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  • 30.11.06
    Mais bloguices

    Luis, quero agradecer-te pelos lugares que me arranjaste no blogue do Senhor e no do Outro. Ainda inquiro-me como me topaste a minha inaptidão para os fins-de-semana. Um dia, hás de dizê-mo.

    Aproveito para fazer-te uma confissão: o que te invejo mesmo é o apreço da ASL. Isso é o que é um valor! Eu aqui, pelo contrário, tenho de assistir ao meu sitemeter registar a avalanche de visitas hostis do 31 da Armada, que levianamente desencadeei. Enfim...

    Os próprios filhos
    (Thomas Gainsborough)
    Um prémio

    tenho a dar ao 31 da Armada pelo pior template dum novo blogue que ví há muito tempo. Com a mistura cromática que lembra obscuros gabinetes de avô, com cheiro a fumo frio de charuto e revestidos de foliantes poeirentes que nunca ninguem leu, senão o casino dos oficiais de outrora na província, cujo toque agressivo é conferido por símbolos que lembram velhas medalhas, mas também outros que encontramos por vezes em comunicados de grupos terroristas da extrema esquerda, este template faz tudo para confirmar os meus piores preconceitos relativamente ao mau gosto da direita. E a sua presunção. Porque antes de mais, este template diz-nos que o blogue não necessita de ser lido. O que talvez será verdade, se é que a quem se destina é quem já sabe o que lá está escrito. Eu não o sei, e continuarei a não saber porque, sinceramente, não farei o esforço ciclópico de decifrar esta letra neste fundo. Nem com dois olhos.
    29.11.06
    Os meus blogues revisitados

    Depois de meio ano de «I'm gonna leave you» dos Led Zeppelin, de me ter ido embora e voltado, mudei a música: Patti Smith canta agora «Heart shaped box» dos Nirvana.
    Entretanto desapareceream os últimos vestígios da interrupção do Quase em Português da página corrente, e com isso também o link para o Lugar comum, que então aqui renovo. Apesar do seu fim infeliz, gostei da curta experiência e tenho lhe as vezes até alguma saudade, da experiência, dos posts, não só meus, e do template.
    Mas o Lugar comum está morto, obviamente. Uma surpresa agradável, por outro lado, foi a vida que entretanto ganhou o Playmates do Quase em Português. Não mais do que a colecção das imagens das Quarta-feiras daqui, tem entretanto em vez das dez visitas diárias de então quase cento e cinquenta. Provenientes de todo o mundo, a procura de imagens via Google. E alguns deixam comentários de apreço, antes de sair deste armazém desabitado, o que me deixa contente.

    Tammy
    (Nick Koert)
    28.11.06
    Decadência

    Boas notícias para as economias emergentes, onde o zelo pelo interesse próprio, o espírito de luta, a aplicação da manha e um egoísmo saudável são fomentados, para que se forme o novo cidadão combativo, vencedor na luta global e liberal. Na Alemanha ensinam, pelo contrário, às gerações vindouras que estas virtudes, no fim, não terão recompensa.

    É certo que afectado por tamanha decadência moral, este país está, apesar da sua economia hoje ainda bastante potente, condenado a um futuro de pobreza e insignificância.

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    Publicidade

    No Miniscente, o Luis Carmelo hoje dá a honra de mini-entrevista ao autor do Quase em Português.
    27.11.06
    Os amantes da beleza da verdade

    Quem não experimentou já uma vez a alegria, a êxtase, ao sentir como uma ideia de repente leva coisas diversas e aparentemente desconexas a encaixar e fazer sentido, como um cristal que começa a crescer a partir do nada e impõe, por uma força intrínseca e inesperada, ordem e beleza onde momentos antes só houve uma massa amorfa e sem sentido...

    A atracção dessa relação milagrosa e misteriosa entre beleza e verdade, que se faz sentir a cada um de nós que tem gosto em pensar, a cada devoto dessa nobre paixão pelo raciocínio e pela verdade -, essa atracção têm movido muitos dos homens que hoje constam nos nossos livros da história.

