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  • 20.12.06

    Het toilet
    (Theo Molkenboer)

    Um recorte de jornal, uma pequena e fraca reprodução dum quadro dum obscuro gravador holandês do início do século XX... Desde há muito que ela jaz no fundo da caixa de sapatos electrónica que chamo playmate-candidates, e pouco indicava que um dia ela sairia dali para ver a luz do Quase em Português. Mas saiu.
    Dos critérios para ser playmate, de que tenho conscientes e inconscientes, ela só cumpre os segundos. Dos primeiros não satisfaz nenhum: não tem formato adequado, nem é suficiente a qualidade técnica da reprodução e também não convence a qualidade artística da obra.

    Porquê então esta imagem se aguentou naquela caixa, entre tantas outras de qualidade muito superior, quer no primeiro quer no segundo critério, e não deixou de intrigar e encantar-me sempre que ponho os olhos nela, não sei bem dizer. O quê essa rapariga tem, que não têm as outras, tão ou mais bem-feitas, e sempre pintadas ou fotografadas com mais talento e expostas com melhores meios? Não é que ela me lembra alguém que conheço ou conhecia, real ou ideal. Não é isso. Também não sou especial apreciador da arte da sua época. E é obvio que se trata dum quadro muito convencional, a começar pelo titulo, passando pelo tema, cenário, meios de representação e terminando com a composição. Mas a minha especial afeição, neste caso, tem a ver com o seu ser tão da sua época. Tem a ver com a época a naturalidade e a confiança do porte, a beleza que mantém a inocência sem se negar à sensualidade. Talvez não é próprio chamar inocente a forma com que se dedica, absorta, à sua toilette. Mas ela está desprovida de todos os elementos do jogo da sedução que é o principal ingrediente do erotismo do século 18, onde as convenções forneceram o cenário e os próprios meios do seu contorno. E também está longe daquele erotismo insalubre que marcou o século seguinte, o mais hipócrita da história da humanidade, com o seu perverso culto da virtude e do falso pudor. (Isso lembra-me que recentemente houve quem defendeu, no parlamento britânico, a reabilitação dos valores vitorianas! Bem haja!)
    Este quadro é art nouveau, que em alemão chamamos Jugendsstil: “estilo da juventude”. E sendo esta época aquela em que artistas como Munch e Klimt, por exemplo, desenvolveram novas formas para exprimir o inconsciente, o sentimento da alienação e do desespero, também da sexualidade, é desta época também a redescoberta da natureza, e do homem (e da mulher) como seus elementos integrantes, que se quer e acredita possíveis em harmonia com ela, e não como antagónicos, num reflexo ingénuo contra a omnipresença da revolução industrial. Festeja-se o corpo, não como na época clássica e nas suas reedições classicistas, como instrumento da guerra ou da reprodução, mas como ser da natureza, que tem o seu valor em si próprio, corpo em que a sua expressão, o seu ser e a sua finalidade não se divorciam, e em que se tem prazer, sem piscares de olho, sem vergonha, sem culpa, mas também, é verdade, sem o hedonismo compensatório do vazio que, desde sempre existente, nos voltou a assaltar vinte anos e uma guerra mundial mais tarde em força e que veio para ficar.
    É assim dupla a juventude que vejo e aprecio nesta mulher, e que me levou tantas vezes a rever este quadro de artista menor. E as deficiências da sua reprodução, que o afastam de mim espectador, a escassez das fontes e a impossibilidade de obter uma reprodução melhor, reforçam a sua aura de testemunho raro e quase perdido duma esperança passada, adequada à minha nostalgia que tenho destas duas juventudes, a da esperança humana e da outra natural, que me simplesmente diz que isto seria uma rapariga que gostava de foder.
    18.12.06
    Carolina Salgado, mulher do Mal

    Sim, Luís. Mas não. Não acho que a indignação, o nojo, com que as pessoas de bem falam da senhora, tem a sua verdadeira origem na profissão, em cujo exercício, pelos vistos competente, ela chegou a conhecer o Dr. Pinto da Costa. Tenho para mim que aquilo que detestam e desprezam mesmo é a traidora, e que essa também foi puta, só é uma sempre agradável confirmação da ordem natural das coisas. Porque assim está tudo explicado e não há mais nada de saber.
    Fazer uns subornos e umas ameaças, contratar uns capangas para partir os ossos a um adversário, é desculpável e em todo o caso incomparavelmente mais nobre do que revelar segredos do seu senhor, mesmo que este resolveu acabar com os tempos, para os que a tirou do bordel.

