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Mesmo que custe. «Female genital cutting is today mainly practiced in African countries. It is common in a band that stretches from Senegal in West Africa to Somalia on the East coast, as well as from Egypt in the north to Tanzania in the south, see Map. In these regions, it is estimated that more than 95% of all women have undergone this procedure. It is also practiced by some groups in the Arabian peninsula, especially among a minority (20%) in Yemen. The countries that practice FGC the most are: Somalia, followed by Egypt, Sudan, Ethiopia, and Mali. Among ethnic Somali women, infibulation is traditionally almost universal. In the Arab peninsula, Sunna circumcision is usually performed, especially among Arabs (ethnic groups of African descent are more likely to prefer infibulation). Whilst FGC is widely practiced out in the open by African Muslims, it is practiced in secrecy in some parts of the Middle East. The practice occurs particularly in northern Saudi Arabia, southern Jordan, and Iraq, and there is also circumstantial evidence to suggest it is present in Syria, western Iran and southern Turkey. In Oman a few communities still practice FGC; however, experts believed that the number of such cases was small and declining annually. In the United Arab Emirates and also Saudi Arabia, it is practiced mainly among foreign workers from East Africa and the Nile Valley.» (Wikipedia) Ontem não vi televisão, mas andei todo o dia em Lisboa, em trabalho. Hoje leio no jornal que houve uma greve geral. Não dei por nada. 30.5.07
Tamino e Pamina (Max Slevogt) «Não se trata de uns quantos casos isolados, o mundo está coberto de comunidades feridas, que sofrem ainda hoje perseguições ou que ainda guardam a lembrança de sofrimentos antigos: e que sonham conseguir a vingança. Não podemos ficar insensíveis ao seu calvário; temos que defender o seu desejo de falar livremente a sua língua, de praticar sem temor a sua religião ou de preservar as suas tradições. Mas da compaixão desliza-se por vezes para a complacência. Aos que sofreram na pele a arrogância colonial, o racismo e a xenofobia, perdoamos-lhes os excessos da sua própria arrogância nacionalista, do seu próprio racismo e da sua própria xenofobia, desinteressando-nos por isso da sorte das suas vítimas, a menos que o sangue tenha jorrado a rodos. É que nunca se sabe onde acaba a legítima afirmação de identidade e começa o espezinhamento dos direitos dos outros! Não dizia eu, pois, que a palavra “identidade” era um “falso amigo”? Ela começa por reflectir uma aspiração legítima e torna-se subitamente um instrumento de guerra.» (Amin Maalouf, As Identidades Assassinas) daqui 29.5.07
Hocus Pocus, (Focus) Este post não se dirige a nós, é uma conversa entre mulheres. Confidencial. Só por acaso, por desleixo, por vício deste meio virtual, cheguei a ouvi-la. Como disse, por engano. Enquanto interlocutores, não somos para ela chamados, mas estamos presentes nela, como o seu objecto - e de que maneira! E já que assisti, sinto me compelido de comentar. Compreendo a exasperação perante a nossa placidez, que toma as coisas como são. Que diz às coisas como são. E as mantém assim. Compreendo o desejo de experimentar - uma vez - este verbo "penetrar", aquele que nos une e distingue, no outro modo do que naquele que vos coube por natureza. A natureza, essa, está do nosso lado. Sempre esteve. (Sempre estará?) Mas vocês não falam da natureza, falam da techne: da questão procedimental. Têm razão: não é assim tão fácil. I can’t get it into my head. Assim. 28.5.07
Maslov no frio:
Depois das Necessidades, os Prazeres. Só o Luis escreve assim. 25.5.07
Judite e a criada (Artemisia Gentileschi) Encontrei esta artista, como muit@s outr@s, na minha pesquisa de playmates. Antes associava o nome Gentileschi com alguns quadros, mas não conseguia distinguir a Artemisia do seu igualmente famoso pai, Orazio. Artemisia pintou algumas vezes mulheres nuas - a obra mais conhecida é esta, porém depois de ler sobre a sua vida, parecia-me algo frívolo postá-la nesta categoria. Talvez um dia postarei uma, mas neste caso será uma em que a protagonista esteja vestida, para além de armada com uma longa faca. Agora a história da Artemisia. Era filha do pintor Orazio Gentileschi e teve a oportunidade de aprender o ofício