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  • 31.1.04
    Was schlimm ist

    Wenn man kein Englisch kann,
    von einem guten englischen Kriminalroman zu hören,
    der nicht ins Deutsche übersetzt ist.

    Bei Hitze ein Bier sehn,
    das man nicht bezahlen kann.

    Einen neuen Gedanken haben,
    den man nicht in einen Hölderlinvers einwickeln kann,
    wie es die Professoren tun.
    Nachts auf Reisen Wellen schlagen hören
    und sich sagen, dass sie das immer tun.

    Sehr schlimm: eingeladen sein,
    wenn zu Hause die Räume stiller,
    der Café besser
    und keine Unterhaltrung nötig ist.
    Am schlimmsten:
    nicht im Sommer sterben,
    wenn alles hell ist
    und die Erde für Spaten leicht.


    (Gottfried Benn)

    _______________


    O que é grave

    Quando não se sabe inglés,
    ouvir falar de um bom policial inglés,
    que não é traduzido para o alemão.

    No calor, ver uma cerveja,
    que não se pode pagar.

    Ter um novo pensamento,
    que não se consegue embrulhar num verso de Hölderlin,
    como fazem os professores.

    Ouvir a noite, em viágem, bater as ondas
    e dizer-se que o sempre fazem.

    Muito grave: estar convidado,
    quando em casa as salas são mais calmas,
    o café melhor
    e conversa não preciso.

    O pior:
    não morrer no verão,
    quando tudo é claro
    e a terra leve para as pás.
    30.1.04
    Vaidade!

    Um gajo é só humano! Por isso, depois de ultrapassado a fase de ter ficado sem palavras, não resisto a contar aqui a toda a gente que o Tiago Matos e o Ricardo Pereira puseram-me na lista dos links do seu blogue, na lista dos gabinetes de arquitectura:
    Vão lá ver a companhia em que me puseram! (Só digo: a minha frente está John Pawson e a seguir está Renzo Piano...)

    Felizmente já tenho idade para não perder a noção das proporções, mas se fiquei muito lisonjeado: fiquei sim! Muito obrigado, rapazes! E o mínimo que posso fazer, é linkar-vos de imediato.

    Quem vós visita, vai ver que não é só por gratidão...
    29.1.04


    Charles Correa: JNIDB staff housing - Hyderabad 1986-91

    Etiquetas:

    Desconforto climático

    Leio regularmente e com proveito o blogue de Tiago de Oliveira Cavaco. Gostava de um dia (que nunca chegará) poder escrever português como ele.

    Mas não pela primeira vez, agora na ocasião do seu post "volto à arena", sinto um frio e uma falta de qualquer coisa, que está descrito aqui.
    "Feldspat, Quarz und Glimmer, diese drei vergess ich nimmer"

    Vocês ainda me fazem corar. E por mais do que uma razão, Manuel: Dizer que tenho "traduções" de poemas alemães, e isso pouco depois de falar das tuas frustrações, cuja orígem só com custo consigo identificar.
    Já aqui uma vez disse (mas quê existência tem o que se escreveu num blogue há dois meses?), que não apresento aqui traduções mas recursos, e as vezes desesperados. E que não me venham com conversa a tentar desmentir isso! Ponho poemas alemães. Que acrescento lá umas frases em suposto português, é só pela descarga de consciência e provávelmente desnecessário como aqui na blogosfera toda a gente (excepto eu) fala até grego!
    (Por acaso os poemas de Kavafis são muito bonitos - pelo menos em português!)

    Agora, ficarei sempre muito grato quando me mandam traduções melhores dos poemas aqui postados. Só para mim, porque a Laura Rubín (aproveito para mandar um abraço para si, Laura!) em tempos me convenceu de que mesmo na posse de melhor devia, em virtude da autenticidade, manter as minhas no blogue...
    28.1.04
    Mesmo à propósito

    ... dos meu posts Comunicação e Espaço e Vitória de Pirro veio este post no Adufe. O texto original é dO Mundo de Cláudia.
    Deleted Items

    "STRICTLY CONFIDENTIAL
    I am Dr O.Omonigho, We need your help to recieve the sum of Sixteen million Two hundred and Fifty thousand Dollars (US$16.25M) which represent an over invoiced contract that is floating in our system,[...]"

    "Dear Friend,
    I am Mr.Perry Botma an aide in the Netherlands to former President Charles Taylor of Liberia who is presently in exile in Nigeria. But he will want to have a trusted foreign business partner[...]"

    "I am Barrister DEINDE HARRIS, a solicitor at law. [...]
    On the 21st of April 2000, my client, his wife and their only child were involved in a car accident[...]"

    "ATTN:PRESIDENT/CEO
    DEAR FRIEND,
    I AM MRS. SESE-SEKO WIDOW OF LATE PRESIDENT MOBUTU SESE-SEKO OF ZAIRE? NOW KNOWN AS DEMOCRATIC REPUBLIC OF CONGO (DRC). I AM MOVED TO WRITE YOU THIS LETTER,[...]"

    "Dear Friend,
    I am Barr.Young Bisala an aide in the Netherlands to former President Charles Taylor of Liberia who is presently in exile[...]"

    "DEAR SIR,
    MY NAME IS BILLY MARK,THE ELDEST SON OF MR.AKUGA MARK OF ZIMBABWE IT MIGHT BE A SURPRISE TO YOU,[...]"

    "Dear friend,
    I greet you in the Name that is above all names,As you read this,[...]"
    (Mr. Barbara Ayesha)

    "STRICTLY CONFIDENTIAL & URGENT.
    I am Mr, Tony Moolman a native of Cape Town in South Africa and I am an Executive Accountant with the South Africa MINISTRY OF MINERAL RESOURCES AND ENERGY. First and foremost, I apologized using this medium to reach you for a transaction/business of this magnitude,[...]"

    "I am Mr. Richard Dafe The Branch Manager of EcoBank International, Idumota Branch,Lagos Nigeria. I have an urgent and very confidential business proposition for you.[...]"
    Vitória de Pirro

    A virtualização da nossa comunicação, que permite - no extremo - o nosso desaparecimento físico - o que é o que significa estar em nenhum lado - e assim uma anonimização nunca visto, parece constituir um novo patamar de liberdade do indivíduo; só que obriga - pelo outro lado - o self a um esforço quase super-humano para manter a sua integridade.
    A virtualização da nossa comunicação leva-nos a viver vidas - não duplas: múltiplas. E a liberdade que se ganhou, foi ganho pelo preço da divisão do individuo.
    Comunicação e Espaço

    Este post é uma tradução dumas notas minhas que já tinha alguns anos, e dos quais me lembrei graças ao post serendipity do Lourenço nO Projecto. A questão nele levantada acho uma das mais importantes e fascinantes para quem se interroga o que hoje e amanhã pode ser arquitectura.

    Pelo menos até há muito pouco tempo não havia dúvida de que a profissão do arquitecto era a concepção do ambiente espacial do homem.
    A tradicional ideia do arquitecto que os leigos têm, mas também a maioria dos arquitectos têm deles próprios, é a de um especialista que concebe edificícios, isto é, projecta um ambiente físicamente real (e coordena a sua realização). Ele assume a responsabilidade pelas características desse ambiente físico, das suas qualidades construtivas, funcionais e estéticas. Enquanto os dois primeiros aspectos não são exclusivos do seu metier, são também do dos engenheiros, é o genuinamente característico da sua profissão o terceiro.

    Esta terceira área perde - enquanto se limita à realidade física – diáriamente importância no espaço de experiência ("Erfahrungsraum") do homem. Este espaço é cada vez mais preenchido por conteúdos que não existem no seu espaço físico. Informação chega lhe e comunicação - em tempo real - faz se atravessando distâncias já não sensualmente compreensiveis, e cria lhe uma "vizinhança" que não tem nada a ver com o espaço físico em que ele se move.

    O espaço físico como palco da comunicação, da interacção social: Grande parte do fascínio e encanto de lugares “genuinos” (normalmente antigos) provém provavelmente da relação estreita – da dialéctica da mútua representação - entre a interacção social e realidade física. Os objectos não só mostram os vestígios do uso, como são também requisitos da interacção social, dos rituais, são simbolos de status etc. No tempo da telecomunmicação uma parte substancial desta comunicação é privado deste plano, da representação no espaço e do ritual. (A classica cena de filme cómico das vénias do subordinado que fala com o superior ao telefone.)
    Mesmo assim, até há pouco, ficou o lugar: Isto é - por exemplo - o escritório, com a mediação pela telefonista e secretária na antecamara. O telefone como objecto já não podia encarnar o que antes fizeram roupas e o espaço. Mas ainda ficou o lugar do telefone. O exemplo extremo é o “telefone vermelho”. (Mas o seu acesso físicamente restringido já deu na prática, sem dúvida, lugar há muito ao código secreto digital...)