    E a mesma beleza que alimenta o entusiasmo e a determinação destes portadores da verdade, (duma verdade abrangente, que resolve todos os problemas, se não na perfeição, sempre da melhor forma possível) leva os a ignorar e suprimir tudo que surge a relativizar e conspurcá-la.
    E muito naturalmente procuram uma oportunidade, um terreno onde podem aplicar a sua verdade bela, em condições que permitem o seu sucesso.

    Não afligidos por dúvidas da sua missão, sentem-se legitimados pelos antecipados benefícios futuros de fazer, se for necessário, vista um pouco grossa na preparação deste terreno. Assim fizeram Lenine ou Pol Pot, que não hesitaram em assumir a responsabilidade directa na aragem do campo.
    Outros, mais escrupulosos ou impedidos pelas circunstâncias, como Friedman, deixaram, embora tão determinados to go the whole way como os outros, a tarefa do arranque das ervas daninhas a quem tinha para isso mais gosto e vocação.

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    Da importância dos seus poetas os portugueses são informados na ocasião da sua morte.
    26.11.06
    Freedom? - It's the economy, stupid!

    Se um dia descobrimos que afinal o bem-estar económico e a liberdade não andam de mãos dadas: escolhemos o que? E se escolhemos a liberdade, não seremos cilindrados pela evolução histórica que, darwinista e determinista, fornecerá legitimação (sem aspas?) a posteriori aos Pinochet, Friedman, e os governos de Singapore e China?

    Se assim fosse, diria mesmo: Fuck the economy! And Pinochet, Friedman, Singapore and China.

    Adenda:
    João Pinto e Castro lembra, muito oportunamente, um antigo post seu sobre este dilema.

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    25.11.06
    Caravaggio e Friedman

    No bl-g- -x-st-. Imperdível!
    24.11.06

    (Rosemarie Trockel)
    23.11.06
    Paciência!

    Aprendi esta proverbial virtude quando cá cheguei e fiz, no exercício da minha profissão de arquitecto, as minhas primeiras experiências com a lentidão e inépcia dos serviços públicos. Pensei para mim: em Roma viverás como os romanos. Mas também: oxalá que isso se cinge a sectores de importância menor, como a arquitectura e o urbanismo; pois mal, mesmo mal seria, se fosse igual numa área em que está em jogo algo verdadeiramente precioso, como a saúde.

    Lembrei me disto a propósito da experiência da Maria de Conceição, a quem lhe diagnosticaram no 17. de Agosto um eventual cancro, diagnose que até hoje, mais de três meses depois, ainda não conseguiram confirmar nem desmentir.
    Olhar para além da margem do prato

    Quando nós* em Portugal olhamos para além fronteiras, em regra é, se não com um misto de saudade e cobiça para os países do império perdido, para se comparar desfavoravelmente com as “sociedades mais avançadas”, num exercício menos vezes motivado por desejo de aprender do que pelo prazer masoquista da autoflagelação.
    Um outro "nós", mais alargado, abriria outras perspectivas. Vejam o "nos" em cujo nome fala este meu compatriota:

    «Temos três desafios em relação aos quais precisamos de redefinir a Europa. O primeiro é, como disse, a globalização. Precisamos de aceitar que a economia mundial vai ser dominada por economias gigantescas como a China, a Índia, os Estados Unidos, talvez o Brasil. E se os europeus se desunirem, não teremos futuro. O segundo desafio é o de definir uma estratégia de segurança sem a qual não conseguiremos desempenhar um papel estratégico no mundo nem definir os nossos próprios interesses. O que aconteceria se os EUA resolverem sair do Médio Oriente? Aí, teríamos de nos comportar como adultos. Hoje, ainda vivemos no jardim infantil europeu onde podemos brincar à vontade uns contra os outros. Mas o problema é que o mundo à nossa volta não está à nossa espera. O terceiro desafio é simples: não podemos gerir a Europa e os nossos interesses comuns, o nosso papel económico, a nossa segurança, sem instituições fortes. E isso significa que precisamos, pelo menos, do primeiro capítulo da Constituição [que trata dos objectivos, das competências e das instituições da União], precisamente porque a política externa e de segurança deve estar no topo das nossas prioridades. Precisamos de um ministro dos Negócios Estrangeiros, de um Presidente do Conselho, de uma Comissão mais pequena e mais efectiva, de um papel mais forte para o Parlamento Europeu e para os parlamentos nacionais, baseado no princípio da subsidiariedade, de mais decisões por maioria qualificada e, claro, do novo sistema de votação com a dupla maioria [de países e de população].»

