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28.2.07
Não calculava, quando recentemente escrevi que há muito já não me senti tão estrangeiro em Portugal, que essa sensação se repetisse tão brevemente. Mas repetiu-se, ao assistir a essa curiosa discussão no Corta-fitas sobre o “cri-cri”: crianças e criadas. Pessoalmente nunca tive contacto com um mundo em que há criadas, no sentido como o João Villalobos aparentemente ainda tem. Julgava isso coisa de passado, uma ficção de telenovelas portuguesas, que exploram o sonho pequeno burguês da vida da “verdadeira” burguesia, ou de novelas inglesas como Bellamy, que exploram a nostalgia pelos tempos em que ainda vigorava a ordem natural das coisas. Disse que pessoalmente não conheço esse mundo, mas guardo memórias familiares: a minha avó paterna era criada no tempo do Imperador Guilherme II, tal e qual nos termos que o João descreve. O que me surpreende não é que há quem recorre hoje, se pode pagá-lo, a serviços domêsticos. Também o faço. O que me surpreende é a aceitação acrítica das relações de poder e dependência, que a elogiada familiaridade do mundo da criadagem inevitavelmente implica. Se terá as suas vantagens para ambos, tê-las-á com certeza mais para uns do que para outras. Olho para a ilustração bem-disposta do menino João, e é com arrepio que compreendo o alívio da minha avó quando, ao casar com um carpinteiro, finalmente pôde fugir às insinuações - ou mais: isso nunca me confessou - do Senhor da Casa, e às do seu filho varão. Que não sei se se chamou João. Venus de Willendorf (25000 a.C.) "Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental!" 27.2.07
Os seus objectivos eram difusos. Os meios errados. A postura repugnante. Nunca simpatizei com eles. Porquê então as imagens me enchem com nostalgia dos meus dias de estudante em Berlim? 26.2.07
Obrigado, João! Já estava a ver-me só e abandonado ao desprezo definitivo das mulheres, com excepção do caridoso malentendimento intencional ("ironia"!) de algumas muito generosas, enquanto os homens todos, em silêncio prudente, me deixariam receber sozinho os castigos da minha leviana candura. 25.2.07
Este é o terceiro post que faço acerca do post Geometria do desejo masculino, o que não deixa de ser, apesar de toda a discordância, sinal de apreço que admito de bom grado. Queria ainda comentar a sugestão do último parágrafo, muito pertinente, se as premissas estivessem certas: se não seria muito melhor satisfazer o desejo dos homens de corpos femininos perfeitos com bonecas artificiais do que com a cirurgia plástica nas mulheres, que é dolorosa, perigosa e porventura prejudicial pela saude. Pois seria. Mas a pergunta porque assim não é deveria dirigir-se, antes de mais, às mulheres que recorrem à cirurgia. À revelia de estudos socio-psicológicos, que desconheço, atrevo-me de constatar que o móbil para se submeter à faca não é a pressão directa dos homens, ou do homem em específico na sua vida a quem quer agradar, mas a pressão social, a submissão à concorrência com outras mulheres e a aceitação de critérios que muito bem podem ter origem nas preferências sexuais dos homens, mas que ninguem as obriga de fazê-los as suas. Não se pode assacar a pressão social de ter um corpo belo, que aliás já há muito se estendeu e se estende cada vez mais aos homens, ao machismo. A fixação no corpo, a necessidade de ser bonit@ para ter sucesso social, até profissional ou político (vide Ségolene) é universal e tem no meu entender menos a sua origem em exigências sexuais do que na cultura da negação da morte. É preciso ser bel@, porque é preciso ser jóvem e saudável. ... A estranha obsessão pela cirurgia plástica mereceu-me há relativamente pouco um post que se pode consultar aqui; e sobre a questão da beleza escrevi em tempos um pequeno conto no Lugar Comum, talvez um pouco beato: pelo menos uma leitora criticou-o citando Vinícius: Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental. 24.2.07
