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29.2.08
Detesto ainda mais a palavra irreverência do que a palavra reverência, de que é derivada, pois reforça a ideia de que esta é o padrão e a irreverência a excepção, na melhor das hipóteses, tolerável. Reverência/irreverência - quero lá saber - ambas são abrangidas pela liberdade de expressão. - Não? Não. É antes como um militante comunista me uma vez respondeu, quando defendi que as democracias ocidentais estariam livres: «A liberdade termina às portas das empresas!» Que terminasse! Como vemos, a falta de liberdade dentro das empresas segue-nos para fora delas, atá as nossas casas e as nossas vidas privadas e cívicas. Caro Eduardo: Então concorda com que um funcionário deva limitar a sua cidadania de forma que não prejudique a imagem da sua empresa? E quem define estes limites? O empregador? Estive, como empregador, exactamente perante este dilema, há pouco mais de um ano. Tenho clientes importantes muito católicos, alguns da Opus Dei. E vi por isso com algum desconforto um meu empregado (eu próprio) expor-se na campanha pelo Sim. Como empresário, teria preferido muito que não o fizesse, mas não me ocorreu de lhe exigir isso. Acho um dever cívico - espero que seja também um dever legal - do empresário aguentar eventuais consequências nefastas. (Que no meu caso felizmente não se verificaram.) Há pressões - reais ou putativas - que temos a obrigação de ignorar. Em Portugal e na Finlândia. Aliás, como é a Finlândia para aqui chamada? Adenda: Depois de reler o post do Eduardo Pitta e a sua resposta ao João Gonçalves, ocorre-me que vê o problema não tanto nas opiniões exibidas como na falta de qualidade da sua exibição. Será que a liberdade de expressão devia proteger as opiniões, mas não o mau gosto? (Aqui o link para o blogue do docente da Universidade do Minho, que dá conta do caso que originou este post.) 28.2.08
A história do casal gótico que referi uns posts atrás suscitou uma discussão interessante nos comentários no 5 dias, para qual infelizmente cheguei atrasado. Ponho então aqui as duas coisas que ainda me apetece dizer sobre isto. Primeiro queria descansar o Nuno Góis: Mesmo havendo legitimidade aos dois góticos de viverem numa relação de dominação/submissão, por mútuo acordo, não está em causa a liberdade da rapariga. As nossas sociedades acabaram, e bem, com a escravatura. Há direitos – os direitos humanos – que são inalienáveis, mesmo por vontade própria. Supomos que o casal tenha assinado um contrato em que a rapariga abdicou de vez da sua autodeterminação e se obrigou, para toda a vida, a obedecer ao rapaz em tudo. Um tal contrato é inválido, e bem. O que significa que basta para a rapariga revogar a sua submissão e acabou-se o jogo. Pois é um jogo de que se trata e não mais. (Há contudo nas nossas sociedades ocidentais casos de submissão, menos completa, sancionados por contratos especiais, refiro-me a casamentos religiosos, que infelizmente não são tão facilmente anuláveis. Mas isso é outra história.) A parte mais interessante no debate no 5 dias era sobre os limites da liberdade do comportamentos em público. Alguém invocou o princípio da liberdade individual limitada só onde choca com a liberdade do outro. Que é um belo conceito, mas carece de interpretação no concreto. Por exemplo no nosso caso há quem ache que a liberdade dos góticos de exprimirem a sua relação de dominação/submissão choca com a liberdade de outros de não serem confrontados com ela. O que acho descabido, também eu, mas só neste caso, não em princípio. Vamos agudizar um pouco: E se andassem nus na rua? E se andassem nus numa Escola Pública? Ou melhor que andassem nus na rua a porta de uma Escola Primária. E copulassem ali na altura quando os meninos saiem todos. E ainda praticassem sexo S/M hardcore, incluindo as coisas mais repugnantes e chocantes que conseguimos imaginar- (Mesmo libertinos, provavelmente qualquer um de nós encontrará algo que achasse incomodativo até só de ver - ou não?) Esse exercício de imaginação revela-me a mim que existem práticas que, se acontecem em privado, a ninguém dizem respeito e que a ninguém compete proibir, mas de cuja exibição no espaço público reclamo ser poupado. Exibições que em nada limitam a minha liberdade