    Joschka Fischer no Público.

    * Admito que o "nós" nesta frase é uma figura de estilo, e que em rigor não me cabe usá-lo. Para isso peço a vossa indulgência. Mas o "nós" de Joschka Fischer uso com toda a convicção da sua legitimidade. E esse é tanto meu como vosso.
    22.11.06
    Leitoras













    21.11.06
    “O bebé que já sorri”

    Leio no Público duma “Plataforma Não Obrigada”, que reúne um conjunto de personalidades que “acreditam que antes das dez semanas existe um bebé formado no ventre da sua mãe que já sorri”.

    Se o “bebé” de dez semanas sorri, devo concluir, então ele já tem sentimentos e logo já é pessoa. E ignorar que nesta idade não está sequer dotado de sistema nervoso...
    Nesta ordem de argumentos inclui-se também a apresentação de imagens de embriões e fetos, contra quais não teria nada a opor - não vendo nenhum motivo porque devemos ser poupado delas -, se não se destinassem a apelar com a semelhança com bebés ao nosso instinto protector, e induzír-nos no erro que se tratasse mesmo de bebés.

    Estes argumentos não valem nada e deixam-me escolher: Ou quem os apresenta sabe isso mas acha que como propaganda vale tudo, ou acredita mesmo que a semelhança contribui, duma forma cuja explicação não me é alcançável, para que se deve considerar embriões pessoas.
    Por estranho que parece, sei que há pessoas, noutras áreas inteligentes e sensatas, que são capazes deste disparate. Pois essa convicção é de ordem religiosa: “Credo quid absurdum”.
    Quem argumenta assim atribui ao embrião qualidades - não é essa palavra a certa: atribui ao embrião uma essência, que tem a sua origem na fé. Num processo mental tão velho como a humanidade, relaciona as coisas não de ordem racional e causal, mas por semelhança e simpatia.
    Isto merece-me aliás todo o respeito, enquanto se cinge ao foro pessoal de quem assim sente e raciocina, mas quando se tenta aplicar os seus resultados a terceiros, a minha veemente oposição. Porque esta ordem de pensar e sentir, que se baseia não na razão mas na tradição, em doutrinas e sentimentos religiosos, serve e serviu para tudo, conforme a civilização que a enforma. Tanto serve para punir o aborto como para mandar viúvas para a fogueira, vender as suas filhas ou mutilar-lhes os seus genitais.

    Estou disposto de discutir a despenalização do aborto, porque deve e pode argumentar-se sobre ela como seriedade. Sobre a questão lateral mas pertinente, por exemplo, de se a despenalização não põe uma mulher grávida, frágil, à mercê de pressões para fazer o que ela não quer; e sobre a questão central de se uma pessoa em potência merece protecção ou não.
    Mas com quem insiste em chamar um embrião pessoa, não posso discutir. Crenças irracionais não estão ao alcance de argumentos. Só resta combatê-las, isto é, combater a sua influência na nossa sociedade.