Tenho estado a pensar sobre as bonecas. Se elas não seriam, sim, a solução. Um homem já não teria de preocupar-se com se ela está cansada, ou nervosa, ou irritada, se tem dores de cabeça, ou outra razão para falta de vontade. Não havia dias do período, não havia de pensar no preservativo, não havia necessidade de perguntar se hoje é perigoso, se tomou a pílula, e de acreditar na resposta. Não seria necessário pensar em aniversários, em dias de casamento, de São Valentim, de oferecer flores, ou perfume, ou roupas, e de temer que escolhemos mal, o que seria mais uma prova da nossa insensibilidade e falta de respeito. Não teriamos de dizer que está bonita, quando não está, dar-lhe razão quando não tem, simular interesse pela sua conversa quando não há, ou de consolá-la quando está triste e zangada por causa dum desentendimento com alguém que para ela significa o fim do mundo, mas cuja razão de ser nos é inalcançável. E antes de mais deixariamos de ter essa obrigação impossível de cumprir, que é de adivinhar os seus estados de alma e de reagir proactivamente com o nosso comportamento adequado. Não precisariamos de passar horas com ela a frente de montras, ou dentro de lojas, com a angústia sobre a despesa que aí vem como único atenuante do nosso tédio. Não teriamos de ouvir comentários ou sugestões sobre o nosso proprio vestimento, não de ouvir que somos iguais a todos os homens. Deixariamos as meias usadas debaixo da cama, até já não havia mais limpas para calçar, lavavamos a nossa loiça sem que isso servisse de pretexto para um sermão sobre a nossa falta de empenho na lida da casa, de que esta excepção só é prova reforçante. Faziamo-no nós, de acordo com os nossos critérios ou pagavamos alguém para que o fizesse, calado, sem olhares reprovadores, e pronto. Livravamo-nos acima de tudo do parádoxo digno de Catch 22, que é de ter de fazê-la sentir-se desejada, sem que se ache objecto do nosso desejo, porque a sua objectificação é, como se sabe, o maior de todos os crimes contra a mulher. Deixavamos de ficar a mercê da sua graça discricionária, de ocasional- e generosamente ignorar esse nosso pecado, sem o qual não pode haver sexo consentido, porque que mulher quer sexo sem se sentir desejada? Não é antes de admirar que o recurso às bonecas não é muito mais generalizado do que é? O preço de 5000 Euros é irrisório comparado com os ganhos. Na verdade, quanto mais penso nisso, mais misterioso me parece este facto. A não ser que me escapa algo. Deve haver algo nas mulheres de carne e osso que, mesmo assim, as deixa em vantagem em relação às bonecas. Não me ocorre de momento o que poderá ser, mas deve haver sim! (Margarida: Tu sabes que não estou a falar de ti...) Good at parties (Amy Bennett) 23.2.07
22.2.07
Acho que sexo com bonecas insufláveis não tem mal nenhum. Mas não acho que é bom sexo. Porque acho que bom sexo é comunicação. Apesar de ser homem. Há quem acha homens incapazes de bom sexo. Depois de treze anos já perdi a inibição de dizer o que penso do estado das coisas em Portugal. É que me habituei bem a vossa tolerância, que é, sem ironias, exemplar. Escudo-me também no facto de que cá trabalho, pago impostos e contribuições para a segurança social, e que os meus filhos são cidadãos portugueses. (O primeiro há de ir em breve para o Dia da Defesa Nacional.) Mas há casos em que ainda me imponho uma autocensura, onde por respeito pelos vossos sentimentos ainda me abstenho de dizer o que penso. Não é por receio de represálias que, como disse, não haveria. É por delicadeza. É por saber que o que diria não seria de todo novidade e já é motivo de embaraço de muitos dos meus amigos e, como julgava, de todos os portugueses civilizados, cultos e intelectualmente honestos, se eles alimentam um mais que legítimo sentimento patriótico. Como já devem ter imaginado, serve esta introdução precisamente para abandonar esta minha reserva. Decidi abordar o assunto melindroso, mesmo se fará corar quem goste de orgulhar-se do seu país, lhe crie comichão nos raízes do cabelo e lhe atrapalhe a respiração. Peço desculpa, mas tem que ser. Prescindo do recato porque vejo pessoas que até hoje não identifiquei como aliadas ou representantes deste objecto de embaraço, a sair em defesa aberta dele, admitindo aspectos incómodos, mas menorizando-os