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  • 31.1.07
    Não te preocupes, isto é Portugal

    Porque é que me lembro nos últimos tempos sempre deste post?

    Jovem dama
    (Élisabeth Vigée LeBrun)
    O caso de Lisboa

    Gostei de ler a crónica de Pedro Rolo Duarte hoje no DN. Nela defende eleições antecipadas para a Câmara de Lisboa, mas depois admite que isso não resolve o problema, porque as pessoas ficarão as mesmas, as teias, as dependências, as práticas, as estruturas. E avança num louvável exercício de ingenuidade intencional: apetece-lhe, num "delírio liberal[...], mesmo defender a entrega da autarquia à gestão privada – competente, regulada, fiscalizada[...]".
    A mim também. Claro que este delírio teria, se fosse realizável, lá os seus riscos, quão regulada e fiscalizada a gestão privada sempre fosse, mas caramba, o que é que teríamos de perder?

    Só não concordo com o título da crónica: "O caso de Lisboa". Não vejo mesmo porque destacar o caso de Lisboa das restantes autarquias destes nossos "tristes trópicos".
    30.1.07
    Alemão em Lisboa

    Ontem, ao ver o Prós e Contras, lembrei-me como já não há muito que sou estrangeiro. Nunca perceberei esta fauna que defende o Não, contra todo o juízo, em vez dele baseado num consenso de grupo sociológico. Como se dizia aqui, nele o Não é tão obrigatório e quase tão distintivo como o beijo unifacial. Nota-se isso também na reclamação de fidelidade aos renegados, como o Vasco Rato, a incompreensão pelo que estes se encontram no campo do Sim, protagonizado pela "esquerda cosmopolita", não por serem de esquerda, mas por não serem provincianos.
    29.1.07
    (Jiang Shi)

    Parabéns ao Carlos Manuel Casto e Luis Novaes Tito, pelo terceiro aniversário do seu Tugir!
    27.1.07
    Senso comum e comum sentir

    Não me iludo sobre que o que tenho argumentado aqui nos últimos posts, parece a muitos excêntrico, far out, em bom americano, ou louco, em bom português. Mas as reacções foram até menos violentas do que antecipava, e limitavam-se em regra ao escárnio bem-humorado, ou, como suspeito ser o caso de amigos mais delicados, um silêncio incomodado de discordância fundamental.
    Eu compreendo: O que aqui exploro, as consequências lógicas dum critério que continuo a achar excelente e adequado, podem estar bem deduzidas mas elas simplesmente don’t feel right!
    Comparar um bezerro a um embrião humano? Dar-lhe até mais valor? - Há límites no livre raciocínio. Isto é um: Ainda hoje comi costeletas de vitela, e amanhã então terei de comer bebé por nascer estufado?

    Posso acalmar os meus críticos (e a mim próprio): Virava-se me o estômago. E ficava mal, muito mal, não dormia por sentir-me tão culpado, se o fizesse.
    Sendo assim, devia dar o assunto então por encerrado? Dar por provada a invalidade do meu critério de consciência e sentimentos? Da ética da solidariedade no sofrimento, sem mais distinções de quem sofre?

    Sem vocação para missionário, comodista e preguiçoso, o que é que me inibe descartar o meu critério e deixar-me cair nos braços acolhedores do senso comum, na sintonia com o sentir dos meus co-humanos?
    Isto: Há uma preguiça que desprezo mesmo, aquela que considero a pior forma de estupidez, a preguiça intelectual, mais precisamente, a preguiça emocional: a falta de vontade de pensar o que provoca incómodo. Ela leva ao recurso, em vez a argumentos, ao consenso com a moral dum grupo com que se identifica, que se dane a razão.

    Tentando prevenir outra trésleitura: Não decorre daí a obrigação de fazer o que provoca incómodo. Não sou obrigado a comer embriões. Mas decorre daí procurar melhores razões do que o meu incómodo, antes de pôr alguém na prisão por comer embriões. Não digo que não as haverá, mas elas têm que ser enunciadas e discutidas.

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    25.1.07

    Já dizia que nada de novo se possa escrever ou dizer sobre o referendo. Mas errado: Brilhante, o post da Helena!
    Não concordo com tudo, mas não está por isso menos recomendado.
    Basicamente treslido

    «Existe algo que me deixa perplexo nos defensores do sim ao aborto. O caso talvez mais paradigmático é o
    deste post e deste post do Lutz. Basicamente o raciocínio é o de que todas as formas de vida são equivalentes e que portanto matar um criança ainda por nascer é igual a matar um vitelo.»

