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30.9.05
A Susana, comentadora à quem o Quase em Português deve boa parte da sua qualidade e o seu interesse actual, tem agora um blogue seu: lida insana! Espero que continue as suas visitas aqui (se e quando um post lher der ocasião), desejo boa sorte e recomendo desde já vivamente o blogue! 28.9.05
Desta vez um excelente texto do Vasco Pulido Valente encontrado no Contra a Corrente: "Se alguém se aplicasse a descobrir o que valem hoje e o que valiam há vinte ou trinta anos certas personagens do regime, não perderia um décimo de segundo com a putativa delinquência de Fátima Felgueiras. Queimar a bruxa (mesmo a bruxa má) não me parece, em princípio, um exercício produtivo e saudável. Claro que por detrás do episódio, como por detrás da história de Isaltino e de Loureiro, há uma realidade inquietante: o cinismo do eleitorado. Apoiando este extraordinário grupo, o eleitorado, ou pelo menos parte dele, está a comunicar à justiça e aos partidos: "Todos roubam. Toda a política é um roubo organizado, que os senhores protegem. Escusam de nos dizer que eles são piores - não são. São até melhores porque nos trataram bem. Se agora resolveram limpar a casa, comecem por outro lado." Se os três ganharem, ou se um deles ganhar, não importa qual, é o regime que perde." Playmate da semana: Leda (Michelangelo) No auge da contestação contra as centrais nucleares na Alemanha, no início dos anos 80, todos os meus amigos estavam empenhados no combate, convencidos do caracter profundamente maléfico desta tecnologia. Como os psicólogos explicariam com facilidade, senti bastante pressão para alinhar com eles, e até certo grau de facto alinhei, pelo menos a chegar a votar nos Verdes. Mas nunca consegui alcançar o nível de convicção nesta causa que me teria permitido um empenho realmente enérgico. Porquê? Por uma razão muito simples: Nunca cheguei a a adquirir competência científica suficiente sobre o assunto para poder formar uma opinião que cumprisse os requisitos mínimos de solidéz, que exigiria a qualquer um quem me quisesse convencer duma posição de quer que seja. Claro que este problema, que não é só meu e que não se restringe a questão do nuclear, não justifica demitir-me da tomada de posição enquanto cidadão, e por isso faço as minhas escolhas, pelo menos como eleitor. Se não percebo nada da ciência nuclear, eu sei, por experiência própria, como é forte a influência do interesse próprio e do ambiente social na formação de opiniões, também dos que são supostamente científicas. Esta influência obviamente não muda os factos do assunto em apreciação, o que quer dizer que até posso ter razão com a minha avaliação, mesmo quando ela for influenciada pelo meu "wishful thinking" e pelos meus preconceitos. Mas não há dúvida que se estivesse livre de "wishful thinking" seguramente acertaria mais vezes. Para as exposições de João Miranda sobre o aquecimento global isto significa: Que muito lhe custe, ao clima não pode aplicar as suas teorias liberais. E se em vez disto escolhe no leque de dados e posições científicas sobre o assunto aqueles que não recomendam linhas de acção política contrárias às suas teorias liberais – que, lembro, são políticas e económicas -, carece duplamente de credibilidade: Primeiro pela ausência da competência científica no assunto e segundo pela desonestidade intelectual, que se manifesta não tanto na escolha selectiva de dados e posições (até certo ponto inevitável), mas na enorme ostentação da sua "verdade" em face da sua fundamentação débil. 27.9.05
Paula Rego: Corvo 26.9.05
23.9.05
