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  • 31.1.05

    De Aetatibus Mundi Imagines
    de Francisco de Holanda. No Guia dos Perplexos.
    O José perdoar-me-á que "roubei"-lhe a imagem, se digo que esta só é a primeira duma série que promete postar deste livro. Ou seja, também por isso, deve-se lá ir nos próximos tempos. E é ocasião para aproveitar, para quem ainda não o fez, de ler esta história.
    Confusão dos objectivos

    Realmente surpreende como a vontade de ter razão tolda o juizo! Escreve a Mão Própria no Mar Salgado, onde normalmente reina o bom senso:
    «Os sunitas árabes parecem ter participado muito menos nas eleições iraquianas do que outros grupos. Muitos, que "previram" que nunca se chegaria a este momento, e provavelmente só reconheceriam eleições "livres e justas" no Iraque quando vissem Saddam Hussein e os ex-dirigentes do seu partido a acudir voluntariamente às urnas, vêem logo aqui uma diminuição no êxito das eleições...»

    Então o êxito das eleições não se constituirá na introdução duma forma de exprimir e defender interesses pacificamente - e de escolher um governo respeitado por todos?
    E não será, nesta lógica, o eventual facto de a maioria dos sunitas não foi a votos porque não quis isso, em vez de ser impedido, uma maior diminuição do éxito das eleições?
    Como é que se descongela um girino?


    O Triunfo da Democracia

    «Por muitos problemas e inconsistências que se possam apontar ao processo eleitoral iraquiano, por muito que as votações no triângulo sunita tenham sido baixas (mas não tão baixas como se previa), uma coisa é certa: contra todas as ameaças, contra todos os riscos, houve milhões de eleitores que foram às urnas para decidir o futuro de um país mergulhado no caos. E isso é extraordinário.
    Mais: é um exemplo de coragem e grandeza por parte de um dos povos mais martirizados do mundo. Um exemplo de civismo que envergonha todos os abstencionistas das democracias ocidentais, que a maior parte das vezes não saem de casa por indiferença ou comodismo (como quase de certeza constataremos, mais uma vez, no próximo dia 20 de Fevereiro).»

    (José Mário Silva no BdE)

    Subscrevo.
    Contra todas as probabilidades - mas é contra as probabilidades, que é preciso ter esperança - espero que essa eleição seja o primeiro passo em direcção a um país democrático, que respeita as suas minorias, a lei e os direitos humanos.
    Ainda um post acerca de Auschwitz

    Por causa do artigo de Luis Salgado de Matos no Público de hoje. Este começa assim:
    É consolador ouvir o chanceler alemão afirmar a 25 de Janeiro que a Alemanha "tem uma responsabilidade particular" na Shoa; embora não seja bem clara a origem dessa responsabilidade, pois julga que "a esmagadora maioria dos alemães que hoje vivem não tem culpa no Holocausto".
    Embora que me custe, depreendo disto que o Luis Salgado de Matos não consegue conceber responsabilidade sem recurso a culpa. E também, como considera bem a assunção da responsabilidade dos alemães, que me considera a mim, alemão nascido em 1960, culpado.
    Devido a minha idade, essa minha culpa não pode - evidentemente - decorrer dos meus actos ou omissões, e por isso, tem de decorrer de outra coisa qualquer. O que só pode ser a minha condição de alemão. A minha culpa é hereditária. Uma questão de sangue. Bem vindo ao racismo.

    Há uma outra frase muito perturbadora neste artigo:
    "Mais de metade dos alemães estão fartos de ouvir as "lamúrias" sobre o genocídio."
    Se isso for verdade, seria mesmo muito preocupante. Gostava de conhecer o inquérito, em que os alemães fizeram essa afirmação. E nestes termos.
    De qualquer maneira, exigir a um alemão nascido depois de 1945, que assume uma culpa pelo holocausto, contribuirá de certeza para que a referida postura se generalize.
    Não há esperança de que aprendermos com este passado, se não conseguirmos distinguir entre responsabilidade e culpa. O que qualquer adulto, que uma vez na sua vida profissional assumiu responsabilidades colectivas, devia ter aprendido. O que qualquer adulto devia ter aprendido.

    Maurice Vlaminck: Chateau
    30.1.05
    Enfeitos

    Alemanha tem cidades belas, algumas mesmo muito belas, mas até as mais belas têm defeitos. Um defeito de que quase todas enfermam, provém do facto de que os seus habitantes gostam muito de cães. Não só gostam deles, o que não teria mal nenhum, mas insistem em tê-los, mesmo se isto lhes traz alguns inconvenientes, a eles e aos concidadãos que não partilham essa paixão, mas o passeio com eles e os seus quadrúpedes.

    Berlim, que não é uma das cidades mais belas da Alemanha, é porém seguramente uma das mais castigadas pelo problema referido. Sem alternativa, os seus habitantes adaptaram-se como podiam, com o efeito de que por isso hoje é muito fácil distiguir na rua entre eles e um forasteiro. Enquanto o turista deixa a sua vista passear sobre os encantos, que a cidade lhe oferece, o berlinense, avisado, mantem os seus olhos estoicamente presos ao chão a sua frente.

    O mais impressionante fica o chão no inverno, nomeadamente no primeiro dia de neve. Acordo de manhã e reparo logo que é um dia diferente, pela luz suave e uniforme que se faz notar mesmo atrás das cortinas ainda não abertas, e antes de mais pela invulgar e total ausência de som. Nenhum barulho dos automóveis, que ora ficaram imobilizados no seu lugar ou se movem, em passo de caracol, em cima da neve, que abafa tudo... Toda a rua outrora suja está agora coberta pelo manto de neve, vírginal, limpo e macio. Nesta encantadora calma matinal há poucos passantes, mas naturalmente há alguns, que têm tarefas inadiáveis, como os donos dos cães, que também num dia destes têm de passeá-los. E assim deparo-me ao pé da próxima árvore com uma mancha amarela no manto branco, dividida por um risco preto, onde o jacto quente conseguiu atravessar a camada da neve até ao chão, e um pouco mais além, vejo um montinho cor de chocolate, envolto, numa geometria suave mas regular como nas fotografias astronómicas, por um halo cor de caramelo.
    Já sei que até ao fim do dia, todos os passeios da cidade reluzirão de astros semelhantes, formando a galáxia de dezasseis toneladas diárias de dejectos caninos.

