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  • 8.5.07
    O caso Madeleine: o quinto

    Ter de fazer um quinto post, na esperança de conseguir desfazer a confusão criada nos quatro anteriores, não é prestigiante para um bloguista. Mas aqui vai: Assumi que caí no vício do maldizer sem fundamento, mas há um ponto importante que mantenho.

    Convivo mal com a emoção nacional criada pelo espectáculo mediático a volta desta tragédia. Não é que a família e a criança não merecessem a nossa compaixão e que não fosse bom que toda a gente conheça o retrato da menina para eventualmente poder ajudar à sua descoberta. Claro que é. Só não consigo libertar-me da noção irritante da extrema arbitrariedade que levou este caso, entre milhares outros, a beneficiar - se é que beneficia - da nossa especial solidariedade à distância. Não há nada mais perto de cada um de nós? Um vizinho a morrer de cancro? Uma criança negligenciada ou abusada na nossa rua? Um velho a definhar na solidão?
    Claro que há. Mas poucos de nós (incluo-me a mim) vêem. Menos ainda fazem alguma coisa. Em vez disto estamos, os dez milhões, a suspirar de angústia e verter uma lágrima ao ver o noticiário do jantar, confortavelmente instalados nos nossos sofás. Quase somos até capazes de dispensar, nestes dias, da telenovela, porque a nossa dose diária de emoção sem compromisso é nos servida nesta reality show que é, sem dúvida, muito e tristemente real.
    Isto não me parece certo, mas admito: quem sou eu para dizer aos outros a quem devem dirigir a sua compaixão?

    Aliás, em tempos encontrei-me na discussão dum caso muito menos dramático, mas com algumas semelhanças, no outro lado da barricada. Talvez lembram-se do realizador português que foi apanhado num emirado com erva na sua posse. Eu fui um dos que assinaram uma petição em seu favor. Outros indignaram-se que o fizemos, ao mesmo tempo que ninguem mexeu um dedo pelas centenas de portugueses desesperados que emigravam do interior para serem explorados em empregos precários na Espanha. Na altura defendi o direito à arbitrariedade na escolha da nossa compaixão. Ela é um bem precioso e precário, e é preciso não sufocá-la com a mesquinhez duma contabilidade justiceira. Assim defendo o hoje também.

    Mas isso é o lado particular. Há uma vertente pública, política, nisto, na qual é mesmo preciso manter a cabeça fria e fazer contas. Nesta, a frase da Mariana deste comentário, aparentemente um lugar comum moral com que todos de boa vontade devem concordar, transforma-se num chavão manifestamente disparatado: «Para procurar uma criança desaparecida, todos os meios humanos são poucos.»

    Para a quem cabe, como responsável público, dimensionar e aplicar os meios públicos disponíveis, isto não é válido: Se disponibilizou 100 polícias para o caso, porquê não disponibilizou 200, ou mil? – Este é, como se vê, obrigado a relativizar. Gostaria que a imprensa também o fizesse, mas enfim, para o espanto de ninguém, não o faz.
    Quanto a nós, choremos então à vontade ao ver o telejornal. Ou, talvez também, visitemos o vizinho.

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