Quis ver imagens de "Rita" no Google e foi esta que encontrei. Entretanto já vi também outros na net, agora relacionadas com o furacão, que me fizeram perceber como frívolo era o link que fiz em cima. Há dias, o JMF levantou, simpaticamente e com pertinência, a questão se muitos comentários sobre o resultado eleitoral na Alemanha não deviam ser considerados anti-germânicos, segundo o critério muito em uso para classificar anti-americanismo. Para melhor abordar esta questão sugiro a leitura dum exemplo concreto: No Contra a Corrente encontrei o artigo que até hoje me parece o candidato mais forte de ser classificado como anti-germânico. O seu autor (britânico) refere a notícia recente dum francês, que guardou o cadaver da sua mãe durante cinco anos em casa, ao fim de continuar a receber a sua reforma. Com destaque pelo cheiro que este homem se dispôs a aturar para isso. Na sua analogia, o homem é o eleitorado alemão, o cadaver o estado social e a reforma as garantias sociais. Claro que esta analogia tem alguma fraqueza, mesmo olhando-a só do ponto de vista lógico. Afinal, na Alemanha ainda é o próprio "cadaver", que sustenta o filho, e o filho aquele que lhe dá os recursos... Mas enfim, admito que, para o autor, a fraqueza lógica está altamente compensada pela força da imagem. Será este artigo anti-germânico? Eu acho: Não necessariamente. Não quero excluir que o autor também nutre um ressentimento contra nós alemães, independente do nosso sentido do voto, mas tenho de admitir: Não sei. O que ele demonstra, é uma forte irritação, ou usaremos o termo que os críticos do anti-americanismo preferem em seu lugar: ódio contra os eleitores que recusam desmontar o modelo social alemão federal construido no consenso e na solidariedade. Mas a sua irritação talvez não seria menor se estes eleitores fossem suecos ou franceses. Dito isto, reafirmo a minha profunda irritação com os eleitores, que elegeram um homem intelectual e culturalmente limitado, que conjuga com insuperável hipocrisia as suas fortes convicções religiosas com um enorme a-vontade no abandono dos mais fracos e com a complacência com o aproveitamento, pelos seus amigos e apoiantes próximos, das oportunidades de negócio que a sua posição lhes faculta. Para além dos estragos catastróficos que a sua politica internacional, baseada em ignorância, levianidade e arrogância, fez e ainda faz. É verdade que penso, quem elegeu este homem como seu presidente provavelmente partilha pelo menos alguns (os primeiros) dos seus defeitos e - em momentos menos generosos - penso até que ele não merece melhor... Eis o meu anti-americanismo. Aliás, embora consciente, como imigrante aqui, da conveniência dalguma contenção, arrisco confessar que certos pensamentos e sentimentos, que me assaltaram quando assisti ao regresso triunfal da autarca de Felgueiras, podiam, segundo o referido critério, qualificar como anti-portuguesismo. 21.9.05
Joschka Fischer, o homem que "reconduziu a esquerda pós-1968 para a zona da razão", sai do palco político. Combateu contra uma sociedade de privilégios e culturalmente reaccionária da Alemanha Federal nos anos '60, contra a guerra do Vietnam, contra o estacionamento dos misseis Pershing na Alemanha, contra as centrais atómicas e para a defesa ambiental. Como ministro, levou a esquerda pacifista alemã a assumir as suas responsabilidades internacionais, no Kosovo e no Afeganistão. "Not convinced" pelo Rumsfeld, manteve a Alemanha fora do Iraque. Um político com uma carreira invulgar, que não obedeceu a um plano de carreira mas foi marcada tanto pelas convicções como pela capacidade de aprender. Um político auténtico, um dos poucos. (Imagens do DER SPIEGEL) Playmate da semana: Venus de Lignana (Ivana Barazi) 20.9.05