    Uma vez, mas isso não foi no inverno, mas num belo dia de primavera, um grupo de engraçadinhos fez uma acção de sensibilização para o problema.
    Neste dia soalheiro de Maio, a cidade encontrou as ruas enfeitadas: Em cada um dos montinhos estava espetado um chapéuzinho de sol, feito de palito e papel, daqueles que costumam enfeitar os gelados na gelataria.
    ________________

    Não me teria lembrado desta história se não tivesse lido o post da ACID, sobre uma acção em Lisboa com cartazes políticos. Realço que o que me despertou foi unicamente o modus operandi idêntico. De forma alguma pretendi levar a analogia mais longe!
    29.1.05
    A ler também: Este apelo da ACID!
    A amnesia confortável da quadrilha alemã

    O João Pereira Coutinho escreve hoje no Expresso sobre as intençôes de proibir simbologia Nazi na UE, dos quais discorda - com todo o direito. Depois escreve: "A preocupação, aliás, não é exclusiva de Frattini [o comissário da UE autor da proposta], muito menos da quadrilha alemã que acredita na força da lei para apagar a evidência da história (que confortável)."

    Acabei de aprender que a proibição de simbologia nazi, que foi imposta em 1945 pelos aliados vitoriosos da guerra e depois mantida pelos posteriores governos alemães, serve a eles (nós os alemães) para apagar a evidência da história.
    Devo mesmo acreditar que o João Pereira Coutinho não sabe, que essa proibição não inclui a referência e o uso da simbologia por fins jornalísticos, científicos e artísticos? Que visa exclusivamente impedir propaganda Nazi, que se realizem manifestações públicas como marchas de veteranos da SS em farda e com bandeira nas ruas alemãs? Mas ao que leio mais em frente no artigo, são exactamente essas marchas de que tem falta. Em prol da memória, da honestidade histórica, claro!

    Não vou vestir a farda, mesmo se por isso me acusa de branquear a memória.
    Que ele a veste!
    A ler:

    O Manuel Deniz Silva sobre o instrumento terrível que é a música. Aqui e aqui.
    (Lembro de ter-me pegado com ele nos comentários dum post seu sobre Carl Orff. Percebo o hoje um pouco melhor, apesar de que isso não me leva a reprimir o meu gosto pela música de Orff.)
    28.1.05
    Prioridades

    O João Pinto e Castro chamou a atenção ao facto de que o Bernardo Pires de Lima entendeu por bem aproveitar a comemoração da libertação de Auschwitz para focar os crimes do Estalinismo.

    Para além do erro de negar a diferença categórica entre o Holocausto e os crimes contra a humanidade do Estalinismo - só o primeiro tinha como fim último o extermínio dum povo inteiro e concretizou o com a mais moderna logística indústrial da época - espanta-me a lógica que se revela nesta atitude.

    Aparentemente o Bernardo Pires de Lima julga dever arrumar estes crimes nos campos políticos da esquerda e da direita. E sendo da direita, acha prioritário procurar, no aniversário em que se recorda os crimes que entende ser do seu campo político, chamar a atenção aos crimes que entende ser do outro. Para qual não vislumbro outro motivo do que o de limitar supostos danos políticos.
    Que assim desvaloriza ambos os crimes, é um efeito secundário, que presumo que não viu, para não ter de supor que o achava aceitável.

    Da minha parte, pensei que o dia em que se comemora a libertação de Auschwitz só permitia traçar uma fronteira: a entre a humanidade e a bestialidade.
    Parabéns ao Tugir em português

    de Luis Novaes Tito, outro bloguista de cujo apreço me orgulho muito, e de Carlos Manuel Castro, pelo aniversário do blogue!

    O Paulo Gorjão foi, ao par do João Morgado Fernandes, o primeiro bloguista que teve uma palavra de apreço para o Quase em Português, mal tinha este feito os seus primeiros passos. Daí guardei um afecto especial para ele e o Bloguítica, que se manteve, mesmo quando deixei de poder acompanhá-lo adequadamente como leitor - por falta de vocação para a matéria - no seu ritmo alucinante, e ele, já antes muito activo, se desenvolveu para aquela instituição na análise da política actual, cujo desaparecimento hoje justamente lamentamos. Mas como disse aqui alguém: Havemos de ler o Paulo Gorjão noutro lugar qualquer.

    Boa sorte, Paulo, e que jamais se tenha de preocupar com questões de dinheiro!

    Adenda (31.01.05):
    Devia ter dado ouvidos aos que não acreditaram na desitência do Paulo Gorjão.

    Anselm Kiefer: Dein goldenes Haar Margarethe
    27.1.05
    Alemanha depois de Auschwitz

    Nasci na Alemanha, em 1960. Vivi numa vila pacata perto da fronteira holandesa, onde frequentei a escola primária, liceu, fiz o serviço cívico substituto do serviço militar para objectores de consciência; mais tarde mudei-me para Berlim, onde estudei e trabalhei, até 1993, quando emigrei para Portugal.

    Tenho boas memórias do meu país. Um país feliz, um país rico. E quando mais recuo na minha memória, aos anos setenta, sessenta, mais me aparece um pais pacífico, solidário e decente. Nada de que me lembro, evocou os horrores do regime nazi, da guerra, do holocausto.

    Nos anos cinquenta e sessenta, os tempos do regime nazi, a própria guerra mundial, e antes de mais Auschwitz foram assuntos tabu, apesar de todas as cerimónias de lembrança e dos mea-culpa oficiosos, e apesar da assunção pública da herança do estado nazi, isto é, da responsabilidade pelas consequências do holocausto, por todos os governos alemães (federais) desde 1948. Demasiadas pessoas que viveram os tempos da guerra e do holocausto em idade adulta, preferiam reprimir e esquecê-los, por um sentimento mais ou menos concreto, e caso à caso mais ou menos individualmente justificado, de culpa.