    Não tenho nem tenho de ter simpatia ou carinho pela Carolina Salgado. Já tenho alguma compreensão pelo que se calou sobre os actos ilícitos do seu senhor que alega ter testemunhado enquanto viveu na sua casa. Também tenho alguma compreensão, mas já não complacência pelo que colaborou na encomenda do enxerto de porrada que, como diz, o seu senhor destinou ao político inimigo. Mas que conta a sua história, na tentativa to get even, de ganhar os trocos que pode, para isso tenho toda a compreensão e nenhuma censura.

    Woman in white dress
    (Vincent Desiderio)
    15.12.06
    Beta não presta

    Migrei para a versão Beta do Blogger e fico muito arrependido. Ainda me conformo com que reapareceu a Navbar, agora resistente ao milagroso dispositivo que a fez desaparecer na versão antiga. Mas mesmo grave é que os links para os posts mais recentes agora falham todos. O remédio seria talvez criar páginas únicas de arquivo para cada post, o que não quero fazer. Se alguém sabe melhores remédios, fico-lhe eternamente grato.

    Adenda 19.12.:
    Pronto, já funcionam os links, embora colocando agora cada post em página própria. O Navabar fica por enquanto, embora feio, até encontrar uma melhor forma de introduzir a função de pesquisa no blogue. Mais uma vez obrigado a Zazie!
    Agora é de vez!

    PARABÉNS, Maria da Conceição! Agora festeja, deves e mereces festejar. Vou abrir uma garrafa também.
    Mas depois contas-nos, por favor, como essa merda que te aconteceu, foi possível. Por que não acredito que tinha que ser assim.
    14.12.06
    Excuse me

    Ontem deu-me na gana ligar o autoplay desta canção de Peter Gabriel. Já desliguei. Prometo que não voltarei a faltar assim em civismo.
    13.12.06
    Aquele que está em todos, tinha de estar nisto também...

    Tinha colocado aqui ao lado, por uns minutos, um link ao texto de Nuno Rogeiro, Em Teerão, mas ele vai para este post, porque não pode ficar sem comentário.

    Li-o, e mais do que o seu conteúdo intriga-me como este se enquadra: Nuno Rogeiro diz que estava em Teerão a convite do governo iraniano, mas não para participar neste inenarrável "Congresso sobre o Holocausto". Só depois, porque aquela estranha coincidência se deu, aproveitou a oportunidade jornalística. Inscreveu-se como participante? Ou qualquer interessado entra lá e senta-se numa cadeira vaga, e recebe a palavra? Ou não entrou? Afinal proferiu em discurso, no congresso, o que está no post, em inglês? Publicou-o num jornal iraniano? Ou só no blogue português?

    Quanto ao conteúdo, o post é muito bom. Mas que um colunista conhecido e reputado (vá lá) português se presta àquela encenação de Ahmedinejad, não tem desculpa. Ou terá? O Nuno Rogeiro poderá tentar, começando pelo esclarecimento das dúvidas acima mencionadas. Talvez a sua "participação" passará de vergonhosa a lamentável.

    (emendado)

    Adenda 14.12. 16.45h:
    Nuno Rogeiro esclarece (via Corta-fitas)
    O teu ditador é pior do que o meu!

    Falta-me paciência para este debate, mas que ele - a sua existência - dá que pensar, lá isso dá!

    Meio nu
    (Christian Schad)
    12.12.06
    O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita!

    Muito menos em questões de moral. Em Waco, Texas, sabem isso e previnam.
    11.12.06

    Sphinx
    (Claudia Fitch)
    Small world

    As reacções à morte de Pinochet lembraram-me deste post: Small world.
    10.12.06
    Jacob:

    Como pode viver o homem, se já não pode confiar em que as coisas não acontecem como pensa?!