    Enquanto os vizinhos e os familiares já há algumas décadas têm que concorrer pela nossa atenção, nosso interesse e a nossa participação emocional ("Anteilnahme") com personágens fictícias (ou reais mas distantes) nomeadamente da televisão, desaparece agora, no tempo dos telemóveis e portáteis, também o lugar distinto da telecomunicação. Hoje posso existir económicamente e socialmente, e estar ao mesmo tempo em nenhum lado.
    Compramos uma liberdade nunca visto como o sacrifício do lugar.
    ____________

    Na interrogação sobre o que pode ser o arquitecto é útil pensar no colega, que os arquitectos “verdadeiros” talvez respeitam como artista, mas como colega a sério, arquitecto, não levam inteiramente a sério: o cenarista. Recorda-se como o seu metier já mudou no decurso da história: da arquitectura de pedra do teatro de Palladio, pelo cenarismo do desvão da ópera do século XIX (Schinkel), pela luminonotecnia e pelo maquetismo de cartolina de Metropolis até aos cenários immateriais dos nossos tempos (Senhor dos Aneis). Quando os arquitectos (e como se viu, arquitectos da primeira linha) fazem cenários, isto é uma especie de etude, uma coisa não totalmente séria, porque o que se constroi aqui é um mundo simulado, um mundo contraposto ao real para o curto tempo do espectáculo – enquanto a sua profissão verdadeira - óbviamente - não é a produção de simulações de mundos, mas a concepção ("Gestaltung") do mundo real, e não de maneira efémera, mas permanente, de preferência eterna: firmitas!

    Já se vê como será profundo o impacto sobre a ideia que o arquitecto tem de si, quando terá de abandonar a distinção entre o mundo real e virtual!

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    27.1.04
    Nunca estou onde estou.

    Estou nos meus planos, nas minhas memórias, conversas, no jornal, no livro, no filme, na TV, na blogosfera, não estou onde estou.

    Viajo, quando viajo, para estar num lugar.
    Quando viajo invejo as pessoas locais, porque me parece que estão onde estão.
    (O que certamente é um engano...)

    Carente, procuro
    luz do sol sobre uma pedra, o som da neve debaixo do meu pé, o cheiro à qualquer coisa, à qualquer coisa.

    Consola-me:
    O meu corpo, ancorado pela morte, terá sempre um onde.

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    Kann keine Trauer sein

    In jenem kleinen Bett, fast Kinderbett, starb die Droste
    (zu sehn in ihrem Museum in Meersburg),
    auf diesem Sofa Hölderlin im Turm bei einem Schreiner,
    Rilke, George wohl in Schweizer Hospitalbetten,
    in Weimar lagen die großen schwarzen Augen
    Nietzsches auf einem weißen Kissen
    bis zum letzten Blick –
    alles Gerümpel jetzt oder gar nicht mehr vorhanden,
    unbestimmbar, wesenlos,
    in schmerzlos ewigen Zerfall.

    Wir tragen in uns Keime aller Götter,
    das Gen des Todes und das Gen der Lust,
    wer trennte sie: die Worte und die Dinge,
    wer mischte sie: die Qualen und die Statt,
    auf der sie enden, Holz mit Tränenbächen –
    für kurze Stunden ein erbärmlich Heim.

    Kann keine Trauer sein. Zu fern, zu weit,
    zu unberührbar Bett und Tränen,
    kein Nein, kein Ja,
    Geburt und Körperschmerz und Glauben,
    ein Wallen, namenlos, ein Huschen,
    ein Überirdisches, im Schlaf sich regend,
    bewegte Bett und Tränen –
    schlafe ein!


    (Gottfried Benn)

    _______________

    Nenhum luto pode haver

    Naquela cama pequena, quase cama de criança, morreu a Droste,
    (para ver no seu museu em Meersburg),
    neste sofá Hölderlin, na torre dum carpinteiro,
    Rilke, George, provavelmente em camas de hospitais suiços,
    em Weimar os olhos grandes pretos
    de Nietzsche jaziam numa almofada branca
    até ao último olhar -
    tudo tralha agora ou já nem existente,
    indistinguível, sem essência
    na decomposição indolor e eterna.

    Trazemos em nós os germes dos deuses todos,
    o gene da morte e o gene do prazer -
    quem os separa: as palavras e as coisas,
    quem os mistura: as torturas e o lugar
    onde terminam, madeira molhada de lágrimas,
    para horas curtas um lar miserável.

    Nenhum luto pode haver. Demasiado longe, distante,
    demasiado intocável lágrimas e cama,
    nenhum Não, nenhum Sim,
    nascimento e dor física e fé
    uma excitação, sem nome, um deslizar,
    algo celeste, mexendo-se no sono,
    moveu lágrimas e cama -
    adormece!
    26.1.04
    Morte alheia, pública.

    Aproveito esta boa oportunidade para ficar calado.
    Aditamento ao "Daltonismo"

    Na ocasião das especulações sobre a incompreensivel maldade humana que se manifestou na shoah (nos meus posts "Nós e os Outros", "Daltonismo", "Obediência..." e "SJ e SS" do 13.12.-16.12.03) era inevitável lembrar-me da Hannah Arendt e das suas considerações sobre a Banalidade do Mal.
    Na altura achei foleiro citar quem não tinha lido e muito menos estudado. Situação que se alterou, desde então, em seis semanas, só um pouco. Mas que chega para acrescentar àqueles posts estas citações que li numa Introdução a Filósofa*.

    "O maior dos males cometidos e tal que foi cometido por Ninguém; certamente cometido por homens, mas por uns que se recusaram ser pessoas."
    (Hannah Arendt)

    "A linguagem burocrática é a minha única linguagem."
    (Adolf Eichmann)

    "Embora os juizes [do Processo Eichmann, LB] tinham razão, quando disseram ao arquido na leitura do veredicto, que tudo que ele apresentou tinha sido 'conversa vazia', eles acreditaram - sem razão - que este vazio tinha sido fingido e que o arguido desejava esconder por detrás dele pensamentos, que seriam, embora atrozes, mas não vazios."
    (Hannah Arendt)

    * Ingeborg Nordmann: Hannah Arendt
    Frankfurt a.M. / New York 1994
    _________________

    Mas a fotografia não postei por essas citações. Entretanto fascinaram me outras coisas na sua leitura, que ficam para um outro post...
    25.1.04
    Recomendação atrasada

    Ó João, na 2: deu um programa sobre a vida de Marianne Faithful. Fantástico!
    ______________

    (Ai, isto foi mesmo um post totalmente fútil! - Vou tentar não reincidir...)
    Comentario?

    É a segunda vez que altero o título deste pequeno post. Devia apagá-lo porque não sei dizer nada que me convence sobre essas duas frases?

    "Os servos fiéis serão sempre servos e os homens bons serão sempre pobres. Da servidão só escapam os infiéis e os audazes, e da pobreza só os rapaces e os fraudulentos."

    Nicolau Maquiavel , A Revolta dos Ciompi, tradução de Luís Nogueira, Mareantes editores, Lisboa 2003

    C.f. A Natureza do Mal
    Der letzte Baum
    gefällt.

    Material
    für Zimmerleute und Schakale.

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    Há um mês que quero escrever um post sobre ela. Talvez postar a sua imágem ajuda-me para o finalmente fazer...
    Comentário

    Percebo as peneiras do Ivan acerca dos comentários. Partilho as. Mas não passam de peneiras.
    Os 88 comentários que mereceu - até agora - o pequeno post sobra a Anita no Blog de Esquerda, o simples facto de os serem 88, prova o valor deles.
    Da vida de arquitecto

    O meu filho com então sete anos de idade veio buscar-me ao gabinete onde trabalhava na altura. O Patrakim, meu amigo e melhor desenhador-projectista do país, despediu-se de mim com o seu habitual e meio irónico "até amanhã, Sr. Engenheiro".

    Vira-se o Frederico para mim e pergunta: "Ó pai, foste promovido?"

    Etiquetas:

    24.1.04
    Stehe auf und wandle!
    sprach der, der da gekommen war,
    ganz ungerufen.

    Und siehe:
    Wirklich
    zog der Krüppel da
    die Krücken aus dem Sand
    und humpelte für eine Weile
    ausser Rand und Band
    mitten durch die Innenstadt.
    Taubselig,
    freigespottet,
    seinen Namen preisend.

    Wahrlich, nie
    haben wir ihn so die Krücken schwingen sehn.

    ________

    Levanta-te e anda!
    disse ele, que tinha vindo,
    não chamado de todo.

    E vejam:
    Realmente
    tirou o aleijado
    as muletas da areia
    e coxeou por algum tempo
    desenfreadamente
    mesmo pelo centro da cidade.
    Surdo-feliz,
    gozado-livre,
    louvando o seu nome.