    Isto mudou no fim dos anos sessenta, antes de mais graças a geração de ’68. Na Alemanha, essa geração tinha, para além do idealismo e da ideologia marxista, um missão moral muito própria, uma pergunta: Pai, onde é que tu estiveste, o que é que tu fizeste para impedir o holocausto?
    Em 1969 o SPD de Willy Brandt chegou ao poder e iniciou a sua Entspannungspolitik, que passou pela aceitação também formal dos resultados da segunda guerra múndial.
    Quando no 7 de Dezembro 1970 Willy Brandt se ajoelhou no gueto de Warsóvia, isto causou ainda uma enorme polémica na Alemanha, mas o resultado mostrou claramente que a maioria dos alemães se revia neste gesto. A geração dos assassinos e dos que tinham desviado o olhar já estava em minoria.

    Nos anos setenta, quando andei no liceu, o nacional-socialismo, incluido o holocausto, eram matéria das aulas de história, para além das da moral. (E a Fuga da Morte de Celan conheço das aulas de alemão.) Não há nenhum mérito nisto, mas considero uma grande benção de ter crescido num país que foi obrigado à ensinar aos seus filhos a verdade sobre os crimes mais indizíveis que os seus antepassados próximos cometeram.

    Em 1979 passou a série televisiva americana Holocaust com grande impacto na TV alemã, num tempo em que ainda só havia três canais de TV público. O holocausto finalmente tinha chegado a ser discutido publicamente pelo cidadão comum, na rua e nos cafés.
    Era nesta altura que as últimas pessoas que estavam comprometidas com o nazismo desapareceram da vida profissional e pública. (Havia figuras públicas de relevo que só no fim da carreira ou já na reforma foram confrontadas com o seu passado, às vezes com, outras sem consequências palpáveis.)

    Os anos ’80 viram surgir os Skinheads, um fenómeno geracional não específicamente alemão de que se alimentam e ao qual se procuram aliar as estruturas da extrema direita tradicional que se vê na continuação do nazismo e que nunca completamente desapareceu. E que operavam e operam ora na clandestinidade, ora dentro da legalidade. É de notar, no entanto, que estes grupos nunca conseguiram uma base de apoio suficiente para ter um partido próximo deles no parlamento nacional – para isso são precisos 5% dos votos – e até hoje só pontual- e temporariamente em alguns parlamentos regionais.

    Depois da queda do muro em 1989 verificou-se uma maior expressão de fascismo e antisemitismo no território da antiga RDA, que me explico em parte pela maior instabilidade social ali existente, pela falta de quarenta anos de cultura democrática e antes de mais, pela falta da confrontação com a responsabilidade decorrente do holocausto: Ao contrário da RFA, a RDA recusara desde sempre estar em qualquer sentido na continuidade da Alemanha fascista: A RDA era o estado dos que resistiram ao fascismo, e que conseguiu julgar e punir atempadamente todos que de alguma forma foram culpados, só com excepção daqueles que antes conseguiram fugir para a RFA. Daí o legado do holocausto não se colocou como problema para os cidadãos da RDA.

    Já não sei como as coisas estão a desenvolver-se hoje, mas para a grande maioria dos alemães, o holocausto continua a ser um elemento indelével da sua história, e gostava de falar por todos, mas como não conheço as pessoas da Ex-RDA e já não vivo na Alemanha há 11 anos, não tenho a certeza toda quando digo que Auschwitz é um elemento indelével da nossa identidade nacional.

    O que acho bem que assim seja. Não por ser uma vergonha, mas como missão.


    P.S.:
    Quando refiro, no início do post, o país pacífico, solidário e decente, em que me lembro ter crescido, faço o hoje com a consciência incómoda de que foram só 15 anos, que separavam este país do país de Auschwitz, e que as mesmas pessoas ainda viviam nele que viviam no anterior...
    Este incómodo cresce com os anos, em que passo a perceber cada vez melhor que quinze anos são muito pouco. Não tinhamos e não temos consciência disto. Porque todos nós os alemães, que nascémos depois do holocausto, partilhamos uma sensação: Não interessa quão drasticamente fomos confrontados com estes horrores, quão seriamente queremos aprender com eles, sempre tomamo-los por histórias dum passado remoto e também por isso - quer nos parecer - incompreensível.

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    Auschwitz, poesia, a língua (alemã)

    «É célebre a máxima de Adorno: "Depois de Auschwitz não é mais possível escrever poesia." [...]
    E, contudo, David Rousset ("O Universo Concentracionário"), Primo Levi ("Se Isto É Um Homem"), Robert Antelme ("A Espécie Humana") e outros deram(-nos) testemunho da sua experiência de deportação. E Paul Celan. Viria ele a dizer, ao receber o Prémio Büchner, em 1962: "Algo sobreviveu no meio das ruínas. Algo acessível e próximo: a linguagem. Contudo, a própria linguagem teve que se erguer por entre as suas próprias ruínas, salvar os espaços em que se quedou mudo o horror, por entre as mil trevas que mortificam o discurso. Nesta língua, o alemão, procurei escrever poesia. Apenas para falar, orientar-me, indagar, imaginar a realidade. Deste modo a poesia encontra-se sempre no caminho para a língua originária." E perante a poesia de Celan Adorno rectificou o seu entendimento.»

    (Augusto M. Seabra, no Público de hoje.)
    26.1.05
    "Centro das Boas-Vindas"

    ou melhor a palavra alemã "Begrüssungszentrum" foi injustamente relegado ao segundo lugar como "Unwort" (algo como "Não-Palavra", no sentido de palavra mais cínica) alemão do ano 2004.

    A palavra foi cunhada pelo ministro do interior alemão Otto Schily (SPD), como denominação dos campos, que ele propõe instalar no norte da África, para concentrar os fugitivos económicos e políticos que pretendem asilo na União Europeia. O projecto, que acolheu inicialmente algum apoio de outros governos da UE, mas não conseguiu reunir o consenso necessário para avançar, tem, segundo Otto Schily, principalmente motivos humanitários: Pretende evitar que os candidatos a imigração caiam nas mãos de máfias organizadoras da imigração clandestina, e/ou que morram afogados em tentativas de atravessar o Mediterráneo em embarcações precárias.