perante os alegados benefícios e méritos. A eles sinto me impelido de responder: caros amigos, vocês sabem melhor. Sabem que o problema não é só estético. Ver um líder político fazer aparições carnavalescas, haja carnaval ou não, dizer boçalidades e barbaridades intelectuais que ofendem a inteligência de quem concluiu o 4º ano é humilhante, é verdade, mas não é o pior. O problema também não é só político. Que ele conseguiu habilmente, e neste caso com todo o mérito, encaminhar o dinheiro dos contribuintes do continente para a sua ilha, é demérito dos políticos do continente e não o dele. O problema não é o Dr. Alberto João Jardim. É a cultura, o modelo civilizacional, que ele representa e impõe a sua ilha desde há trinta anos. O que mais envergonha é o que as crianças desta ilha aprendem com o seu exemplo e com a realidade por ele enformado sobre o respeito pela coerência, pela liberdade e pela dignidade humana. 21.2.07
Jupiter e Io (Corregio) 20.2.07
«A essência do comportamento ético não parece ter começado com os seres humanos. Há dados notáveis de estudos feitos em aves (como os corvos), e em mamíferos (como os morcegos, os lobos e os chimpanzés) que indicam claramente que espécies não humanos se parecem comportar, aos nossos olhos sofisticados, de uma forma ética. Exibem simpatia, apegamentos, embaraço e vergonha, orgulho dominante e humilde submissão. São capazes de censurar e recompensar as acções de animais congéneres. Uma espécie de morcego conhecido pelo nome de morcego vampiro consegue detectar aqueles que fazem batota e trata também de os castigar. Os corvos fazem o mesmo. Exemplos de comportamento ético são, como seria de esperar, ainda mais convincentes entre os primatas e não se confinam de modo algum aos chimpanzés, os nossos parentes mais chegados. Os macacos Rhesus comportam-se com outros de maneira altruísta. Numa experiência notável executada por Robert Miller e discutida por Marc Hauser, os macacos deixavam de puxar uma cadeia que lhes traria comida caso esse acto fizesse com que um outro macaco recebesse um doloroso choque eléctrico. Em tais circunstâncias, alguns macacos passaram horas e até dias sem comer. De forma bem sugestiva, os animais mais susceptíveis de se comportarem de forma altruística eram aqueles que tinham conhecimento social prévio do animal que receberia o choque. Os macacos que noutras fases de experiência tinham eles mesmo recebido choques, mostravam também maior probabilidade de se comportar de forma altruísta. Não há qualquer dúvida de que o altruísmo não se confina aos seres humanos. Este facto pode talvez desagradar aqueles que acreditam que a justiça é um traço exclusivamente humano. Como se não bastasse que Copérnico nos tivesse dito que não estamos no centro do universo, que Charles Darwin nos tivesse informado de que temos origens bem humildes e de que Sigmund Freud nos tivesse mostrado que não somos donos da nossa própria casa no que respeita à consciência que temos dos nossos comportamentos, somos agora também obrigados a admitir que, mesmo no domínio da ética, temos predecessores e somos descendentes.» (António Damásio: Ao Encontro de Espinoza) 17.2.07
Dormitory (Wan Quin Song) 16.2.07
A luz pálida do dia chuvoso de Fevereiro entrou pelas janelas altas da sala de espera que, embora assepticamente limpa, não se livrava do ar poeirento e tristonho tão característico em edifícios públicos antigos. Uma vigilante fardada atrás duma secretária colocada num canto, de forma provisória e manifestamente desenquadrada, confirmou: «Sim, a chamada era sua. Pode entrar!» A porta que indicara era alta e pesada, e a prova de som, o que era adequado para o caso. «Bom dia! - Sim, entre por favor, e feche a porta. Pode deixar o seu casaco naquela bengaleira.» A sala da entrevista era espaçosa e escassamente mobilada. Tinha um ar austero, de acordo com a arquitectura deste edifício que podia ter sido um tribunal, embora não era. Apesar do ar austero, e em contraste com a sala de espera, tudo aqui emanava qualidade, peso, severidade e desconsolo, sim, mas qualidade. Uma cadeira simples e solitária encontrava-se no