desde muito pequeno no atelier do seu pai. Aos 19 anos, em 1612, foi lhe recusada a entrada na academia das artes de Florença, por ser mulher. O pai contratou então o seu colega Agostino Tassi para lhe dar aulas privadas. Nas aulas Tassi violou-a, e depois de ter fracassado o dispositivo habitual para sanar infortúnios desta natureza - casar Artemísia com Tassi - por recusa deste, Orazio recorreu à segunda melhor forma de resolver o problema, e apresentou queixa crime. Tassi negou tudo, e assim, para descobrir se a violação não foi inventada pela jovem, ela foi submetida, para além de exames ginecológicos, à tortura. Entalaram-lhe os dedos, mas ela aguentou e não revogou o seu testemunho. Assim acabou tudo bem e Tassi foi condenado a um ano de prisão. Acabou mesmo bem porque por sorte, apesar da mutilação dos dedos, Artemísia pôde continuar a pintar. Os quadros melhores e mais intensos da sua obra são, sabe-se-lá porquê, duas cenas bíblicas: Judite a decapitar Holofernes, e a judia Sisera a martelar um prego no crâneo do general canaanita Jael. Es kommen härtere Tage. Die auf Widerruf gestundete Zeit wird sichtbar am Horizont. Bald musst du den Schuh schnüren und die Hunde zurückjagen in die Marschhöfe. Denn die Eingeweide der Fische sind kalt geworden im Wind. Ärmlich brennt das Licht der Lupinen. Dein Blick spurt im Nebel: die auf Widerruf gestundete Zeit wird sichtbar am Horizont. Drüben versinkt dir die Geliebte im Sand, er steigt um ihr wehendes Haar, er fällt ihr ins Wort, er befiehlt ihr zu schweigen, er findet sie sterblich und willig dem Abschied nach jeder Umarmung. Sieh dich nicht um. Schnür deinen Schuh. Jag die Hunde zurück. Wirf die Fische ins Meer. Lösch die Lupinen! Es kommen härtere Tage. _____________ Vêm aí dias difíceis. O tempo até ver aprazado assoma no horizonte. Em breve terás de atar os sapatos e recolher os cães nos casais da lezíria, pois as vísceras dos peixes arrefeceram ao vento. Mortiça arde a luz dos tremoceiros. O teu olhar abre caminho no nevoeiro: o tempo até ver aprazado assoma no horizonte. Do outro lado enterra-se-te a amante, a areia sobe-lhe pelo cabelo a esvoaçar, corta-lhe a palavra, impõe-lhe silêncio, acha-a mortal e pronta para a despedida depois de cada abraço. Não olhes em volta. Ata os sapatos. Recolhe os cães. Lança os peixes ao mar. Extingue os tremoceiros! Vêm aí dias difíceis. (Ingeborg Bachmann; tradução de Judite Berkemeyer e João Barrento) Marcar conferências de imprensa do seu líder, em prime time, onde este exige com toda a determinação ao Primeiro Ministro que obrigue um seu ministro a pedir desculpas para uma frase infeliz. 24.5.07
Não parece errado o que o Pedro Picoito escreve sobre a literatura das minorias. Porém, não está certo. Se é verdade que uma grande obra de arte extravasa, por definição, o seu mundo, não se pode concluir daí que uma obra de arte de genre não possa ser grande. Uma obra de arte pode limitar-se, no que respeita ao seu objecto (Gegenstand), ao assunto mais restrito e marginal, sem qualquer prejuízo pela sua grandeza. A universalidade que é, como Pedro Picoito bem diz, característica de qualquer obra realmente grande, não advém da universalidade do seu objecto, mas da própria arte com que o trata. Vermeer não é um grande pintor da vida doméstica da burguesia holandesa: é um grande pintor. 23.5.07
Prinzessinen Luise und Friederike von Preussen (Johann Gottfried Schadow) 21.5.07
Há quem aqui escreve como se lhe apetecesse, dia sim, dia sim, dar um par de estalos às mais variadas personagens neste país. A sua irritação muitas vezes é compreensível, a indignação fundada. Outras vezes, não é. Mas o que fica, ao longo prazo, não são os motivos da sua indignação, é a imagem desagradável dum homem que anda por aqui na ânsia de distribuir estalos. Esperemos que nunca lhe chegue a oportunidade. Isto é uma canção de Reinhard Mey, um conhecido cantor-autor alemão. Não a encontrei no Youtube, mas ainda espero arranjar o MP3. A canção é dos anos '70, e Mey era, por causa dele e outros, proscrito pelos verdadeiros progressistas, como um detestável individualista burguês. Bevor ich mit den Wölfen heule, werd ich lieber harzig, warzig grau, verwandele ich mich in eine Eule oder vielleicht in eine graue Sau. Ich laufe nicht mit dem Rudel, ich schwimme nicht mit im Strudel, ich hab noch nie auf Befehl