    É curioso que uma pessoa de boa fé - e sabes, Timshel, que te tenho por uma pessoa de boa fé mais do que qualquer outra - consegue entender-me tão mal como é o caso. Pensei que fui cristalino, se não nos últimos dois posts que citas, no conjunto do que tenho escrito no QeP este ano sobre o assunto.

    O que tentei demonstrar é que o postulado da superioridade categórica da espécie humana é, sem mais suporte argumentativo, tão válido ou inválido como o postulado da superioridade da raça branca.
    Com outras palavras, se a vida humana vale mais do que a vida animal, isso tem que ser demonstrado. E apelos a sentimentos de pertença e instintos biológicos, como a resposta automática à “cuteness” (“Kindchenschema” segundo Konrad Lorenz) não são argumentos.

    Não decorre da recusa de reconhecer, à priori, o superior valor da vida humana que todas as formas de vida são equivalentes. Isso é da mais elementar lógica.
    Posso considerar e considero haver diferenças no valor de vidas, humanas ou animais, não em função da arrumação categórica - aqui humanos: absolutamnente válidos; ali animais: de valor inferior e relativo - mas dum critério universalmente aplicável. A humanos, animais, robots, extraterrestres, plantas e pedras. Como já disse repetidas vezes: este é a presença de consciência e sentimentos.
    Por isso não posso concordar com a tua hierarquia na defesa da vida: agora o embrião, e depois, porque não, certos animais. Não tenho duas gavetas, uma de cima para os brancos humanos, uma de baixo para os pretos animais.

    O que é mais curioso neste modo de raciocínio é a conclusão. Em vez de avançar na máxima protecção da dignidade da vida (agora o embrião, e depois, porque não, a protecção da vida de certos animais e a proibição de comportamentos que provoquem sofrimentos aos animais) avança no sentido oposto: se a vida é toda igual vamos matar o mais possível.

    Disse lá em cima que estou confiante da tua boa fé, e continuo, mas seria melhor não escreveres muitas vezes coisas como esta última frase. Então eu algures tenho advogado matar o mais possível?

    Acho o meu critério melhor e mais humano, “humano” no sentido da empatia com quem sofre. E sim, acho que matar um bezerro é mais cruel do que matar um embrião. Porque ele sofre mais. Porque faz mais sentido falar dum “ele” que pode sofrer do que no caso do embrião sem sistema nervoso. E sim, já muitas vezes me perguntei se um dia os nossos trisnetos olharão com a mesma incompreensão para o nosso comportamento brutal perante os animais como nós para o esclavagismo dos nossos trisavôs.

    Nota: Não sou vegetariano, nem vegan, e não tenciono tornar-me num nos próximos tempos. Racionalmente decorre do meu critério (protecção de seres com consciência e sentimentos) uma defesa de animais contra o sofrimento, mas não o veganismo. E se um dia me tornaria num, porque, como admito aqui, a coerência, o respeito pela vida levado às últimas consequências me atrai, isso não mudaria a minha posição sobre a penalização do aborto. Pois seria uma decisão pessoal e religiosa. E basear nas minhas convicções religiosas, que não são fundamentáveis racionalmente e não precisam de sê-lo, a exigência a outros de mudar de vida, era o que faltava!

    Infelizmente não falta mesmo quem faz exactamente isso.

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    24.1.07
    23.1.07
    O acessório não é o acessório!

    «Existem imensos desafios intelectuais na questão do aborto e há quem se deleite, legitimimamente, a explorá-los. Sendo a blogosfera particularmente propícia a lutas intelectuais, onde o puro combate pessoal está sempre a um passo - e dado que este geralmente prejudica o lado do Sim - importa não perder o Norte: deixar o acessório; ignorar o que deve ser ignorado; resistir a provocações; não responder a tudo aquilo com que não se concorda; procurar, enfim, ser eficaz, utilizando o tempo e a palavra falada e escrita de forma útil.»

    O Tiago terá razão, e lendo-o, descubro o que já sabia: Não sirvo para a política do dia ("Tagespolitik").
    Mas bizantinices jurídicos e o também legítimo prazer no combate pessoal a parte, não deixa de haver necessidade política de discutir o aborto, e não só a proposta do referendo. Mesmo se não seja então em benefício desta. Não deixa de impressionar-me como, no meio de tanto opinar, o debate público do aborto enquanto comportamento ético é marcado por um grave défice de presença de argumentos da sua defesa; por razões a que posturas tácticas como a do Tiago não são alheias. Talvez este défice salda-se, como o Tiago diz, no activo nas contas do referendo, mas não, acho eu, na disputa ética e civilizacional.
    Ao fugir do debate dos valores cede-se, já-se cedeu terreno a curto prazo irrecuperável ao irracionalismo, à tradição-porque-sim e à dupla moral. De facto, estes já ganharam. Talvez por necessidade, se o último objectivo for a vitória do Sim no referendo, mas sem razão.