    É verdade: Nunca
    o vimos mexer as muletas assim.

    Etiquetas: , ,

    23.1.04


    ESA: Água em Marte
    Agora já posso sentir!

    Como já devem ter reparado, sou um gajo distraido. Não só troco os nomes próprios de outros bloggers (espero que a pessoa em questão não tenha reparado - já corrigi a gaffe...) , como não fixo os nomes das pessoas que me são apresentadas e muito menos os das celebridades da televisão.
    Assim, quando comecaram a abundar as referências a recente chegada à blogosfera da Anabela Mota Ribeiro, não fiz a mínima ideia de quem ela podia ser. Mas fui lá ao site por causa da Odisseia lido em grego, claro. E depois fiz uma coisa que não posso contar a minha mulher, porque ela há muito desconfia que o meu desinteresse pelas noticias sobre gente famosa nos jornais não é genuino.
    Mas é!

    Só desta vez é que fiz uma excepção e digitei "Anabela Mota Ribeiro" no Altavista, carreguei no filtro de imágem - e lá estava ela! Aquela moça com a cara sensual que já adorei ver em tempos idos nos programas lá do Porto...

    Pena é que no blogue dela só há letras.

    Ó Anabela, em vez de publicares lá poemas dedicadas a tí, que tal umas fotografias tuas?
    A nossa quotidiana duplicidade moral

    Há um artigo de Miguel Sousa Tavares no Público que devia ser leitura obrigatória (e seguida de discussão) nas escolas portuguesas.
    MST demostra em dois exemplos - o caso dos 200 atestados falsos de Guimarães, e um caso análogo da sua experiência profissional de advogado - o problema de duplicidade moral que reina no nosso dia a dia. Não a duplicidade moral nas coisas grandes, que nos irrita nos poderosos, não: a nossa, quotidiana.
    Há uma lei que proíbe a emissão e apresentação de atestados médicos falsos (mas o exemplo poderia ser outro...), que todos achamos justo, e reconhecemos que a sociedade sem ela não é viável, mas aplicar as sanções aos que foram apanhados a não cumprí-la, nem o juiz acha bem.

    O que me dá a pensar é que não me revolta a decisão do juiz (de não acusar, respectivamente, não instaurar processo).
    Revolta-me o estado das coisas, sim. Mas não acho - e aparentemente os juizes nos dois casos também não - que se possa começar neste caso concreto para aplicar a lei com toda a severidade, estatuando um exemplo.
    O que deixa as coisas como estão.
    O que é intolerável.
    Não tenho respostas, só uns palpites. Um é, desconfiar sempre de qualquer proposta que visa o agravamento das penas, mais ainda quando surge no âmbito de um caso concreto que fez especial escândalo. Pode ser que não, mas cheira me quase sempre a manobra de diversão e tem um efeito contraproducente.
    Para além da pedagogia o caminho certo passa pela maior fiscalização e pela aproximação das sanções à realidade social.
    A sanção para os alunos parece-me adequado: Em Guimarães afinal os alunos apanharam - julgo eu - um valente susto. Se a multa deveria ter sido maior ou não, deixo em aberto. Mas provavelmente pensarão duas vezes antes de apresentar o próximo atestado falso.
    Mas os médicos, o que acontece/aconteceu a eles? Não sei se há, mas deve criar-se, se não existe, condições para que eles possam ser punidos, sem perder logo a acreditação profissional ou serem presos. E em caso de reincidência, aí sim, a lei devia ser severo. (Sei que isso tudo não é nada fácil: fazer prova da má fé dos médicos etc. - mas isso é outra história...)

    Agora falei o tempo todo dos atestados, o que não queria. São só um exemplo.
    Como é que voltamos a reparar na nossa hipocrisia quando nos escandalizámos em geral, em casos alheios, com o incumprimento da lei, e temos, no nosso próprio caso ou do dos nosso próximos, toda a compreensão e complacência?
    A Verdade

    Leio desde que os descobri, há algum tempo, com muito interesse alguns blogues cristãos.

    Os irmãos Bengelsdorff e o Guia dos Perplexos debatem no momento a questão, se é - ou não - possível a descoberta da Verdade.

    Concordo com o Vincent que é possível alcançá-la, aliás, estou mais do que convicto que isso é possível, mas estou também bastante convencido de que é impossivel segurá-la. E que o pior que se faz a sí e aos outros, é ceder a tentação de agarrá la. Porque nas nossas mãos, nas nossas garras, a Verdade transforma-se primeiro numa coisa morta e depois numa coisa diabólica. As vítimas dos autos-da-fé sabem-no.

    É preciso saber largá-la.

    E só agora é preciso a fé. Para quê necessitaria, quem tem a Verdade, a fé? A fé é a força de acreditar, quando ainda ou já não a tenho, que ela não foi uma ilusão e que ainda ali anda, e - ocasionalmente - voltará para mim.
    ________

    (Quando me meto neste debate, sinto-me um pouco como um intruso, pelo facto de não ser cristão. E também um bocadinho mal pelo facto de desrespeitar os conselhos de Juan de la Cruz: ver o post no QeP do 14.12.03).
    22.1.04
    Também quero ser um puto

    Àlguns intriga a hora em que eles escrevem, a mim intriga-me mais a idade dos bloggers a minha volta. Isto é, já não me intriga tanto, porque com o tempo já percebi que a maioria deve ter trinta-e-poucos anos, ou seja, ser claramente mais novo do que eu.

    Isto não se nota de igual forma em todos. E não tem importância igual em todos os casos. Há uns, aonde sinto que não faria muita diferênça se tivessem mais ou menos, digamos, quinze anos. Há outros, em que isso faria muita.
    Nem sempre directamente relacionado com a (suposta) idade das pessoas, mas também não indiferente para isto é uma outra questão: quem trataria, na vida real, após um segundo ou terceiro encontro, por tu.

    Há aqui candidatos claros para isso, que já assim trato (para mim), quando leio os blogues deles, e outros não. Não é uma questão de simpatia, nem de afinidade intelectual ou de concordância ideológica. Deve ter de haver com uma maneira de estar.

    Eu, por exemplo, vejo-me sempre como uma pessoa a tratar por tu, mas faço a experiência que estou cada vez mais enganado.
    Os meus colegas mais novos tratam-me por você, ou pior, por "o Lutz", não interessa quanto insisto em tratá-los da minha parte, por tu.
    Essa insistência é, porventura, bastante suspeita. Estando cada vez mais com pessoas mais novas que eu (porquê será?) tenho feito algum esforço para manter-me à altura (?) deles. Segundo Max Frisch o mais claro indício da pré-senilidade. Interessa-me, por exemplo, o que os meus colegas mais novos ouvem de música. E fico contente quando descubro que gosto genuinamente de grupos que já não são do meu tempo. (Como Nirvana, Smashing Pumpkins, Blur, até Red Hot Chili Peppers e Limp Bizkit.)

    Isto tudo veio a propósito de eu sentir que tenho no blogue - para o meu gosto - demasiadas vezes uma cortesia, que não acho natural em mim, um formalismo a falar que não é meu, e descubro-me a usar frases feitas de cerimónia, que me sempre eram um horror...

    Será que é só insegurança linguística do imigrante, ou serão os tais indícios da pré-aquelacoisa que acima referi?
    A Cidade

    No Farol há um belissimo texto sobre a cidade de Bruno Sena Martins entre outros belos textos.

    Para os meus colegas arquitectos, mas não só.
    Visita ao terreno

    Alguns dos seus encantos são muito parecidos ao turismo, isto é: Estar num lugar pela primeira vez. Mas é uma coisa muito mais forte. E diferente: Sei que vou transformar este lugar!
    Curioso é como consigo deleitar-me totalamente sem remorsos com a beleza de espaços que sei que vou destruir - como este olival, por exemlo...

    Etiquetas:

    Ainda percebo que milhões de pessoas no mundo têm que morrer de sida porque a indústria farmaceutica tem que recuperar os seus investimentos, mas isto é demais. Já não há vergonha nas grandes empresas?
    21.1.04
    Gosto de começar um novo projecto. Da primeira visita ao terreno. Ir a um local aonde nunca teria ido, se não fosse a razão do projecto.
    Primeiro: Tomar um café no café do bairro. Ver as pessoas. (Os alunos do liceu ao lado, a fazerem os trabalhos, a conversar...)
    Gosto de chegar lá, sabendo ainda quase nada. Tendo lido - só superficialmente - o programa.
    Trepar redes, caminhar em baldios.
    Orientar-me, caminhando, e olhar com uma atenção dispersa, que tenta perceber alguma coisa de que ainda não sabe o que será.
    Ver se aparecem perguntas.
    Ainda não ter ideias.