centro da sala, um pouco afastada a frente da mesa comprida, ou pódio, que era o móvel dominate. Em cima dele uma garrafa de água, três copos, para cada membro da comissão um, e um dossier, em que a visita calculava encontrar-se o seu processo. Atrás da mesa os três membros da comissão. No meio o seu presidente, um homem hirto de cerca de quarenta anos, de fato e gravata, muito aprumado, óculos rectangulares sem aro. Ao seu lado direito uma senhora na casa dos cinquenta anos. A sua roupa de talho conservador, o xaile de seda floreada em tons decentes, as joias e os óculos com fio e aro em ouro, deixaram entender que era de boas famílias. No lado esquerdo do presidente, o terceiro membro da comissão, um homem também já para lá dos 40 anos, mas menos característico, de expressão mais plácida do que a dos seus colegas. «Sente-se! - Nervos? - Não tenha! Se a sua convicção é séria e genuína, não tem nada a recear. Sabe, todos nós somos pessoas com experiência de vida e conhecedores da natureza humana. E temos experiência na avaliação dos motivos das pessoas que nos passam pelas mãos. Ninguém aqui lhe quer mal. Veja, também há uma mulher na comissão, que vai avaliar o seu caso com intuição feminina, e certamente também com recurso à sua experiência maternal. Aliás, não duvidamos que ache justa a sua decisão e genuína a sua convicção, mas cabe a nós avaliar se ela é mesmo de consciência, se ponderou bem e se a sua decisão não é fruto de motivos fracos ou falsos, o que pode não ter compreendido até agora. É para isso que estamos aqui: Para lhe fazer ver a invalidade dos seus motivos, se for o caso. O procedimento é o seguinte. Primeiro, pedimos-lhe que exponha o seu caso, as suas razões. Vamos ouvi-las com calma. Depois vamos fazer-lhe perguntas e colocar alguns cenários, aos quais esperamos uma resposta honesta e em consciência. Então pode começar:» O que aqui contei não é ficção, é memória. É o relato de parte da minha Prova de Consciência realizada em Fevereiro de 1979, cujo resultado me permitiu trocar 15 meses de serviço militar para 18 meses de serviço cívico numa escola e centro de acolhimento de crianças deficientes. Pois é, o autor deste blogue é pessoa com consciência certificada! De leitura obrigatória! De facto, é difícil compreender como quem vive em Israel consegue dormir à noite. E o sono dos que vivem noutras partes do mundo, mas se preocupam com a sua sobrevivência, não merece estar muito melhor. Ultrapassado o assalto de angústia, que a leitura deste artigo provoca, voltamos à pergunta: o que fazer? Parece que estamos remetidos à lógica do equilíbrio do terror da Guerra Fria. Que resultou, durante 40 anos. Mas não esqueci porque vivi nele - como habitante da principal warzone - tão desconfortavelmente: O equilíbrio do terror pressupõe um mínimo de racionalidade em ambos os lados. E se este pressuposto já é sempre de fraco fundamento, se pensamos em longos prazos, o que resta dele se olharmos para o actual presidente iraniano? Como o Irão ainda não tem a bomba atómica, há ainda tempo para um "preemptive strike". Aconselha-se? Falta-me know-how militar para avaliar a sua eventual eficácia, os seus riscos militares e os danos colaterais, que são de levar em conta. Mas é uma opção a considerar, se falamos de ataques cirúrgicos aos locais de produção e/ou armazenamento dos equipamentos militares nucleares. Porém nunca poderá ser uma solução a longo prazo. Pode adiar o problema por alguns anos, que voltará. E é verdade, bombas atómicas também podem-se comprar... Sobre a desadequação duma intervenção militar abrangente deve estar hoje, depois do desaire do Iraque, esclarecido até o crente mais tonto no poderio militar ocidental. Aliás, assentamos no débito pesado da política externa da Administração Bush, que o desaire do Iraque contribuiu muito para este actual problema com o Irão, que agradece a demonstração da referida desadequação bem como o reforço do seu espaço de manobra face a muito debilitada autoridade americana na política internacional. Voltamos então à opção política, que pode já não bastar para conter o perigo iminente, mas continua