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    22.1.07
    Post alterado

    A superioridade categórica da raça branca espécie humana sobre as outras é evidente e não necessita de argumentos.

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    21.1.07
    Não os matarás...





    ...porque eles são tão queridos!

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    20.1.07
    Auf der Welt sein: im Licht sein. Irgendwo
    (wie der Alte neulich in Korinth) Esel treiben, unser Beruf! - aber vor allem: standhalten dem Licht, der Freude (wie unser Kind, als es sang) im Wissen, dass ich erlösche im Licht über Ginster, Asphalt und Meer, standhalten der Zeit, beziehungsweise Ewigkeit im Augenblick. Ewig sein: gewesen sein.

    ____________

    Estar no mundo: estar na luz. Algures (como o velho noutro dia em Coríntia) conduzir burros, a nossa profissão! – mas antes de tudo: aguentar a luz, a alegria (como a nossa filha, quando cantava) sabendo que perecerei na luz sobre giesta, asfalto e mar, aguentar o tempo, ou seja, eternidade no momento. Ser eterno: ter sido.

    (Max Frisch: Homo Faber)
    19.1.07

    Café d'Italia
    (Christian Schad)

    Dá-me gosto ver CAA e Daniel Oliveira e outros ombrear na militância pela mesma causa.

    Quanto a mim, impede-me a minha aversão pela militância em seja que movimento for, e o pormenor de não poder votar no dia 11 de Fevereiro, de candidatar-me à participação neste blogue. Mas identifico-me com a sua causa, claro.
    17.1.07
    Direitos humanos

    Todos andamos com o termo "direitos humanos" na boca. Não digo que não sabemos de que falamos, mas convêm conhecer algo mais do que só o conteúdo da famosa carta. O Marco Oliveira escreveu um excelente post para este fim. Obrigado pelo serviço público!

    Quando, algumas semanas depois do seu arranque, descobri o Linha dos Nodos de David Luz, aconteceu-me que o li todo para trás, numa assentada, agradado pela inteligência e cultura, mas também pelo tom sóbrio e humano, longe do espalhafato mais ou menos dissimulado doutros colegas brilhantes. Acrescenta-se que partilhamos uma admiração infinita por J.S.Bach.

    Depois duma fase de escassa produção, que também se reflectiu num abrandamento da minha assiduidade como leitor, o Linha dos Nodos voltou recentemente em força, de maneira que, na ocasião do seu segunda aniversário, me merece não só as felicitações como a viva recomendação de visita.

    Deux jeunes filles
    (Antoine Wiertz)
    Human interest story

    O pai biológico reclama filha aos pais adoptivos. Procuro não me entregar a emoções fáceis e juízos precipitados e mal informados, quando leio histórias como esta nos jornais. Mas não me coíbo de perguntar, incrédulo:
    Em Portugal, o interesse da criança não prevalece a todos os outros, e a critérios de sangue?

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    16.1.07
    Aviso ao Público

    NA vida breve pode ver-se um novo Luis Jorge. Segundo nos diz: Mais lento, mais tranquilo.
    15.1.07
    Indescritivelmente feminino



    Estava grávida, estava de vómitos,
    Não o queria, não perguntes nem sequer!
    Como comprimidos, e já agora, homem, pá!
    Não me arranjo pequenos putos, pá.

    Porquê hei de cumprir o meu dever de mulher?
    Para quem? Para eles? Para ti? Para mim?
    Não me apetece cumprir o meu dever!
    Não para ti, não para mim,
    Não tenho dever!

    Quando acabou, estava de vómitos
    Finalmente, é hora para mandar vir.
    Como comprimidos, e já agora, homem, pá!
    Não me arranjo pequenos putos, pá.

    Porquê hei de cumprir o meu dever de mulher?
    Para quem? Para eles? Para ti? Para mim?
    Não me apetece cumprir o meu dever!
    Não para ti, não para mim,
    Não tenho dever!

    Marlene tinha outros planos,
    Simone de Beauvoir disse: “Deus previna!”
    E antes do primeiro chorar de bebé
    Hei primeiro de libertar-me a mim.
    E de momento sinto-me
    Indescritivelmente feminino!

    Porquê hei de cumprir o meu dever de mulher?
    Para quem? Para eles? Para ti? Para mim?
    Não me apetece cumprir o meu dever!
    Não para ti, não para mim,
    Não tenho dever!

