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  • 30.11.05
    O que homens fazem

    Claro que o k-sssss é reles, nojento, convite clandestino e cobarde. Nunca k-ssssei nenhuma rapariga. Mas já mandei assobios e convites dum lado da rua para outro.

    Acabado de sair do liceu, trabalhei por uns meses nas obras. Era normal procurar um emprego para fazer algum dinheiro, - não para viver, pois ainda viviamos em casa dos pais, mas para a aparelhagem, umas férias, ou para a mota – e para ocupar os meses antes do começo do serviço militar ou civil, ou da faculdade.
    Trabalhar nas obras era o mais respeitado: aqui ganhava-se mais, mas também era o mais duro. Condizia com o que achei exigível ao meu estatuto entre os amigos, nestes tempos, tê-lo conseguido, e é verdade que ainda hoje não queria prescindir dessa experiência, embora ou porque durante as primeiras semanas chegava à casa literalmente de rastos, sem mais força do que para um banho e para cair na cama; e embora ou porque tinha de enfrentar os preconceitos e a suave hostilidade dos operários de vida inteira, que só estavam à espera de que o menino fino martelava o dedo, entornava o carrinho de mão ou fraquejava ao empilhar os tijolos. Mas depois de ter sido inúmeras vezes o moço de recados para os serviços mais baixos como limpezas ou buscar a cerveja; depois de ter sido vítima de gozos de velha tradição, como ser mandado buscar os “pesos da balança de água”; depois de ter arranjado coragem para mandar a merda um colega superior na hierarquia (estavam todos), e recusar outra exigência de serviço cujo único fim foi evidenciar o meu lugar hierárquico, ganhei o respeito deles e tomei mesmo gosto no que fazia.
    Também já não caia na cama no fim do trabalho, restava-me força entretanto para ir ao pub, beber copos e exibir a massa muscular recem-adquirida.

    Comparado com muitos outros trabalhos físicos, trabalhar nas obras é um privilégio, não só porque se faz uma coisa que se vê crescer, mas também porque não se trabalha num espaço fechado, mas literalmente na rua, no espaço público. Enquanto se continua na rotina de esforço, o mundo está lá a nossa volta, lembrança aliciante da vida bela e livre.

    É assim. Uma pessoa já passou a manhã inteira no andaime, suada e cheia de pó, quando de repente, lá no passeio do outro lado da rua caminha uma rapariga bem feita ou talvez nem tanto, em mini-saia, ou talvez não, já não o quero jurar. Ah que deleite! Um rasgo de sol ilumina o estaleiro por um momento maravilhoso, toda a gente pára, deixa cair o que tem na mão, e chovem os piropos, assobios e convites sobre a rapariga, que, como quem não ouviu nada, continua majestosamente o seu percurso, sem virar a cabeça.

    Quinze segundos depois, cada um está de volta a fazer o que fez, comentando o que teria feito com a rapariga, se não tivesse, merda, neste momento de trabalhar...

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    Mini-coming-out:

    No Piratas das Caraíbas o Johnny Depp é sexier do que a Keira Knightley.

    Playmate da semana: Keira

    Eu sei, devia ficar-me pelas Mayas e Odaliscas, quanto muito pelas Marilyns e Ritas, but, why deny it: the older the man the younger the girl...
    28.11.05
    Para um debate mais sereno e profundo

    ...sobre a relação entre estado e comunidades religiosas recomendo o Povo de Bahá, nomeadamente este, este, este, este e ainda este post.