a ser, quão difícil sempre seja, ao longo prazo a única opção que realmente pode levar a uma solução. Daí, o que não devemos perder de vista, indepedentemente de como se responde à ameaça iminente, é a pergunta: o que podemos fazer para fomentar que no Irão prevalecerá a racionalidade, o respeito pelos direitos humanos e pela paz? Tendo em atenção que o Irão é, para além de uma cultura rica de história milenar, uma sociedade com um nível de educação elvado, e uma democracia... Há ainda uma lição importante desta crise, que não devemos ignorar: Não é o problema palestinianiano a fonte desta actual maior ameaça à existência de Israel! É antisemitismo puro e duro. Etiquetas: antisemitismo 15.2.07
ou planeamento estatal? No primeiro reina o livre jogo das forças, a iniciativa privada e a auto-regulação. O controlo e o cumprimento das regras de convivência é assegurado a partir do seu interior. (Bairro de difícil policiamento.) No segundo reinam a ordem e as regras impostas por fora. O controlo das regras de convivência é efectuado por dentro ou por fora, o seu cumprimento pode ser facilmente imposto por fora. (Bairro de fácil policiamento.) - Se tivesse de atribuir o adjectivo "pobre" a um e "rico" ao outro bairro, como faria? - Em qual dos dois bairros está a dignidade humana melhor salvaguardada? - Onde é que preferia viver? (Mais imagens impressionantes de urbanizações de México aqui, site descoberto via O Despropósito.) Etiquetas: arquitectura 14.2.07
Um blogue ao que até então injustamente não tenho prestado a devida atenção. Um membro daquela irmandade pequena e discreta que zela pela honestidade intelectual, através do único meio disponível: o seu exercício. Como exemplo, deixo aqui uma longa citação: «Quando falamos para um universo indiscriminado de destinatários, há sempre o risco de sermos mal recebidos e entendidos pelo último dos boçais. É um dos riscos do proselitismo, nunca sabemos se verdadeiramente conseguimos uma partilha de valores através da simples partilha de palavras, porque elas podem ter sentidos muito diversos para muito diversas pessoas – para pessoas com bases culturais muito variadas. É por isso que sou profundamente avesso a partidos, doutrinas e camaradagens ideológicas – temos que fingir que aturamos gente que não interessa para nada e que imaginamos que não nos entendeu, tudo para a contarmos entre «os nossos». Daí também a restrição necessária das «comunidades de discurso», a perspectiva levemente elitista e etnocêntrica que têm sido adoptada pelas últimas evoluções do modernismo e do pós-modernismo – significando-se que não vale a pena pensarmos que é possível um diálogo útil e frutífero para lá de um círculo de educação (e por vezes de alfabetização). Se usamos de humor, levam-nos à letra; se usamos argumentos a contrario, concluem o contrário do que queríamos provar; e se recorremos à reductio ad absurdum, julgam-nos capazes das convicções mais absurdas e repugnantes, aquelas mesmas que queríamos repudiar. E então em termos de ironia nem vale a pena falar: basta pensar na infindável procissão de «inteligentes» que ainda hoje tentam ferrar nas canelas de Voltaire, incapazes de captarem o «registo» da ironia... Nada a fazer, é excluí-los do discurso, por muito que isso magoe as suas vaidades e as suas solidíssimas convicções de semi-alfabetizados. +++ Isto a propósito de um intruso qualquer que se esconde por detrás de um apelido simpático (se é o dele, devo confessar que conheci o ramo honrado da família em Lanhelas, a caminho de um passeio na Serra de Arga) e que exprimiu a sua frívola convicção de que Peter Singer é um abortista e infanticida. Belo sintoma de ignorância e estupidez: qualquer pessoa que tenha lido qualquer coisa de Peter Singer sabe que ele usa os argumentos do aborto e do infanticídio como «argumentos moralmente repugnantes» para nos alertar para a grave incongruência da nossa moral selectiva, que se indigna (justamente) com umas coisas ao mesmo tempo que aceita (injustamente) outras, como por exemplo o sofrimento gratuito infligido aos não-humanos. Exactamente o contário da apologia do aborto e