    Marlene tinha outros planos,
    Simone de Beauvoir disse: “Deus previna!”
    E antes do primeiro chorar de bébé
    Hei primeiro de libertar-me a mim.
    E de momento sinto-me
    Indescritivelmente feminino - FEMININO!

    Nina Hagen, 1978

    (Para a Zazie)
    Mais publicidade doutros tempos...


    "Undies to be sold in"______________ ...que não compra o café certo.

    Estes anúncios dirigiam-se indubitavelmente a mulheres. Acertaram os publicitários no apelo a desejos secretos das consumidoras, ou soltáram as rédeas a sua fantasia machista? Ou as duas coisas?
    Pub TM



    Nada como a revisitação da publicidade de ontem, para aperceber-se da mudança das mentalidades, do clima cultural. Estará esta aqui reconfortantemente livre do vírus do “politicamente correcto”, ou simplesmente imbecil? Com outras palavras: Acertaram os publicitários de então na mentalidade do seu grupo alvo, ou estiveram redondamente enganados?
    Façam como digo, não façam como faço!

    Excepto uma minoria de ingénuos, ninguém luta contra o aborto. Luta-se pela manutenção da sua culpabilidade. É uma batalha de valores. Por isso o que escandaliza não é abortar, mas defender que abortar não é mal nenhum.

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    13.1.07
    Diálogo (continuação): "As perguntas assustadoras"

    A:
    Reconheceu no outro dia, que da sua argumentação, de que o aborto é justificado porque o embrião não é dotado de consciência, resultam perguntas também para si assustadoras.

    B: Sim.

    A: As perguntas eram: “O que vale uma vida dum embrião de dez semanas? O que vale uma vida dum embrião de catorze semanas? O que vale uma vida dum feto com oito meses? O que vale uma vida dum recém-nascido que ainda não desenvolveu um conceito do “eu”? O que vale a vida dum deficiente profundo? O que vale uma vida duma pessoa em coma?”
    Pode então respondê-las?

    B: Posso. Embora mantenho o que disse: Se venho a descobrir que nalguns destes casos subsistem dúvidas, isso não invalida o critério para os casos onde não há nada que origina estas dúvidas.

    A: Você pode não querer aplicá-los em todos os casos, mas outros podem aproveitar-se muito dos seus argumentos. Como disse: Você está a abrir uma porta perigosíssima!

    B: Não suprimo raciocínios, por temer que eventualmente possam servir à outros para fins que não partilho. Acredito profundamente que o livre raciocínio é, em última instância, sempre benéfico e que a sua supressão, por quaisquer motivos, honrosos ou não, leva-nos de volta ao obscurantismo e às trevas. Sou racionalista.

    A: Então vá. Responde lá às perguntas assustadoras.

    B: Antes de mais: “assustador” não equivale necessariamente a “perigoso”! Quando usei o termo, entendi mesmo “assustadoras”, o perigo pode ser percebido sem razão. Mas admito que me incluo, ou incluí, nos assustados.

    A: Ah, entretanto já não se sente assustado? Porquê deixou de está-lo?

    B: Devia antes interrogar-me porque estava assustado ou ainda estou, embora menos. Se tenho um critério racional, que me parece completamente válido e satisfatório no caso do embrião, porquê sinto-me inibido de aplicá-lo a um deficiente profundo, por exemplo? Se este não pensa, nem sente, e nunca pensará nem sentirá? Porque é que sinto que, apesar de tudo, se o matasse, cometia um acto imoral? - Porque é proibido pela lei? Não creio. Pelo menos não em primeiro lugar. Já violei outras leis, sem qualquer inibição. Será antes porque conto com a censura moral da grande maioria dos meus concidadãos, incluído muitos que estimo. Ou seja, a inibição vem da pressão social. Todos estamos mais ou menos sujeitos, nos nossos juízos morais, à pressão social. E não digo que é mau. Pelo contrário: Não acho que a nossa civilização funcionava sem esta força normalizadora do sentir moral.

    A: Com outras palavras, reconhece a necessidade da tradição, como garante da moral.

    B: Sim, como garante, mas não como fonte! Respeito-a por conveniência ou necessidade política. Mas tenho, obviamente, a ambição de fundamentar os meus juízos éticos em algo mais firme e universal do que nos costumes. Uma coisa é saudar a sua força normativa como garante de estabilidade mínima da sociedade, outra seria aceitar os seus juízos morais “de facto” como equivalentes aos que se deduzem de valores fundamentais. Estes valores axiomáticos devem ter uma origem algo mais consciente e nobre. Para um cristão serão os mandamentos, para mim são os direitos humanos. São estes aos que procuro reconduzir todos os meus juízos morais específicos.