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    20.11.06

    Manchete do SPIEGEL de hoje.
    18.11.06
    The real thing

    Filipe, não é isto prova reconfortante que toda a realidade mediada que nos assedia ininterruptamente via papel, altifalantes e monitores, afinal não consegue competir com a verdadeira coisa?
    O sangue, a morte a nossa frente, mesmo palpável, ainda e sempre nos toca de outra forma.
    17.11.06
    Outros costumes

    Sobre o que separa os EUA e a Europa, em termos de cultura e mentalidade, este vídeo é um testemunho inestimável.
    Nunca estive nos Estados Unidos, mas depois de 40 anos de exposição a filmes e televisão proveniente de lá, poderia ter compreendido algo. E no entanto continuo totalmente às escuras sobre como uma sociedade que tanto fez pela promoção e preservação das liberdades individuais, encara como normal esta perversa intromissão pública na vida privada duma pessoa. No caso, do seu presidente que, mistério supremo, a aceita!
    Declaração de fé política

    O entendimento entre Sócrates e Cavaco é o melhor que podia acontecer ao país.
    Neste tempo, esta dupla e o melhor que há em Portugal!
    O melhor que há!

    O melhor que há.
    16.11.06
    Autopromoção

    Ontem fui buscar o meu filho mais novo à escola. Cheguei tarde, já estava escuro e tinha acabado de chover, e só ele e três colegas do seu segundo ano estavam ainda a brincar sentados no chão, na parte coberta do recreio, sob o olhar da contínua.
    A minha chegada despertou curiosidade.
    - Você sabe alemão?
    - Sim, sei.
    - Como é que se diz „olá” em alemão?
    - „Hallo”.
    - E como é que se chama?
    - Lutz. Lutz Brückelmann. Lutz é „Luís” em alemão.
    - Pois. E eu sei o que quer dizer „Brückelmann” em português! interpela outro amigo do Vicente.
    - Ah sim?
    - Inteligente!
    Rio-me e olho para o meu rapaz de sete anos, que ergue os ombros e retribui o olhar com um sorriso um pouco, mas só um pouco embaraçado.
    15.11.06

    Baccante
    (Élisabeth Vigée-Lebrun)
    14.11.06
    13.11.06
    Obra perdida

    Raras vezes lembro-me do que sonho. Mas hoje sonhei ouvir uma peça desconhecida de Miles Davis, tocada pelo próprio, um saxofonista (Coltrane?) e um percussionista. Era sublime, cristalina e melancólica.
    Infelizmente não acordei, embora no sonho me esforcei de fazê-lo, para poder memorizá-la.
    Agora só me resta a recordação nebulosa dum solo filigrano de saxofone, sotoposto por uma percussion precisa e discreta, e da entrada do trompete do Miles, inconfundível: notas longas, frágeis e firmes, que exprimiam cada uma simultaneamente ternura, raiva e angústia, e geravam o consolo mágico, que só a grande arte consegue destilar do desespero.
    12.11.06

    Begegnung II

    Anton Räderscheidt, que pintou este quadro em 1923, pertenceu como Otto Dix e Christian Schad ao movimento “Neue Sachlichkeit” (“new casualty”).
    Após a chegada ao poder dos nazis emigrou para França, onde viveu com muitas dificuldades até 1942, chegando a ganhar a vida como cozinheiro para outros emigrantes, como Thomas Mann e Lion Feuchtwanger, antes de ser preso por três anos num campo de internamento do regime de Vichy. Enquanto os seus quadros na Alemanha foram perseguidos e destruídos pelo nazis como arte degenerada, perdera o que pôde levar consigo num assalto ao seu atelier em Paris.
    Também a imagem aqui colocada é uma velha reprodução dum quadro perdido. O que se perdeu, dificilmente se consegue adivinhar, mas a má qualidade da reprodução reforça a atmosfera de alienação, que constitui o seu fascínio hoje.

    Existe um website que informa sobre o artista e a procura das suas obras.
    11.11.06
    Menino prodígio

    Das coisas que ouvi quando pequenino, numa idade em que ainda o que os adultos diziam tinha uma autoridade inquestionável, foi essa do nosso vizinho dizer:
    “Um homem tem que ter uma opinião!”

    Já aos oito anos, percebi que aqui falava a estupidez.

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    9.11.06
    Uma boa razão para defender o estado Israel



    ...é para que isso continue a ser possível nas ruas de Jerusalém.