    Etiquetas:

    20.1.04


    Paul Klee: Siebzehn, Irr
    Retribuo grato e sentido, a saudação do meu irmão. Que posso querer mais do que familia como esta?
    19.1.04
    "Skating Away on the Thin Ice of the New Day"

    Meanwhile back in the Year One - when you belonged to no-one -
    You didn't stand a chance son, if your pants were undone.
    'Cause you were bred for Humanity and sold to Society -
    One day you'll wake up in the Present Day -
    A million generations removed from expectations
    Of being who you really want to be.

    Skating Away! Skating Away!
    Skating Away on the Thin Ice of the New Day.

    So as you push off from the shore, won't you turn your head once more -
    And make your peace with everyone?
    For those who choose to stay, will live just one more day -
    To do the things they should have done.
    And as you cross the wilderness, spinning in your emptiness:
    You feel you have to pray.
    Looking for a sign that the Universal Mind(!)
    Has written you into the Passion Play.

    Skating Away! Skating Away!
    Skating Away on the Thin Ice of the New Day.

    And as you cross the Circle Line, well, the ice-wall creaks behind -
    You're a rabbit on the run.

    And the silver splinters fly in the corner of your eye -
    Shining in the setting sun.
    Well, do you ever get the feeling that the Story's too damn real and in
    the present tense?
    Or that everybody's on the stage, and it seems like
    You're the only person sitting in the audience?

    Skating Away! Skating Away!
    Skating Away on the Thin Ice of the New Day.

    Skating Away!
    Skating Away!
    Skating Away!


    (Jethro Tull: Warchild)
    Recomendo este excelente post do Epiderme sobre o assunto do meu post anterior. Subscrevo inteiramente.
    St. Álvaro

    "[...] Esquece a esquerda intelectual, que o projecto de Alcântara é de um arquitecto genial, um artista eterno que Portugal deu ao mundo. A partir deste momento recusamos qualquer discussão política, recusamos qualquer democracia, a maioria não vence em questões estéticas, a democracia não funciona em arte. [...]"
    (O Crítico)

    Não falo em nome da esquerda intelectual (quem é visado é o Tchernignobil do BdE), mas este a muitos títulos notável post merece-me uma resposta. Ele reúne equívocos, que me parecem paradigmáticos para o estado lastimoso em que se encontra a cultura arquitectónica no (se me permitem:) nosso país. E tenho pena que o LAC do Projecto, uma referência entre os blogues de arquitectura, dá o seu - ao que parece – incondicional apoio.

    Não ponho em dúvida a genialidade e o estatuto mundial de Álvaro Siza. Os Portugueses tem razão em orgulhar se dele.
    Mas isso não dispensa-nos de analisar com olhar crítico as suas propostas. A infalibilidade dos génios é um mito tão primário, que não posso acreditar que o Crítico ou o Lourenço são vítimas dele. (Lembram-se de Le Corbusier? Um génio, não é? Porqué então é que Paris não lhe aceitou o Plan Voisin?)
    Por isso não se prostrem aos pés dele e veneram-no como uma divindade infalível.

    Se não houvesse falta de hábito em lidar com personalidades desta estatura, achávamos natural que também as propostas deles devem ser submetidos a uma análise crítica por um lado e a procedimentos democráticos por outro.
    Parece-me que a posição do Crítico enferma do defeito que quer ultrapassar: o provincialismo.

    Provincialista é achar que uma decisão acertada num caso específico compensa a falta de uma cultura artística e arquitectónica, que passa pelo debate qualificado, pela escolha e a promoção de projectos e da arte pública (como a arquitectura) não arbitrária mas por mecanismos e pessoas competentes.
    Diz o Crítico que recusa qualquer democracia, quando está em questão a obra de um génio, e que a democracia não funciona em arte. - O Crítico está a confundir – aparentemente – o voto directo, o referendo sobre uma obra de arte específica – com o estabelecimento de regras, por via democrática, que delegam a elites preparadas para esta tarefa, a tomada de decisões sobre a realização de projectos de interesse público.

    Pois, estou a falar – entre outro - de concursos públicos.

    A questão de democracia está mal posta: A escolha (se podemos isso chamar assim) das Torres por Santana Lopes é também resultado da democracia, isto é, da eleição deste homem como Presidente da Câmara de Lisboa, e dos seus cálculos para a sua futura reeleição. Mas se daí resulta a escolha de qualidade, é completamente arbitrário. (Quem diz ao Santana quem é um génio? Ou quem só está de momento na berra...)

    Mais grave do que um bom projecto realizado a menos ou do que um mau projecto realizado a mais é uma outra coisa:
    Enquanto rendemos nos aos grandes mestres, depois de eles terem provado a sua qualidade lá fora, e lhes entregamos, no fim da sua carreira, os trabalhos, que devíamos ter lhes entregue quando ainda andavam por cá ignorados, para que um pouco do seu brilho também nos ilumine cá na nossa terra, estamos a repetir o mesmo crime com aqueles talentos - por enquanto - menos famosos entre nós, aos quais negamos a oportunidade de se qualificar para estes trabalhos perante grémios e pessoas competentes e em procedimentos transparentes. Os Sizas de amanhã estão entre nós.

    ________________________

    Uma última nota sobre a arte e democracia:
    Há um engraçado bonmot de Mussolini sobre esta questão, que só posso citar da memória:

    Olhem para o Império Romano, as grandes cidades, os monumentos, e depois olhem para a Suiça: 500 anos de democracia, e qual é o seu contributo para a cultura mundial? – O relógio de cuco!

    Respondo eu, hoje, como arquitecto: E Luigi Snozzi, Aurélio Galfetti, Lívio Vacchini, Mário Botta, Herzog e De Meuron, Peter Zumthor.

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    17.1.04
    Ainda por cima um homem tão admirado!

    Eu não sei o que tanta gente tem contra o João Pereira Coutinho.
    Eu gosto dele:
    Sempre quando me sinto estúpido e/ou com dúvidas, se o bom senso afinal não reside à direita, leio um artigo dele e estou curado:
    Sinto me logo inteligente e com ideias claras. É tão fácil desmontar a sua argumentação estapafúrdia - ou melhor, se deixamo-nos das delicadezas: perversa. Como hoje: Um político que promove a "sua" causa, na ocasião do processo sobre os abortos de Aveiro, é um "abutre". Claro que não pode ter nenhum interesse no drama das pessoas envolvidas no processo. Certamente porque para o JPC é impensável que um político tenha uma genuina causa, a não ser a promoção da sua própria carreira... E por isso espera do político, no mínimo, que aguarde que a causa pública, que ele pretende promover, está fora da órdem do dia e das atenções mediáticas. É uma questão de ética...

    O que vale é que alguém como o JPC só convence quem já está convencido, e quem não pode ou não quer se dar ao trabalho de um raciocínio honesto.
    "You make me real"

    Não sei se esta expressão é de Billy Corgan, de cuja boca a ouvi pela primeira vez (no To Sheila de Adore), ou se é muito mais antiga. Em qualquer caso é uma belissima expressão do amor. Em três palavras diz o que o amor faz connosco: tornar nos real. Nem mais é o que procuramos durante a nossa vida.

    Outras vias que procuramos para torná-nos real: o poder, a fama. -
    A máquina que nos torna real: a televisão.
    Para nela aparecer aceitamos tudo, mesmo a humilhação, a mais nojenta violação da nossa dignidade.
    Quando nos vemos na TV, temos a prova que existimos.
    Queen Mary II

    Qual sonho miserável, todo este luxo fútil, comparado com o que eram os paquetes de outrora:
    A arca que nos levava para as costas do desconhecido, da esperança, para construirmo-nos um futuro melhor.
    16.1.04


    Também a propósito de Mumbai, quero aqui recomendar - não só aos arquitectos - um livro muito bom de Charles Correa: Housing and Urbanisation.
    O livro têm projectos muito bonitos e outros nem por isso, mas o que transforma o num livro muito especial, é que é um testamento de um arquitecto (indiano) apostado em fazer a diferença.

    Um livro que dá esperança.

    Muito interessante são as teorias urbanísticas de Correa, que tentam enfrentar o problema da migração para as cidades indianas e, com uma atitude muito pragmática, apostam nos recursos das próprias pessoas.

    Transcrevo aqui um pequeno texto:

    AN URBAN MANIFESTO

    "I believe in the cities of India.
    Like the wheat fields of the Punjab, and the coal fields of Bihar, they are a crucial part of our national wealth.

    I. They generate the skills we need for development - doctors, nurses, lawyers, administrators, engineers - not just from the great metropolii: Bombay, Delhi, Calcutta and Madras, but from a hundred smaller urban centres across the country.