    A: E agora vai dizer-me que, baseado nestes, podia matar deficientes e recém-nascidos?

    B: Admito que tenha de precisar um pouco mais. Lembra-se da nossa conversa do outro dia em que expliquei que para mim, de facto, não é a condição de ser formalmente humana, que me leva a respeitar uma vida, mas de este ter as características que distinguem a vida humana em contraste a outras? Ou seja, a consciência e os sentimentos. Isto é uma distinção importante: Se, por exemplo, alguem me apresentasse um animal, um robot ou um extraterrestre que tivesse essas características, sentir-me-ia obrigado de lhe reconhecer os mesmos direitos “humanos”. Por outro lado, um ser humano que não apresenta essas características, não pode contar com o meu respeito para estes direitos.

    A: O recém-nascido então?

    B: É um caso límite. Creio que não se pode dizer que tenha consciência. Mas sente, sem dúvida. Embora que não saiba que sente. No caso do deficiente profundo, que nem sente nem tem consciência, não tenho dúvidas.

    A: Está a falar a sério? O infanticídio um caso límite? O assassínio de deficientes tolerável? - Até hoje, não o tomei por um monstro, mas parece que tenho de rever a minha opinião!

    B: Está a ver: é essa a pressão social de que falei! Está a exercê-la. Pode ficar descansado: rendo-me a sua pressão. De facto, não defendo o infanticídio, nem o assassínio dos deficientes.

    A: Alto aí! Não quer dizer que se abstém destas posições por puro oportunismo? Que se rende a uma pressão que considera, na substância, estúpida e injusta! Decerto percebe que há outras razões, mais profundas, mais válidas para proibir o infanticídio. Não acredito que não as partilha!

    B: Quais, por exemplo?

    A: Será mesmo necessário elencá-las?

    B: Sim. Faça-me esse favor.

    A: Antes de mais o intocável valor da vida humana, que aliás está fixado na declaração dos direitos humanos que diz ter como referência. Este devia bastar. Mas posso elencar outras.
    A lei natural, que se manifesta no instinto da protecção dos bebés indefesos.
    E o civismo elementar. Então não acha que conduziria à desintegração da sociedade, se se permitisse assassinar bebés? Qual vida humana ainda se respeitaria, se nem se respeitasse o das bebés? Seria a selva.

    B: Vou começar onde concordamos. Os perigos sociais levo a sério. Embora lembro que houve civilizações bastante estáveis, que praticaram o infanticídio, como a romana, dou crédito ao argumento que a liberalização do infanticídio teria um efeito embrutecedor, e reduziria o desejável respeito pela vida humana consciente. É um argumento social válido e como tal, na prática, bastante, mas em termos éticos não é central. Também admito que a sua importância seria possível reduzir através do controlo da forma e das condições em que o infanticídio seria permitido.

    A: Continuo arrepiado, mas estou a ouvir.

    B: O argumento da lei natural não me convence. A lei natural nunca protegeu ninguém, nem adultos, nem bebés, basta serem os do inimigo. Por isso, vamos ao que interessa: o valor intocável da vida humana. Aqui já disse que acho em que este consiste: Na consciência, na capacidade de pensar, sentir, amar, sofrer, esperar... Gostaria de devolver a pergunta: Porque hei de respeitar uma vida que não tem essas características?

    A: Porque ainda é humana. Porque lhe devemos solidariedade e respeito, como também humanos. Porque pode ainda ser amado.

    B: É impressão minha ou evitou deliberadamente acrescentar: porque é uma criação de Deus?

    A: Tem razão. Porque é um ser humano a quem Deus deu vida. Que Lhe pertence. E só Ele pode tirá-lo.

    B: Agradeço a sua delicadeza e coerênca de procurar manter Deus fora deste debate, de acordo como originalmente combinámos. Fui agora eu a introduzi-lo porque me parece central na distinção das premissas das nossas posições. A distinção é a pertença. Você como cristão acredita que o ser humano pertenece a Deus, eu acredito que pertence a si próprio.
    Daí, se não existe sujeito, e acho que não se pode falar de sujeito onde não há consciência – sei que no plano jurídico não é bem assim, por razões que não são relevantes no nosso debate – se não há então sujeito a quem a vida pertence e ninguém mais é prejudicado pela sua eliminação, não há obstáculo para elminá-lo.

    A: Com esta postura podia candidatar-se a um emprego no projecto de “eutanasia” nazi, que levou a cabo o extermínio da “vida inválida”, exactamente dos deficientes de que está a falar!