Simon Wiesenthal (1908-2005) Este arquitecto austríaco, judeu, que ao contrário de quase toda a sua família, sobreviveu os campos de concentração, dedicou-se depois do holocausto ao que a justiça alemã e austríaca, mas também a francesa, a holandesa, a belga e outras, não puderam ou não queriam fazer: Procurar, de uma forma sistemática, os criminosos do holocausto, recolher provas e levá-los aos tribunais. Uma missão que cumpriu com dedicação, rigor e cabeça fria, de acordo com o seu lema: Justiça, não vingança. "Há quem viaje para países longínquos com a ideia de conhecer culturas diferentes. Mesmo que, depois do regresso a casa, as tais culturas não passem de episódios anedóticos para alimentar jantares, muitas vezes são o suficiente para satisfazer os nossos anseios mais profundos de desenraizamento. No meu caso, começo a pensar que perco dias a atravessar o globo para me assegurar que a cultura me deixa em paz durante umas semanas, que o mundo permanece mudo, manietado por línguas ininteligíveis, sabores inéditos e paisagens assombrosas. Tudo bem longe de casa, para conseguir manter a experiência do quotidiano sob controle." (A ler também os outros posts que O Silva trouxe das suas viagens solitárias.) Esta despedida incerta podia ser minha também! 19.9.05
Afinal, por quê é que o resultado das eleições alemãs tem de ser considerado desastroso? Uma grande maioria dos partidos que foram eleitos para o parlamento querem fazer reformas sérias. Umas mais e outras menos, mas sempre seria possível fazer muito que faltou fazer até hoje! As eleições mostram que a maioria não quer reformas mais abrangentes do que as da Agenda 2010, antes pelo contrário. Mas Schröder, que hoje têm o SPD no bolso, e a CDU/CSU sabem que estas são necessárias e que teriam, em caso duma coligação, a oportunidade única de concretizá-las. Talvez à custa de votos em futuras eleições, mas eu levava-lhes, a ambos, a mal, se isso os impediria de fazê-las. P.S.: Estas eleições são um caso em que se vê que, para bem e para o mal, a personalidade dos protagonistas políticos conta imenso. O programa da "grande coligação"* não será muito diferente, seja ela liderada pela CDU/CSU ou pela SPD, mas hoje até eleitores da CDU/CSU são capaz de concordar em que a liderança de Schröder seria mais consistente e dinámica do que a de Merkel. *(O termo "Grosse Koalition", a coligação SPD-CDU/CSU não pode ser chamado "bloco central". Os liberais, que ficariam de fora, não ficam na margem do espectro político, nem os Verdes...) "Não há uma maioria para mudanças radicais do estado social, isto é uma mensagem. A outra mensagem é que o país se fragmenta mais. Num lado ganha a "Linkspartei", porque atrai os opositores e perdedores das deregulações dos anos passados. Por outro lado mostra o resultado da FDP, que há uma parte significativa dos cidadãos, para os quais [a mudança] não pode chegar suficientemente rápida e rígida. Nunca antes os que não são Volksparteien [="partidos do povo" i.é. CDU e SPD] foram tão forte como hoje. A sociedade tribaliza-se." (Franz Walter em DER SPIEGEL) Se tivesse voto na RFA (lá, emigrantes não votam), teria votado FDP, desta vez. Mas não escondo alguma admiração pela coragem e pelo instinto de Schröder, quem provocou, perante a incompreensão de todos, estas eleições antecipadas, e se recandidatou. Chamaram-no "suicídio político", e não se vislumbrava nenhum cenário pós-eleições possível que podia aspirar. Agora aí está: Implementar e colher os frutos da sua Agenda 2010 num governo de grande coligação sob a sua liderança. Hoje acredito que foi o seu plano desde o início. Fazemos de conta que não tivesse havido sondagens. Quem considerariamos vencedores e vencidos? 17.9.05