    II. Cities are centres of hope. Too often we look at our cities from our self-centred point of view... so we see only the shortages, the failures. But for millions and millions of migrants, of landless labour, of the wretched have-nots of our system... cities are perhaps their only hope - their only gateway to a better future.

    III. Cities are engines of economic growth. There is no way, either politically or morally, that we can divert rural funds to develop towns and cities. On the contrary - cities, properly managed, can generate surplus funds not only fort their own development, but to help subside the surrounding rural areas as well."
    A musicalidade do posting

    O Ivan aplica aos blogues o que o Daniel escreveu sobre a imprensa:
    "Esta rapidez faz com que todas as notícias, cada uma delas, isoladamente, sejam inconsequentes. Elas são sempre devoradas pela notícia seguinte."

    Tendo isto em conta, posso introduzir mais um instrumento compositórico, específico de um blogue: O ritmo dos meus posts.

    Daqui em diante vou adaptar o tempo sem novo post ao peso que quero conferir ao último.

    (Se tivesse pachorra e tempo para isso...)
    Em qualquer caso...

    Só depois da minha volta (depois de oito meses), fiquei a saber que uma amiga da minha mãe achou toda a minha viágem obscena.
    Percebi o que ela queria dizer, mas não percebi o que teria sido melhor se tivesse ficado em casa...
    15.1.04
    Pensando em Mumbai

    Hoje começou o Forum Social Mundial em Mumbai. Não posso imaginar local mais apropriado. Não conheço Mumbai, mas passei alguns meses na Índia, e vi outras cidades grandes: Delhi, Madras, Calcutta.
    Tinha 18 anos. Até lá, toda a minha vida consciente tinha vivido na R.F.A. (dos anos setenta), num mundo onde não existia miséria.
    Não tinha experiência de barreiras sociais. Se era verdade que uns conduziam BMW, outros só VW, não havia dúvida que todos eramos cidadãos. No fundo era possível, com um pouco de boa vontade, estabelecer um discurso de igual para igual com qualquer um.

    E achei que, com um pouco mais de boa vontade, de que estava convencido de dispor, isso seria assim em qualquer parte do mundo. (Era mesmo um rapaz muito ingénuo...)

    Descobri que o discurso com o taxista alemão, por exemplo, não era repetivel com o homem que puxava a minha rickshaw. Sobre qué podia falar com ele? Sobre política? Sobre a familia, que ele não tem porque não pode sustentá-la? Sobre o seu trabalho? Porque andava descalço naquela imundice que são as ruas de Howrah? Sobre o que gosta mais e o que gosta menos? Sobre comida? Talvez sobre o tempo... O tempo é igual para todos. Só a falar do tempo lembrava me que eu, a noite, dormia numa pensão, ele no passeio.
    Ainda bem que - na realidade - toda essa questão do diálogo não se pôs, porque ele não sabia inglês...

    E ainda bem também que Howrah era plano, e não uma cidade em colinas, como Bangalore. Poupava me um embaraço. Lá, depois de ter andado como passageiro umas centenas de metros numa subida acentuada, achava a única atitude mínimamente decente seria sair da rickshaw de bicleta deixando nela só a minha mochila e caminhar ao seu lado até chegar ao topo. Para o total desespero do condutor. Nunca me perdoará tal humilhação...

    Descobri que podia armar-me em cidadão do mundo, se isso me dar na gana, mas que muitos habitantes das cidades indianas não são cidadãos de coisa nenhuma.

    E descobri outra coisa também. Esse fosso social era mesmo inultrapassável. Mesmo se seria capaz e distribuia os meus travellers cheques entre os mendigos e daí em diante vivia como os outros desgraçados, por exemplo como este cooli, que dorme no quais e que se masturba - tal como cães que copulam na rua - perante os olhos indiferentes dos viajantes, porque não tem espaço privado e muito menos hipoteses de arranjar um parceiro sexual, não deixaria de haver uma diferênça fundamental. Continuaria livre. Faria isso por opção. E quando me fartar, teria sempre só de deslocar-me para o próximo consulado alemão, onde me daraim de comer, roupa e metiam-me num avião para onde há uma segurânça social e um rendimento mínimo garantido.

    Nasci diferente. Com passaporte alemão.

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    14.1.04
    What is to be done, O Moslem? For I do not recognize myself.
    I am neither Christian, nor Jew, nor Parsi, nor Moslem.
    I am not of the East, nor of the West, nor of the land, nor of the sea;
    I am not of Nature’s workshop, nor of the circling heavens.
    I am not of earth, nor of water, nor of air, nor of fire;
    I am not of the Heavenly City, nor of the dust, nor of existence, nor of entity.
    I am not of this world, nor of the next, nor of Paradise, nor of Hell;
    I am not of Adam, nor of Eve, nor of Eden or of Eden’s angels.
    My place is the Placeless, my trace is the Traceless;
    ‘Tis neither body nor soul, for I belong to the soul of the Beloved.
    I have put duality away, I have seen that the two worlds are one;
    One I seek, One I know, One I see, One I call.
    He is the first, he is the last, he is the outward, he is the inward;
    I know none other except “O he” and “O he who is.”
    I am intoxicated with Love’s cup, the worlds have passed out of my ken;
    I have no business save mind’s carouse and wild revelry.
    If once in my life I spent a moment without thee,
    From that time and that hour I repent of my life.
    If once in this world I win a moment with thee,
    I will trample on both worlds, I will dance in triumph forever.


    (Jalal Al-Din Rumi - 1207-1273)

    In Martin Buber: Ecstatic Confessions

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    Se não é um blogger, não lê isto!
    13.1.04


    Andrew Wyeth: Christinas world
    Nunca em Português

    Cada dia que passa, sem que dou por isso excepto em raros momentos de lucidez, cresce o outro blogue.
    Nele os posts cortam ao meio no essencial, vão até ao fundo, têm coragem e humor. Não hesitam perante raciocínios linguisticamente, intelectualmente ou moralmente exigentes. Nunca poupam o seu autor.
    Lá eles agrupam-se para um edifício - não, formam uma constelação, o que vem de "estrela" - "con-estrelação": Lá eles iluminam-se uns aos outros.

    Às vezes, raras vezes, num momento feliz, um destes posts consegue o salto para o Quase em Português. Para justificar o resto que lá há.
    Espero eu.
    Não está à altura!

    Se não fosse o Crítico um baluarte da exigência e do rigor a dizer uma barbaridade dessa, teria mais complacência:
    Uma obra de arte fica bem em qualquer lado! -
    Ainda por cima em relação à arquitectura!

    Deixe me dizer-lhe, caro Crítico, que o lado em que uma obra de arte fica, isto é, o seu contexto, é absolutamente essencial!
    Se perguntasse ao Siza, ele lhe explicava.
    Na arquitectura - não interessa a dimensão da sua obra - o que faz, está sempre inserido numa obra maior, é sempre parte de algo.

    Confesso que me soube bem criticar o Crítico por um tão óbvio disparate: O seu tom professoral já intimidou-me há tempo de mais.

    P.S.: Acho aquela maqueta lindissima...
    12.1.04
    The Hollow Men

    A penny for the Old Guy


    I
    We are the hollow men
    We are the stuffed men
    Leaning together
    Headpiece filled with straw. Alas!
    Our dried voices, when
    We whisper together
    Are quiet and meaningless
    As wind in dry grass
    Or rat's feet over broken glass
    In our dry cellar

    Shape without form, shade without colour,
    Paralysed force, gesture without motion;

    Those who have crossed
    With direct eyes, to death's other Kingdom
    Remember us - if at all - not as lost
    Violent souls, but only
    As the hollow men
    The stuffed men.

    II
    Eyes I dare not meet in dreams
    In death's dream kingdom
    These do not appear:
    There, the eyes are
    Sunlight on a broken column
    There, is a tree swinging
    And voices are
    In the wind's singing
    More distant and more solemn
    Than a fading star.

    Let me be no nearer
    In death's dream kingdom
    Let me also wear
    Such deliberate disguises
    Rat's coat, crowskin, crossed staves
    In a field
    Behaving as the wind behaves
    No nearer -

    Not that final meeting
    In the twilight kingdom

    III
    This is the dead land
    This is the cactus land
    Here the stone images
    Are raised, here they receive
    The supplication of a dead man's hand
    Under the twinkle of a fading star.

    It is like this
    In death's other kingdom
    Waking alone
    At the hour when we are
    Trembling with tenderness
    Lips that would kiss
    Form prayers to broken stone.

    IV
    The eyes are not here
    There are no eyes here
    In this valley of dying stars
    In this hollow valley
    This broken jaw of our lost kingdoms

    In this last of meeting places
    We grope together
    And avoid speech
    Gathered on this beach of the tumid river

    Sightless, unless
    The eyes reappear
    As the perpetual star
    Multifoliate rose
    Of death's twilight kingdom
    The hope only
    Of empty men.