do infanticídio, talvez mesmo o argumento mais poderoso contra estas aberrações morais. +++ A imbecilidade e a superficialidade não têm limites. Não há diálogo possível.» Aditamento: Ao aperceber-me, entretanto, da pessoa eminentemente culta que é o autor deste blogue, quero acrescentar que considero uma genuina honra poder contá-lo entre os meus leitores. Etiquetas: cidadania Este termo, caro João, não me ocorreu, talvez porque eu tenha sido poupado, descontando algumas injúrias insignificantes das últimas semanas, da perseguição dos "penalistas eclesiásticos". Outr@s terão mais motivos de queixa. Terá razão que convém acompanhar um virar de página histórico, que também acredito este referendo é, com um gesto - mais do que com um gesto: uma postura de reconciliação. Mas como disse, não tinha isso em mente quando elogiei a ideia do aconselhamento. Foi simplesmente porque o acho uma boa medida, e ingenuamente desvalorizei o perigo do seu aproveitamento para fins contrários ao sentido do referendo. Mas acredito que à minha ingenuidade assiste a razão, por saber pela experiência na Alemanha, que este abuso do aconselhamento acaba de ser impossível, desde que se assegure que a sua oferta seja plural. Cacountala (Camille Claudel) 13.2.07
Acho a proposta de Sócrates, de prever na futura lei um aconselhamento obrigatório e um prazo de reflexão de três dias antes da IVG, excelente. Para além de que o aconselhamento sobre as alternativas, os procedimentos e riscos da IVG sempre faz sentido, e também ajuda a enquadrar e desmistificar uma decisão muitas vezes difícil, dolorosa e solitária, considero esta consulta indispensável para assegurar que ninguém aborta por pressão de terceiros. Só compreendo as reservas do BE e do PCP em relação a esta proposta, se for por suspeita de que assim o aconselhamento obrigatório pode ser aproveitado para colocar a mulher sob pressão moral de não abortar. A lei alemã, o §219 StGB, prevê algo semelhante. Não concordo com isso e felizmente, na prática, não é bem assim. A forma como foi descrito no Público de hoje o modelo alemão, no qual a proposta do PS se parece orientar, é um pouco equívoca, porque leva a crer que o aconselhamento é dominado pelas igrejas. Isto não é o caso. Na Alemanha, este aconselhamento é prestado por várias organizações não governamentais, entre os quais a mulher pode escolher. De facto, a Igreja Católica retirou há anos, numa decisão muito criticada por católicos alemães, inclusive da hierarquia, a oferta deste aconselhamento porque tinha de permitir como desfecho possível a decisão da mulher de abortar. Organizações católicas independentes continuam todavia o trabalho. Ao lado das organizações cristãs independentes existem organizações laicas como a Pro Familia, que julgo ser de longe a maior, que prestam este apoio sem pressionar a pessoa. Embora que a lei alemã obriga a "chamar atenção ao direito a vida do nascituro, em qualquer estado do desenvolvimento", isto é feito, nesta instituição e noutras, sem exercer uma pressão moral e psicológica para além da referência a chamada de atenção legalmente exigida. O aconselhamento contém ainda e principalmente o seguinte: - Clarificação do conflito em respeito aos aspectos emocionais e espirituais*, da relação com o parceiro, do plano de vida, no caso de maternidade ou de IVG - Informação sobre a oferta de apoios sociais do estado - Esclarecimento sobre a intervenção cirúrgica ou com medicamentos. - Custos e financiamento da IVG - Explicação do enquadramento legal (* “seelisch” no original = referente a alma) Etiquetas: aborto via Lida Insana. 11.2.07
Mas a partir de agora terá que ser de forma não violenta. ...lembrou o António Costa Amaral, fez um link muito interessante, mas esqueceu-se de pôr a canção. Aqui fica: 10.2.07
(Foto: Damon Winter)
(Great) Old man. 9.2.07