Uma excelente discussão no Prozacland, sobre canibalismo, violência e o progresso civilizacional. Reproduzo aqui um comentário meu: Há bastantes anos, pouco depois da independêcia (mais precisamente do fim do regime do Ian Smith) no Zimbabwe, um tio meu voltou de lá, depois de uma visita de negócios. Na vizina Africa do Sul ainda reinava o "apartheid" e, no Zimbabwe, os piores delírios de Mugabe ainda estavam para vir, muitos anos depois. O meu tio, um homem bom, temente de deus, conservador mas democrata, relatou com indignação como tudo se ia abaixo, desde que os negros tinham assumido o poder na "Rhodesia" como ele o ainda chamava. Um país com recursos e potencial caminhava para a ruina. A conclusão que tirou era evidente: O fim da variante rhodesiana do "apartheid" foi um desastre para todos e os negros teriam feito bem em ter continuado submissos sob o poder dos seus senhores brancos. Indignado, perguntei-lhe se ele achava que os japoneses deviam tomar o comando na Alemanha, na sua empresa, uma vez que se revelaram melhores gestores do que nós... Para isso o tio não tinha resposta, excepto dum frouxo "isso é outra coisa"... Mas agora pergunto eu: Onde estaria a civilização humana, se não tivesse existido o imperialismo (babilónio, chinês, romano, por exemplo), o poder que garantiu ócio e tempo para uma minoria de privilegiados poderem criar os avanços culturais, e uma política expansionista que tratou da sua distribuição pelas províncias e colónias? 16.9.05
Jenga Sara, Dylan, Desire (1975) ...do meu anti-americanismo primário, se me assumo como grande admirador de Bill Clinton? 15.9.05
Porquê será que em Portugal há mais pessoas profundamente indignadas e preocupadas com o anti-americanismo do que nos outros países que conheço? 14.9.05
Playmate da semana: Björk ZWEITER GESANG Der Aufprall war federleicht. Der erste Funkspruch: 00.15 Uhr. Mayday. An alle. Position 41º 46º Nord 50º 14’ West. Fabelhaft dieser Marconi! Ein Ticken im Kopf, in der Muschel, drahtlos un fern, so fern – ferner als ein halbers Jahrhundert! Keine Sirenen, Keine Alarmglocken, nur ein diskretes Klopfen an der Kabinentür, ein Hüsteln im Rauchsalon. Während unten das Wasser steigt, bindet der Steward einem ächzenden älteren Herrn, Werkzugmaschinen und Metallurgie, auf dem D-Deck die Schnürsenkel zu. Nur Mut! Nur keine Müdigkeit, meine Damen, Galopp! ruft der Gymnastiklehrer, Mr. McCawley, tiptop wie immer in seinem beigen Flanellanzug, durch die getäfelte Turnhalle. Lautlos schaukeln die mechanischen Dromedare auf und ab. Niemand ahnt, daß der Unermüdliche magenkrank ist, daß er nicht schwimmen kann, daß er sich fürchtet. John Jacob Astor hingegen schlitzt mit der Nagelfeile einen Rettungsring auf und zeigt seiner Frau, einer geborenen Connaught, was drin ist (vermutlich Kork), während in den Laderaum vorn armdick das Wasser strömt, eisig unter den Postsäcken gurgelt, in den Kombüsen sickert. Wigl wagl wak, spielt die Band in schneeeweißer Uniform, my monkey: ein Potpourri aus der «Dollarprinzessin». Auf ins Metropol! Berlin wie es leibt und lacht! Nur ganz unten, wo man, wie immer, zuerst kapiert, werden Bündel, Babies, weinrote Inletts hastig zusammengerafft. Das Zwischendeck versteht kein Englisch, kein Deutsch, nur eines braucht ihm kein Mensch zu erklären: daß die Erste Klasse zuerst drankommt, daß es nie genung Milch und nie genug Schuhe und nie genug Rettungsbote für alle gibt. ________ O afundamento da Titanic SEGUNDO CÂNTICO O embate foi levissimo. A primeira mensagem rádio: 00h15. Mayday. À todos. Posição 41º 46’ Norte 50º 14’ Oueste. Fantástico, este Marconi! Um tique-taque na cabeça, no auricular, sem fios e distante, tão distante – mais distante do que meio século! Nenhumas sereias, nenhuma campainha de alarme, só um bater discreto na porta da cabina, uma tossidela no salão de fumo. Enquanto em baixo a água sobe, um steward ata a um senhor idoso ofegante, máquinaria de ferragens e metalurgia, no Convés D os laços dos sapatos. Corágem! Não vale cansaço, minhas Senhoras, galope! chama o professor