gebellt. Ich lasse mich nicht verhunzen, ich will nach Belieben grunzen, im Alleingang, wie es mir gefällt! Ich will in keinem Haufen raufen, laß mich mit keinem Verein ein! Rechnet nicht mit mir beim Fahnen schwenken, ganz gleich, welcher Farbe sie auch sein. Ich bin noch imstand, allein zu denken, und verkneif mir das Parolenschrein. Und mir fehlt, um öde Phrasen, abgedroschen, aufgeblasen, nachzubeten, jede Spur von Lust. Und es paßt was ich mir denke, auch wenn ich mich sehr beschränke, nicht auf einen Knopf an meiner Brust! Ich will in keinem Haufen raufen, laß mich mit keinem Verein ein! Bevor ich trommle und im Marschtakt singe und blökend mit den Schafen mitmarschier, geschehn noch viele Ungeschehne Dinge, wenn ich mir je gefall als Herdentier. Und so nehm ich zur Devise, keine andere als diese: Wo schon zwei sind, kann kein drittter sein. Ich sing weiter ad libitum, ich marschier verkehrt herum, und ich lieb dich weiterhin allein! Ich will in keinem Haufen raufen, laß mich mit keinem Verein ein! Erinnert euch daran, sie waren zwölfe: Den dreizehnten, den haben sie eiskalt verraten und verhökert an die Wölfe. Man merke: Im Verein wird keiner alt! Worum es geht, ist mir schnuppe: Mehr als zwei sind eine Gruppe. Jeder dritte hat ein andres Ziel, der nagelt mit Engelsmiene beiden ein Ei auf die Schiene! Nein, bei drein ist einer schon zuviel! Ich will in keinem Haufen raufen, laß mich mit keinem Verein ein! _____________ Antes que uive com os lobos Antes que uive com os lobos, ficarei cinzento, verrugoso, sebento, transformar-me-ei num mocho, ou talvez num porco cinzento. Não corro com a matilha, não boto nada da cartilha, a mando nunca ladrarei! Se dizem "anda!" eu espero, grunho ainda quando quero, e sempre o farei. Não lutarei em nenhum bando, não me associo a nenhuma associação, não! Não contem comigo a agitar bandeiras, sejam elas de que cor. Ainda sei pensar sozinho, gritar palavras d'ordem eu suprimo, sejam elas de que for. E falta-me p’ra frases mofas, velhas, gastas e balofas, qualquer espécie de jeito. E não me cabe o que eu penso, mesmo se me limito imenso, num botão no meu peito. Não lutarei em nenhum bando, não me associo a nenhuma associação, não! Antes que cante, marche, arrufe, antes que me junte à carneirada, ainda verão muitas coisas, antes me verem na manada! Meu lema é só este: Onde há dois, o terceiro é demais! Ainda canto ad libitum, marcho contra-mão e ainda um, sozinho, amar-te-ei. Não lutarei em nenhum bando, não me associo a nenhuma associação, não! Lembrem-se que eram doze: o outro, venderam-no sem dó aos lobos. Notem: num clube morre-se cedo, e também num clube morre-se só. Quero-lá-saber de que se trata, mais que dois são uma treta, qualquer terceiro tem um outro fim. Que com cara de anjnha corte a ambos a perninha: Não, três já ficarão sem mim! Não lutarei em nenhum bando, não me associo a nenhuma associação, não! (desculpem-lá a fraca tradução) 20.5.07
Com énfase e sem reservas. 18.5.07
Hopefully I will live through this with a little dignity! (Jon Pylypchuk) 17.5.07
Leio que o primeiro acto político do novo Presidente da França foi pôr todos os alunos franceses a ler uma carta de despedida dum jovem resistente que foi fuzilado pelos ocupantes nazis. Nada contra a carta, muito menos contra o resistente. Mas que um Presidente decide, por alta recriação e em pessoa, um texto que os alunos lêem na escola, é pensável num Zimbabue, numa Cuba, numa Venezuela. Na Europa: só em França! 16.5.07
Só para salvar a reputação da música dos anos '80, Shyz. Nota: Enquanto os Scorpions são do país de Beethoven, estes aqui são do de Mozart. A mobília e a decoração da casa tem sido desde sempre um assunto muito delicado no nosso casamento. Uma vez contei as minhas amarguras a um amigo, e ele disse-me: “Dou-te um conselho, fundado em longa e dolorosa experiência: Desiste! Deixa este assunto inteiramente ao critério da tua mulher. É a única maneira de salvar a paz e a felicidade no casamento.” É no entanto preciso acrescentar que esse amigo é engenheiro e não arquitecto. E a mulher dele é economista, não pintora e professora de educação visual. Tenho essa desculpa para o facto de que ainda me custa seguir o conselho do meu amigo, embora hoje, depois de anos, já conseguir, apesar de isso significar umas paredes em cor de laranja berrante, outros azul céu, etc. O