Já me tinha decidido não postar mais sobre o referendo. Mas este post do André Carapinha é tão bom, simples e claro, que o reproduzo aqui na íntegra. E acho que alguém do blogue Sim no Referendo, deveria levá-lo para lá! Histórias (quase) verídicas com dois finais possiveis (1) Maria, uma adolescente de 16 anos, engravidou do namorado, Manuel. Num dia de bebedeira em que não tinham preservativo, descontrolaram-se,e fizeram amor sem protecção. Maria teve azar: engravidou. No 11º ano, cheia de planos para o futuro, esse filho que trazia no ventre iria ser um marco na sua vida: o fim dos verdes anos, da ingenuidade e esperança da adolescencia, de muitas das noitadas. Mas Maria decidiu que queria ter o filho. O problema é que Manuel não queria. Não parava de a pressionar para abortar. Tanto que Maria deixou de gostar dele, e acabou o relacionamento cheia de mágoa e raiva por quem não sentia como ela o filho que carregava, e não respeitava a sua decisão. Confusa, contou à mãe. Esta, após o choque, falou com o marido. Ambos concordaram: ela era nova demais. Tinha de abortar. Ao saber disto, Maria explodiu: que não, queria ter, ela é que sabia. Quanto mais argumentava, mais os pais se convenciam que o seu sentimento não era mais que a prova da sua imaturidade. O ex-namorado não parava de lhe ligar, os pais berravam com ela, ameaçaram-na de deixar de a sustentar, e acabava-se a escola, o futuro sonhado como advogada. Mesmo as melhores amigas lhe diziam que era muito nova, que o melhor era abortar. Até que Maria cedeu. Numa manhã de chuva, limpou as lágrimas da noite em claro, e saiu de casa. (agora escolha você o final, com o seu voto no dia 11): Hipótese A- Entrou num apartamento em Loures, onde a esperava uma senhora de meia-idade. Esta dirigiu-a para um quarto, deitou-a na cama, e disse-lhe: - Abra as pernas. Hipótese B- Entrou no Hospital de Santa Maria, dirigiu-se à obstetricia, onde a esperava uma médica de meia-idade. Esta pediu-lhe que se sentasse, olhou para a ficha e disse: - Tem a certeza que quer mesmo abortar? Ainda não o disse: Gosto imenso das fotografias que o antropólogo Pimentel Teixeira faz de Moçambique. Livres de quaisquer peneiras artísticas - o que obviamente não lhes nega valor também neste domínio - são duma eloquência invulgar, até para mim, que nunca cruzei o equador e pouco sei deste país. Hoje brinda-nos, disfarçado de mais um elemento de trabalho de campo, com um comentário brilhante ao nosso debate aqui em Portugal. 8.2.07
Antes de terminar a campanha do referendo, quero exprimir a minha admiração pela coragem e frontalidade do Miguel Marujo. Tem defendido a sua posição, nada fácil, como católico empenhado, de forma imperturbável e lúcida, num ambiente em que a esmagadora maioria dos “seus” lhe era hostil, num debate em que a indignação sobre o adversário se sentia a cada passo, o insulto estava sempre a espreita, e a exigência de fidelidade tribal na ordem do dia. E onde o receio incofessável mas não absurdo de desvantágens futuras para quem se empenhou fora da sua "fauna natural" era algo preciso de vencer primeiro. 7.2.07
Auto-retrato (Frida Kahlo) Não para todos os gostos, eu sei. Serve como prova que não só certas nórdicas consideram dispensável a depilação. 6.2.07
Aproveitemos antes que Deus venha! 4.2.07
I'm still here (Amy Bennett) 3.2.07
Aqui estava um post, "A rãzinha (variante)", que apaguei porque cheguei a considerá-lo uma provocação desnecessária e de gosto duvidoso. Ao Timshel e ao Carlos Cunha, que nele referi e linkei, peço desculpa por tê-lo apagado. Não é uma negação, perante eles, de tê-lo escrito! Sei que não é de bom tom apagar posts, ainda menos qando referiram outras pessoas, mas vejo-me obrigado a isso pelo dilema que aqui exponho: Este post, e muitos comentários que escrevi no Quase em Português, só se compreendem e se deixam avaliar visto no contexto do já longo debate travado sobre o valor da vida e o aborto aqui nas últimas semanas. E foram proferidos num contexto semi-público, tendo em conta o grupo relativamente restrito envolvido neste debate. Uma visitante que aqui veio devido à visibilidade repentina pela citação do QeP no SIM no Referendo, e subsequentemente vários outros blogues, e que porventura é mãe dum filho deficiente profundo, teve razão de sentir-se ofendido pelo que escrevi num comentário. Pedi desculpas, que ela graciosamente aceitou. Mas para além de me ter dado que