, e às entidades licenciadoras. Neste caso, falharam tanto como o arquitecto, e nem têm a arte como desculpa. Um blogue só de citações faz-se - posto de lado a ideia do serviço público - na esperança de que na selecção das citações acabará de exprimir-se, com o tempo, o autor do blogue. Uma esperança fundamentada. O que é que somos, em termos intelectuais, mais do que um ponto de encruzilhada de ideias e imágens que nos marcaram e cujas tensões o tornam - desejamos nós - fértil e único? Aqui o desejo promete ser correspondido. Dois amigos acabaram de lançar blogues com imagens. O José do Guia dos Perplexos respondeu ao desafio do Afonso Cruz e colocou as imagens do livro de Francisco d'Ollanda num blogue próprio: DE AETATIBUS MUNDI IMAGINES. O Marco, do Pove de Bahá, lançou um blogue novo de imagens, cujo desenvolvimento aguardo com muita curiosidade, que se chama Antigamente. 7.3.05
Não sou daqueles que se queixam de que os bons costumes e a boa educação estão em declínio. Lembro só que essa queixa é tão antiga como há registos escritos da humanidade. Daí concluo, que essa queixa tem mais a ver com a idade - mais avançada - de quem se queixa. A falta de educação é um privilégio que a juventude para si reclama, como contrapartida para o seu rigorismo moral, que por sua vez decorre da falta de experiência de vida. Por isso, não tenho nada a apontar aos actuais ocupantes do Largo do Caldas, se tenho em vista os resultados de muitos estudos sociológicos, que nos dizem que a adolescência hoje em dia, em muitos casos, se prolonga para além da marca dos 30 anos. P: Qual é o indício seguro de que um blogue não presta? R: Quando mete testes balofos ou listas de preferências pessoais de bandas. P: Quando um blogue passa a ser definitvamente piroso? R: Quando promove e publica inquêritos com tais listas. Quantas vezes já ví essa trampa! Já lá vão oito dias e ainda não o tirei dos meus links... Fizeram bem em visitar o Quase em Português. Farão bem em voltar. Este blogue contém com frequência comentários de José Flávio Pimentel Teixeira! Ainda não agradeci o destaque que o Avatares de um Desejo deu ao Quase em Português, e as referências que o Girino, o Natureza do Mal e o Alerta Amarelo fizeram aos Playmates do Quase em Português. Em relação ao último, tenho oportunidade de vingar-me com facilidade, recomendando o Erro de Paralaxe, cujas belissimas fotografías me recordaram viagens de outros tempos. "...a modernidade fragmenta a vida humana numa multiplicidade de segmentos. Cada um destes segmentos assume-se como um compartimento estanque, com normas e comportamentos distintos. Aos diferentes papéis sociais de uma mesma pessoa quase parecem corresponder diferentes personalidades. É inquietante apercebermo-nos como as opções profissionais ou de um curso universitário estão tantas vezes dissociadas dos valores que, privadamente, esta ou aquela pessoa diz defender, estão dissociadas de uma opção de fundo, de uma finalidade que informe cada uma das suas escolhas." 6.3.05
Com experiência na retocágem de fotografias históricas. É dada preferência a candidatos com currículo proveniente dos países do antigo Bloco de Leste. Interessados dirigem-se s.f.f. ao Largo das Caldas. 5.3.05
François Avril, encontrado aqui. Eis uma lista de medidas interessantes, que o Pula re-publica! Algumas certamente com efeitos nefastos problemáticos e de difícil implementação, mas seguramente uma saída do "mais do mesmo". E nenhuma delas criava mais estado, o papão com o qual os liberais sempre acenam quando se fala da esquerda. Gostava de ver essas medidas comentadas pelo Blasfémias, por exemplo. 4.3.05
Sempre actual, mas nuns dias ainda mais do que noutros, no Afixe. Adenda: Vejo agora que o BdE recomendou o mesmo post e juntou uma recomendação de facto obrigatória! Trata se do essay de Schopenhauer "A arte de ficar com a razão", cujo último parágrafo apresento aqui (em inglés): The only safe rule, therefore, is that which Aristotle mentions in the last chapter of his Topica: not to dispute with the first person you meet, but only with those of your acquaintance of whom you know that they possess sufficient intelligence and self-respect not to advance absurdities; to appeal to reason and not to authority, and to listen to reason and yield to it; and, finally, to cherish truth, to be willing to accept reason even from an opponent, and to be just enough to bear being proved to be in the wrong, should truth lie with him. From this it follows that scarcely one man in a hundred is worth your disputing with him. You may let the remainder say what they please, for every one is at liberty to be a fool - desipere est jus gentium. Remember what Voltaire says: La paix vaut encore mieux que la verite. Remember also an Arabian proverb which tells us that on the tree of silence there hangs its fruit, which is peace. Thomas Struth: An der Swinemünder Brücke (Berlin) (para aumentar clicar na imagem) Aqui vivi durante onze anos. 3.3.05