    Apesar de todo o meu anticlericalismo - o suposto e o real - continuo a recomendar a Terra da Alegria, blogue de católicos, cuja forma de viver a sua religião, fá-los os melhores e mais convincentes membros e assim também embaixadores desta instituição, que tive a sorte de conhecer.
    27.11.05
    Tradição

    Execelente este post do Canhoto. Agradeço ao JPT pela dica.
    Crucifixos para fora da escola

    Só posso saudar que o meu filho de seis anos já não tem de olhar todos os dias para uma representação realista dum cadaver despido pendurado dum instrumento de tortura.
    26.11.05
    O que sei do candidato

    O João Pinto e Castro já o disse (não encontro onde), o Miguel Sousa Tavares também no Público (citado aqui), e outros bloguistas e também jornalistas certamente o terão dito. Mas continua a fazer-me impressão que o próximo Presidente da República será eleito, sem se ter pronunciado sobre o que pensa. Sobre a reforma da justiça, da saude, da administração, da educação, sobre o aborto, a constituição da UE, os imigrantes, a guerra do Iraque etc.

    Ou disse entretanto e escapou-me a mim, leitor e telespectador desatento?

    Duma maneira ou outra, continua a ser um falhanço vergonhoso da imprensa: Se o candidato não diz o que pensa, os jornalistas não deviam assediá-lo em cada ocasião e exigir-lhe a informação relevante? E se não a presta, criticá-lo diariamente por isso, castigá-lo? E se já a deu, não deviam publicá-la e discutí-la em comparação com as ideias dos outros candidatos?

    Em vez disto sei o que ele leu e o que não leu, como come o bolo, com que carro andou há 20 anos, sem me ter esforçado de saber qualquer uma destas coisas.

    Gerhard Richter: Anunciação (segundo Ticiano)
    25.11.05
    A sociedade liberal e os homossexuais

    O melhor debate encontrei aqui. Os posts mais recomendáveis na coluna ao lado, em português.
    Curioso

    ...como muita boa gente, que se assume não pertencente à igreja católica, como o meu blogo-amigo JPT, ou o "liberal" VPV hoje no Público (sem link), se incomoda com o facto de outros não católicos opinam sobre os seus assuntos internos.
    Assuntos internos duma instituição que tem opiniões claras sobre como eu devia educar os meus filhos, fazer amor, amar, viver, morrer, e um projecto de levar-me a acatar essas opiniões. Já não por via da força bruta, concedo isso, que já não tem e também assumiu entretanto já não querer usar, mas ainda pela força suave da sua decrescente mas ainda enorme influência.
    25 de Novembro

    Há trinta anos terminou o PREC. Para mim, estrangeiro, uma memória de outrem, que deveras invejo. Uma vez disse isso a um amigo português mais velho, que o viveu como activista, e ele respondeu sim, só este ano teria chegado para valer a pena de ter vivido.
    Isto não é um juizo político sobre o(s) projecto(s) derrotado(s) naquele 25 de Novembro 1975, obviamente.

    Fico grato ao Adeliono Gomes que retratou este tempo nos últimos meses no Público (sem link), e compreendo-o quando afirma que "muitos de nós (entre eles o autor desta revisitação) não deixaremos que alguém diga que não foi a mais bela idade das nossas vidas".

    Também é justo lembrar que houve quem pagou por viver a história como se ela dependesse dele.
    24.11.05

    Gustaf Tenggren: Frades bêbados com mulher

    Assim faz menos mal. Imagine-se se fosse com um rapaz!
    O Vaticano proibe a ordenação de padres com tendências homossexuais

    Presumo que agora, ao entrar no seminário, os aspirantes serão sujeitos a testes sofisticados. Sujiro o visionamento obrigatório de gay-porn enquanto ligados ao polígrafo nas zonas indicadas neste caso.

    Há dias contei uma pequena anedota sobre a mentalidade de classe que encontrei em Portugal.
    Por coincidência, ou melhor, a propósito da campanha de Mário Soares, o Paulo Gorjão também falou disto, e publicou o correio muito interessante que recebeu em resposta. Na coluna aqui ao lado, em português.
    23.11.05
    Parabéns ao Causa Nossa!
    O Peter's é meu!