material, só perturbam a paz da minha alma. Ou a dos nossos filhos. Não acredito que uma sociedade possa funcionar que não assegura um código de conduta baseado em costumes. Ou seja, não só no princípio da liberdade acima referido. E admitido isso, estamos em plena discussão e negociação deste código, não legitimável com a defesa de direitos individuais, só com a necessidade de uma estrutura dos seus comportamentos públicos que fornece segurança psicológica aos seus membros. Gostava de poder afirmar que todas estas restrições deviam ser exclusivamente do domínio da boa educação - termo que ao mesmo tempo acho muito estimável e altamente problemático – e não da lei. Gostava que se pudesse traçar uma clara fronteira exactamente aí: Assegurar o equilíbrio das liberdades individuais cabe a regulamentação legal, e os assuntos da boa educação são reguladas pela mais ou menos suave pressão social. Mas tenho dúvidas que isso chegue. Registo então, com pena, que mais uma vez a minha posição é doutrinariamente pouco limpa. Também nos costumes o meu liberalismo tem limites. Registo o com pena porque é penoso: dá trabalho debater e negociar caso a caso o que pode ser permitido e o que deve ser proibido. E com alguma irritação, pois não me agrada nada arranjar argumentos àqueles que acham que têm o direito de limitar, na preguiçosa certeza das suas convicções, religiosas ou outras, os direitos dos que são diferentes, seja pelos seus hábitos, seja pela sua identidade ou orientação sexual. Nem aos que se deixam incomodar pela provocaçãozinha de uns parvos adolescentes, confirmando a insegurança e mesquinhez que estes lhes suspeitaram e atiçaram. As playmates desta semana gamei ao João Pinto e Castro. Já agora, lêem o seu comentário correspondente. Etiquetas: Antiamericanismo primário Porque é que não me apaixonei, há 25 anos, antes por uma espanhola? Falta-me tempo para comentar o debate da educação. Em vez disso resta-me remeter ao post do João Tunes, com que concordo, embora não diz tudo... «Those whose business it is to think about morality have been remiss in other ways. Philosophers certainly examine moral concepts, but their language is often inscrutable, cut off from daily concerns. Recent philosophy has produced superb work in ethics, none better than that of John Rawls, who was not only a brilliant theorist, but a man whose personal integrity was legend. He fiercely condemned, for example, American use of atomic weapons, without ever mentioning that as a member of the U.S. infantry slated to invade Japan before Hiroshima, his was probably one American life the bomb saved. Yet his own work remained abstract enough to stand for all the ages, nearly devoid of historical specificity. Though he knew - and cared - an immense amount about the concrete moral cataclysms of the twentieth century, he kept them out of his texts and his classrooms. Years after I had the good fortune to be his student, I ventured to ask why he‘d never spoken directly about matters like the Holocaust. "Oh," said Rawls, in the warm Southern drawl the Ivy League never dented, "I don‘t understand them well enough to do that." This sounds like the stance that Irish poet W.B.Yeats described long ago: The best lack all conviction/While the worst are full of passionate intensity. Now Rawls, like others, had deep convictions about many things, but he was trapped by his own humility. Faced with dauntingly urgent moral problems the everyday world presents, what many honest philosophers feel is not lack of interest but inadequacy. But behind admirable attempts to avoid sanctimony and self-righteousness, there often lurks a fear of expressing moral judgments in particular cases. The non-interference pact that leads philosophers to refrain from talking about history, and historians from talking about morality, pretty neatly insures that few people with professional competence will jump into the fray - except in discussions too qualified to interest anyone but other specialists.» De um texto de Susan Neiman amavelmente facultado pelo leitor J.J.Amarante. (Para quando o próprio blogue, caro Amarante?) 21.2.08
Contributo para a Série «É impensável que um quadro clássico possa chocar» do João Pinto e Castro