problema é que a Margarida ainda me pergunta a opinião, e fica ofendida quando a dou. Sei que a culpa é minha. Porque ainda não aprendi o que realmente significa «ceder». Já devia tê-lo feito, pois é uma verdade antiga e universalmente comprovada. Ceder não é deixar o outro fazer como quer. Isso não basta. Nem é metade do caminho. É preciso achar bem que o outro faz e admiti-lo publicamente. Senão, é uma submissão incompleta e quase como inexistente, em todo o caso inválida. Se tivesse tido uma educação decente, nomeadamente religiosa, sabia isso. Qualquer membro duma igreja tem essa verdade elementar no sangue. Eu não. Fui incapaz de não dizer a minha opinião, a verdadeira, quando a Margarida solicitou a minha aprovação expressa, a frente de amigos, na ânsia de extinguir o nosso conflito que - como não havia de ser, uma vez que nos amamos - também a ela custa. Isto foi a pintura da casa, no ano passado. A seguir havia de escolher um novo sofá, e concordámos bastante rapidamente e bem no modelo Hamra da IKEA, em pele. Mas quando queríamos chegar às vias de facto e encomendá-lo, ela já não o queria ou, pelo menos, não na cor que ambos preferíamos: castanho avermelhado. Parece que eu tenha repetido, quando ela sugeriu a cor castanho avermelhado, na altura, em tom irónico "castanho avermelhado???". Não me lembro nada disto, quanto muito, tenho repetido "castanho avermelhado?", numa auto-interrogação que juro foi inocente. Enfim. Este melindre levou a dois meses sem sofá em casa. Mas tudo acabou bem. Entretanto temos o sofá castanho avermelhado e todos gostamo-lo e é confortável também. (Aditamento: Não ficámos nada sem sofá. Temos mais juízo do que portarmo-nos como acima relatado. Mas para uma boa história a verdade, também ela, as vezes tem que ceder um bocadinho.) Le desir (Loustal) 14.5.07
13.5.07
12.5.07
«Le délit abject, index d’horreur, tourbillon. Rien de plus odieux ni de plus révoltant. L’enfant égarée, les infâmes, la ruse sècrete, le traffic, la cruauté, le supplice, notre voracité, besoin de récit exhaustif, de nouvelles, de pestilences, des détails de l’enfer, y compris le désespoir et l’impotence des parents, nos chèvres modernes et specialisés, le châtiment et les peines qu’ils (ils que, bien qu’ils sont parmis nous, cultivent un vice étranger ignoble) doivent subir, les jeux prodigieux (et presque insaisissables) de culpabilité et de honte imposés par les prédicateurs et les officiales regii des métiers nobles dès le debut de l’affaire, le danger et la crainte étendue, le sentiment de menace, l’œil allumé, glissement vers la méfiance et la garde même de ceux de qu’on attend du soin, de la protéction, de l’amour, âmes peut-être damnées sous la mise-en-scène d’angelot. Conjoints, partenaires, voisins, amis, copains, enseignants, tuteurs, figures agréables en général, tous des virtuels scélérats, gens méchant, tous aussi contraindrent à récréer l’auxiliaire policier à fin de repousser le soupçon, sans toujours y parvenir complètement. La surveillance ne doit être jamais relâchée – qu’elle frappe en aveugle dans toutes les directions. Il faudrait faire état de tout cela. On brûle moins, on s'arrêtera, on se déplace. L’économie symbolique de la peur – rapport formidable à l’ordre – elle aussi rend les esprits dociles et utiles, ménagés. La tragédie (à suivre) ce n’est que de l’hyper-ritualisation, forme d’engloutissement de la bestialité. Il ne faut pas renoncer aux joies paisibles d'une vie placide.» Vale a pena saber ler francês. 11.5.07
A juventude de Zeus (Lovis Corinth) 10.5.07
A minha mãe, quando tinha a idade do meu filho mais novo hoje (7), andou dia sim dia não dez quilómetros com a sua irmã um ano mais velha, para buscar dois litros de leite à quinta. Os pais instruiram-nas que, quando vier um Tiefflieger, isto é um avião sniper dos ingleses, que costumavam fazer caça aos civis em 1944, não se preocuparem com o leite derramado mas procurarem imediatamente abrigo das rajadas de metralhadora nas valas a beira do caminho. Um amigo do meu pai ficou cego aos doze anos porque teve azar ao brincar com munições que encontravam em todo o lado. Teve mais azar que o meu pai. Isto foi em 1947, dois anos depois da guerra. Eu ainda andava no primeiro ano que brincava sozinho, isto é, sem ser acompanhado por adultos, com os outros miúdos na rua. Escalámos numa