    A denominação inventada por Schily levou alguns alemães, segundo o jornal FAZ, a imaginar o seu ministro a receber os imigrantes potenciais com salsichas e cerveja.

    Antes de se mudar, no fim dos anos '80, para o SPD, e hoje ser o ministro do SPD mais apreciado pelos consevadores, pela sua política implacável de Law and Order, Otto Schily era, junto com Joschka Fischer e Petra Kelly, um dos rostos dos Verdes na fase da sua ascensão na política alemã.

    Antes disso, Otto Schily já se tinha tornado famoso como advogado de defesa de Gudrun Ensslin - o único da escolha dela - da Rote Armee Fraktion (Grupo Baader-Meinhof), no famoso processo de Stammheim.

    (Cheguei à notícia do Unwort via BdE)
    RAP Zap - Rübe ab

    Estou quase arrependido de ter deslinkado o Gato Fedorento (por falta de assiduidade) após a leitura das duas respostas do Ricardo Araújo Pereira a diversos autores do Acidental. A primeira era um (esperável) KO na primeira volta no campo do humor, a segunda um outro igualmente fácil no campo da argumentação séria.

    Playmate da semana: Jeune femme (Fragonard)
    25.1.05
    Todesfuge

    Schwarze Milch der Frühe wir trinken sie abends
    wir trinken sie mittags und morgens wir trinken sie nachts
    wir trinken und trinken
    wir schaufeln ein Grab in den Lüften da liegt man nicht eng
    Ein Mann wohnt im Haus der spielt mit den Schlangen der schreibt
    der schreibt wenn es dunkelt nach Deutschland dein goldenes Haar Margarete
    er schreibt es und tritt vor das Haus und es blitzen die Sterne er pfeift seine Rüden herbei
    er pfeift seine Juden hervor läßt schaufeln ein Grab in der Erde
    er befiehlt uns spielt auf nun zum Tanz

    Schwarze Milch der Frühe wir trinken dich nachts
    wir trinken dich morgens und mittags wir trinken dich abends
    wir trinken und trinken
    Ein Mann wohnt im Haus der spielt mit den Schlangen der schreibt
    der schreibt wenn es dunkelt nach Deutschland dein goldenes Haar Margarete
    Dein aschenes Haar Sulamith wir schaufeln ein Grab in den Lüften da liegt man nicht eng

    Er ruft stecht tiefer ins Erdreich ihr einen ihr andern singet und spielt
    er greift nach dem Eisen im Gurt er schwingts seine Augen sind blau
    stecht tiefer die Spaten ihr einen ihr andern spielt weiter zum Tanz auf

    Schwarze Milch der Frühe wir trinken dich nachts
    wir trinken dich mittags und morgens wir trinken dich abends
    wir trinken und trinken
    ein Mann wohnt im Haus dein goldenes Haar Margarete
    dein aschenes Haar Sulamith er spielt mit den Schlangen
    Er ruft spielt süßer den Tod der Tod ist ein Meister aus Deutschland
    er ruft streicht dunkler die Geigen dann steigt ihr als Rauch in die Luft
    dann habt ihr ein Grab in den Wolken da liegt man nicht eng

    Schwarze Milch der Frühe wir trinken dich nachts
    wir trinken dich mittags der Tod ist ein Meister aus Deutschland
    wir trinken dich abends und morgens wir trinken und trinken
    der Tod ist ein Meister aus Deutschland sein Auge ist blau
    er trifft dich mit bleierner Kugel er trifft dich genau
    ein Mann wohnt im Haus dein goldenes Haar Margarete
    er hetzt seine Rüden auf uns er schenkt uns ein Grab in der Luft
    er spielt mit den Schlangen und träumet der Tod ist ein Meister aus Deutschland

    dein goldenes Haar Margarete
    dein aschenes Haar Sulamith



    (Paul Celan)
    _________


    Fuga da morte

    Leite negro da aurora bebemo-lo ao anoitecer
    bebemo-lo ao meio-dia e de manhã bebemo-lo à noite
    bebemos e bebemos
    cavamos uma sepultura nos ares aonde o espaço não falta
    um homem vive em casa brinca com serpentes escreve
    escreve quando a noite cai na Alemanha o teu cabelo de oiro Margarida
    escreve e sai de casa e brilham as estrelas e chama os cães de caça aqui aqui
    apita aos seus judeus venham cá cavem uma sepultura na terra
    manda que toquemos para a dança

    Leite negro da aurora bebemos-te à noite
    bebemos-te pela manhã e ao meio-dia bebemos-te ao anoitecer
    bebemos e bebemos
    um homem vive em casa brinca com serpentes escreve
    escreve quando a noite cai na Alemanha o teu cabelo de oiro Margarida
    o teu cabelo de cinza Sulamita cavamos uma sepultura nos ares aonde o espaço não falta
    Ele grita cavem na terra bem fundo vocês aí vocês outros cantem e toquem
    agarra no cano de aço à cinta e brande-o como são azuis os seus olhos
    enterrem mais fundo a pá vocês aí vocês toquem para a dança

    Leite negro da aurora bebemos-te à noite
    bebemos-te ao meio-dia e de manhã bebemos-te ao anoitecer
    bebemos e bebemos
    um homem vive em casa o teu cabelo de oiro Margarida
    o teu cabelo de cinza Sulamita ele brinca com serpentes

    Grita toquem mais doce a Dança da Morte ela é um Senhor de Alemanha
    grita toquem mais sombriamente os violinos depois hão-de subir em fumo nos ares
    depois haveis de ter uma sepultura nas nuvens onde o espaço não falta

    Leite negro da aurora bebemos-te à noite
    bebemos-te ao meio-dia a morte é um Senhor de Alemanha
    bebemos-te ao anoitecer e pela manhã bebemos e bebemos
    a Morte é um Senhor de Alemanha como são azuis os seus olhos
    há-de abater-te com uma chumbada abater-te com pontaria
    um homem vive em casa o teu cabelo de oiro Margarida
    açula contra nós os lebréus magros dá-nos sepultura nos ares
    brinca com serpentes e sonha a morte é um Senhor de Alemanha

    o teu cabelo de oiro Margarida
    o teu cabelo de cinza Sulamita.