Bruxa (Hans Baldung Grien, 1515) No blogue Nem Paz nem Guerra há uma fotografia de um casal gótico inglês, em que ele passeia a sua rapariga - aliás bastante apetitosa, enquanto o tipo é de fugir, mas enfim - atrelada na via pública. (Antes de se entusiasmarem de mais: ela fica de pé.) O casal conseguiu fazer bastante mossa, entre outro não ser admitido de entrar no autocarro e depois ser indemnizado por isso, aparecer nos jornais e provocar a reação apaixonada de muita gente, entre eles o blogger Nuno Góis, que intitula o seu post «Indignação Máxima». 20.2.08
Acho um bocadinho cedo abrir uma garrafa para celebrar o fim do regime castrista. Mas no dia em que isso acontecer, vou abrir uma, prometo. Só neste dia, prometo também, não vou esquecer o meu desprezo pela escumalha que a revolução cubana louvavelmente varreu do poder, e não serei capaz de suprimir a minha angústia de que algo semelhante possa voltar a instalar-se nesta ilha bela e desgraçada, com a mesma cumplicidade do amigo americano como a de outrora. Teresa (Bernini) 19.2.08
Da esquerda à direita, a declaração da independência do Kosovo mereceu críticas violentas. Ela é, de facto, mais um passo no desmantelamento da antiga Jugoslávia, que se iniciou com o reconhecimento da independência da Eslovénia - hoje a prosperar como membro da UE - e da Croácia, pela UE, e antes de todos, pela Alemanha. E é também facto que com isso se desencadeou uma terrível série de guerras civis e um descalabro humanitário já não visto em solo europeu desde o fim da 2ª Guerra Mundial. A Sérvia, a nação mais populosa e, como etnia, mais influente na antiga república, procurou desesperadamente assumir-se como seu sucessor, mas sem êxito. Ficou então, pelo menos perante a opinião pública do ocidente, com a imagem do mau da fita. Justamente, porque os seus lideres políticos e as milícias da sua etnia procederam com brutalidade criminosa ao acerto de fronteiras e as consequentes limpezas étnicas, mas injustamente ficaram quase como os únicos, porque os outros, fizeram o mesmo com a mesma falta de escrúpulos. Aliás, se a limpeza étnica chegou a ser usada por todos, é de notar que ela só começou depois de a dissolução da Jugoslávia se tinha revelada inevitável, algo que todos queriam, menos sérvios. Admito que, na altura, a erupção de ódios étnicos e a ânsia de afirmação nacionalista apanhou-me de surpresa. Teria achado normal e desejável que a Jugoslávia se tivesse mantido intacto como estado e entrado posteriormente assim, inteiro, na União Europeia. Não aconteceu. E não vou excluir que para isso contribuirá um erro histórico e trágico dos governos europeus da altura, em primeiro lugar do alemão, cujo ministro Genscher ainda hoje é venerado em pubs croatas por uma clientela com a qual uma pessoa de bem jamais beberia um copo, como seu herói. Contudo, tenho grandes dúvidas de que a tragédia que se seguiu foi evitável. Pois para evitá-la, teria sido preciso um governo autoritário e poderoso à semelhança daquele do saudoso marechal, e este simplesmente não estava à vista. Nunca. Os sérvios, ainda nos lugares da administração, bem tentaram, mas era evidente que tinham de falhar. Faltava-lhes, para além do carisma do “partizan” e herói da libertação da ocupação nazi Tito, o pretexto da ideologia supranacional do comunismo, e sobrou-lhes por outro lado o problema de serem sérvios. Pois Tito, que muito prudentemente entregou cargos chave da administração a membros da etnia dominante sérvia, era croata. Acho quem responsabiliza o maquiavelismo ou a inépcia dos países europeus pela forma desastrosa como se a Jugoslávia desintegrou, exagera muito, se não a sua influência neste drama, certamente a sua efectiva capacidade de levar as coisas a bom porto. E quando se pode discutir se a intervenção da NATO no Kosovo em 1999 não foi precipitada, baseada em alguma desinformação e também movida por motivos menos altruístas (ou seja geoestratégicos), não é de esquecer que também (?) se quis evitar um segundo Srebeniza, um motivo que não acho de todo censurável. E isto evitou-se. Resumindo: Embora geralmente não ache boa política apoiar movimentos separatistas, muito menos com meios militares, acho legítimo e adequado que os europeus se empenhem, pelo menos no próprio continente, em que não voltem a acontecer massacres e