da ginástica, Mr. McCawley, impecável como sempre no seu fato de flanel cor de creme, através do ginásio. Inaudível abanam os dromedares mecánicos para cima e para baixo. Ninguém calcula, que o incansável sofre de estómago, que não sabe nadar e que tem medo. John Jacob Astor por sua vez abre, com a sua lima-unhas, uma boia de salva-vidas e mostra a sua mulher, uma nascida Connaught, o que está lá dentro (presumivelmente cortiça), enquanto no porão em frente a água entra em jactos grossos, gelada, gargareja debaixo de sacos de correio, se infiltra nas cozinhas. Wigl wagl wak, toca a banda em fardas brancas como neve, my monkey: Um potpourri da «Dollarprinzessin». Venham ao Metropol! Berlim como vive e rí! Só mesmo em baixo, onde se percebe, como sempre, primeiro, junta-se apressadamente haveres, bébés, inlets cor de vinho. A entrecoberta não percebe inglês, nem alemão, mas uma coisa ninguém lha precisa de explicar: que a Primeira Classe vem sempre primeiro, que nunca há leite suficiente, que nunca há sapatos e barcos salva-vida para todos. 13.9.05
Olga Quintanilha (1942-2005) Uma mulher forte. Uma mulher que colocou a causa pública acima dos interesses pessoais. Uma arquitecta e cidadã. Uma amiga. Em cima das cabeças dos deputados alemães (Arquitectura: Norman Foster) "Uma superpotência humilhada e virada para dentro de si própria é tudo que o mundo não precisa. Precisa de uma superpotência mais humilde - o que é outra coisa. [...] O Iraque transformou-se na sua primeira lição de realismo e humildade. A única superpotência mundial, com o seu gigantesco poder militar, não consegue vencer o caos imposto por uma ínfima minoria de fundamentalistas fanáticos [...]. O segundo mandato de Bush já incluiu esta lição. O Katrina, na melhor das hipóteses, pode reforçar esta tendência." Teresa de Sousa tem razão, no Público de hoje. O que custa, é que o mundo, e alguns muito mais do que outros, têm de pagar pela aprendizagem da superpotência, que já se pensava conseguido pela geração anterior dos seus líderes. 12.9.05
Escrevo o Minicente: Escreve o Blogue de Esquerda II: “Total da ajuda estrangeira à catástrofe de Nova Orleães ocorrida há uma semana: 1 bilião de dólares. Total da ajuda estrangeira até agora ao tsunami que ocorreu em Dezembro na Indonésia: 2,8 biliões de dólares. Número de mortos em Nova Orleães: 71 até agora, temendo-se até 10.000. Números de mortos no Sudeste Asiático: cerca de 200.000” Comentário: Há engenharias matemáticas que são realmente perversas. Mais perversas do que o perverso que vive no juízo de quem as enuncia. Meu comentário: Espontaneamente julguei saber a indignação do Luis Carmelo justificada. Mas depois procurei explicitar a argumentação que a sustenta e não encontrei nada que me convenceu. Talvéz o Luis não se importa de explicá-la. ERSTER GESANG Einer horcht. Er wartet. Er hält den Atem an, ganz in der Nähe, hier. Er sagt: Der da spricht, das bin ich. Nie wieder, sagt er, wird es so ruhig sein, so trocken und warm wie jetzt. Er hört sich in seinem rauschenden Kopf. Es ist niemand da außer dem, der da sagt: Das muß ich sein. Ich warte, halte den Atem an, lausche. Das ferne Geräusch in den Ohren, diesen Antennen aus weichem Fleisch, bedeutet nichts. Es ist nur das Blut, das in der Ader schlägt. Ich habe lang gewartet, mit angehaltenem Atem. Weißes Rauschen im Kopfhörer meiner Zeitmaschine. Stummer kosmischer Lärm. Kein Klopfzeichen. Kein Hilfeschrei. Funkstille. Entweder ist es aus, sage ich mir, oder es hat noch nicht angefangen. Jetzt aber! Jetzt: Ein Knirschen. Ein Scharren. Ein Riß. Das ist es. Ein eisiger Fingernagel, der ander Tür kratzt und stockt. Etwas reißt. Eine endlose Segeltuchbahn, ein schneeweißer Leinwandstreifen, der erst langsam, dann rascher und immer rascher und fauchen