    (Tradução de Jorge de Sena)

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    Pela abolição dos Tsunamis!

    "Ética, economia e tsunamis" no Timshel.
    24.1.05
    A condição humana

    No Água Lisa. O João Tunes lembra o sexagésimo aniversário da libertação dos campos de concentração alemães. E outros campos. E fala da vergonha que ele sentiu em sua face, que é a minha e a de todos nós. Faz-me bem ver-me acompanhado nesta vergonha por ele e por outros que a sentem também, essa nossa vergonha enquanto humanos que sentimos para aqueles que deviam sentí-la mas não a sentem...

    Adenda:
    No ano passado escrevi alguns posts a tentar perceber como os campos foram possível. Não percebi, mas percebi algo. Os posts Nós e os outros, Daltonismo, Obediência, SJ e SS (a ler nesta sequência) estão também na lista de antigos posts aqui ao lado.

    O Filipe Nunes viu confirmada a sua ideia que o fascismo está-nos no sangue, ou, pelo menos, na língua.
    Declaração de interesse

    Declaro que não pertenço ao painel do PT15. Mas gostava de saber quem pertence.
    23.1.05

    E quando regressas à casa, nada é como o deixaste, e a tua vida passada como se tivesse sido um dia...

    Rip van Winkle
    We shall not cease from exploration
    And the end of all our exploring
    Will be to arrive where we started
    And know the place for the first time.


    (T.S. Eliot)
    22.1.05
    Susto!

    Os donos do BdE, José Mário Silva e Manuel Denis Silva, tentam num longo post colar os cacos em que o blogue aparentemente ficou por causa dum post - interessante, mas demasiado leviano - de Luis Rainha.

    Sou mesmo um ingénuo na minha modesta tasca! Posto aqui dia sim, dia sim, o que me vem na alma, completamente ignorante dos perigos que me esperam lá fora, pior, cá dentro: nos comentários! Só por uma sorte, que como é sabido, assiste especialmente aos tolos e pobres de espírito, ainda não me caíram em cima os que me queiram destruir, por pisar territórios complexos (ou não) nos meus posts!

    Blogar afinal é perigoso, só é preciso levar-se suficientemente à sério.
    21.1.05
    Menos links

    Tirei uns blogues da minha lista de links, bons blogues, mas o critério é: Lá fica o que leio com alguma regularidade. E já leio demais...
    No que um gajo chega a pensar!

    (Por culpa do Tsunami e não só...)

    Se é verdade que Deus corrige, na vida após a morte, as injustiças e compensa pelo sofrimento desigual em terra, então tenho mesmo de temer o que vem aí! Como nenhuma felicidade celestial pode anular os sofrimentos mais abjectos aos que alguns - muitos - de nós em terra são submetidos, só Lhe resta uma solução: Guardar para os que aqui estão mais felizes - como eu - ainda horrores equivalentes!

    Etiquetas:

    O que Noah disse...

    ... e o emprego do four letter word noutras ocasiões históricas. Aqui.
    20.1.05
    Posts-porque-sim

    O post anterior é um exemplo dum género muito próprio. De posts que nascem da vontade de postar, e que por falta de assunto, fazem desta vontade o seu assunto. O que pode ter graça, devido à confissão implícita da sua futilidade e da vaidade do seu autor. E da sua auto-referencialidade.

    Se o Quase em Português fosse um blogue muito lido, lançava aos bloguistas, que por aqui passam, um apelo: Enviem-me os vossos posts-porque-sim!
    E, já agora, enviem também os dos outros, se sabem dalguns. Gostava de fazer uma pequena antologia, sem ter que fazer grandes pesquisas.

    Para já, vão aqui três exemplos:

    Acho que vou colocar uns dois ou três capítulos de algo aqui

    cuidado com o filme de Ingmar Bergman
    (no prelo)


    Quando nada tens a dizer sempre podes dizer que nada tens a dizer e reflectir sobre a auto-referencialidade desta constatação. O que não deixa de ser um truque barato, mesmo quando dizes que não deixa de ser um truque barato.

    P.S.:
    O post Post: Porque sim, não é um post-porque-sim, porque foi escrito para preparar o presente post. Savvy?
    Post:

    Porque sim.

    Eduardo Chillida: Espacios sonoros
    Carangueijo eremita

    Viver -
    viver mesmo -
    só no caminho entre dois búzios.
    Uma recomendação duvidosa:

    Para visitar o muito estimável blogue de Luis Águiar Conraria, e deleitar-se com uma porrada - ignóbil, por parte de alguns intervenientes - sobre ateísmo/agnosticismo.
    19.1.05
    "Free trade über alles"

    O CAA interroga-se sobre os límites éticos do liberalismo económico. Já queria enveredar caminho para ai, da minha parte, mas o debate está muito melhor na casa onde está, ajudado ocasionalmente de fora.

    Percebem porque o Blasfémias é tão bom?

    Playmate da semana: Eva (Hans Baldung Grien)
    18.1.05
    Requiem por Mim

    Aproxima-se o fim,
    E tenho de acabar assim,
    Em vez de natureza consumada,
    Ruína humana.
    Inválido do corpo
    E tolhido da alma.
    Morto em todos os órgãos e sentidos.
    Longo foi o caminho e desmedidos
    Os sonhos que nele tive.
    Mas ninguém vive
    Contra as leis do destino.
    E o destino não quis
    Que eu me cumprisse como porfiei,
    E caísse de pé, num desafio.
    Rio feliz a ir de encontro ao mar
    Desaguar,
    E, em largo oceano, eternizar
    O seu esplendor torrencial de rio.

    (Coimbra, 10 de Dezembro 1993)


    Encontrei este, o último poema de Miguel Torga no (In)firmus.