violações sistemáticas aos direitos humanos. Não são coerentes nisto? Não são. Não vi ninguém na UE incomodar-se sobremaneira com o destino dos curdos na Turquia. E é claro que, mesmo se a Chechénia ficasse em solo europeu, nenhum Governo da UE se lembraria de enviar para lá as suas tropas. Mas aqui puderam e fizeram-no, e agora estão lá. Uma coisa é a realidade política, que um pais estrangeiro, antes de se envolver, tem de levar em conta, numa ética da responsabilidade. Outra é a legitimidade da pretensão de independência da população kosovar. Dela não duvido. (Tão pouco como da dos curdos, dos tibetanos, dos chechenos...) Pode ser irresponsável, na óptica da realpolitik, fomentar que ele se cumpre, como os críticos acham, mas não deixa de ser legítimo. Ou terão os kosovars obrigação de pôr o seu desejo de autodeterminação em segundo lugar, atrás do sentimento do orgulho nacional dos que insistem a continuar a mandar neles? Não me parece. Não falamos então dos kosovars, mas dos que aos ajudaram a ficar independentes. Fizeram eles mal? O que deveriam ter feito diferente? Primeiro, poderiam ter nunca lá posto os pés, massacres iminentes ou não. O resultado teria sido o mesmo como o seria hoje se agora cessassem a sua protecção. A independência do Kosovo seria sufocada pela Sérvia num banho de sangue, e instalar-se-ia a seguir uma guerra civil em lume brando, alimentada, no lado dos albaneses, pela Al Quaida. Há quem defenda isso. Eu não. A terceira seria usar a influência económica e a ameaça da eventual cessão de protecção para obrigar os políticos kosovars a continuar a submeter-se ao governo central sérvio. E se os políticos kosovars não queriam? Ou se, se fizessem, a população elegesse outros que não se submetessem? Far-se-ia o que? Não é nada líquido que os países da KFOR, que assumiram responsabilidade no Kosovo, fizeram uma escolha errada, entre aquelas que estavam disponíveis. Ele tem riscos inegáveis, mas não é uma escolha irresponsável. E é a escolha justa, no plano dos princípios. 17.2.08
Andamos todos preocupados, e muitos indignados. Mas não nos iludamos: a transformação das nossas sociedades ocidentais em sociedades multiculturais não é uma questão de escolha. É uma inevitabilidade. 16.2.08
Não consigo evitar, sempre que oiço alguém insurgir-se contra a mortificina de inocentes, imaginá-lo assistir, despreocupadamente, à mortificina dos culpados. O Carlos Castro está, com razão, muito preocupado com a independência iminente do Kosovo. O Kosovo é a mais pobre das regiões da ex-Jugoslávia, e uma das poucas que ainda pertencem à Sérvia. 92% dos seus dois milhões habitantes são da etnia albanesa, e predominantemente muçulmanos, só 4% são sérvios e cristãos ortodoxos. Porque então não hão de ser independentes? - Pois os sérvios nunca aceitarão. Acontece que o Kosovo é, apesar de que hoje lá mora quase nenhum sérvio, o berço da sua nação, o local do maior mito nacional, da batalha "boj na kosovu" (que até perderam). E para além de aos sérvios, a independência do Kosovo não interessa ao vizinho poderoso Russia de Putin, que se tem de debater com movimentos separatistas, tal como a Turquia, e até estados da UE como por exemplo à Espanha. Mas os Kosovars querem lá saber disto e vão avançar, sentindo-se apoiados pelos EUA, Alemanha e outros grandes estados da UE. Provavelmente é uma asneira, mas compreensível e não sei porque não também legítima. Para o João
EM CIMA, SILENCIOSOS, os viajantes: Arbutre e astro. Em baixo, depois de tudo, nós, dez de número, o povo areia. O tempo, como que não, ele tem uma hora também para nós, aqui, na cidade areia. (Conta dos poços, conta da coroa dos poços, da roda dos poços, das tabernas dos poços - conta. Conta e conta, as horas, tambem elas, esgotam. Água: que palavra. Nos entendemos-te, vida.) O estrangeiro, não convidado, o hóspede. Seu vestido molhado. Seu olho molhado. (Conta-nos de poços, de - Conta e conta. Água: que palavra.) Seu vestido-e-olho, ele está, como nós, cheio de noite, ele mostra compreensão, ele conta agora até dez, como nós, e não mais. Em cima, os viajantes continuam inaudíveis. (Paul Celan) 15.2.08