etzweireißt. Das ist der Anfang. Hört ihr? Hört ihr es nicht? Haltet euch fest! Dann wird es wieder still. Nurt in der wand klirrt etwas Dünngeschliffenes nach ein kristallenes Zittern, das schwächer wird und vergeht. Das war es. War es das? Ja, das muß es gewesen sein. Das war der Anfang. dert Anfang vom Ende ist immer diskret. Es ist elf Uhr vierzig an Bord. Die stählerne Haut unter der Wasserlinie klafft, zweihundert Meter lang, aufgeschlitzt von einem unvorstellbaren Messer. Das Wasser schießt in die Schotten. An dem leuchtenden Rumpf gleitet, dreißig Meter hoch über dem Meeresspiegel, Schwarz und lautlos der Eisberg vorbei und bleibt zurück in der Dunkelheit. __________________ O afundamento da Titanic PRIMEIRO CÂNTICO Alguem escuta. Espera. Sustém a respiração, muito perto, aqui. Diz: Quem aí fala, sou eu. Nunca mais, diz ele, estará tão calmo, tão seco e tão quente como agora. Ele ouve-se na sua cabeça rumorejando. Está cá ninguem excepto ele quem ai diz: Isto deve ser eu. Espero, sustenho a respiração, escuto. O ruído distante nos ouvidos, naquelas antenas de carne macia, não significa nada. É só o sangue, Que bate nas artérias. Esperei muito tempo com a respiração sustida. Ruído branco nos auscultadores da minha máquina de tempo. Ruido cósmico mudo. Nenhum sinal batido. Nenhum grito de socorro. Silêncio no rádio. Ou acabou, digo-me, ou ainda não começou. Mas agora! Agora: Um ranger. Um raspar. Um rasgo. É isso. Uma unha gelada, que arranha na porta e emperra. Algo rasga. Um interminável pano de vela. Uma tela branca de neve, que começa a rachar, lento primeiro, depois cada vez mais rápido, escarrando. Isto é o começo. Ouvem? Não ouvem? Seguram-se! Depois volta o silêncio. Só na parede ainda está a tinir algum biselado fininho, um tremer cristalino, que diminui e perece. Foi isto. Foi isto? Sim, isto deve ter sido-o. Isto foi o início. O início do fim é sempre discreto. São onze horas e quarenta a bordo. A pele de aço, debaixo da linha de água aberta ao longo de duzentos metros rachada por uma faca impensável. A água jacta nas comportas. Ao lado do casco luminoso, desliza com trinta metros de altura acima do nível do mar, preto e silencioso, o iceberg e fica para trás na escuridão. (Hans Magnus Enzensberger) 11.9.05
É óbvio, João, que esta decisão é consequência de mais nada do que do comprovado rigor com que as autoridades americanas protegem a saúde e a vida dos seus cidadãos. A ideia de que a ajuda foi recusuada porque constituiria uma humilhação - no mote: América não precisa de ajuda alimentar - seria uma insinuação da qual só os anti-americanos primários de costume são capaz. Por outro lado porém: que a ajuda foi enviada, antes de mais e precisamente com o motivo de humiliar os americanos, essa ideia é - tendo en vista o anti-americanismo dos Alemães - de ter em conta! "Tinha decidido fazer um discurso na ocasião da exposição, porém num fato de mergulho, para representar o sub-consciente. Metiam-me então na minha armadura e até me calçavam botas com solas de chumbo, que me tornavam impossível mexer as minhas pernas. Tinham de carregar-me para o pódio. Então colocavam-me o capacete e aparafusavam-no. Atrás do vidro do meu capacete, comecei com o meu discurso, a frente dum microfone, que obviamente não era capaz de registar nada. A minha mímica, porém, fascinava o público. Mas cedo lutava, de boca aberta, por ar, a minha cara ficou vermelha, depois azul. Aparentemente esqueceram-se de ligar-me a um sistema de fornecimento de ar e eu estava a sufocar. O especialista, que me tinha fornecido o equipamento, tinha desaparecido. Com gestos dei a entender aos meus amigos que a minha situação ficava precária. Um foi buscar uma tesoura e tentava em vão furar o fato, um outro quis desaparafusar a