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  • 19.2.08
    Kosovo (2)

    Da esquerda à direita, a declaração da independência do Kosovo mereceu críticas violentas. Ela é, de facto, mais um passo no desmantelamento da antiga Jugoslávia, que se iniciou com o reconhecimento da independência da Eslovénia - hoje a prosperar como membro da UE - e da Croácia, pela UE, e antes de todos, pela Alemanha. E é também facto que com isso se desencadeou uma terrível série de guerras civis e um descalabro humanitário já não visto em solo europeu desde o fim da 2ª Guerra Mundial. A Sérvia, a nação mais populosa e, como etnia, mais influente na antiga república, procurou desesperadamente assumir-se como seu sucessor, mas sem êxito.
    Ficou então, pelo menos perante a opinião pública do ocidente, com a imagem do mau da fita. Justamente, porque os seus lideres políticos e as milícias da sua etnia procederam com brutalidade criminosa ao acerto de fronteiras e as consequentes limpezas étnicas, mas injustamente ficaram quase como os únicos, porque os outros, fizeram o mesmo com a mesma falta de escrúpulos. Aliás, se a limpeza étnica chegou a ser usada por todos, é de notar que ela só começou depois de a dissolução da Jugoslávia se tinha revelada inevitável, algo que todos queriam, menos sérvios.

    Admito que, na altura, a erupção de ódios étnicos e a ânsia de afirmação nacionalista apanhou-me de surpresa. Teria achado normal e desejável que a Jugoslávia se tivesse mantido intacto como estado e entrado posteriormente assim, inteiro, na União Europeia. Não aconteceu. E não vou excluir que para isso contribuirá um erro histórico e trágico dos governos europeus da altura, em primeiro lugar do alemão, cujo ministro Genscher ainda hoje é venerado em pubs croatas por uma clientela com a qual uma pessoa de bem jamais beberia um copo, como seu herói.
    Contudo, tenho grandes dúvidas de que a tragédia que se seguiu foi evitável. Pois para evitá-la, teria sido preciso um governo autoritário e poderoso à semelhança daquele do saudoso marechal, e este simplesmente não estava à vista. Nunca. Os sérvios, ainda nos lugares da administração, bem tentaram, mas era evidente que tinham de falhar. Faltava-lhes, para além do carisma do “partizan” e herói da libertação da ocupação nazi Tito, o pretexto da ideologia supranacional do comunismo, e sobrou-lhes por outro lado o problema de serem sérvios. Pois Tito, que muito prudentemente entregou cargos chave da administração a membros da etnia dominante sérvia, era croata.
    Acho quem responsabiliza o maquiavelismo ou a inépcia dos países europeus pela forma desastrosa como se a Jugoslávia desintegrou, exagera muito, se não a sua influência neste drama, certamente a sua efectiva capacidade de levar as coisas a bom porto.
    E quando se pode discutir se a intervenção da NATO no Kosovo em 1999 não foi precipitada, baseada em alguma desinformação e também movida por motivos menos altruístas (ou seja geoestratégicos), não é de esquecer que também (?) se quis evitar um segundo Srebeniza, um motivo que não acho de todo censurável. E isto evitou-se.

    Resumindo: Embora geralmente não ache boa política apoiar movimentos separatistas, muito menos com meios militares, acho legítimo e adequado que os europeus se empenhem, pelo menos no próprio continente, em que não voltem a acontecer massacres e violações sistemáticas aos direitos humanos. Não são coerentes nisto? Não são. Não vi ninguém na UE incomodar-se sobremaneira com o destino dos curdos na Turquia. E é claro que, mesmo se a Chechénia ficasse em solo europeu, nenhum Governo da UE se lembraria de enviar para lá as suas tropas. Mas aqui puderam e fizeram-no, e agora estão lá.

    Uma coisa é a realidade política, que um pais estrangeiro, antes de se envolver, tem de levar em conta, numa ética da responsabilidade. Outra é a legitimidade da pretensão de independência da população kosovar. Dela não duvido. (Tão pouco como da dos curdos, dos tibetanos, dos chechenos...) Pode ser irresponsável, na óptica da realpolitik, fomentar que ele se cumpre, como os críticos acham, mas não deixa de ser legítimo.
    Ou terão os kosovars obrigação de pôr o seu desejo de autodeterminação em segundo lugar, atrás do sentimento do orgulho nacional dos que insistem a continuar a mandar neles? Não me parece.
    Não falamos então dos kosovars, mas dos que aos ajudaram a ficar independentes. Fizeram eles mal? O que deveriam ter feito diferente?
    Primeiro, poderiam ter nunca lá posto os pés, massacres iminentes ou não. O resultado teria sido o mesmo como o seria hoje se agora cessassem a sua protecção. A independência do Kosovo seria sufocada pela Sérvia num banho de sangue, e instalar-se-ia a seguir uma guerra civil em lume brando, alimentada, no lado dos albaneses, pela Al Quaida. Há quem defenda isso. Eu não.
    A terceira seria usar a influência económica e a ameaça da eventual cessão de protecção para obrigar os políticos kosovars a continuar a submeter-se ao governo central sérvio. E se os políticos kosovars não queriam? Ou se, se fizessem, a população elegesse outros que não se submetessem? Far-se-ia o que?

    Não é nada líquido que os países da KFOR, que assumiram responsabilidade no Kosovo, fizeram uma escolha errada, entre aquelas que estavam disponíveis. Ele tem riscos inegáveis, mas não é uma escolha irresponsável.
    E é a escolha justa, no plano dos princípios.

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