    A Santa Sé acha que não e interveio junto do MNE de Israel solicitando que a parada deste ano fosse proibida.

    A imagem, do Gay Pride 2004, encontrei aqui.

    Actualização:
    Lá se foi a boa razão.
    8.11.06
    Das vantagens de ser alemão

    Desde jovem sou um grande admirador de Thomas Mann. Estou convencido de que o meu alemão – e o meu português - hoje seriam muito piores, se nos anos da minha adolescência não me tivesse entusiasmado com a sua elaborada síntaxe, a plasticidade da sua expressão e com a sua ironia, que leva o leitor numa cumplicidade aparentemente fundada na partilha de valores inquestionáveis - fundamentação cuja subtil falsidade talvez pode não chegar a subir-lhe à consciência, mas não deixa de lhe fazer-se sentir a cada momento - à observar com ele até ao último pormenor as fraquezas do homem, as suas esperanças e vaidades e as suas misérias, onde tantos outros já teriam, caridosos ou talvez cobardes, em todo o caso inibidos por um sentimento de vergonha desviado o olhar.

    Naturalmente não pretendo, com esta confissão, reclamar qualquer filiação ou sequer remoto parentesco artístico. Só a faço para declarar a minha infinita admiração.
    A despeito de toda ela nunca consegui ler o seu opus magnum, o romance “Joseph und seine Brüder”, que reconta em quatro volumes e mais de dois mil páginas a história bíblica de José, filho de Jacob, daquele que foi vendido pelos seus irmãos e fez carreira e fortuna no Egípto. (1 Moises 37-39)
    Mas estou a preencher esta lacuna. Desde há duas semanas, todos os dias aguardo ansiosamente a oportunidade de entrar no automóvel e fazer o meu percurso de infelizmente apenas quinze minutos, para nele ouvir o audiobook desta obra. 35 CDs, o romance completo, lido por Gert Westphal numa dicção que prova todos os detractores da beleza sonora da língua alemã ou ignorantes ou os mais toscos, incultos e preconceituosos filistros.

    Este audiobook e o seu preço muito acessível devem a sua existência ao facto de a gravação ser já antiga, de 1961, duma época em que os responsáveis duma rádio pública na RFA – o que é redundante dizer, porque nestes tempos toda a rádio era pública - entenderam como uma ideia nada abjecta permitir a um jovem e culturalmente ambicionado redactor brindar os seus ouvintes pagantes com 50 horas da leitura integral deste livro famoso, mas pouco apreciado pela grande maioria da população, até da letrada, que sempre se manteve a uma distância respeitosa desta obra, porque ela a intimidava, quer pela sua simples extensão, quer pela, apesar de conhecida, natureza remota da sua história, e não em último lugar pela sua línguagem exigente, cujas frases raras vezes terminam antes de terem evocado uma vasta paisagem de imagens impressivas, tecido uma teia complexa de referências e alusões, iluminado em perspectivas variadas as ideias nelas expressas e, se não esgotado, então pelo menos se aventurado na experimentação frequentemente surpreendente mas sempre correctissima de parte substancial do leque extenso das construções sintácticas que a língua alemã permite.

    Europa
    (Félix Vallotton)
    7.11.06
    A fauna gay
    6.11.06
    Sinais de vida!
    5.11.06
    Diálogo (continuação)