pedreira abandonada, faziamos batalhas com fisgas. De tábuas e velhos barris fizemos uma jangada com que atravessávamos o charco. Ninguém de nós sabia nadar. Desde a segunda semana fazia o caminho para a escola primária sozinho. Eram três quarteirões, entre prédios de habitação e fábricas, em Wuppertal. Depois de mudarmos para o campo, tinha eu nove anos, o meu raio de acção aumentou. Como o liceu era à doze quilómetros, visitava os meus amigos nesta vila e mais além, de bicicleta ou de autocarro, sozinho, e sem telemóvel. No inverno, voltava no escuro. Aos dez anos o meu pai pôs-me no comboio, em Colónia, e a minha tia esperava-me no Gare du Nord, em Paris. Medidas de segurança: Pediu ao pica-bilhetes de ter um olho em mim. Aos treze meteram-me a mim e um colega da turma numa camioneta para Oostende, onde chegava às quatro de manhã. Lá, tínhamos de desenrascar-nos e embarcar no ferry para Dover, e em Dover, depois de passar a alfândega, meter-nos no comboio para a Victória Station, onde o tio do meu amigo nos esperava. Sozinhos, e a tomar conta da nossa bagagem também. Aos quinze fiz a primeira viagem de autostop, para Munique, e no ano seguinte atravessei a França, o vale do Loire, até ao Bretagne. Hoje, levo o meu filho de sete anos todos os dias para a escola, e o irmão de 14 todos os dias vai buscá-lo. Se vai para algum lado, vai levado por nós. E custa-me, mas esforço-me, já não fazer o mesmo com os meus dois filhos grandes, de 14 e 17 anos. Porquê conto isso tudo? Porque alguém criticou os pais da Madeleine por tê-la deixado sozinha em casa. Quantas vezes alguém fez algo semelhante? Eu já fiz. Quantas vezes aconteceu uma tragédia? Claro que para os pais da Madeleine já não há consolação. Mas recuso-me de retirar daí uma lição generalizada: A de que não se pode deixar os filhos fora dos olhos nem um minuto... Vivemos obcecados com a segurança. E com cada risco que eliminamos através de uma medida que reduz a liberdade e a autonomia - a nossa e a dos nossos filhos - ainda mais, encontramos um novo perigo que não nos deixa descansar até também termos tratado dele. Assim, - admito - no computo geral, poupamos algumas vidas, evitamos algumas tragédias. Estatisticamente, os meus filhos estarão mais seguros. Mas pelo que preço? Pelo de saberem menos da vida e de serem menos capazes de lidar com situações de risco, menos capazes de dependerem deles próprios e de reagir bem em situações não previamente preconizadas. Se pudesse dizê-lo, sem arriscar que um Villas-Boas viesse por em causa a minha aptidão como encarregado de educação, então diria: Na próxima vez no Algarve, quando o meu filho pequeno quer ir comprar o seu gelado sozinho, deixá-lo-ei ir, satisfeito e orgulhoso, e com fé em Deus. Nota: O sistema dos comentários anda, pelos vistos, com problemas. Já vi aqui mais comentários da Helena,da Susana e da Gabriela, que valem a pena ler. Aparentemente há um truque, que os volta a tornar visível para o leitor. Tem que deixar ele próprio um comentário, nem que seja uma letra. Mistérios do nosso mundo novo... Actualização: Parece que o problema está resolvido. O que parecia via rápida deu lugar, após a próxima curva, a uma estrada larga, de berma aberta, com todo o tipo de tráfego: camiões, carros, carrinhas, motas e bicicletas. E táxis colectivos, sempre velhos Mercedes. Sinais de limite de velocidade, de 60, 40, 20, alternavam com frequência e sem qualquer sentido. Mas toda a gente cumpria-as religiosamente. Não tardou e L. compreendeu porquê. A polícia estava omnipresente, cronometrando os automóveis ao passarem um determinado troço, e por vezes até equipada com radares portáteis. Em cada cruzamento maior, em cada rotunda, havia um posto de controlo, um road-block. Lagartas metálicas com espigas de aço estavam preparadas no chão para serem estendidas, em caso de necessidade, num instante através da faixa de rodagem. Os road-blocks pareciam L. ter um motivo mais sério do que a mera disciplina rodoviária; calculava que serviam antes de intimidação, para mostrar a presença da autoridade a quem podia estar com ideias de desafiá-la. (Dias antes tinha explodido uma bomba em Casablanca.) Mais tarde descobriu que os road-blocks não constituíam problema para turistas; nunca foi incomodado, ao invés das carrinhas e dos táxis colectivos, que invariavelmente foram mandados