A Ana acha que tenho vocabulário para alinhavar doze palavras portuguesas de que gosto. Depois de dois dias e meio de consulta intensa do Dicionário de Sinónimos vejo-me finalmente em condições para responder: gatafunho, periclitante, lambuzadela, zarpar, coscuvilhice, esdruxularia, palpadela, regurgitar, zurzir, bajular, farrabodó, cambaleante Passo a cadeia ao JPT, à Joana, à Maria de Conceição e à Isabela. Estou muito contente com o decurso da campanha presidencial americana. Qualquer dos candidatos ainda na corrida fará uma diferença abismal, pela positiva, ao actual detentor do cargo. É curioso que o candidato cujas posições me são mais próximas segundo o electoral compass, Obama, é que me inspira menos confiança de que faria bem o seu trabalho. Na altura, estive convosco nas ruas de Lisboa, manifestar-me pela causa de Timor. Foi muito bom. Até espremi uma lagrimazita de emoção. Mas já não penso em Timor. Pensam vocês? Agora houve atentados. Como? Porquê? - Não percebo. Gostava de perceber mas ninguém explica. É estranho, é chato. Mas enfim, Timor é pequeno e está muito longe. E foi há muito tempo que me senti envolvido. 14.2.08
João, não me recordo que alguém dos opositores do Papa no caso La Sapienza invocou uma alegada falta de habilitação intelectual. Foram as suas frases sobre o caso Galilei que os levaram a exigir que se tratasse Bento XVI na universidade como persona non grata. Em bom rigor, nem isso exigiram. Achavam, como eu, por exemplo, o convite para abrir o ano oficial da universidade uma escolha infeliz da direcção, contestável, mas legítima. Não falarei por todos, mas a mim não me faria impressão nenhuma de ver o Papa, ou outro quem defende posições semelhantes, de nela fazer palestras ou também de leccionar. Do meu espanto sobre como este caso foi transformado, na opinião pública, num caso de perseguição por delito de opinião, já aqui dei conta. Obrigado pela disponibilização do texto de Ratzinger que originou a contestação. Conheci até então só os parágrafos que referem directamente ao caso de Galilei. Lendo-o na íntegra, tenho que corrigir um juízo que fiz na altura. Supus que ele foi essencialmente escrito com o fim de reabilitar a Igreja nesta caso. Vejo que não foi, que tem maior envergadura. Pese embora que o alinhavamento dos três testemunhos de Bloch, Feyerabend e Weizsäcker é bastante superficial, pouco sólido intelectualmente e metodologicamente apenas aceitável como jornalismo e não como filosofia. Mas como a forma do texto é de ensaio, será permissível fazer como fez e limitar-se a apresentar as ideias dos filósofos apenas citando uma frase sintética que agudiza, claramente com fins retóricos, o ponto que pretendem fazer. A elipse é um dispositivo legítimo, mas tem límites. Ratzinger partilha com os autores citados e com outros protagonistas da Escola de Frankfurt (e já agora, comigo), a crítica ao positivismo científico. Mas há diferenças importantes. Quando para Horkheimer e Adorno o fracasso do projecto do iluminismo é uma catástrofe de dimensão imesurável, para o Papa é uma boa notícia. Pois ao contrário destes, e também ao contrário de outros mais optimistas como Habermas, está convencido que o paradigma que ele historicamente substituiu, pode voltar a ser valido (ou melhor, para ele, nunca deixou de ser válido). Não devemos esquecer que toda a filosofia de Ratzinger sucede e não, como seria correcto para um filósofo, antecede as convicções e posições que defende. É uma filosofia comprometida com a instituição que representou e representa, ora como Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé ou hoje como Papa. Ou seja, quando nos dá a ideia que nele fala um filósofo de gabarito sobre e com os seus pares, isto pode ser verdade no que respeita à inteligência e erudição, mas nunca no que respeita à liberdade e abertura do seu pensamento. Mesmo filosofando, fala sempre o alto funcionário da instituição. De uma instituição marcada por um sistema antigo, rígido e autoritário, que limita antecipadamente, senão o que se dever observar e supor, certamente o que se deve e pode concluir. Sempre que oiço a palavra "liberdade" da boca do Papa, recordo me disto. E admito que tenho as maiores dificuldades em presumir a honestidade intelectual de alguém que me fala, ainda por cima como filósofo, a partir de uma tal posição. Voltando ao seu texto: Concordo com a sua crítica à razão instrumental, à