    (Em José e os seus irmãos, de Thomas Mann)

    Leitora
    (Robert Campin: lado direito do altar de Werl)
    9.12.06
    Terra da Alegria

    Os seus fundadores anunciaram o fim da Terra da Alegria. Fui um dos que tiveram o privilégio de ser convidado a participar neste blogue de católicos, sem ser católico, sem ser cristão, com as minhas especulações religiosas. Assim a Terra da Alegria é responsável para eu me ter debruçado com mais profundidade sobre questões, que me intrigaram mas nunca me teriam levado às bandas onde me levaram, se não tivesse tido o desafio de escrever sobre elas. Acrescenta-se os excelentes textos dos outros autores, e a atmosfera de grande generosidade, abertura de espírito e de tolerância, que me obrigou de rever os meus preconceitos sobre católicos militantes, e talvez compreende-se que oiço a notícia do seu fim, embora sem surpresa, com genuina saudade.

    Faço votos que os textos continuarão disponíveis, e digo o meu obrigado ao José, Timshel, Carlos, Miguel, Fernando e Rui.
    8.12.06
    O momento do sopro da anima

    No Hole Horror, JCD faz a sua declaração de voto na questão do referendo do aborto. Não é o sentido do voto, nem o expresso “não”, nem seria o contrário, que confere especial mérito ao post. Este advém de que nele se identificam as causas que tornam o debate em curso tão estéril e frustante, as razões porque os combatentes, nem nos raros esforços honestos de se fazer entender ao adversário, nunca falam da mesma coisa. Estas causas são os tabus dos dois lados. A questão da vida no lado do “sim”, os problemas sociais e da liberdade no lado do “não”. Concordo com JCD. E também acompanho a classificação da vida como questão a montante, e do resto como questão a jusante.

    Porém o tabu de discutir a vida não é exclusivo dos partidários do “sim”. A diferença é que, enquanto os partidários do “sim” tentam evitar a questão, os do “não” defendem o tabu da vida agressivamente. Pois para eles a própria “vida” é tabu, entendendo-se sob “vida” “vida humana”, como aliás toda a generalização lhes vem a calhar, e toda a diferenciação é imoral, inumano, do diabo.
    Não falta fundamento à acusação de incoerência e de hipocrisia, que lhes é feita pelo outro lado, porque, com poucas excepções, os mesmos defensores da vida tout court aceitam, na prática, relativizá-la, ao defender a preservação do status quo e da legislação actual.
    Mas com igual razão acusa-se os partidários do “sim” de cobardia ou até de jogo encoberto, porque em regra não assumem os critérios com que medem o valor da vida. A suspeita que o limite de dez semanas para muitos não passa duma escolha arbitrária, ditada por motivos tácticos, que na próxima oportunidade não se importavam de alargar, é difícil de provar falsa. Quando os partidários do “não” se auto-convenceram, apesar de saber melhor, do valor absoluto da vida, e assim se podem dar ao luxo de recusar discuti-lo, igual liberdade não pode assistir aos que admitem diferenciar. Que o mesmo assim evitam é, suspeito eu, porque estão conscientes de estar a abrir portas para terrenos em que racionalmente podiam entrar, mas emocionalmente não sabem orientar-se, presos pelas mesmas inibições morais dos seus adversários, que não provêm duma teoria ética racional, mas da tradição. São culturais, sociais e psicológicas.

    O que vale uma vida dum embrião de dez semanas, dum de catorze? Dum feto com oito meses? Dum recém-nascido que ainda não desenvolveu um conceito do “eu”? E já agora, a vida dum cão, que, ao contrário do bebé, é capaz de sentimentos de amizade, de fidelidade, e até de luto? O que vale a vida dum deficiente profundo? Duma pessoa em coma?
    Essas perguntas são mais do que difíceis: são assustadoras.