parar. Caso diferente eram os limites de velocidade e as armadilhas de radar. Essas lembravam L. as auto-estradas na antiga RDA, que tinham limites de velocidade repentinos e incompreensíveis muito semelhantes, e que serviam, tal como a tolerância zero rigorosamente imposta, à caça de multas. De vez em quando atravessavam uma povoação genuína, mas entre elas o ambiente suburbano nunca se interrompia. À direita continuava a haver campos, como há trinta anos atrás, mas à esquerda, na faixa estreita que separava a estrada duma praia cinzenta sem sombra e graça, reinava o betão: seguiam-se casas de segunda habitação, hotéis e condomínios, recentemente acabados ou ainda em construção. Às seis da tarde, havia muitos peões na berma poeirenta. Pessoas que esperavam pelos autocarros, por táxis colectivos, ou, ao que parecia, para nada em especial. L. conseguiu passar por Tetouan sem grandes problemas, embora deu uma volta pela cidade até ter encontrado a saída certa para Chefchaouen. Então a condução tornou-se mais interessante. A estrada, com menos trâfego, serpenteava agora, ao subir o Rif, entre vales e encostas verdes. Os sinais de trânsito escasseavam, e a polícia também. Com prazer, L. passou a ignorar os limites de velocidade e o traço contínuo. Cortava as curvas para suavizar o trajecto, travando antes e acelerando a sair delas. De vez em quando alcançou uma coluna de automóveis, que se acumulara atrás dum camião: um desafio para ultrapassagens. Não eram demasiado difíceis, e L. e os seus filhos divertiam-se no jogo de saltar de coluna em coluna, percorrendo uma paisagem agora muito mais agradável num ritmo que compensava as horas de tédio e disciplina atrás do volante. Os amigos tinham deixado uma SMS no telemóvel: «Chegámos. Hotel Marraqueche. Perto da medina.» Ainda faltava uma hora para o pôr-do-sol, mas o verde dos pastos saturava e as pedras no leito do rio em baixo devolveram, tal como as falésias rochosas, a luz do dia numa tom alaranjado. Os cumes das montanhas estavam envoltos em nuvens. Chefchaouen: Uma mancha branca, bem delimitada, colada à encosta. Como em 1980. Mas não completamente. A via que ligava a povoação à estrada nacional no vale e que agora subiam era nova, larga e impecavelmente alcatroada. Um sinal inesperado de prosperidade, tal como os palacetes brancos e os espaçosos edifícios governamentais à entrada desta cidade de província. Também a encosta tinha mudado, em sua volta. O pano verde e castanho estava agora salpicado com prédios. L. recordou-se duma noite de há 27 anos, em que ele e uns companheiros europeus tinham bebido «rachachá» no «Paradise Valley», num vale então virgem no baixo Atlas, não muito longe de Agadir. Esta bebida medicinal tradicional, um chá de cabeças de papoila, tinha dado uma pedra enorme, mas uma diarreia ainda maior. Na manhã seguinte, toda a zona a volta da fogueira tinha estado salpicado por marcos de papel higiénico cor-de-rosa. Uma imagem semelhante. 9.5.07
60s Crash Course TM
The Kinks: Lola Sempre gostei desta banda, e não só porque fui, ao som de «Lola», beijado pela primeira vez por uma rapariga. (Ela tinha 15, eu 11. Ela era a filha do dono do condomínio de férias em Zoutelande/Holanda e papava os meninos dos turistas todos, mesmo os alemães.) P.S.: Achei a canção muito apropriada a nossa aventura. Na altura não compreendi a letra, só a compreendi muito mais tarde. Mas ela era mesmo a filha do dono. Acho... I met her in a club down in old soho Where you drink champagne and it tastes just like cherry-cola C-o-l-a cola She walked up to me and she asked me to dance I asked her her name and in a dark brown voice she said lola L-o-l-a lola lo-lo-lo-lo lola Well Im not the worlds most physical guy But when she squeezed me tight she nearly broke my spine Oh my lola lo-lo-lo-lo lola Well Im not dumb but I cant understand Why she walked like a woman and talked like a man Oh my lola lo-lo-lo-lo lola lo-lo-lo-lo lola Well we drank champagne and danced all night Under electric candlelight She picked me up and sat me on her knee And said dear boy wont you come home with me Well Im not the worlds most passionate guy But when I looked in her eyes well I almost fell for my lola Lo-lo-lo-lo lola lo-lo-lo-lo lola Lola lo-lo-lo-lo lola lo-lo-lo-lo lola I pushed her away I walked to the door I fell to the floor I got down on my knees