    B: Não de todo! O seu “exactamente” é errado e injusto. A semelhança como a “eutanasia” nazi existe, mas é muito inexacta. E nesta diferença, entre o que os nazis fizeram e aquilo contra eu não tenho argumentos baseados nas minhas premissas morais, está tudo!
    Volto a realçar: Condição é que ninguém será prejudicado! Porque é obvio que grande parte da repulsa espontânea, que a ideia de matar humanos sem consciência, como fetos, deficientes profundos, para não falar de recém-nascidos, suscita é consequência da associação imediata com horrores que a “eutanasia” nazi cometeu. Mas os nazis violaram esta condição, de que ningém pode ser prejudicado. Arrancar crianças amadas das suas famílias e matá-las contra a vontade destas, assassinar deficientes mentais ou doentes psícicos, que eram pessoas bem conscientes, etc. foi terrível e será sempre terrível.

    A: Como é que vai assegurar, no seu plano de matança “indolor” e “sem prejuízo para ninguém”, que este não desliza para o cenário de horrores que reconhece como tal?

    B: Através da sua proibição. Acho muito importante que mantenhamo-nos bem longe de casos que possam suscitar a menor dúvida, dos onde existe algum vestígio de consciência ou algém poderia sofrer, como os seus familiares, por exemplo.
    Lembro que não vim aqui propor o infanticídio ou matar deficientes. Apresentei um critério para avaliar a licitude do aborto de embriões, e você desafiou-me de confrontar-me com as consequências da sua aplicação universal. Foi isso que fiz e penso ter demonstrado de que as reservas contra a sua aplicação universal, digamos, simplificando: aos nascidos, são em parte fruto de sentimentos irracionais, que originam de falsas generalizações, e em parte de razões válidas de cautela, quer com vista de prevenir erros e abusos que em cada caso individual seriam terríveis, quer para proteger a sociedade dum embrutecimento, que contraria o que também eu desejo, uma “cultura da vida”.

    (Dedicado ao Timshel)

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    12.1.07

    Concert for anarchy
    (Rebecca Horn)

    O Adufe, há muito uma instituição, tem agora uma morada a condizer.
    Boa sorte, Rui, e que fiques avisado: continuarei a tratar-te por tu!
    11.1.07

    Quantos anos deve travar-se uma guerra que sabemos impossível ganhar?
    A apologia do poder sobre as mentes

    O artigo do agnóstico Pacheco Pereira no Público de hoje (sem link, mas seguramente em breve no Abrupto) é mais do que um elogio ao Papa Ratzinger, é uma apologia empenhada da Igreja Católica centralista e autoritária.
    JPP não partilha as convicções religiosas de Bento XVI, não concorda com todas as ideias políticas e sociais concretas do Papa, mas para ele isto não é o essencial. Essencial é que a Igreja Católica é poderosa, e concentra nas mãos duma elite, em última instância, nas mãos duma só pessoa, o controlo ou pelo menos influencia sobre as mentes de tantas pessoas.
    Conteúdo? – Circunstancial. Essencial é o poder!

    É de elogiar a clara e aberta explicação porque pessoas não crentes frequentemente são aliados e defensores da Igreja Católica. Une-as a desconfiança do raciocínio sem rédeas, a inimizade ao pensamento independente.
    Mas JPP falha em clareza, para não dizer em mais, no elogio do centralismo católico. A este, alegado garante contra a “decadência do Ocidente” e da evolução social “sólida” e “prudente”, opõe... os evangélicos? – Não, o Islão. A manifesta incapacidade deste de evolução, de interpretação contemporizadora das suas escrituras atribui ao facto de este não ter um magisterium unificadora comparável à Igreja Católica. Que os xiitas o têm, diz, mas não retira disto nenhuma conclusão inconveniente. Também não da existência de civilizações que, sem magisterium da ICAR, como dos EUA ou da norte da Europa, lhe merecem algum valor. Aqui, curiosamente, também as múltiplas igrejas particulares são contribuintes para o debate “moral” na nossa sociedade, factores da estabilização.

    José Pacheco Pereira, que declara a sua preferência da Igreja do Papa Bento XVI às igrejas das bases, como a de Küng, ou da Teologia da Libertação, faz questão de afastar dela o adjectivo de “reaccionário”. Mas dificilmente se encontra para o que lhe agrada na Igreja Católica, termo mais adequado. “Reacção” chama-se o movimento do poder contra a liberdade do pensamento, contra o lema iluminísta “sapere aude!”.
    E é disso de que fala.

