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  • 25.4.07
    Tanger

    L. já tinha feito a travessia uma vez, há 27 anos. A viagem tinha demorado muito mais, por ter sido num barco tradicional, e para Tanger. Na altura, não tinha viajado nem de carro, nem com filhos, mas como turista de mochila, com um amigo.

    Lembrou-se da recepção em Tanger que, apesar de se ter julgado preparado, tinha sido um choque. Depois das formalidades da alfândega, caíra-lhes em cima uma matilha de assediadores, que ofereciam aos recém-chegados serviço de táxi, para encaminhá-los a hotéis e pensões alegadamente bons e económicos, visitas guiadas que, como sabiam, invariavelmente acabariam em lojas, e, naturalmente, haxixe. Mas no barco tinham ouvido falar dum campismo bom, barato e vigiado, e se juntado a um grupo que se decidira lá ir, a pé. Assim, as coisas azedaram rapidamente. A caminhada fora de vários quilómetros, com as mochilas nas costas. Durante todo o percurso, até ao portão do campismo, os assediadores tinham-nos acompanhado e tentado a levá-los a desistir, ou se não isso, pelo menos a combinar desde já visitas à Medina, e de vender-lhes droga, que lhes acenaram, incessantemente, a frente do nariz. Todos recusaram, educadamente primeiro, mas depois com crescente falta de paciência, e quando L., no fim, os mandara bugiar, com indisfarçada agressividade, recebera uma resposta abertamente hóstil: “racista”, chamara-lhe um vendedor, e prometera-lhe de lhe fazer uma espera, se se atrevesse vir à Medina, atravessando significativamente a goela com o dedo indicador.

    O campismo fora mesmo bom, um oásis agradável, realmente vedado com arame farpado, e vigiado. O haxixe, que prudentemente não tinha comprado na rua, acabara de adquirir a um holandês que lhes se introduzira ao pé da sua tenda. O homem fora pouco mais velho que eles, mas viram logo que se orientava bem. Não morava no campismo, tinha um apartamento, e deixara de entender sem rodeios que vivia do tráfico. Se isso não seria perigoso? Pois seria, mas só para quem não tinha cuidado. Por exemplo, ele tinha livre acesso ao campismo, por uma modesta avença que dava ao gerente, e por ser europeu, sob a condição que cumpria religiosamente, a de nunca vender nada no campismo e nunca andar com haxixe no bolso. Por essa razão convidara-os, para fechar o negócio, a acompanharem-no ao seu apartamento. Foram com ele e acabaram por comprar uma bom piece. Enquanto esperaram na sala pelo anfitrião, que foi buscar a mercadoria ao esconderijo, saira do quarto uma rapariga lindíssima, seminua. Esboçou um aceno, e sentou-se à mesa da kitchenete. Não parecia minimamente incomodada. Quando o holandês voltou, fez um gesto com a mão, uma ordem breve, e a rapariga voltou a retirar-se ao quarto. - A tua namorada? - Não, - disse o holandês, em tom casual - uma puta. Pago para tê-la em casa.

    L., que nunca tinha estado na mesma sala com uma puta, muito menos com uma tão jovem e tão atraente, compreendera neste instante como aliciantes eram os prazeres que o dinheiro e a falta de escrúpulos reservavam, e perguntara-se a si próprio, se a sua repulsa, que também sentia, era mais fruto da sua moral ou simplesmente cobardia.

    Ainda jantaram com o holandês, longe da confusão da Medina, num restaurante em estilo colonial, na encosta, com uma maravilhosa vista sobre o mar. L. imaginara que na mesma mesa já se sentaram Paul Bowles e William Burroughs, servidos por rapazes diligentes, a fazer nenhum, além de fumar ópio, ou charros, como eles, confortavelmente instalados em cadeiras de verga, nesta esplanada branca acima da assombrosa baía de Tanger.

    No dia seguinte, no campismo, acabaram por confirmar o que já lhes tinha parecido no apartamento, mas não lhes tinha apetecido discutir: que compraram o haxixe pelo dobro do preço do que se tivessem comprado aos marroquinos, na Medina. Isto aborecera L., porque tinha o dinheiro das férias contado, e a ideia de que era o preço de comprar a quem dava confiança, só o consolara pouco. Procurara não pensar mais nisso.

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