    A:
    E você, é a favor do aborto?
    B: A favor da sua despenalização.
    A: Porquê?
    B: A começar por causa daquilo que discutímos há pouco. Acho a situação actual, o aborto clandestino generalizado, intolerável. Pelos riscos de saúde, e por achar nocivo para uma sociedade sustentar leis que não consegue ou não quer fazer cumprir.
    A: Então está também a favor de abandonar os limites de velocidade nas estradas, da despenalização do furto de automóvel e do tráfico de drogas?
    B: Não. Isto é diferente.
    A: Como?
    B: Admito mais legitimidade ao interesse duma mulher que pretende terminar uma gravidez indesejada do que ao interesse do aceleras, do ladrão, ou do traficante. Ao contrário destes, ela está perante uma situação que lhe ameaça afectar gravemente a sua vida, duma forma com que ela se julga incapaz de lidar.
    A: Do outro lado do referido interesse da mulher está a vida dum ser humano, que quer exterminar.
    B: Este ser humano é apenas um embrião.
    A: Um ser humano.
    B: Na nossa conversa anterior também você admitiu estabelecer diferenças entre o valor da vida humana em estados de desenvolvimento diferentes.
    A:in extremis! Só se sou obrigado de escolher entre elas, não podendo salvar todas. Não é isso o caso do aborto.
    B: Tem razão.
    A: Você não acha a vida humana sagrada? Merecedora de defesa em todo o caso?
    B: Colocada a questão assim, só me resta responder “não”. Isto é, se incluo o embrião neste conceito de “vida humana”. Mas acho essa inclusão algo forçada.
    A: Forçada?
    B: O embrião é certamente vida humana, mas não possui as características, que tornam a vida humana especial e, no meu entender, especialmente merecedora de protecção.
    A: Oiço aqui soar o slogan nazi de “vida não merecedora de viver”.
    B: Compreendo isso. Admitir abertamente que se atribui valor à vida humana de forma diferenciada, expõe ao risco de ser colocado na companhia dos autores da “eutanasia” dos deficientes, ou seja do seu extermínio sistemático. Parece-me ser essa a razão porque os defensores da despenalização evitam discutir o valor da vida neste debate, e preferem concentrar-se exclusivamente nas razões das mães. Enquanto a generalidade dos defensores do Não dá-nos a ideia de que não há aqui nada a discutir, porque toda a vida humana é sagrada, ergo absolutamente valiosa. Mas na realidade é esse medir do valor da vida do embrião contra o bem-estar da mãe a única maneira pela que se pode encontrar uma justificação de qualquer aborto. O que fazem todos, como também você ontem, que admitem casos em que prescindiam da penalização. Só que medir o valor da vida é um grande tabu.
    A: E ainda bem!
    B: Não acho. Não falamos duma situação rara ou até hipotética. Médicos e equipas de salvamento, por exemplo, têm que fazê-lo todos os dias. Gostava que me dissesse qual é o critério que aplicou quando escolheu a criança de sete anos em detrimento do feto de sete meses?
    A: Hm. A escolha ocorreu-me de imediato, de forma instintiva. Talvez porque a vejo, ao contrário do feto. Porque creio que ela, os seus pais, os familiares sofriam mais com a sua morte do que sofriam no caso da morte da criança ainda não nascida.
    B: E na escolha do feto de sete meses em detrimento do embrião de sete semanas?
    A: As mesmas razões. Mas está a desconversar! Já admiti que faço escolhas se for inevitável, mas nunca escolho a morte dum ser humano, sempre escolho a vida! Ao contrário de quem aborta.
    B: Não estou a desconversar. Onde eu quero chegar é isto: O que é que torna a vida humana tão valiosa? O que é que torna-a mais valiosa do que a vida dum coelho, por exemplo?
    A: Mas tem alguma dúvida que a vida humana tem mais valor do que a dum coelho?
    B: Não. Mas gostava de ouvir a resposta, gostava de saber o que é que confere o valor maior ao ser humano, comparado com o coelho, que todas as semanas acaba na minha frigideira.
