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8.11.06
Desde jovem sou um grande admirador de Thomas Mann. Estou convencido de que o meu alemão – e o meu português - hoje seriam muito piores, se nos anos da minha adolescência não me tivesse entusiasmado com a sua elaborada síntaxe, a plasticidade da sua expressão e com a sua ironia, que leva o leitor numa cumplicidade aparentemente fundada na partilha de valores inquestionáveis - fundamentação cuja subtil falsidade talvez pode não chegar a subir-lhe à consciência, mas não deixa de lhe fazer-se sentir a cada momento - à observar com ele até ao último pormenor as fraquezas do homem, as suas esperanças e vaidades e as suas misérias, onde tantos outros já teriam, caridosos ou talvez cobardes, em todo o caso inibidos por um sentimento de vergonha desviado o olhar. Naturalmente não pretendo, com esta confissão, reclamar qualquer filiação ou sequer remoto parentesco artístico. Só a faço para declarar a minha infinita admiração. A despeito de toda ela nunca consegui ler o seu opus magnum, o romance “Joseph und seine Brüder”, que reconta em quatro volumes e mais de dois mil páginas a história bíblica de José, filho de Jacob, daquele que foi vendido pelos seus irmãos e fez carreira e fortuna no Egípto. (1 Moises 37-39) Mas estou a preencher esta lacuna. Desde há duas semanas, todos os dias aguardo ansiosamente a oportunidade de entrar no automóvel e fazer o meu percurso de infelizmente apenas quinze minutos, para nele ouvir o audiobook desta obra. 35 CDs, o romance completo, lido por Gert Westphal numa dicção que prova todos os detractores da beleza sonora da língua alemã ou ignorantes ou os mais toscos, incultos e preconceituosos filistros. Este audiobook e o seu preço muito acessível devem a sua existência ao facto de a gravação ser já antiga, de 1961, duma época em que os responsáveis duma rádio pública na RFA – o que é redundante dizer, porque nestes tempos toda a rádio era pública - entenderam como uma ideia nada abjecta permitir a um jovem e culturalmente ambicionado redactor brindar os seus ouvintes pagantes com 50 horas da leitura integral deste livro famoso, mas pouco apreciado pela grande maioria da população, até da letrada, que sempre se manteve a uma distância respeitosa desta obra, porque ela a intimidava, quer pela sua simples extensão, quer pela, apesar de conhecida, natureza remota da sua história, e não em último lugar pela sua línguagem exigente, cujas frases raras vezes terminam antes de terem evocado uma vasta paisagem de imagens impressivas, tecido uma teia complexa de referências e alusões, iluminado em perspectivas variadas as ideias nelas expressas e, se não esgotado, então pelo menos se aventurado na experimentação frequentemente surpreendente mas sempre correctissima de parte substancial do leque extenso das construções sintácticas que a língua alemã permite. |
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