    Uma prosa verdadeiramente imperdível de Rui Tavares!
    17.1.05
    16.1.05
    Fascismo não é Comunismo não é Liberalismo

    Num comentário ao post "Não é mimo" sobre a moral fascista o Lourenço escreve: E resulta também se se mudar "fascismo" para "comunismo", e "fascista" para "comunista".

    Isto é uma ideia bastante generalizada entre pessoas que se sentem repugnados tanto pelo primeiro como pelo segundo, perante o sofrimento de dimensão inédita que ambas as ideologias têm causado no século XX. Mas essa afirmação não é correcta. Embora tendo muitas semelhanças tanto nos seus métodos como nos seus efeitos devastadores, elas são em termos doutrinárias bem distintas.

    O comunismo tem em comum com o fascismo ser uma ideologia colectivista, em que o interesse do indivíduo é sacrificado ao do colectivo, e como Popper explicou na Sociedade aberta, também o facto de se verem como executantes duma vontade da própria história, na sequência de Hegel. Mas há uma diferença substancial. O comunismo é uma ideologia salvífica que acredita que todos os sacrifícios acabam por levar a humanidade à uma espécie de paraíso em terra - a sociedade sem classes - em que todos serão "ajudantes uns dos outros" e viverão em harmonia. Daí o comunismo reclama ser uma ideologia humanista, que quer como fim último o bem do homem, de cada homem.
    O fascismo não: Não quer o bem de cada homem, nem hoje nem num futuro longinquo. Quer o bem do colectivo. Através duma luta pela afirmação dos fortes, que sabe e quer eterna.

    O Timshel, que chama num comentário ao mesmo post atenção à esta diferença, entende no entanto por sua vez, que se pode equiparar o fascismo ao neoliberalismo.

    Mas também discordo dele. Não arriscando, por falta de conhecimento melhor da doutrina neoliberal, uma sintese dela, realço porém uma diferença essencial: Se o neo-liberalismo é uma forma de liberalismo, como creio, ele é uma ideologia individualista, que nunca justificaria o sacrifício do individo a um interesse colectivo. Tem em comum com o fascismo a fé no darwinismo social, ou pelo menos, a convicção e a aprovação de que o egoismo humano é e continuará sempre a ser o móbil mais forte do homem. Mas ao contrário do fascismo, valoriza muito a liberdade. O liberalismo radical (termo que prefiro aqui ao de neo-liberal) defende, como é sabido, a redução de regras a um mínimo indispensável para assegurar que a livre perseguição dos interesses pelos individuos não descamba num caos, numa luta selvática que destruiria a civilização.
    O que não sei é se ele defende, em todo o caso, a primazia da lei.

    Etiquetas:

    Remessa

    Juntei uma adenda importante ao meu post Não é mimo, sobre a minha disputa com o Rodrigo Moita de Deus.
    15.1.05
    EVE BLOSSOM

    Oh thou, beloved of my twenty-seven senses, I love thine! Thou thee thee thine, I thine, thou mine, we?
    That (by the way) is beside the point!
    Who art thou, uncounted woman, Thou art, art thou?
    People say, thou werst,
    Let them say, they don't know what they are talking about.
    Thou wearest thine hat on thy feet, and wanderest on thine hands,
    On thine hands thou wanderest
    Hallo, thy red dress, sawn into white folds,
    Red I love Eve Blossom, red I love thine,
    Thou thee thee thine, I thine, thou mine, we?
    That (by the way) belongs to the cold glow!
    Eve Blossom, red Eve Blossom what do people say?
    PRIZE QUESTION: 1. Eve Blossom is red,
    2. Eve Blossom has wheels
    3. what colour are the wheels?
    Blue is the colour of your yellow hair
    Red is the whirl of your green wheels,
    Thou simple maiden in everyday dress,
    Thou small green animal,
    I love thine!
    Thou thee thee thine, I thine, thou mine, we?
    That (by the way) belongs to the glowing brazier!
    Eve Blossom,eve,
    E - V - E,
    E easy, V victory, E easy,
    I trickle your name.
    Your name drops like soft tallow.
    Do you know it, Eve?
    Do you already know it?
    One can also read you from the back
    And you, you most glorious of all,
    You are from the back as from the front,
    E-V-E.
    Easy victory.
    Tallow trickles to stroke over my back
    Eve Blossom,
    Thou drippy animal,
    I
    Love
    Thine!
    I love you!!!!



    Esta é a versão inglesa, que o próprio Kurt Schwitters fez do seu poema mais famoso, ANNA BLUME. Em alemão é assim:

    AN ANNA BLUME

    O du, Geliebte meiner siebenundzwanzig Sinne, ich
    liebe dir! - Du deiner dich dir, ich dir, du mir.
    - Wir?
    Das gehört (beiläufig) nicht hierher.
    Wer bist du, ungezähltes Frauenzimmer? Du bist
    - bist du? - Die Leute sagen, du wärest - laß
    sie sagen, sie wissen nicht, wie der Kirchturm steht.
    Du trägst den Hut auf deinen Füßen und wanderst
    auf die Hände, auf den Händen wanderst du.
    Hallo, deine roten Kleider, in weiße Falten zersägt.
    Rot liebe ich Anna Blume, rot liebe ich dir! - Du
    deiner dich dir, ich dir, du mir. - Wir?
    Das gehört (beiläufig) in die kalte Glut.
    Rote Blume, rote Anna Blume, wie sagen die Leute?
    Preisfrage:
    1. Anna Blume hat ein Vogel.
    2. Anna Blume ist rot.
    3. Welche Farbe hat der Vogel?
    Blau ist die Farbe deines gelben Haares.
    Rot ist das Girren deines grünen Vogels.
    Du schlichtes Mädchen im Alltagskleid, du liebes
    grünes Tier, ich liebe dir! - Du deiner dich dir, ich
    dir, du mir - wir?
    Das gehört (beiläufig) in die Glutenkiste.
    Anna Blume! Anna, a-n-n-a, ich träufle deinen
    Namen. Dein Name tropft wie weiches Rindertalg.
    Weißt du es, Anna, weißt du es schon?
    Man kann dich auch von hinten lesen, und du, du
    Herrlichste von allen, du bist von hinten wie von
    vorne: "a-n-n-a."
    Rindertalg träufelt streicheln über meinen Rücken.
    Anna Blume, du tropfes Tier, ich liebe dir!
    14.1.05
    O Classe Média está de volta!
    Uma vénia
    Não é mimo

    Caro Rodrigo,

    perguntas:
    Não consigo entender se o mimo "fascista" com que me brindaste, é uma provocação de gosto duvidoso, um erro de avaliação doutrinária ou simplesmente deve-se a uma balbúrdia de ideias sobre o assunto?