    A: Antes de mais, ocorre-me a razão religiosa: Porque é feito à semelhança de Deus.
    B: Contra essa não posso apresentar nada. Respeito a sua religião, mas não posso discutir o assunto no plano da religião, que não partilho. Se pudesse, diria talvez: Não me ocorre porquê o coelho não seria feito igualmente à imagem de Deus... Mas não quero discutir isso, iniciámos esta conversa no pressuposto de que se pode e deve discutir a despenalização do aborto no plano moral e político, não da religião.
    A: OK. Não obstante de considerar toda a criação um milagre, coelho incluído, está para mim fora de questão que o homem é muito especial, pela sua consciência, sua vontade, sua capacidade de amar...
    B: Exactamente. Também eu acho que são estas as características que distinguem a vida humana. Que lhe dão mais valor. Nenhuma delas verifica-se no embrião.
    A: Errado! Elas estão lá todas, só ainda não se desenvolveram. Por isso considero o aborto um crime, porque a esta maravilha é roubada a oportunidade de se realizar. Em vez de deixar a natureza tomar o seu curso, deixar desabrochar a vida!
    B: É verdade, o aborto impede a realização dum ser humano. Mas não alinho consigo na sua formulação que lhe seja roubado o futuro maravilhoso. Este "quem", a quem é roubado o futuro, para mim ainda não existe. O embrião ainda não é uma pessoa. Não tem nenhuma característica que distingue uma pessoa.
    A: Tem-nas todas, in nuce!
    B: Vou ver se consigo fazer-me entender: Isto é uma questão de perspectiva. Numa perspectiva cósmica, por assim dizer, do ponto de vista de Deus, já lá está tudo no embrião, não faz diferença distinguir se este ser humano já se concretizou naquilo que lhe é característico ou ainda não. No Seu plano, este ser milagroso estava previsto existir e nós impedimo-lo. Como aliás impedimos a existencia de tantas outras potenciais vidas humanas, igualmente valiosas, através da contracepção e até da abstenção! Mas no nosso mundo térreo, em que há pessoas que interagem e devem, quando for necessário, ser protegidos uns dos outros, o embrião não existe como pessoa. Porque não reúne as condições mínimas.
    A: Discordo. Isto é, constato a minha total divergência desta mundivisão! Não posso deixar de ter em conta o que chama perspectiva cósmica ou, como diz, o ponto de vista de Deus. Não vê para onde leva o seu critério? Imagine-o aplicado a recém-nascidos, deficientes, a doentes graves ou terminais! Não deve retirar-lhes também o estatuto de pessoa? Não leva o seu critério a um mundo em que o direito à vida só é reconhecido aos fortes e saudáveis? Não está ver que está a colocar os fundamentos para o massacre, muito para além do dos embriões?
    B: Preocupações e acusações graves! Mas acho que está incorrer na falácia do plano inclinado. Está a desenhar um cenário que ninguém quer, e que colide com o sentir moral da esmagadora maioria das pessoas, meu incluído. Se o meu critério não proíbe o aborto dum feto de cinco, de oito meses, matar um deficiente profundo ou um doente em coma, isto não significa que defendo que isto se faça. Mas se escuto ao meu sentir moral no caso do conflito entre uma mulher aflita por estar grávida sem querer e o embrião, não oiço uma voz clara a favor do embrião, pelo contrário. E uma vez que me falta a orientação religiosa, que de facto me parece, no caso do aborto, tão arbitrária como a doutrina da inferioridade da mulher noutra religião, recorro à razão e meu sentimento humanista, que me induz a atribuir a todos que partilham comigo a condição humana, os mesmos direitos. Que no caso de conflito devem ser conciliados segundo um critério que gostaria de chamar economia de sofrimento. Minimizar o sofrimento tanto quanto possível para todos. Nesta economia, um ser, que seja humano, mas que não é dotado de consciência e de sentimentos não é equiparável a uma pessoa que isso tem.
    A: Não vamos acabar por entender-nos.
    B: Não.