    V
    Here we go round the prickly pear
    Prickly pear prickly pear
    Here we go round the prickly pear
    At five oclock in the morning.


    Between the idea
    And the reality
    Between the motion
    And the act
    Falls the Shadow
    .............................. For Thine is the Kingdom

    Between the conception
    And the creation
    Between the emotion
    And the response
    Falls the Shadow
    .............................. Life is very long

    Between the desire
    And the spasm
    Between the potency
    And the existence
    Between the essence
    And the descent
    Falls the Shadow
    .............................. For Thine is the Kingdom

    For Thine is
    Life is
    For Thine is

    This is the way the world ends
    This is the way the world ends
    This is is the way the world ends
    Not with a bang but a whimper.


    (T.S. Eliot)
    "You need a busload of faith to get by."

    (Lou Reed)
    11.1.04


    Egon Schiele: Wand mit Fenstern
    10.1.04
    "Experimento histórias como roupas!"

    [...]

    Um homem fez uma experiência, agora procura a história para ela - não se pode viver com uma experiência, que fica sem história, parece, e às vezes imagino que um outro tem exactamente a história da minha experiência...

    [...]

    Uma outra vida -?
    Imagino:
    Um homem tem um acidente, por exemplo de viação, cortes na cara, não há perigo de vida, mas o perigo que perde a sua vista. Ele sabe isso. Ele fica acamado no hospital com os olhos vendados por muito tempo. Ele pode falar. Ele pode ouvir: Passaros no jardim à frente da janela aberta, às vezes aviões, depois vozes no quarto, silêncio da noite, chuva no amanhecer. Ele pode cheirar: Compota de maçã, flores, higiene. Ele pode pensar o que quer, e ele pensa... Uma manhã tiram-lhe a venda, e ele vê que vê, mas fica calado; não diz que vê, nunca e a ninguém.
    Imagino:
    A sua vida em diante, como representa o cego também entre quatro olhos, a suas relações com pessoas que não sabem que ele os vê, as suas possibilidades sociais, suas possibilidades profissionais em consequência de que nunca diz o que vê, uma vida como um jogo, a sua liberdade alimentado por um segredo etc.
    O seu nome seja Gantenbein.

    [...]

    (em Max Frisch: Mein Name sei Gantenbein ; english: Gantenbein)
    Se dava um filme, faz sentido...

    A exclamação "a minha vida dava um livro/filme" não só traduz um desejo de singularidade, de relevância como compensação para a desgraça pessoal. Traduz também - e à um nível ainda mais elementar - o desejo de sentido, que uma narrativa parece conferir à sequência das experiências do exclamante.
    Talvez o sentido (como emanação da sequência causal) é uma construção que fazemos à posteriori à uma sequência de acontecimentos da nossa vida que na realidade só é temporal.

    Daí o grande charme da transformação desta frase pelo Avatares de um Desejo em "a minha vida dava um post". Tira o tapete à esta ilusão.
    Confesso que estou com bastante curiosidade em relação à variante que é "a minha vida dava um blogue", que estou a experimentar neste momento, no meu próprio caso. Será que vou reconhecer, quando um dia no futuro releio o Quase em Português algo mais do que um número de posts avulsos?

    P.S.:
    Não sou muito bom a elogiar, sinto sempre uma certa timidéz. Mas tenho que dize-lo:
    O Avatares de um Desejo é mesmo muito bom! Inteligente, sóbrio e poético. E ainda por cima muito honesto.
    Pronto. Custou, mas está dito.
    Por favor Senhor Cardeal!

    Não dê ouvidos à este pantomineiro. Mande fazer um concurso público de projecto como deve ser. Não se deixe iludir pelo sucesso estrondoso da contratação de Frank Gehry para o Parque Mayer...
    Nem sempre os projectos concluam-se, como aqui, dentro dos prazos e o orçamento previsto, com um resultado de que incontestavelmente todos beneficiam!

    Senhor Cardeal, acredite que faz bem em lançar um concurso público, embora reconheço que não está obrigado de o fazer: Porque a catedral será integralmente custeada pela igreja.
    Ou não?
    Aisle of Plenty

    "I don't belong here", said old Tessa out loud.
    "Easy, love, there's the Safe Way Home."
    - and, thankful for her Fine Fair discount, Tess Co-operates
    Still alone in o-hell-o
    - see the deadly nightshade grow

    ENGLISH RIBS OF BEEF CUT DOWN TO 47p LB
    PEEK FREANS FAMILY ASSORTED FROM 17 1/2 to 12
    FAIRY LIQUID GIANT - SLASHED FROM 20p TO 17 1/2
    TABLE JELLYS AT 4p EACH
    ANCHOR BUTTER DOWN TO 11p FOR A 1/2
    BIRDS EYE DAIRY CREAM SPONGE ON OFFER THIS WEEK.

    It's Scrambled Eggs.


    (Banks, Collins, Gabriel, Hackett, Rutherford)
    Pour faire le portrait d'un oiseau

    Peindre d'abord une cage
    avec une porte ouverte
    peindre ensuite
    quelque chose de joli
    quelque chose de simple
    quelque chose de beau
    quelque chose d'utile
    pour l'oiseau
    placer ensuite la toile contre un arbre
    dans un jardin
    dans un bois
    ou dans une forêt
    se cacher derrière l'arbre
    sans rien dire
    sans bouger...
    Parfois l'oiseau arrive vite
    mais il peut aussi mettre de longues années
    avant de se décider
    Ne pas se décourager
    attendre
    attendre s'il le faut pendant des années
    la vitesse ou la lenteur de l'arrivée de l'oiseau
    n'ayant aucun rapport
    avec la réussite du tableau
    Quand l'oiseau arrive
    s'il arrive
    observer le plus profond silence
    attendre que l'oiseau entre dans la cage
    et quand il est entré
    fermer doucement la porte avec le pinceau
    puis
    effacer un à un tous les barreaux
    en ayant soin de ne toucher aucune des plumes de l'oiseau
    Faire ensuite le portrait de l'arbre
    en choisissant la plus belle de ses branches
    pour l'oiseau
    peindre aussi le vert feuillage et la fraîcheur du vent
    la poussière du soleil
    et le bruit des bêtes de l'herbe dans la chaleur de l'été
    et puis attendre que l'oiseau se décide à chanter
    Si l'oiseau ne chante pas
    C'est mauvais signe
    signe que le tableau est mauvais
    mais s'il chante c'est bon signe
    signe que vous pouvez signer
    Alors vous arrachez tout doucment
    une des plumes de l'oiseau
    et vous écrivez votre nom dans un coin du tableau.


    (Jacques Prévert)
    ______________

    Como pintar um pássaro

    Pinte primeiro uma gaiola
    com a porta aberta.
    Em seguida pinte
    alguma coisa graciosa,
    alguma coisa simples,
    alguma coisa bonita,
    alguma coisa útil...
    ao pássaro.
    Depois, coloque a tela contra uma árvore
    no jardim,
    no bosque
    ou na floresta
    e esconda-se
    atrás da árvore
    sem dizer nada, sem se mexer.
    Às vezes o pássaro chega logo,
    mas pode levar muitos, muitos anos
    até se resolver.
    Não desanime,
    espere.
    Espere, se preciso, durante anos.
    A velocidade ou a lentidão da chegada
    do pássaro, não tem a menor relação
    com a qualidade da pintura.
    Quando ele chegar
    (se chegar)
    mantenha o mais profundo silêncio,
    espere que ele entre na gaiola.
    Depois que entrar,
    feche lentamente a porta com o pincel.
    Aí então
    apague uma por uma todas as varetas.
    (Cuidado para não esbarrar em nenhuma pena
    do pássaro.)
    Finalmente pinte a árvore,
    reservando o mais belo de seus ramos
    ao pássaro.
    Pinte também a verde folhagem e a doçura do vento,
    a poeira do sol,
    o rumorejo dos bichinhos da relva no calor da estação.
    Depois aguarde que o pássaro se decida a cantar.
    Se ele não cantar,
    mau sinal:
    sinal de que o quadro não presta.
    Mas bom sinal, se ele canta:
    sinal de que você pode assinar o quadro.
    Então retire suavemente
    uma pena do pássaro
    e escreva o seu nome a um canto do quadro.

    (Tradução: Carlos Drummond de Andrade)
    ______________

    Há poemas - não são poucos aliás -, que são uma tradução literal, palavra por palavra, de uma realidade simples. Claro como água. Essa realidade é simples, evidente, mas com uma pequena peculiaridade: só se deixa exprimir em poesia...
    9.1.04
    "Abaixo o Regime!"

