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20.2.07
«A essência do comportamento ético não parece ter começado com os seres humanos. Há dados notáveis de estudos feitos em aves (como os corvos), e em mamíferos (como os morcegos, os lobos e os chimpanzés) que indicam claramente que espécies não humanos se parecem comportar, aos nossos olhos sofisticados, de uma forma ética. Exibem simpatia, apegamentos, embaraço e vergonha, orgulho dominante e humilde submissão. São capazes de censurar e recompensar as acções de animais congéneres. Uma espécie de morcego conhecido pelo nome de morcego vampiro consegue detectar aqueles que fazem batota e trata também de os castigar. Os corvos fazem o mesmo. Exemplos de comportamento ético são, como seria de esperar, ainda mais convincentes entre os primatas e não se confinam de modo algum aos chimpanzés, os nossos parentes mais chegados. Os macacos Rhesus comportam-se com outros de maneira altruísta. Numa experiência notável executada por Robert Miller e discutida por Marc Hauser, os macacos deixavam de puxar uma cadeia que lhes traria comida caso esse acto fizesse com que um outro macaco recebesse um doloroso choque eléctrico. Em tais circunstâncias, alguns macacos passaram horas e até dias sem comer. De forma bem sugestiva, os animais mais susceptíveis de se comportarem de forma altruística eram aqueles que tinham conhecimento social prévio do animal que receberia o choque. Os macacos que noutras fases de experiência tinham eles mesmo recebido choques, mostravam também maior probabilidade de se comportar de forma altruísta. Não há qualquer dúvida de que o altruísmo não se confina aos seres humanos. Este facto pode talvez desagradar aqueles que acreditam que a justiça é um traço exclusivamente humano. Como se não bastasse que Copérnico nos tivesse dito que não estamos no centro do universo, que Charles Darwin nos tivesse informado de que temos origens bem humildes e de que Sigmund Freud nos tivesse mostrado que não somos donos da nossa própria casa no que respeita à consciência que temos dos nossos comportamentos, somos agora também obrigados a admitir que, mesmo no domínio da ética, temos predecessores e somos descendentes.» (António Damásio: Ao Encontro de Espinoza) |
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