Then I looked at her and she at me Well thats the way that I want it to stay And I always want it to be that way for my lola Lo-lo-lo-lo lola Girls will be boys and boys will be girls Its a mixed up muddled up shook up world except for lola Lo-lo-lo-lo lola Well I left home just a week before And Id never ever kissed a woman before But lola smiled and took me by the hand And said dear boy Im gonna make you a man Well Im not the worlds most masculine man But I know what I am and Im glad Im a man And so is lola Lo-lo-lo-lo lola lo-lo-lo-lo lola Lola lo-lo-lo-lo lola lo-lo-lo-lo lola Parece que Sarkozy disse que o legado da revolução de ’68 está definitivamente liquidado. Aqui há quem concorde, com júbilo ou triste. Eu não. O legado está em todo o lado. A revolução de ’68 acabou de vez com o respeito. Para isso será recordada, pelas gerações futuras, com merecida gratidão. Parabéns! Nastassja (Richard Avedon) Gravemente abalado pelos comentários do JPT e do CBS, decidi voltar aos indiscutíveis valores nacionais. 8.5.07
Saiu o décimo post da série do Rui Bebiano. Ter de fazer um quinto post, na esperança de conseguir desfazer a confusão criada nos quatro anteriores, não é prestigiante para um bloguista. Mas aqui vai: Assumi que caí no vício do maldizer sem fundamento, mas há um ponto importante que mantenho. Convivo mal com a emoção nacional criada pelo espectáculo mediático a volta desta tragédia. Não é que a família e a criança não merecessem a nossa compaixão e que não fosse bom que toda a gente conheça o retrato da menina para eventualmente poder ajudar à sua descoberta. Claro que é. Só não consigo libertar-me da noção irritante da extrema arbitrariedade que levou este caso, entre milhares outros, a beneficiar - se é que beneficia - da nossa especial solidariedade à distância. Não há nada mais perto de cada um de nós? Um vizinho a morrer de cancro? Uma criança negligenciada ou abusada na nossa rua? Um velho a definhar na solidão? Claro que há. Mas poucos de nós (incluo-me a mim) vêem. Menos ainda fazem alguma coisa. Em vez disto estamos, os dez milhões, a suspirar de angústia e verter uma lágrima ao ver o noticiário do jantar, confortavelmente instalados nos nossos sofás. Quase somos até capazes de dispensar, nestes dias, da telenovela, porque a nossa dose diária de emoção sem compromisso é nos servida nesta reality show que é, sem dúvida, muito e tristemente real. Isto não me parece certo, mas admito: quem sou eu para dizer aos outros a quem devem dirigir a sua compaixão? Aliás, em tempos encontrei-me na discussão dum caso muito menos dramático, mas com algumas semelhanças, no outro lado da barricada. Talvez lembram-se do realizador português que foi apanhado num emirado com erva na sua posse. Eu fui um dos que assinaram uma petição em seu favor. Outros indignaram-se que o fizemos, ao mesmo tempo que ninguem mexeu um dedo pelas centenas de portugueses desesperados que emigravam do interior para serem explorados em empregos precários na Espanha. Na altura defendi o direito à arbitrariedade na escolha da nossa compaixão. Ela é um bem precioso e precário, e é preciso não sufocá-la com a mesquinhez duma contabilidade justiceira. Assim defendo o hoje também. Mas isso é o lado particular. Há uma vertente pública, política, nisto, na qual é mesmo preciso manter a cabeça fria e fazer contas. Nesta, a frase da Mariana deste comentário, aparentemente um lugar comum moral com que todos de boa vontade devem concordar, transforma-se num chavão manifestamente disparatado: «Para procurar uma criança desaparecida, todos os meios humanos são poucos.» Para a quem cabe, como responsável público, dimensionar e aplicar os meios públicos disponíveis, isto não é válido: Se disponibilizou 100 polícias para o caso, porquê não disponibilizou 200, ou mil? – Este é, como se vê, obrigado a relativizar. Gostaria que a imprensa também o fizesse, mas enfim, para o espanto de ninguém, não o faz. Quanto a nós, choremos então à vontade ao ver o telejornal. Ou, talvez também, visitemos o vizinho. 7.5.07