capacete. Como não sucedeu, começou a bater com um martelo nos parafusos... Dois homens tentavam de arrancar-me a capacete, um terceiro continuava a bater no metal, assim que quase perdi a consciência. No pódio já so havia uma luta confusa e feroz, da qual emergi de vez em quando como um boneco com membros deslocados, e o meu capacete de cobre soava com um tantã. E então o público aplaudiu a este bem sucedido mimodrama daliano, que nos seus olhos sem dúvida representava, como o consciente tenta de apoderar-se do sub-conciente. Mas a mim este trinfo quase matou. Quando finalmente me arrancavam o capacete, estava tão branco como Jesus depois do jejum dos quarenta dias." (Salvador Dalí, na sua autobiografia Comment on devient Dalí) 10.9.05
9.9.05
(À pedido da t.) 5 coisas de que gosto: - dos meus filhos - fazer projecto (de arquitectura) - ler - viajar sozinho - conversar sobre coisas (p.ex. os assuntos que trato no blogue) 5 coisas de que não gosto: - small talk - mesquinhez - tofu - publicidade - "chain-letters" e afins 5 Albums: - Physical graffiti - PG 3 - New York - Mellon Collie and the Infinite Sadness - Time out of mind 5 Músicas: - A Day in the Life - A Perfect Day - Sound Chaser - Skating away - Come as You are Passo... 8.9.05
Muitos dos defensores da America bushiana estão zangados com o Katrina, que pôs a nu os efeitos nefastos, a "colateral damage", duma política que prescinde da solidariedade social e da responsabilidade do estado pelos seus cidadãos. Como zangar-se com um fenómeno natural é pouco inteligente, e que está fora de questão zangar-se com os responsáveis pela referida política que defendem, resta-lhes zangar-se com os "hipócritos", que aproveitam a catástrofe do Katrina para fazer o seu ponto. Este aproveitamento não pode ser outra coisa a não ser mais uma expressão do omnipresente "anti-americanismo". Não tentarei desmentir, pois como Pacheco Pereira hoje avisou na sua página no Público (sem link), que dedicou integralmente ao combate destes aproveitadores, não vale a pena vir com conversa. Estes são dias difíceis para os que habitualmente se irritam com a famingerada atitude de superioridade moral da esquerda. Da minha parte, nunca reclamei essa superioridade moral para mim, nem acho que ela existe. Acho porém, que o caso Katrina serve, com excelência, para demonstrar a inferioridade moral das políticas da direita. 7.9.05
1ª Classe: embarcados 325, salvos 203, perdidos 122 2ª Classe: embarcados 285, salvos 118, perdidos 167 Entrecobertas: embarcados 1316, salvos 499, perdidos 817 Tripulação: embarcados 885, salvos 212, perdidos 673 Total: embarcados 2201, salvos 711, perdidos 1490 (Estatísitica das perdas de vidas no naufrágio da Titanic) Playmate da semana: Venus (Dalí) Entre outro, sobre "uma profecia em miniatura do Reino de Deus..." 6.9.05
“Tal como o 11 de Setembro, a tragédia tem servido até agora principalmente para que as pessoas possam confirmar as suas próprias ideias preconcebidas. A esquerda proclama-a como prova da necessidade de um governo federal robusto… os conservadores encontram justificações para confirmar a sua crença na necessidade de impor vigorosamente a ordem; os liberais vêem no desastre e no seu rescaldo um exemplar falhanço do governo… os ambientalistas impressionam-se com a constatação que o Katrina prova a necessidade de carros mais económicos; e loucos fanáticos religiosos de todas as crenças encontram ali “a mão de Deus” destruindo os seus inimigos… Viva, hurra! Todos ganham! Outra vez!” (Jim Henley: Unqualified offerings, via Rua da Judiaria) Isso é verdade e não surpreende. Mesmo assim, o debate sobre o desastre vai fornecer-nos a informação sobre o que falhou, se algo falhou. E respostas. Essas serão diferentes de acordo com os pontos de vista ideológicos de