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    10.1.07

    Diana e Actaeon
    (Pierre Klossowski)
    9.1.07
    A ler

    Os posts da Susana sobre o aborto.
    8.1.07
    Carnal art



    Como cliente da TV Cabo já me tinha deparado com o programa Extreme Makeover, que, ao que me disseram, agora também chegou a Portugal, numa versão local, com candidatas e candidatos(?) portugueses.
    Para quem não o conhece: É uma reality show em formato de reportagem e acompanha uma pessoa na transformação profunda do seu aspecto exterior. Nesta intervenção não só participam a esteticista e o cabeleireiro, mas também o estilista, e com destaque, o cirurgião plástico. Nós os telespectadores testemunhamos o processo, assistimos às conversas preliminares para definir as diversas intervenções, desde as correcções dentais, peelings, implantes, lipo-aspirações etc., segundo um plano que pretende concentrar o maior número de operações, que a candidata fisicamente aguenta, num espaço de tempo que por razões de dramaturgia é apertado. Pois o programa funciona assim: A candidata é retirada por algumas semanas do contexto da sua vida para regressar em apoteose. Marido, filhos, pais, amigos e colegas de trabalho são juntos num local para assistir à reaparição glamorosa da cinderela transformada. E não faltam caras incredulas, gritos de alegria e lágrimas de felicidade.
    O Programa termina com uma recolha de declarações finais dos envolvidos. E se não antes, aqui percebe-se que os candidatos sentem ter passado por uma experiência existencial da sua vida, com impacto comparável ao casamento ou ao nascimento dum filho. De facto, nunca posso deixar de reparar como a alocam, quase sem excepção, no plano do sublime, do espiritual.

    Visto por um não envolvido, os resultados são evidentes mas longe de milagrosos. Não são casos de cirurgia plástica reconstrutiva, de que se compreende um imperativo clínico. Não se transforma aqui monstros em beldades. Pelo contrário: como o programa se dirige ao mainstream, ou seja a pessoas como tu e eu, tem de ser e é de facto sobre pessoas como tu e eu.

    Admito que me faz impressão a enorme importância que todos os intervenientes no programa dão ao aspecto físico. Arrepio-me com as imagens das operações. E fico impressionado pela evidente disposição das candidatas para aguentar tamanha carga de dor física. Esta convida tomar como bitola para o sofrimento não físico, que as terá levado a submeter-se a este processo.
    Mas dá para entender também isto: A dor é um complemento necessário para possibilitar o efeito de catarse, que então valida e enobrece estas transformações.

    Quando, há uns anos, vi pela primeira vez fotografias do trabalho artístico da Orlan, achei-a, dispensando de tanga intelectual, uma doida varrida. Hoje, penso melhor. Não explora ela de forma lúcida e necessária as novas relações que estabelecemos com o nosso corpo?

    Adenda:
    Não devia esquecer o valor fundamental da sua arte, que consiste na autonomização estética. Se ela sofre, ela sofre como mulher livre, não é vitima, como as outras, da pressão de adaptar-se a critérios de aparência física que lhes são impostos por outros!







    5.1.07
    Morimur

    Johann Sebastian Bach escreveu as Sonatas e Partitas para Violino Solo em 1720, com 35 anos, depois de encontrar a sua mulher Maria Barbara, ao regressar duma viagem em serviço do seu Príncipe Leopold, morta e enterrada. Muitos vêem nessas músicas uma forma de luto pela sua mulher. Segundo a teoria da musicóloga Helga Thoene, encontram-se escondidos por baixo das linhas filigranas do violino fragmentos de corais de luto, como "Befiehl du meine Wege".

    Christoph Poppen e o Hilliard Ensemble fizeram, à partir desta ideia, um disco arrepiante, de que apresento a Partita Re-menor.
    Economia de sofrimento (rel.)

    Este é um post de 2004, que por razões de actualidade aqui republico, ligeiramente modificado.


    Oiço, de vez em quando, argumentos racionais e pragmáticos no debate sobre a pena de morte: se existe ou não um poder dissuasor da pena, os riscos de erro de justiça etc. Mas não me livro da impressão que esses são sempre argumentos secundários, apresentados para reforçar e justificar convicções mais profundas, de orígem metafísica. E como na questão do aborto, não me lembro ter visto uma vez alguém mudar de opinião em virtude dum argumento. Antes ainda na sequência de uma experiência, ou dum exemplo, como agora o caso Dutroux.
    Parece-me que há, subjacente às posições em favor e contra a pena de morte, duas formas distintas de cálculo. Num lado uma economia da culpa, segundo a qual raciocinam os defensores da pena capital, e noutro o que quero chamar uma economia do sofrimento.
    Os crentes na economia da culpa acreditam que uma pessoa deve e pode pagar pelo mal que faz. E não no sentido de reparar os danos. A pena de morte não repara danos. (A única coisa que o condenado pode dar às suas vítimas, isto é, aos eventuais familiares e amigos das suas vítimas, com a sua morte, é a satisfação da vingança. Pouca coisa para uma vida.) Uns acreditam que o delinquente deve pagar porque assim se redime. Outros, nem isso. Basta-lhes a ideia do acerto das contas.
    Esta ideia pressupõe que existe uma via de - se não equilibrar as contas (como pode um Saddam Hussein ou um simples serial-killer pagar adequadamente?), pelo menos fazé-lo parcialmente. Mas o resto que continua, mesmo calculando assim, tantas vezes ainda enorme, também eles têm que deixar para a justiça dum outro mundo...