    Esta noite só fiz uma piada sobre o desabafo do CAA. Hoje, ele escreve, respondendo ao Paulo Gorjão, um post com tanta análise certa, coisas que também a mim me vão na alma: Mas fico - mesmo assim - completamente no escuro.
    O quê significa deixar cair a III República? Uma grande revisão constitucional? Há aqui alguma ideia, como a IV República devia ser? - Nem exigo que se me esboça um caminho para lá chegar...
    Em ciências políticas, sou um completo analfabeta, - mas seria possível dar-me alguma pista, mesmo assim?

    O ditado austríaco referiu-se à monarquia de Habsburg, que efectivamente acabou de cair.

    Foi preciso uma guerra mundial para isso acontecer.
    Sei que estou a transgredir os límites
    que estão postos a um estrangeiro no pais que o acolheu, mas não resisto:

    "Em Portugal não resolvemos os problemas, contornamo-nos!"

    ...disse me em tempos um vosso compatriota.
    Qual é o fénix que o CAA vê emergir das cinzas da 3ª república?
    Não sei. Parece-me que ainda continua válido o velho ditado austríaco também aqui em Portugal:
    "A situação é desesperada, mas não é grave."
    8.1.04


    Henri Rousseau: Cigana a dormir
    "Povos"

    Segundo o Homem a Dias há "povos" (como o que ouvio falar no seu pleno no Jornal das 10) que se orgulham com facilidade.
    Que bom que pertence a um "povo" superior.
    A água suja do fanatismo

    [Transcrevo um post do Homem a Dias:]
    "Deu no "Jornal das 10" (ou das 9?). Um tunisino, emigrado em França, inventou a 'Mecca-Cola', um refrigerante alternativo para os muçulmanos que odeiam os EUA (aproximadamente 99,78%) e cujos lucros revertem (em 10%) para 'associações palestinianas de beneficência'.
    A coisa parece que está a dar resultado, já que se esgota nas prateleiras francesas e é exportada para nações prósperas como o Senegal. O sucesso é tamanho que um consumidor, entrevistado ao calhas em Paris, confessava esfusiante: "A 'Mecca-Cola' é o primeiro grande invento século XXI! E foi engenho de um árabe!"
    O invento do século, um plágio miserável que financia terroristas? Há povos que se orgulham com facilidade. [...]"


    Pode ser verdade que os tais 10% do lucro acabam para financiar terroristas. Ou pode não ser verdade. O Homem a dias sabe como é? Investigou? Tem fontes seguras? Ou entende que os palestinianos no seu todo são terroristas? Ou, em alternativa, acha que não pode haver "associações palestinianos de beneficiência" - por falta de necessidade delas, talvez?

    Como disse, não me surpreenderia se algum do dinheiro mesmo acabasse de financiar directa- ou indirectamente terroristas. (A definição de "indirectamente" já tem muito que se lhe diga: Um subsidio para familias, por exemplo, que ficaram sem abrigo por causa de uma retaliação para um atentado bombista de um membro dela, seria apoio ao terrorismo?)

    Também não me surpreendeu, infelizmente, o que disse o tal consumidor entrevistado. Terrível e miserável.
    Mostra-nos um estado de alma, que não nos pode deixar indiferente, nem que o achassemos à partida estado de alma do inimigo. Para enfrentar o terrorismo islámico (islámico?, árabe?) deviamos tentar perceber e contrariar esta mistura de - também eu não sei bem o que é, para além de um monumental complexo de inferioridade e de um enorme ódio...
    7.1.04
    Obrigado pela simpática referência no Viva Espanha.

    E relativamente a dois posts anteriores do Viva Espanha:
    Sentimos a falsidade das frases convencionais mais, quando estamos em baixo. (Também estou, esperemos que seja só o início do ano...)

    Como está? - Bem obrigado!

    Quando cheguei a Portugal, cometí repetidamente a gaffe de – por um lado – ficar um pouco incomodado pelo interesse de pessoas menos próximos, e por outro – responder com algum pormenor à pergunta. Depois surgiu a situação embaraçosa para ambas as partes, de eu fazer confissões que não queria fazer e o outro não queria ouvir. Aconteceu as vezes que quando me apercebi da situação, emudeci no meio da frase.

    Entretanto aprendi a lição. Hoje os gaffes inversos, que cometo na Alemanha, quando cumprimento as pessoas com “Wie geht es Ihnen?”, são mais frequentes. (Na Alemanha, ao contrário de muitos outros paises, não temos esta pergunta como cumprimento puramente formal.)

    Mas que tenho uma grande inabilidade não só no uso destas fórmulas, mas para o smalltalk em geral, pela conversa como objectivo em sí, é menos uma questão cultural do que pessoal. Preciso de um assunto para poder conversar à vontade. E gosto de conversar, mesmo se as vêzes não parece.
    A minha mulher acha que não é só um defeito meu, mas dos homens em geral. Talvez tem razão.
    Os bons conselhos outra vez:

    No 14.11.03 já linkei o Manifesto de Bruce Mau.
    Os melhores desta vez aqui no blogue:

    Capture accidents. The wrong answer is the right answer in search of a different question. Collect wrong answers as part of the process. Ask different questions.

    Study. A studio is a place of study. Use the necessity of production as an excuse to study. Everyone will benefit.

    Drift. Allow yourself to wander aimlessly. Explore adjacencies. Lack judgment. Postpone criticism.

    Don't clean your desk. You might find something in the morning that you can't see tonight.

    Read only left-hand pages. Marshall McLuhan did this. By decreasing the amount of information, we leave room for what he called our "noodle".

    Coffee breaks, cab rides, green rooms. Real growth often happens outside of where we intend it to, in the interstitial spaces - what Dr. Seuss calls "the waiting place". Hans Ulrich Obrist once organized a science and art conference with all of the infrastructure of a conference - the parties, chats, lunches, airport arrivals - but with no actual conference. Apparently it was hugely successful and spawned many ongoing collaborations.

    Olhar a minha volta

    Já era sem tempo: alarguei um pouco o raio das minhas excursões na blogosfera. Isto trouce novos links. (A direita)

    E a esquerda. E em outros lados.
    6.1.04
    Objecção de Consciência

    A propósito do debate no Barnabé, relativamente ao post Ter coragem:

    Sou objector de consciência. Ao contrário dos jóvens israelitas, a mim não me custou nada. Excepto uma "Gewissensprüfung", um algo ridículo exame oficial a minha consciência.

    Na Alemanha a objecção de consciência é um direito constitucional desde 1948.
    Ninguem deveria ser obrigado, contra a sua consciência, participar num exercito que cometeu e possibilitou tantas atrocidades. Daí era lógico dar o direito ao jóvem de não se submeter a um regime de obediência (o que qualquer exercito é), que o pode levar a acções que não pode justificar perante a sua consciência.

    Quando decidi-me para a objecção de consciência, achei que era assim a lei e a intenção do legislador alemão. Mas não é. Só quem é, em qualquer caso, moralmente incapaz de matar (e não aguentaria a culpa subjectiva, se de facto chegaria a fazé-lo) é objector aceitável.
    Avisaram-me que a minha argumentação, que já tinha preparado e que achei irrefutável, lever-me-ia, inevitávelmente, ou para a tropa ou para a prisão.

    Porque é que não acho, em qualquer caso, impossível e injustificável matar. Nem acho, em qualquer caso, injustificavel lutar em grupos organizados. O que não posso, em consciência, é delegar a minha decisão quando e em que circunstâncias devo matar, à um superior ou uma cadeia de comando. Para mim, essa responsabilidade é intransferível.

    Houve quem me disse, neste caso, deveria alistar no exêrcito alemão, e até ponderar uma carreira de oficial. Talvez tinha razão, mas eu não tinha o estofo para isso. (Não sei se no momento de verdade, a minha consciência me guiaria bem...)
    E aqui colhe talvez a acusação de cobarde. Menos na questão da cobardia física, do que na moral.
    Porque não posso negar que eu, objector de consciência, vivo debaixo da protecção dos outros, não objectores, que se submeteram, ao contrário de mim, aos perigos físicos e morais, enquanto estou, claro que fisicamente não, mas moralmente à salvo. Porque não acho que podemos prescindir da protecção militar, sem sacrificar as nossas democracias ocidentais (apesar de tudo, delonge o melhor e mais humano que há, e a única esperança para que daí um dia evolui algo melhor...).
    Claro que não estou moralmente a salvo. Quem estará?
    Mas não era capaz.

    P.S.:
    Decidi nunca falar sobre o conflito Israel-Palestina, porque sou alemão. Como não tenho um cargo com responsabilidades, que me eventualmente - mesmo enquanto alemão - obrigaria a pronunciar-me, acho melhor deixar outros falar, que não têm, quando abrem a boca, como pano de fundo este terrível "património nacional", a autoria da shoah. Não é que não penso no conflito e que não tenha opinhões, mas como podia articulá-las, se já pessoas sem esta hipoteca não podem fazer entender-se, sem serem arrumados logo num campo ou noutro.