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    Vincent Desidério: Cockaigne
    3.11.06
    Estatística

    Segundo um estudo da Organização Mundial de Saúde, morrem anualmente 68.000 mulheres em consequência de abortos sem adequada assistência clínica.
    Diálogo

    A: Sou contra o aborto.
    B: Porquê?
    A: A vida humana é sagrada.
    B: Pode explicar, a um agnóstico, o que significa isto: sagrado?
    A: Merecedor de admiração e respeito absoluto. Inviolável.
    B: Inviolável. Sem excepção? Não admite sacrificar uma vida humana nem para salvar outras?
    A: Preferia não ser colocado na posição de fazer esta escolha.
    B: OK. Mas condena quem age, estando nesta posição?
    A: Não.
    B: O polícia que atira para matar, para salvar reféns?
    A: Talvez não...
    B: O médico que tem de optar entre a sobrevivência do embrião o da mãe?
    A: Penso que deve escolher a mãe.
    B: Decorre daí que dá mais valor a vida nascida, a da mãe, do que a do embrião, não é?
    A: É verdade.
    B: Então diferencia o valor da vida. Uma vida humana nascida vale mais do que uma vida ainda por nascer. E estou em erro se presumo que atribui à vida dum feto de sete meses mais valor do que a dum embrião de sete semanas?
    A: Preferia não usar o termo valor.
    B: Não sei o que este termo tem de desadequado no caso. Mas sabe qual seria a sua escolha?
    A: Sim.
    B: Então o valor da vida não é absoluto, para si.
    A: É, sim! Mesmo admitindo que faria escolhas entre vidas a proteger, se fosse obrigado a fazê-lo, todas são sagradas e têm valor absoluto e não cedível contra outros valores.
    B: Defende a manutenção da lei actual?
    A: Sim.
    B: Por razões tácticas, porque julga uma lei mais restritiva actualmente não é realista alcançar, ou por convicção?
    A: A lei actual parece-me equilibrada.
    B: A lei actual permite a interrupção da gravidez nos casos de perigo da vida e saúde da mãe, da previsão de malformações graves da criança por nascer e ainda no caso da violação da mãe. Não acha que ela é muito mais permissiva do que a sua posição aqui defendida?
    A: Talvez.
    B: Você disse que a vida humana deve ser inviolável, excepção feita no caso em que uma escolha entre vidas a proteger é inevitável. Como então justifica o aborto no caso da previsão de malformações da criança? Ou no caso da violação?
    A: ...
    B: Só há duas explicações: Ou a vida da criança por nascer tem valor inferior por ser fruto de violação, ou por ser deficiente, e passa por isso a ser sacrificável, ou o bem-estar da mãe, da família, que se teme ser prejudicado pelo nascimento da criança, entra na equação. O que contradiz a sua declaração do princípio da inviolabilidade.
    A: Refuto a ideia da menos-valia da vida duma pessoa deficiente, para não falar do caso da violação!
    B: Então...
    A: Então em coerência não devia concordar com o disposto na lei nesta questão.
    B: E não concorda?
    A: Bem. Em teoria, não. Mas em concreto, não me é fácil exigir isso de outrem.
    B: Como sabe, o referendo sobre o aborte é sobre a sua despenalização, não sobre a escolha moral correcta da pessoa que aborta.
    A: Sim. É verdade. Por isso, só por isso, poderei continuar a apoiar a lei vigente, embora esta agora me suscita dúvidas, muitas dúvidas aliás no caso da violação. Porque entendo que a lei também deve servir como aviso sobre o que é a escolha moral correcta. E a escolha moral correcta é não abortar uma criança fruto de violação ou deficiente.
    B: A lei não é só um aviso. Uma lei penal é coerciva, não é?
    A: Dá me argumentos para manter o meu apoio à lei vigente.
    B: Não acha que pode haver, para além da violação e da malformação da criança outras situações em que uma gravidez indesejada pode ter um impacto igualmente violento sobre a vida da mãe?
    A: Igualmente seria dizer muito...
    B: A sério!
    A: Não acredito que na grande maioria dos casos dos abortos que se praticam, o “igualmente” se justifica. Mas pode acontecer, sim.
    B: E nestes casos, sim ou não igualmente violentos, a mãe é coercida pela lei de ter o filho.
    A: Ou aborta clandestinamente.
    B: Ou aborta clandestinamente.

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    1.11.06
    Playmates felizes



    - "Nunca tinha feito isso...
    Eu sabia que ia gostá-lo. O sabor. O teu sabor...
    Agrada-me ser a tua pequena lambe-cona..."
    - "Lamber!"
    - "Oh!"

    (Colleen Coover)

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