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  • 24.4.07
    Algeciras

    No porto de Algeciras, enquanto os camionistas manobravam com habilidade rotineira os seus contentores para o porão do ferry, L. saiu do carro, para mostrar ao filho mais novo o barco. Do automóvel a sua frente, as pessoas tinham saído também. Era um jipe preto da BMW, novo em folha e, pelos vistos, acabado de ser lavado. O seu dono encostava-se a porta e esvaziava, em tragos grandes, uma lata de Heineken. (Em Marrocos vigora a proibição.) No lado direito, estavam duas senhoras elegantíssimas, seguramente esposa e filha, de grandes óculos de sol, e com as suas cabeleiras tão pretas e reluzentes como o verniz do carro. A mãe verificava no retrovisor lateral a maquilhagem, a filha, em casaco e calças pretas justas, que cumpriam os requisitos de não mostrar a pele mas deram uma perfeita noção do que cobriam, oferecia um sorriso simpático ao menino de L.. Marroquinos ricos, ao voltar dum trip à Europa.

    O barco era uma lancha rápida, de dois cascos, como as da Transtejo, mas muito maior. Ao aproximarem-se do limite do cais, para ver como onde noutros barcos estavam os hélices, havia turbinas, o menino pegou-lhe na mão. L. compreendeu, o barco era imponente. Viam as turbinas, turbinas tão potentes que iriam fazer a travessia para Ceuta, que antes demorava horas, em trinta e cinco minutos.

    No outro lado da baía - não do Estreito - via-se Gibraltar. A cidade, composta por prédios modernos, cobria a parte inferior da encosta da famosa rocha que se erguia, verdadeiramente singular, nesta estreita planície sem graça ao sopé da Serra da Ronda. Um gigantesco gato cinzento, meio na água, meio em terra. Justamente famoso, mas belo não. Um marco num local que, de resto, não tem nada para oferecer excepto a sua condição geográfica: o ponto em que Europa e Africa se aproximam até a escassos trinta quilómetros; também o ponto onde termina o Mediterrâneo e começa o Atlântico. Onde, na antiguidade, lembrava-se L., acabava o mundo conhecido e começava o imenso desconhecido. Ainda hoje, a especialidade do lugar confirmava-se não só pelos ferrys, que fizeram a carreira entre dois continentes, como pelos muitos cargueiros e porta-contentores que, sós ou em grupos de dois ou três, ancoravam na baía, fazendo uma escala incontornável.

    L. sentia aquela excitação agradável, a agudização dos sentidos, que se apodera do viajante em portos, estações de comboio e também, embora em menor grau, em aeroportos. Aliás, não só do viajante. Mesmo a quem não embarca, estes lugares, a presença de quem veio de longe ou vai para longe, dá uma sensação de liberdade, lembra-lhe que a vida é, pelo menos para alguns, feita de oportunidades.

    A Africa, tão perto, porém não se via. Estava encoberta pelas brumas que, como era frequente, limitavam a visibilidade no Estreito. Enquanto aqui em terra o sol suave da primavera banhava o cais, as gruas, os carros e as pessoas, lá fora viam-se cristas nas ondas, sinal do vento forte e implacável que aí soprava, e lembravam que o Estreito era nenhum Tejo. Era o mar.

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