    Não estava seguro se entendesses a minha alusão à moral fascista ao teu respeito como "mimo", ou seja como algo depreciativo. Porque acharia natural que um fascista não se envergonha de sê-lo. Deduzo então que não te vês como fascista. Constato isso como algo bom - no meu quadro de referências.

    Respondendo a tua pergunta:
    Nota que não me referi a ti como fascista, mas a uma moral fascista. Nem juntei a adenda ao meu post para brindar-te com um mimo, mas porque achei-lo injusto em relação aos conservadores, que ao contrário de ti acreditam na primazia da lei e na solução pacífica e civilizada de conflitos.

    A moral que deduzi do teu post em questão entendo como essencialmente fascista. A moral fascista tem outros aspectos, mas aqueles que vi nele já compõem um leque bastante central e conclusivo.
    O fascismo é uma ideologia que vê como valor máximo a afirmação e progressão dum colectivo (povo, nação, raça). Para ele, o colectivo progride da melhor forma, se se permite que os mais fortes dentro deste colectivo se impõem aos mais fracos, ora escravizando-os, ora eliminando-os, e assim asseguram o contínuo fortalescimento do colectivo. (Darwinismo social.)
    Ao mesmo tempo, porque o que interessa é o colectivo e não o indivíduo, esta imposição dos mais fortes tem que ser organizada, razão pelo que o fascismo valoriza tanto a hierarquia. É a estrutura que (no seu entender) de forma mais eficaz junta e alinha as forças dos elementos do colectivo. É claro que numa comunidade maior do que o teu recreio, como num estado, esta hierarquia, a estrutura do poder, tem que ser assegurada pela lei. Mas ao contrário do que é o caso num estado de direito - democrático ou não -, a lei não tem valor em si, ela está subordinada ao poder: Sempre que os detentores do poder entendem como conveniente, contornam ou vergam-na, o que está completamente de acordo com os valores basilares ideológicos.
    O fascista não respeita a lei, mas o poder.

    No teu post encontro os valores coincidentes com o acima descrito:
    A aceitação do darwinismo social, da afirmação do mais forte à custa do mais fraco.
    A preferência da própria submissão (adoçada com a expectativa de mais tarde poder também oprimir) à resistência ao poder mesmo que este seja injusto e não de acordo com as regras vigentes. O próprio desprezo pela regras, pela lei, em detrimento do poder. E ainda, o que corresponde ao caracter totalitário do fascimo, a hostilidade e o desprezo pelos que se recusam a participar no jogo canil, que escolhem caminhar de forma erecta fora da matilha.

    Lutz


    Adenda (16.01.05):
    Depois de ler a sua resposta não me restam dúvidas que o Rodrigo Moita de Deus não é fascista. Mantenho que o seu post, que originou esta disputa, contêm muitos elementos duma moral fascista, mas quem escreve "Todos queremos um mundo melhor, pão para todos, o fim das guerras, da pobreza e o resto", não é fascista. Porque ao contrário do que o RMD diz, um fascista não quer isso: páo para todos - e nomeadamente não quer a paz. O famoso grito "Viva la muerte!" do general falangista não foi um deslize, mas uma expressão coerente com a essência da ideologia: Que morra que não consegue (sobre)viver! Que se fortaleça e purifique assim o colectivo! Não é por acaso que o fascismo se dá tão bem com a instituição militar: porque a lógica militar é exactamente aquela que subordina a vida do soldado - do indivíduo - ao interesse do colectivo. E foi o Carl Schmitt, o ideólogo mais brilhante do fascismo, que explicou que a guerra é o estado natural da humanidade - e bem! - e os tempos de paz só são tréguas para recuperar forças para poder continuar a luta enterna pela supremacia.

    Há algo de que nunca duvidei - e que por isso valida essa minha conclusão que o RMD não é fascista: a sinceridade com que ele escreve.

    Etiquetas: ,

    12.1.05

    Se alguêm mais forte te bate, não clama pela justiça, espera até encontrares um mais fraco...
    ________

    Disse que não leio o Acidental, mas vê-se que não sou consequente: Sempre lá arranjo assunto para um post fácil.

    Rectificação um dia mais tarde:
    Não é a moral de toda a direita. Se esta moral fosse de toda a direita, não havia critério para distinguir entre direita e fascismo.

    Imperdível: O martírio do Timshel, relatado pelo próprio!
    11.1.05

    Playmate da semana: Mädchen (Schiele)

    Já estava a ver que esta semana não mandava playmate para o Quase em Português, porque alguêm fechou a minha casa, onde todas as minhas meninas estão instaladas!
    Mas o negócio tem de continuar, e assim resolvi contratar uma freelancer
    do Moma. Vai a rua um bocadinho mais cedo do que o costume, mas ela não se importa.

    (O homem simpático no atendimendo técnico da Telepac disse-me com naturalidade, que irão precisar ainda mais dois ou três dias para resolver o problema no servidor...)

    Adenda: A miuda passou para o quadro.

    Já tinha visto o nome, e naturalmente sabia o que significa: "blogues maravilha". Nunca tinha lá ido pelo mesmo snobismo que me por vezes leva a não ver um certo filme ou não ler um certo livro que toda a gente recomenda. Foi preciso um dos wunderblogistas passar por cá e deixar uma palavra simpática, para eu atravessar o Atlântico e fazer o link.

