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  • 22.10.07
    A Tristíssima Trindade



    O Dragão interroga-se, ao comparar a arquitectura da nova Igreja da Santíssima Trindade à Catedral de Chartres:
    «Religiosamente, não comento. É lá com eles, os católicos. Mas sempre medito: se a deterioração espiritual porventura acompanha a deterioração estética, então Deus lhes acuda.»

    Pois. Que a maior obra da Igreja Católica das últimas décadas parece um local adequado para a convenção anual dos industriais de sabonete, isso dá que pensar. - Só um deslize, um infortúnio? Uma escolha infeliz do júri do concurso?
    Não me parece.

    Alguém me mostre uma obra sacra dos nossos tempos, que se pode medir com Chartres!
    Há algumas obras boas, como Our Lady of the Angels, de Rafael Moneo, e se recuamos umas décadas, até obra-primas, como Ronchamps ou La Tourette. Mas Chartres? - Não há. E não é por acaso.

    Recordemo-nos de que significava a construção da catedral para os habitantes de uma cidade como Chartres, ou Colónia, ou Paris, nestes tempos. Durante gerações, investiram nela a maior parte da sua riqueza, o seu melhor esforço, o seu orgulho e a sua devoção profunda. Todos que participavam na obra, do bispo até ao mais insignificante trolha, deixavam nela o marco das suas mãos e da sua fé, literalmente em cada pedra.
    Não sei nada sobre a devoção dos autores da Igreja da Santíssima Trindade, dos seus construtores e operários, e não me compete, obviamente, duvidar dela em nenhum caso individual, mas acho seguro dizer que, no cômputo geral, separam-nos mundos neste domínio dos que construíram Chartres. Para não falar do próprio processo de construção, hoje incomparavelmente mais rápido, mais económico – a Santissima Trindade representa, comparado com uma catedral gótica, apenas uma ínfima parte dos recursos económicos dos fieis que para ela contribuíram - e mais anónimo.

    Se há ainda obras de grande valor na arquitectura sacra de hoje, elas são em regra pequenas, capelas, como as de Tadao Ando ou de Peter Zumthor, como Ronchamps, ou conventos, como La Tourette. Aqui não notamos a falta da representação do social, porque ela aqui não é necessária, não é esperada. Só uma catedral não pode falhar nisto, pois é exactamente isto, que ela tem que fazer: simbolizar a sociedade, como ela se integra na ordem divina.
    Porque isso hoje é impossível, por isso já não se constroem catedrais como dantes. Com outras palavras: o declínio da sua arquitectura reflecte o declínio da importância da Igreja na sociedade.

    Mas este é um problema da arquitectura sacra, não da arquitectura. Ainda se faz boa arquitectura. Só as grandes obras, as que encarnam aquilo em que acreditamos, o que aspiramos, o que somos, já não são, há muito, as catedrais.

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