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  • 20.7.07
    Porquê me orgulho do Museu Judaico de Berlim

    Soube através do Arte da Fuga que o Pedro Arroja visitou o Museu Judaico de Berlim e saiu dele irritado. Acho natural que qualquer pessoa que visita este museu sai dele no mínimo incomodado, se não abalado pela confrontação com o Holocausto que lá o esperava.
    (Uma nota sobre o que é o Museu Judaico de Berlim. É uma extensão do museu municipal da história da cidade, o Berlin-Museum, que já existe há muito tempo. Ou seja, o equivalente ao Museu da Cidade de Lisboa.)

    Repudia o Pedro Arroja o grande destaque que nele é dado ao Holocausto, em relação às outras épocas históricas. O AMN já disse o óbvio: como se pudesse ser não assim! Pois o Holocausto não é só mais um episódio da rica história judaica em Berlim, mas o seu fim. Depois de séculos de convivência, difícil e dificultada em muitas épocas, mas noutras tão natural que resultou na plena e frutífera participação em todas as esferas da sociedade, chega o extermínio, o apagamento. O vazio, o silêncio da morte, que nem campas tem, e quase ninguém quem as podia visitar. Não se exterminou só indivíduos, mas uma cultura toda que determinou, de forma intrincada e muito benéfica, durante séculos a vida desta cidade e do país de que é capital.

    O Pedro Arroja imagina "aquilo que pode pensar a actual geração de alemães, que nada tem que ver com o holocausto, e mais ainda as gerações futuras. Aquele Museu, cravado ali no coração da sua capital, não pode ser senão um factor de irritação permanente".

    Imagina mal. Pelo menos no que diz respeito a mim e aos compatriotas que conheço. (Aproveito para adiantar que fui cidadão de Berlim entre 1982 e 1994, ou seja, quando o projecto foi discutido, lançado e realizado.)
    Porquê imagina mal?
    O Museu Judaico é meu museu, nosso, dos berlinenses. Fomos nós que o construímos, que o queríamos. Não é, como por exemplo o Memorial Soviético, uma imposição duma potência ocupante em homenagem, justa ou não, de outrem aos seus. Muito menos representa, ao contrário do que o Pedro Arroja acha, um castigo, um dedo acusatório, apontado pelos descendentes ou representantes das vítimas aos filhos e netos dos assassinos. A ideia de que nós, os berlinenses, devíamos sentir-nos irritados, advém desta leitura errada. Mas precisamente porque não aceitamos esta leitura, não nos sentimos irritados. Porque sei que sou tão pouco culpado do Holocausto como o Pedro Arroja ou qualquer outra pessoa que nasceu depois de 1945.
    Contudo, como berlinense e alemão, identifico-me com a cidade e a sua história. É a minha. E quando visito o museu, faço o neste sentimento de pertença, não com culpa que só podia ser individual, mas com a responsabilidade que é colectiva e advém desta pertença. Faço o tanto como descendente dos assassinos como das vítimas, que eram – dado de barato a diferente época histórica - os meus concidadãos. E entristece-me não só o sofrimento das vítimas, mas também a irremediável auto-mutilação que a Alemanha e a minha cidade cometeram a si próprios.
    Como disse na ocasião do debate das velas em memória do pogrom do 19 de Abril de 1506 em Lisboa: Não há aqui um nós e eles, só há um nós e nós.

    Essa questão da pertença, a identidade que dela advém, o orgulho e a eventual vergonha nacional, tem de facto muito que se lhe diga. Porque é verdade que o mesmo argumento que me leva a recusar de envergonhar-me de um Hitler ou Himmler, enquanto alemão, (envergonho-me deles num plano mais alargado, do ser humano ou, em termos cristãos, do pecador) devia impedir-me de orgulhar-me de um Bach ou de um Thomas Mann. E a verdade seja dita: orgulho-me deles. Sei que é imbecil. Mas é assim. Até orgulho-me quando a equipa nacional alemã ganha no futebol (excepto quando joga mesmo muito feio), o que é, apesar de banalíssimo, igualmente imbecil: como se me pudesse orgulhar de algo que não é meu próprio mérito! - Sou assim, somos quase todos assim. E não o acho demasiado grave, desde que - se pensamos bem, o que talvez não somos obrigados de fazer 24 horas por dia - não nos esquecemos que isto é imbecil e desde que continuamos conscientes da nossa responsabilidade, que é reconhecer e acarinhar a verdade.

    É o que fazemos com este museu. E isso enche-me de orgulho, de um orgulho por um mérito colectivo, legítimo e mesmo nada imbecil: Que hoje somos capazes de viver com este passado terrível, sem encobri-lo com silêncio ou mentiras.
    Que todos o fossem.

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