pensar em geral, sobre que me pronunciarei mais tarde, deu-me a compreender que a amena cavaqueira, que aqui travei sobre este assunto - falo da minha parte -, será admissível entre amigos, mas nesta forma irresponsável em público. Por esse motivo resolvi também apagar todos os meus comentários no post anterior. E porque isso torna todo o thread incompreensível, também os comentários não meus. Peço imenso perdão aos que os contribuiram! Excepto à Zazie: O apagamento dos seus comentários justifica-se por eles próprios: não pode esperar que assisto impávido enquanto me insulta vezes sem conta no meu próprio blogue. Que o faça no dela. Não é isso uma mudança de opinião sobre o assunto discutido, é uma retirada de argumentos menos bem formulados, e talvez, num caso, menos bem pensado. O que penso, estará, mesmo assim, bem patente nos textos que ficam e em que continuo a rever-me. 2.2.07
Carlos, na barriga da mulher grávida não está nenhuma criança. Ela está na tua cabeça. Ou na cabeça da mãe. Se está na cabeça da mãe, ela está na barriga, existe mesmo de verdade, merece todo o amor e protecção. Mas se só está na tua cabeça, e não na dela, não está na barriga da mãe. É verdade, o que temos na nossa cabeça existe mesmo, é real. Mas não tens o direito de plantar as criaturas da tua cabeça na barriga duma mulher sem o seu consentimento. Pois ela tem razão, a barriga é dela. Já falei aqui dos meus pais, e quem leu as minhas notas autobiográficas (links aqui ao lado), sabe que os tenho em grande apreço, e porquê. Espero por isso não ser muito indecoroso ao relatar uma memória de infância, em que o meu pai mostra um comportamento talvez um pouco censurável. Estou seguro que ele, que sei por vezes se dá ao trabalho de decifrar os meus textos quase em português, me perdoará a indiscrição. Tinha quatro anos e aconteceu nas minhas primeiras férias de família. Férias fantásticas na lindíssima ilha frísia de Ameland, que nunca mais visitei e nunca mais visitarei para não destruir as minhas recordações. Estas férias deixaram-me marcas indeléveis, entre outras, uma paixão pela navegação. Até aos doze anos queria ser capitão de alto mar, claro que num veleiro tipo Sagres. Isso passou-me, mas não a resposta infalível e instintiva ao cheiro límpido de pinhal, areia e mar, com um sentimento de profunda alegria de viver. O episódio é este. Ao sairmos, pai, mãe, a minha irmã de ano e meio e eu, do Dois-Cavalos, num parque de estacionamento ao pé das dunas, detectei no chão arenoso uma pequena rã morta, já seca, espalmada por um pneu implacável, mas de forma exacta assim que tudo ainda se identificava perfeitamente: cabeça, corpo, pernas e patas, até os dedinhos minúsculos. Eu: Olha pai, uma rãzinha morta! Pai: Onde? - Pois é. Eu: Coitada da rãzinha! Pai: Pois é! E coitada da mãe! Imagina a ela: Está agora a espera da sua filha que está morta e nunca mais vem! Começam a chegar-me as lágrimas. Pai: E coitado do seu pai também, que também gosta muito dela, e toda a família. Decerto esperam e esperam e já procuram em todo o sítio e perguntam a toda a gente, mas não adianta nada, porque eles não sabem que a rãzinha está morta e nunca, nunca mais volta para casa! Eu desfaço me em soluços. Mãe: Ó Ernst, chega! Pára com este disparate! Vem cá Lützchen, não penses mais nisso! ... As coisas de que me lembro estes dias! Etiquetas: prosa 1.2.07
«O presidente venezuelano, Hugo Chávez, encomendou ao arquitecto Oscar Niemeyer uma peça de 100 metros de altura, em forma de flecha, apontada aos EUA, homenagem a Bolívar. A obra deverá "bater o recorde mundial de cimento armado suspenso", disse Niemeyer, 99 anos.» (Sem link, no DN de hoje.) Um dia depois de lhe ser entregue, já se vêem os frutos do novo poder do salvador da Venezuela. Quem não reconhece nesta encomenda a prova irrefutável do amor do líder para com o seu povo, do sentido de oportunidade, da clareza na ordem das prioridades e do zelo pela paz? Para além da respeitosa continuação duma tradição doutros grandes líderes, que já entraram na história como benfeitores da humanidade. |
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