    A quase todos nós falta coragem de pôr em causa a diferença e superioridade categórica de qualquer vida humana, seja em que condições, em relação a qualquer outra vida, ou outro valor. Inibe-nos um sentimento de culpa irracional que persiste mesmo em pessoas que de resto interiorizaram uma visão científica do mundo, acreditam na evolução, no "eu" como produto da consciência, na consciência como actividade cerebral, nessa como processo electro-químico etc. Apesar da formação científica não se sentem capaz de abandonar o conceito da alma, no sentido essencialista. Não lhes parece absurdo que ela habita, entidade metafísica, sobrenatural, o embrião humano de poucas semanas, um organismo sem cérebro, sem sistema nervoso sequer.
    Já a referem um pouco envergonhado, lá isso é verdade: Chamam-na anima, e o momento mágico que transforma um organismo numa pessoa plena, o momento do sopro da anima.

    A bottom line é: Por muito que o se nega, se a objecção à despenalização do aborto tem uma fundamentação, ela é religiosa.

    (actualizado)

    Adenda:
    As minhas sinceras desculpas ao João Caetano Dias, que por engano julguei autor do blogue Hole Horror, e à/ao JCD, verdadeira/o autor(a) deste blogue, que acabou de informar-me do equívoco. Fico-me com a consolação de que, no que diz respeito a minha estima, nenhum dos dois fica mal ao lado do homónimo, quer em relação à inteligência dos textos quer ao bom gosto das fotografias...

    Etiquetas:

    7.12.06
    Autodidactismo



    Pois é Helena. Acho excelente que os nossos filhos tenham uma relação descontraída e positiva com a ortografia. Primeiro o gosto e a coragem, as regras depois, q.b.

    Num momento não observado, na escola, o Vicente (7) lembrou-se de pôr no seu bloco de notas os números 1-9 em alemão.
    Votos

    Muito obrigado à Isabella, ao JPT e ao João Tunes por ter nomeado o Quase em Português para os melhores blogues de 2006. E as minhas desculpas a todos que teria nomeado no concurso da Geração Rasca, se me tivesse convencido para votar. As minhas escolhas teriam saído, logicamente, da lista aqui ao lado.
    Um obrigado especial à Joana, cujo saboroso blogue certamente voltarei a visitar, e com muito proveito!
    A vantagem de ser mulher

    bloguista é bastar-lhe uma só frase para prender a atenção dos leitores e incendiar-lhes a imaginação:
    Comprei o meu primeiro par de sapatos de salto alto.
    6.12.06

    Venus Anadyomene
    (Ticiano)
    E continua...

    O JPT já anda nisto mais de três anos.
    Ainda bem. Muito ainda bem.
    Ao cuidado do meu amigo Timshel
    4.12.06
    Amar o quê?

    João, a sua citação do humorista lembrou-me a resposta que o meu Presidente de República, Gustav Heinemann, deu quando lhe perguntaram se amava a sua pátria:
    Não amo estados, amo a minha mulher.
    Há humor português!

    Leio no blogue Revista Atlântico, pela mão de Henrique Raposo, que o «holocausto pedantesco que é o meio intelectual português» deve-se à «influência de séculos da França e da Alemanha».
    Pois é. Melhor seria livrar o país desta influência. Assim o que sobrava no meio intelectual português seria...

    Disparate! O que pensaram?! Sempre há as influências benéficas do Vaticano e do Reino Unido! E nelas, quem podia negá-lo, originam de facto os melhores contributos humorísticos na intelectualidade deste país, abundantemente e generosamente proporcionados pelos professores João César das Neves e João Carlos Espada.
    O lado bom dos ditadores

    Quando se fala de Hitler, só se fala das coisas más. Esquece-se que ele deu a Alemanha a rede de auto-estradas, modelo em todo o mundo, e emprego aos milhões de desempregados da crise que se seguiu ao Sexta-feira negra de 1929. É certo que criou campos de concentração, prendeu e assassinou sistematicamente milhares de pessoas que se lhe opuseram, com destaque para os comunistas, mas não só. Eliminou todos que não perceberam a necessidade da hora. E assim relançou a economia.
    Só que inexplicavelmente nem em 1939 os alemães, apesar de novamente ricos e educados, deixaram de aceitar a continuação da sua ditadura.
    Se o tivessem feito, as pessoas falariam dele hoje como falam de Pinochet. Certo?

    Old photographs
    (Colleen Coover)

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