<$BlogRSDUrl$>




  • 19.1.04
    St. Álvaro

    "[...] Esquece a esquerda intelectual, que o projecto de Alcântara é de um arquitecto genial, um artista eterno que Portugal deu ao mundo. A partir deste momento recusamos qualquer discussão política, recusamos qualquer democracia, a maioria não vence em questões estéticas, a democracia não funciona em arte. [...]"
    (O Crítico)

    Não falo em nome da esquerda intelectual (quem é visado é o Tchernignobil do BdE), mas este a muitos títulos notável post merece-me uma resposta. Ele reúne equívocos, que me parecem paradigmáticos para o estado lastimoso em que se encontra a cultura arquitectónica no (se me permitem:) nosso país. E tenho pena que o LAC do Projecto, uma referência entre os blogues de arquitectura, dá o seu - ao que parece – incondicional apoio.

    Não ponho em dúvida a genialidade e o estatuto mundial de Álvaro Siza. Os Portugueses tem razão em orgulhar se dele.
    Mas isso não dispensa-nos de analisar com olhar crítico as suas propostas. A infalibilidade dos génios é um mito tão primário, que não posso acreditar que o Crítico ou o Lourenço são vítimas dele. (Lembram-se de Le Corbusier? Um génio, não é? Porqué então é que Paris não lhe aceitou o Plan Voisin?)
    Por isso não se prostrem aos pés dele e veneram-no como uma divindade infalível.

    Se não houvesse falta de hábito em lidar com personalidades desta estatura, achávamos natural que também as propostas deles devem ser submetidos a uma análise crítica por um lado e a procedimentos democráticos por outro.
    Parece-me que a posição do Crítico enferma do defeito que quer ultrapassar: o provincialismo.

    Provincialista é achar que uma decisão acertada num caso específico compensa a falta de uma cultura artística e arquitectónica, que passa pelo debate qualificado, pela escolha e a promoção de projectos e da arte pública (como a arquitectura) não arbitrária mas por mecanismos e pessoas competentes.
    Diz o Crítico que recusa qualquer democracia, quando está em questão a obra de um génio, e que a democracia não funciona em arte. - O Crítico está a confundir – aparentemente – o voto directo, o referendo sobre uma obra de arte específica – com o estabelecimento de regras, por via democrática, que delegam a elites preparadas para esta tarefa, a tomada de decisões sobre a realização de projectos de interesse público.

    Pois, estou a falar – entre outro - de concursos públicos.

    A questão de democracia está mal posta: A escolha (se podemos isso chamar assim) das Torres por Santana Lopes é também resultado da democracia, isto é, da eleição deste homem como Presidente da Câmara de Lisboa, e dos seus cálculos para a sua futura reeleição. Mas se daí resulta a escolha de qualidade, é completamente arbitrário. (Quem diz ao Santana quem é um génio? Ou quem só está de momento na berra...)

    Mais grave do que um bom projecto realizado a menos ou do que um mau projecto realizado a mais é uma outra coisa:
    Enquanto rendemos nos aos grandes mestres, depois de eles terem provado a sua qualidade lá fora, e lhes entregamos, no fim da sua carreira, os trabalhos, que devíamos ter lhes entregue quando ainda andavam por cá ignorados, para que um pouco do seu brilho também nos ilumine cá na nossa terra, estamos a repetir o mesmo crime com aqueles talentos - por enquanto - menos famosos entre nós, aos quais negamos a oportunidade de se qualificar para estes trabalhos perante grémios e pessoas competentes e em procedimentos transparentes. Os Sizas de amanhã estão entre nós.

    ________________________

    Uma última nota sobre a arte e democracia:
    Há um engraçado bonmot de Mussolini sobre esta questão, que só posso citar da memória:

    Olhem para o Império Romano, as grandes cidades, os monumentos, e depois olhem para a Suiça: 500 anos de democracia, e qual é o seu contributo para a cultura mundial? – O relógio de cuco!

    Respondo eu, hoje, como arquitecto: E Luigi Snozzi, Aurélio Galfetti, Lívio Vacchini, Mário Botta, Herzog e De Meuron, Peter Zumthor.

    Etiquetas: , ,

    This page is powered by Blogger. Isn't yours?

    Creative Commons License