cada um. Uma delas irá concluir que não é preciso tirar nenhuma lição: não que o desastre foi um inevitável castigo divino, mas que foi a opção economicamente mais correcta. (Isto é, se não se enterra agora, a posteriori, o dinheiro do contribuinte na reconstrução de vidas das pessoas que cometeram a imprudência de não se prevenir adequadamente.) Irá concluir, eventualmente, que um sistema de diques e bombas que resiste a um furacão da classe 4 - e, já agora, da classe 5 - não é um investimento que se amortiza, e que se deve, por isso, votar a cidade ao abandono. Podia entender, também, que o abandono da cidade não é algo que cabe às autoridades impôr, o que significaria, que a situação antes do furacão, de habitar meio milhão de pessoas numa cidade insuficientemente protegida contra furacões da categoria do Katrina não foi escândalo nenhum mas uma escolha livre dos respectivos indivíduos, e do ponto de vista da economia nacional, perfeitamente aceitável. Talvéz uma reconstrução de 50 em 50 anos, o enterro dos que tiveram a falta de juizo ao prescindir de meios de fugir em caso de emergência é mais barato do que a construção dum sofisticado equipamento público, que bem merecia a denominação obra faraónica. Não sou eu quem fala... 5.9.05
4.9.05
Que a América, a América orgulhosa, rica e poderosa, e famosa pela sua organização, não tem resposta adequada perante uma catástrofe natural previsível no próprio território, traz me sentimentos mistos. Começo com o mais ignóbil: - Alguma satisfacção clandestina ao verificar que o país mais poderoso do mundo, cuja arroância me tantas vezes irrita, não fez melhor figura do que um país do terceiro mundo. E também satisfacção induzida pela confirmação duma ideia preconcebida que tinha: neste caso, da incompetência da administração americana. - Incredulidade: Aos holandeses, que vivem tanto abaixo do nível do mar como os habitantes de Nova Orleans, isto nunca poderia ter acontecido. (A grande cheia de 1953, João Miranda, oito anos depois da devastação da guerra, foi a última catástrofe deste género. Depois arregassaram as mangas e defenderam-se adequadamente.) - Revolta, ao verificar que as vítimas são, claro, os mais pobres. E, sem surpresa, que os mais pobres são os pretos. A suspeita de que este facto e a impreparação da população, mas também e antes de mais das autoridades, estão relacionados. - Revolta e tristeza ao verificar o aparente colapso da ordem pública no território da catástrofe. Falha das forças de segurança, mas o que mais me assusta e desilude é a aparente falha da sociedade civil. Costuma contar-se, noutros desastres semelhantes, histórias exemplares de solidariedade e de entre-ajuda dos atingidos. - Compaixão com as vítimas, claro. (Resisto ao intuito de colocar este ponto, a posteriori, no primeiro lugar desta lista). E tristeza perante a perda de património cultural. - Mas também: Uma angústia, uma sentimento de desprotecção, ao verificar que os grande EUA, aquele grande irmão, pouco amado, tantas vezes irritante, injusto, prépotente, mas também protector, se revela tão impotente. P.S.: A forma como Nova Orleans e a região foram atingidas pela catástrofe e como a população e as autoridades (não) souberam reagir reforça uma minha suspeita: Não foram atingidas como se fossem do terceiro mundo, mas foram atingidas assim por serem terceiro mundo. Algumas caracterísitcas falam por isso: A falta de planeamento, a falta de investimento público, neste caso, antes de mais na segurança colectiva ou seja em diques seguros, e a falta duma solidariedade da população, que atravessa as barreiras de classe. Também é um aspecto dos nossos tempos, que o terceiro mundo não se delinea através de fronteiras nacionais. |
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