prática ingénua e desastrosa que se instalou, nomeadamente desde o século XIX, de lhe reconhecer autoridade em, de facto, todas as esferas da vida. Acho como ele inaceitável a compartimentação da vida, em que todos os assuntos duros da vida, a política, a economia, a indústria, são cedidos ao seu domínio, reservando-se um cantinho inconsequente para os outros assuntos, rotulados como sentimentais, como a moral e a religião. Concordo, obviamente, que o uso da razão instrumental possibilitou algumas das maiores tragédias humanas da história, de Verdun sobre Auschwitz à Hiroshima. (Não acho contudo que ela as causou!) Concordo com ele que a razão instrumental não pode ser deixada sem rédeas. Não concordo com ele que essas rédeas devem ser as da Igreja Católica, e não reconheço nenhuma razão, nem histórica nem lógica, porque ela pudesse ou devesse ser elegível para este papel. Muito pelo contrário! Segue-se à parte da referida análise uma outra parte que já não pode ser sequer má filosofia: deve ser isso teologia. Há aqui uma argumentação sobre uma suposta irracionalidade do materialismo e uma suposta racionalidade da fé que é completamente incompatível com o gabarito filosófico que se lhe costuma reconhecer. Como se pode argumentar que se segue do facto de que o cristianismo postula um ser consciente e dotado de razão (Deus) como origem do mundo, que a religião em si seja também racional? Como se pode deduzir, como faz, do facto de que o materialismo prescinde da suposição de um tal criador consciente, que ela seja uma filosofia irracional? Como se não fosse racional concluir da observação da natureza pela existência de uma ordem que lhe seja intrínseca? E mais, continuando racional, dispensar de especulações sobre a eventual origem desta ordem que logicamente permanece completamente infértil e só pode levar a mais especulações cada vez mais elaboradas mas racionalmente tão infundadas como a primeira? Em resumo, no texto citado fala um alto funcionário de uma instituição que se julga detentora da verdade. Fala um conhecedor da filosofia contemporânea, aproveitando-se dela na medida em que ela lhe é útil na promoção da verdade e do interesse da sua instituição. Mas não fala como um intelectual inter pares falaria. Não põe as suas ideias à discussão, como aliás se viu bem no episódio que gerou a polémica, não procura com os "colegas" uma verdade que ainda não é estabelecida. Enfim, é um líder religioso, um político. ...traz outra amiga também. (Otto Schatz) 8.2.08
Escreve o Miguel Silva sobre a investigação do Público sobre o passado de projectista de Sócrates: «Se é isto que têm para servir como jornalismo de investigação da imprensa de referência, é fraco. É menos que fraco. Comparativamente, não é melhor, sequer, que as aberrações de tijolo e cimento que Sócrates ajudou a pôr de pé.» Está certíssimo. O que as obras de Sócrates e esta investigação têm em comum é o desprezo, perante objectivos imediatos e particulares, pela qualidade como valor em si. Ontem fui à festa de uma amiga, convidado na última hora, e avisado: Seria o único homem num encontro de um grupo restrito de amigas, mas estaria bem-vindo se me achasse à altura. Fui. Afinal vieram muitas amigas, e alguns outros homens atrás. Vieram os pais, os cunhados. E os nossos filhos todos, a juventude em peso. Para um jantar animado, com carnes frias, quiches, saladas, doces deliciosos, bons vinhos. No meio a anfitriã, radiante, mais bela ainda que habitualmente, que neste dia concluíra o seu divórcio.
O Womenage a trois mudou a morada. Mas fica tão bom como sempre.
6.2.08
Andromeda (Joachim Wtewael) 3.2.08
Não acho que o Eng. Sócrates ter assinado e, como afirma, também projectado os edifícios cujos imagens se pode ver aqui, põe em causa a sua legitimidade como Primeiro Ministro. Mas levaram-me a rever a meu juízo sobre ele. Estas bostas dizem muito sobre o nível cultural do seu autor, independentemente de se os projectou ou só assinou. No primeiro caso é só saloio, no segundo desonesto sem deixar de ser saloio. Elas são também eloquentes sobre o ensino superior português, que permite a alguém que produz projectos como estes, sair licenciado num curso que o habilita assiná-los. |
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