Resolvi retirar daqui a nota explicativa porque, obviamente, não merecem explicações algumas. Assim, sem mais a dizer, desapareceu o aditamento que levou tanta porrada de todo o lado. Ó bloguistas, desenganem-se, foi só uma miragem! Bardamerda Nuno Sousa, e se não vem ai uma reacção do blogue a isto, bardamerda Barnabé! Aditamento: Diz o Rui Tavares num comentário ao post em baixo, que agora sou eu quem esteve mal ao ofender com o palavrão. Tem razão. Peço desculpa. Retiro o mas fica no post, para não fingir de não tê-lo escrito. Há blogues que são algo mais do que uma página pessoal, onde se descarrega as suas ideias e inspirações avulsas (como o meu). Há uns que têm uma missão e conteúdo. Pensar-se-á, com razão, na Rua da Judiaria, mas há outros: O Povo de Bahá, que hoje faz um ano. Para além de ser um exemplo de que a humananidade fique tanto melhor quando acompanhada de inteligência, o blogue deu-me a conhecer uma cultura inteira, da qual nada sabia. Parabéns, Marco! «Leur liberté est la nôtre. Ne les oublions pas.» A cara de Florence Aubenas na tortura. A cadeia de televisão que edita o vídeo dos sequestradores. O deputado francês que se move no meio daquela gente. O silêncio. O silêncio. (Reprodução dum post da Natureza do Mal) 2.3.05
Quem é ofendido por este quadro: A Virgem castiga o menino Jesus (Max Ernst) a) Deus b) A virgem Maria c) O menino Jesus d) Os fieis e) O bom gosto f) Ninguém g) Outro E porquê? Playmate da semana: Alegoria da volúpia (Bronzino) 1.3.05
O Nuno Sousa conheci de lado nenhum. Do Rui Tavares já li, desde que existe o Barnabé, mais do que uma coisa interessante, inteligente e sensata. Por isso fico muito desiludido ao descobrir que não tem mais discernimento perante o protesto contra o post de Nuno Sousa do que cerrar fileiras, fechar os olhos e ofender os críticos - dos quais sou um. Chama-nos "taliban". Assim fala quem subordina o juizo próprio à militância de grupo. O Rui Tavares não só desperdiçou, a não distanciar-se, uma importante oportunidade de salvar algum crédito do Barnabé. Que podia ter feito sem deixar de proteger o seu companheiro Nuno Sousa. Preferiu mostrar que não tem espírito autónomo. Registo o com pena. Quem não está de parabéns, é o Barnabé
Uma vergonha, este post. Mas vale a pena reflectir um pouco sobre a indignação que o motivou e também aquela que ele suscitou. O Nuno Sousa indigna-se com a exibição - talvez diria também instrumentalização - do sofrimento e do morrer do Papa. Relativamente à exibição, não vejo nenhuma razão para a sua queixa. Não precisa de assistir ao espectáculo, se não quiser. E relativamente a instrumentalização, ainda menos. Se é verdade que o Papa está a fazer com isso his point, devemos lembrar que está a fazê-lo com toda a legitimidade e em coerência total com aquilo que pregou e representou toda a sua vida. Daí, a última coisa de que pode ser acusado neste caso, é hipocrisia. Curiosa é a repetida invocação da dignidade por Nuno Sousa, para legitimar o seu escandalo com o espectáculo público do sofrimento e da morte. É difícil perceber o que a reclamada ocultação piedosa de factos menos agradáveis da vida aos que ainda têm uns anos para ignorá-los, têm de digno. Aqui é que aplica o termo hipócrito. Mas no outro lado intriga-me, porque é que nós ofendemo-nos tanto com uma piada de mau gosto, não sendo nós os visados e, no que diz respeito a quem é, ficando mais do que óbvio que este está muito para além de poder ser incomodado com ela. Não consigo descartar sem rodeios a ideia de que a essa indignação não é completamente alheio o facto de quem é retratado a gatinhar não é só um velho qualquer, mas o Papa. E aqui permito-me apelar ao bom senso e a capacidade de encaixe de quem se ofende com isso. Essa representação do Papa (gatinhando) deve aceitar-se pelas mesmas razões pelas quais se refuta a crítica à exibição do seu sofrimento. Ela é verosímil, sim, mas não diminui a sua dignidade. Num sentido não muito metafórico, ela é verdade. Exactamente a verdade que o Papa quer transmitir: Ecce Homo! Parabéns ao Blasfémias
O melhor blogue da direita liberal faz anos. Não se ofendam, FNV e PC, o Mar Salgado é muito mais do que só um blogue da direita liberal... schmackel schmackel _________bunz _________bunz schmackel schmackel _________bunz schmackel schmackel _________bunz _________bunz schmackel schmackel _________bunz schmackel _________bunz _________bunz _________bunz schmackel _________bunz _________bunz _________bunz schmackel _________bunz schmackel _________bunz schmackel _________bunz _________bunz schmackel _________bunz _________bunz _________bunz (Ernst Jandl) ___________ Marcha privada schmackel schmackel _________bunz _________bunz schmackel schmackel _________bunz schmackel schmackel _________bunz _________bunz schmackel schmackel _________bunz schmackel _________bunz _________bunz _________bunz schmackel _________bunz _________bunz _________bunz schmackel _________bunz schmackel _________bunz schmackel _________bunz _________bunz schmackel _________bunz _________bunz _________bunz (Tradução: Lutz Brückelmann) |
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