Study for «Sleep» (Vincent Desiderio) Depois de ler os comentários aos meus posts sobre o caso da Madeleine, entendo que devo retractar-me. Realmente, a informação de que disponho não permite supor que a dimensão do empenho da polícia portuguesa é maior neste caso do que seria noutros casos. Ao que se vê, este é grande, e ainda bem. Mas supor que o seja por causa dos interesses do turismo (que existem), da pressão dos média ingleses (que existe) ou de simples racismo (que creio que existe), sem provas, tem um nome: preconceito. Vou ter de preocupar-me com o porquê deste meu preconceito... O Henrique enoja-se com o facto de haver quem, para além (em vez?) de preocupar-se com o paradeiro da pequena Madeleine, dispensa a sua atenção a questões acessórias, como aquela se o esforço das autoridades e a atenção dos média é proporcional a de outros casos comparáveis. Como se vê pelos posts anteriores, eu sou um destes. Os média farão o que lhes ganha dinheiro, mas as autoridades devem tratar o caso, insisto eu, com sentido de proporção em relação aos demais. Se aquilo que elas fazem para a Madeleine é o que fazem para todas as crianças nestas circunstâncias, óptimo. Se não, há aqui algo muito errado. E isso é preciso dizer! Seria melhor reservar discutir essa questão para uma melhor altura? Para quando verificamos que o caso doutra criança, por ser cigana, por exemplo, não recebe a mesma dedicação? - Não. As coisas devem ser discutidas quando aparecem. Se não, acabam por não serem discutidas de todo. Luis, acho bem que publique a imagem e faça o apelo. Como cidadão, tem todo o direito de escolher as causas e as pessoas que merecem o seu apoio. Mal fosse se passássemos a reprimir os nossos bons impulsos por considerações políticas. Porém, o que me deu que pensar e que me levou a fazer minhas as palavras de João Gonçalves, não foi a dúvida, que avança, sobre se no caso inverso houvesse semelhante apoio pela sociedade e pelas autoridades inglesas. Nem me ocorreu essa questão e acho bem que não me ocorreu. O que me ocorreu foi a pergunta se, em Portugal, o empenho na solução do caso fosse igual, se a criança raptada fosse portuguesa ou ucraniana. A resposta parece-me óbvia: Não. É esse o escândalo! Mas repito: Não há nenhuma contradição em empenhar-se, como o Luís louvavelmente faz, na ajuda de que o pesadelo desta família inglesa tenha um fim feliz, e indignar-se ao mesmo tempo com a forma discricionária, classista, senão racista, em que as autoridades públicas distribuem os seus esforços na solução de semelhantes casos. 6.5.07
Há dias em que sou tentado de acreditar que ser de direita não é tanto ser adepto duma concepção política, como uma condição psicológica. De só conseguir excitar-se com rituais da dominação e submissão. Resultados políticos? - Não interessam, se não alcançados com o necessário autoritarismo. Princípios? - Que vão às urtigas, desde que haja um bom espectáculo de esmagamento. Dignidade? - O que interessa é mandar! Ou pelo menos: ver mandar! Em todo o caso: ver obedecer. O que interessa, é uma sensação que se localiza nas entranhas. 4.5.07
Não gostas do fumo? - Não venhas! La Morgue (Charles Meryon) 3.5.07
A campanha segue vigorosamente, em ambos os lados. Os seus líderes nacionais dão tudo por tudo para convencer os últimos portugueses ainda indecisos. Anta da Cunha Baixa, Mangualde O Quase em Português não tem tantos leitores que não reparasse em quem, vindo de outros blogues, o visita com alguma frequência. Um blogue que assim aparece com regularidade no meu site-meter, é o Aqui d'Algodres. Como o nome deixa de adivinhar, um blogue temático sobre esta terra. No seu perfil assume-se o seu autor, Albino Cardoso, que vive em Kearny, New Jersey, US, como «patriota, monárquico e regionalista convicto». Portanto, não quem esperaria entre os mais prováveis apreciadores e leitores do QeP. Mas que o é, enche-me de particular satisfação e orgulho. Um grande bem haja, Albino! 2.5.07
...que amadurecem na casa do cliente. Diz o código dos bloguistas que não se altere posts depois de postado, a não ser excepcionalmente e com devido aviso. Mas eu ando constantemente a corrigir e limar textos já postados, para que fiquem perfeitos, quando definitivamente mais ninguém os lerá. Auto-retrato com a sua mulher (Lovis Corinth) «Deutsche Frauen, deutsche Treue, Deutscher Wein und deutscher Sang Sollen in der Welt behalten Ihren alten schönen Klang, Uns zu edler Tat begeistern Unser ganzes Leben lang. Deutsche Frauen, deutsche Treue, Deutscher Wein und deutscher Sang.» (2º estrofe do hino nacional alemão. Tradução aqui) |
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