    P.S.: Já há mais do que 24 horas o Quase em Português está sem imagens. A Telepac está a trabalhar nisto.
    10.1.05
    Message from the transit-zone

    Há muito que o mundo dos aeroportos, as suas zonas de trânsito, têm em comum com a internet: o anonimato, a ausência de compromisso, uma certa irrealidade a par com a omnipresente racionalidade logística.

    O tempo de escala numa viagem de avião antes era um tempo fora do mundo, de liberdade e solidão, em parte incerta. E ainda é para mim, porque insisto em manter o telemóvel desligado. Mas o que se pode fazer sem prejuizo pela magia da heterotopia, é escrever posts a partir do nowhere, muito adequado até.

    Um beijinho para a Ver, entretanto já chegada a terra firme da Caledônia.

    Hoje com uma meditação sobre "Deus e o Tsunami" do Zé Filipe e um post meu, em que tento juntar duma forma mais sistematica as minhas ideias sobre a questão das crianças salvos pelo Papa Pio XII, que deixei na ocasião do respectivo post da Rua da Judiaria espalhadas em vários posts e comentários.

    Adenda:
    Deixo aqui um link encontrado no a-bordo, com um desmentido da notícia original do Corriere Della Sera do 28.12.04, em que se baseia o referido post da Rua da Judiaria, feito pela agência católica Zenit.
    Segundo ele, a orientação não é do Santo Ofício, mas do nûncio apostôlico em Paris na altura, Ângelo Roncalli (o futuro Papa João XXIII), e de conteudo bem diverso, para mim, eticamente irreprensível.

    Noto como fiz bem em não envolver-me em polémicas sobre a veracidade desta ou doutra versão, não tendo capacidade e meios para averiguar as informações. Não sou jornalista. O que me interessa, são os dilemas éticos subjacentes à relatada história. Tenho de reconhecer, no entanto, que o meu primeiro post sobre o assunto, parte claramente do pressuposto da veracidade da versão relatada do Corriere della Sera, e que devo retirar o juizo moral que nele implicitamente faço sobre o Papa Pio XII, e aplicâ-lo mais generalizado ao quem age como foi a ele imputado.
    8.1.05
    Ad maioram dei gloriam

    De todos os homems que se esforçaram para provar a existência de Deus, os músicos são os mais convincentes.

    Etiquetas:

    7.1.05

    Cy Twombly: Leda and swan
    Ainda acerca da polémica: Mas as crianças Senhor?

    A este propósito, lembro-me de ter lido uma história que se passou na Índia, após os motins que se deram antes e depois da independência daquele país. Houve um hindu que disse a Gandhi que tinha morto uma criança muçulmana e que os remorsos desse acto não lhe saíam da cabeça. Gandhi sugeriu-lhe que procurasse uma criança muçulmana que tivesse ficado órfã, que a adoptasse e a educasse na religião islâmica.

    Cito dum post muito bom e interessante do Marco Oliveira sobre a questão da não devolução das crianças judias que se encontravam no cuidado da Igreja Católica depois do holocausto.
    6.1.05
    Quem ainda não gosta de nós, hem?!

    Pelo menos o meu amigo Lourenço acabou de revelar a sua germanofilia!
    Pobreza mata

    "BANDA ACEH, Indonesia (Reuters) - The United Nations warned on Wednesday Asia's tsunami death toll could double to about 300,000 unless survivors received clean water and other basic services by the end of the week to prevent."

    Quem hoje está vivo e ainda morre das consequências do Tsunami, morre porque (o seu país) é pobre.

    Rogier van der Weyden: Driekoeningsaltar van Middelburgh
    5.1.05
    A Livraria Buchholz

    está em perigo de falência, conta-me uma amiga. E pede para divulgar essa pessima notícia, que entretanto já se espalhou bastante na blogosfera, por exemplo aqui.
    Confesso que já não lá fui ha bastante tempo, mas voltarei a passar por lá. É uma muito boa livraria. Em tempos, antes da amazon.com, foi indispensável para mim...

    Adenda:
    Uma excelente análise do problema da Livraria Buchholz no Planeta Reboque. Que a leiam os seus gestores!
    "A morte fica lhes tão bem"

    Muito certeiro este post do Bazonga da Kilumba, que descobri via Chuinga e esta via Água Lisa.
    O lado bom deste maremoto (2)

    Playmate da semana: Nu (Loustal)
    Como era? Primeiro o país, depois o partido, depois...

    Não tenho nenhuma paixão futebolística em Portugal. Mas isso não me impediu formar uma opinião sobre Pôncio Monteiro. Mesmo assim fiquei surpreendido. Tinha concluido do seu sectarismo desenfreado em favor do FCP que tivesse um sentido de lealdade também para outras coisas com as quais se compromete. Mas não: Basta-lhe sentir-se pessoalmente ofendido para decretar publicamente a total incompetência do presidente do seu partido e candidato a Primeiro Ministro - de forma acertada, convenhamos - mas em cuja lista no momento anterior ainda se dispôs lutar.

    Que mais dizer dum partido com candidatos destes, mesmo que retirados? - Só o que escreveu hoje o José Manuel Fernandes no Público.
    Terra da Alegria
    4.1.05
    Mais vale uma alma salva do que uma família feliz

    Consigo compreender o raciocínio por detrás da decisão do Santo Ofício respectivamente do Papa Pio XII. Discordo dele, claro, com toda a veemência. Eis um acto típico dum detentor da Verdade. Quando é que livramo-nos deles?
    Os condomínios fechados são o cancro do espaço público!

    É preciso parar o seu crescimento antes de que seja tarde demais, ou eles destruirão o que é uma das grandes conquistas civilizacionais: Um espaço público habitável e seguro. Não me atrai nada viver num país dividido em ilhas de ordem, segurança e bem-estar, e um espaço público abandonado, pobre, sujo e inseguro, para o qual até quem vive nas primeiras, só pode sair devidamente armado e blindado.

    Free land, not land of the free!

    Etiquetas:

    3.1.05
    O lado bom deste maremoto

    é que não foi um feito do homem.
    Hoje: Os Ateístas na Terra da Alegria

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