    Quanto a mim, não consigo ver as coisas assim. Não acredito que algo fique melhor através da inflicção de mais um sofrimento. Assim não se reduz o mal, não se subtrai nada, soma-se. O que acho estúpido e uma traição à nossa humanidade. Porque perante o sofrimento e a morte somos todos irmãos, até eu e Saddam. Une-nós a nossa condição vulnerável, efémera, e irrepitível.

    Sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes. Mesmo ao pior.
    3.1.07

    (Renoir)
    2.1.07
    Crime e castigo

    Por absurdo a frase soa nos ouvidos de nós europeus, crentes nos direitos humanos por um lado, e nos nossos olhos e nosso juizo por outro, não acho acertado chamar hipocrisia que o Presidente George Bush chama o enforcamento de Saddam uma etapa importante («milestone») no caminho para a democracia iraquiana. Estou seguro que devo temer que, a semelhança de outros casos, também aqui ele é sincero e a frase nos esclarece sobre a ideia que o presidente e, não nos iludamos, muitos dos seu compatriotas têm da democracia. Contudo hipocrisia, e hipocrisia que se quer entendida como tal, é a afirmação do governo americano que o julgamento e a execução de Saddam foram um processo exclusivamente iraquiano, ao qual os americanos se limitaram prestar generosos serviços de segurança e de logística. É sabido que estes serviços foram porventura bastante deficientes, como os sobressaltos do processo e as mortes violentos de vários intervenientes testemunharam, mas nunca houve, nem por um momento, dúvida sobre o desfecho previsto.
    No que respeita aos iraquianos, quem podia admirar-se? Confesso que eu, declarado opositor da pena capital em todos os casos, logo também neste, vejo bem como perverso deve parecer a um membro deste país, desta cultura, que ali viveu e sofreu, e ainda vive e sofre, a ideia que uma nova época com novos valores, que incluem o incondicional respeito pela vida humana, devia começar com o exemplo da indulgência logo para este homem.
    Assim percebo o porquê do enforcamento pelo lado iraquiano. Nem se colocam, no caso, dúvidas da ordem da razão de estado. Para esta, a vida ou a morte do ditador já não faz diferença nenhuma. Nem acredito que o seu enforcamento reforçará a guerra civil, que não necessita de incentivos, nem acho que poupá-lo teria constituído o perigo dum eventual regresso, a semelhança de outros casos de ditadores depostos.
    Saddam foi enforcado por crimes que merecem, no código penal e moral da cultura a que pertenceu, este castigo, e morreu satisfazendo o sentimento de justiça da grande maioria dos seus compatriotas iraquianos. Mas não só o deles. Este não foi só um enforcamento iraquiano, mas também um americano.
    Percebe-se que todas as afirmações do presidente americano e dos responsáveis da sua administração, que a execução foi da exclusiva responsabilidade iraquiana, são feitas com um piscar de olho, que o mais distraído compatriota vê e entende. O presidente diz isso, mas percebe-se que não fala a sério. Estas coisas, na política, as vezes dizem-se, porque tem de ser. Mas os americanos sabem que o seu presidente sabe que eles sabem que o chão cedeu debaixo dos pés do ditador iraquiano para pagar pelo 9/11. E acham-no bem.
    Que ele caiu no lugar dum outro, a quem não conseguiram deitar mão ainda, é um pormenor que no plano mítico, a que este crime e o seu castigo pertencem, não tem importância nenhuma.
    UM BOM ANO 2007

    a todos, e especialmente àqueles que, ao contrário de mim, mo desejavam atempadamente. Estou de volta da minha estadia anual na pátria, que desta vez gostei tanto que não me apetecia perder tempo com a internet. Agora haverá outras razões, que me impedirão perder muito tempo com o blogue. Assim, aproveito desde já para felicitar o da litertatura pelo aniversário e para dizer ao Luís que aguardo com interesse, mas também apreensão a aua anunciada metamorfose bloguistica. Gostava de continuar a lê-lo, mas salvo raras excepções, não leio posts longos.

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