     

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    5.1.04


    Finalmente outra vêz: Pessoas como tu e eu!

    Quase tudo que vejo na televisão, faz me mal. Repugna, se não repugna, embrutece, se não embrutece, anestesia.
    A televisão é das coisas mais nocivas que há. Psicológicamente. Espiritualmente. É desensibilizador.

    Mas de dez em dez anos (vá lá...) aparece uma série que purga e quase reconcilia com a TV. Antes desta, a última era No fim do mundo (Era este o título português, não era? Northern Exposure era o no original. Lembram-se de Cicely, desta minúscula terra em Alasca, do Dr. Fleischmann e da sua assistente índia; da Maggie, que já não arrisca apaixonar-se porque lhe morram sempre os namorados; do ex-astronauta; do DJ Chris e de todos os outros?)

    Esta série fez-me incrívelmente bem, quando, recem-chegado em Portugal, procurava um âmparo perante os meus medos e a minha (relativa) solidão.
    Sete Palmos de Terra tem qualidades terapeuticas semelhantes.
    Como disse o comentador americano:
    Throw away your Yoga-guide! Fire your analist! Watch Six Feet Under!

    PS:
    Uma vez vi na Jon Stuart Show uma entrevista com Michael C. Hall, o actor que faz o David. - O tipo não é gay! Grande actor!

    PPS:
    Hoje, às 22h00 na nova RTP 2.
    OBEN GERÄUSCHLOS, die
    Fahrenden: Geier und Stern.

    Unten, nach allem, wir,
    zehn an der Zahl, das Sandvolk. Die Zeit,
    wie denn auch nicht, sie hat
    auch für eine Stunde, hier,
    in der Sandstadt.

    (Erzähl von den Brunnnen, erzähl
    von Brunnenkranz, Brunnenrad, von
    Brunnenstuben - erzähl.

    Zähl und erzähl, die Uhr,
    auch diese, läuft ab.

    Wasser: welch
    ein Wort. Wir verstehen dich, Leben.)

    Der Fremde, ungebeten, woher,
    der gast.
    Sein triefendes Kleid.
    Sein triefendes Auge.

    (Erzähl uns von Brunnnen, von -
    Zähl und erzähl.
    Wasser: welch
    ein Wort.)

    Sein Kleid-und-Auge, er steht,
    wie wir, voller Nacht, er bekundet
    Einsicht, er zählt jetzt,
    wie wir, bis zehn
    und nicht weiter.

    Oben, die
    Fahrenden
    bleiben
    unhörbar.


    (Paul Celan)
    ___________

    EM CIMA, SILENCIOSOS, os
    viagantes: Arbutre e astro.

    Em baixo, depois de tudo, nós,
    dez de número, o povo areia. O tempo,
    como que não, ele tem
    uma hora tambem para nós, aqui,
    na cidade areia.

    (Conta dos poços, conta
    da coroa dos poços, da roda dos poços, das
    tavernas dos poços - conta.

    Conta e conta, as horas,
    tambem essas, esgotam.

    Água: que
    palavra. Nos entendemos-te, vida.)

    O estrangeiro, inconvidado,
    o hóspede.
    Seu vestido molhado.
    Seu olho molhado.

    (Conta nos de poços, de -
    Conta e conta.
    Água: que
    palavra.)

    Seu vestido-e-olho, ele está,
    como nós, cheio de noite, ele mostra
    juízo, ele conta agora

    até dez, como nós,
    e não mais.

    Em cima, os
    viagantes
    continuam
    inaudiveis.

    Etiquetas:

    4.1.04
    quaseemportugues.blogs.sapo.pt

    Como hoje mais uma vez, durante quase o dia todo, o blogger só me mostrou o seu homepage, em vez de blogues, aproveitei para experimentar o blogs.no.sapo. Não tenho propriamente vontade para experiências informáticas, mas se isto continua assim, vou mudar-me para lá (ou para outro lado, porque ainda não sei, se estaria lá melhor...). Por enquanto, existe o quaseemportugues.blogs.sapo.pt, mas só como campo de experências. Não o teria referido sequer aqui, se não começava - inevitávelmente - a ser visitado também. Apesar de lá não haver mesmo nada, excepto um quadro belissimo de Rogier van der Weyden. (Não se sabe quem é a retratada, especula-se que é, pelo seu carácter intimista, muito invulgar em 1450, a sua mulher...)
    3.1.04
    A natureza ou a verdade

    Agora postei este fragmento do texto de Flusser sobre jardins, que - confesso - já tinha muito tempo na gaveta, à espera de uma oportunidade, sem propósito especial.
    (Tinha uma agenda diferente para o blogue, mas atrapalhei me nas férias do natal e perdi o fio... Whatever: É só um blogue!)

    Flusser ilustra a mudança do papel do homem no mundo, mostra como se tornou ridículo a luta outrora heróica do homem contra a natureza. O que era uma fonte da dignidade humana, tornou se não só ridículo mas monstruoso. O exemplo mais drástico de que me lembro sempre é a caça à baleia: dos tempos de Moby Dick, e dos de hoje.

    Para o urbanismo e a arquitectura, ou melhor: para o conceito de habitar, esta passagem para o outro lado - do condicionado para o condicionador - obrigaria a consequências.
    O que nos hoje ameaça, é a própria civilização. Faz nos falta a natureza, faz nos falta a inocência. Só que já não há outro lado. Nem as praias virgens das ilhas das Maledivas, nem os glacieres do Himalaya, deflorados milhares de vezes cada ano, e muito menos os condomínios fechados com as suas falsas casas de campo e os seus greens em cima de panos de polietilene e tubos de rega automática - que tantos anseiam e, quando podem pagá-las, acham dever a si e as suas familias - são o outro lado.

    No fundo, (quase) todos sabemos isso. Mas não vivemos como se soubessemos. Custa-nos assumir a artificialidade do nosso ambiente.

    Isto é, entre outro, um dos grandes problemas de um arquitecto com ambição artísitica. Uma obra de arte não pode basear-se numa mentira, ou se pudesse, com certeza não se pode basear numa mentira piedosa. E é isso que tantos dos nossos clientes - nomeadamente os particulares - pedem: Um idílio. Um espaço com uma harmonia conhecida de outros tempos. Mesmo se for só encenado, mesmo se for falso.
    Jardins

    "Quem mora num subúrbio, cujo carácter ajardinado tem como intenção destacar-se do carácter escabroso de deserto de pedra do centro urbano, experiência o jardim não como uma zona vedada ganho a natureza, mas como uma tentativa um pouco ridícula, de introduzir um pouco de natureza para a cultura. Isto é uma experiência muito característica para o homem actual, e se não fosse coberto pela hábito, poderia servir como chave para a descodificação da nossa existência moderna. Porque isto é uma experiência que mergulha a nossa vida numa disposição completamente diferente daquela, em que provavelmente viveram os nossos antepassados "históricos". Nos atrasados da história não deambulamos, como os nossos antepassados, em jardins risonhos, mas em jardins ridículos. O sorriso - visto a partir d'aqui - arcáico transformou-se em nos para uma ligeira careta do ridículo. Nos vestimos outras mâscaras do que os nossos antepassados, somos pessoas de uma especie diferente, e a diferênça entre nossa mâscara de jardim e a deles é um exemplo para a diferênça entre pessoas da história e da emergente pós-história. [...]"

    em Vilém Flusser: Dinge und Undinge

    Etiquetas:

    Back home!

    Acabei de chegar em Lisboa. E quando ontem, na minha aldeia alemã ainda senti angústia pensando na minha volta, fiquei hoje, a sair do aeroporto, eufórico: Cheira bem, cheira Lisboa! Voltei à vida real, ao mundo.
    Desde que me lembro estou, no natal, fora da cidade onde é a minha vida. E sempre sinto essa euforia, já era assim em Berlim, quando, estudante, saí do comboio no Bahnhof Zoo, o canção dos Ideal se apoderou de mim: "Ich fühl mich gut, ich steh' auf Berlin!" ("Sinto me bem, gramo Berlim"). Adrenalina!
    Claro que atribuí o mérito à cidade: Berlim. Mas já não acho isso. Sinto o mesmo, ou uma coisa semelhante, voltando à Lisboa. E Lisboa não é Berlim. Mas é onde continua a minha vida.
    É bom ir para uns dias para uma ilha, ou uma aldeia..., mas voltar para onde espera o futuro, é melhor!

    P.S.:
    É bom ver como também os outros voltam.
    Um bom ano 2004 para todos, leitores e blogadores!

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