    Desagradou-me muito ver tanta gente lamentar a morte do fundador do Peter's (que merece ser lamentada, não é essa a questão...), como se o pub e o seu local maravilhoso no meio do Atlântico fosse de todos, um bem público como o Rossio!
    Não é, ouviram! Não é! - É meu, de forma muito íntima e pessoal, e ainda, isso concedo, de cada um que por lá passou ocasionalmente, como eu, nas suas viagens solitárias.
    Mas concerteza não é vosso, portugueses ou bloguistas ou outra comunidade qualquer!

    O entusiasmo do jovem CBS...

    Playmate da semana: Onda (Maillol)
    22.11.05
    Contributos para o debate dos costumes

    Da Susana e do Afonso.
    Será a hipocrisia indispensável para a ordem social?

    Há quem acha que a duplicidade da moral burguesa não é um vício eliminável, mas um elemento indispensável para sustentar o edifício social, o unico meio de ultrapassar as suas fissuras lógicas.
    Visto assim, a hipocrisia deixaria de ser censurável.

    É conhecida a definição de ser-se da esquerda é acreditar na bondade (original) do homem, e ser-se da direita ter falta desta fé. Proponho acrescentar como critério desta dicotomia se se desistiu ou não de acreditar na possibilidade da vigência contínua e ininterrupta das mesmas regras em todo o domínio social. Isto é: No projecto do iluminismo...

    Em tempos referi um excelente exemplo de Michel Foucault para a indispensabilidade da hipocrisia na sociedade burgesa tradicional.

    Rebecca Horn: Federrad
    21.11.05
    O privado e o público (act.)

    Tenho apreço pelos posts de Henrique Raposo, que escreve o que pensa e argumenta centrado no assunto, e sem agenda de combate político, ao contrário de muitos dos seus colegas de blogue.

    Concordo inteiramente com o seu post Bejos com fartura, que procura, o que só consegue pelo preço da contradição, excluir certas leituras do seu post anterior Não há gays ou a brigada das bolinhas de algodão, de que discordo muito, mas que se recomenda, porque evidencia de forma excelente a falácia duma certa direita que se acha tolerante e liberal nos costumes.

    Essa falácia resulta da insistência e da confiança na separação entre o privado/íntimo e o público. Confiança que ignora que a definição da fronteira entre essas duas esferas, cuja existência e necessidade não nego, é um acto eminentemente político e por isso deve ser pública. Ou seja, essa fronteira é tudo menos do que imutável.

    Só com essa ignorância pode escrever-se que "Fazer do corpo privado uma marca de definição pública é um sinal de barbarismo", sem aperceber-se do pressuposto antiliberal em que se baseia essa afirmação.
    Ou "Uma coisa tem de ser dita: não há gays.[...]. Aquilo que existe, e ainda bem, é algo mais simples: indivíduos que, no seu íntimo protegido por quatro paredes, têm actos sexuais homossexuais."
    Ou ainda: "Há uma diferença entre Fazer actos homossexuais e Ser-se homossexual. É a diferença entre um indivíduo que merece respeito e um membro passivo de qualquer coisa que pensa por ele."

    Se levasse o critério no que se baseiam essas afirmações à sério, devia concluir que Henrique Raposo nega a existência (ou legitimidade) na esfera pública de qualquer traço identitário, que advém da condição pessoal e íntima duma pessoa.
    De acordo com ele não há gays, não há heteros, não há católicos, nem muçulmanos, não há vegetarianos, nem apreciadores de poesia, nem melomanos. Pode-se ter fé católica, mas não ser católico, recusar de comer carne, mas não ser vegetariano, gostar dae música mas não ser melómano etc. Quem entende uma inclinação privada para os tais actos como elemento constituinte da sua identidade não lhe merece respeito, e a quem leva essa sua condição privada a associar-se com outros que a partilham e assim intervêm em público, está longe de exercer qualquer espécie de cidadania, mas é uma amostra lamentável de espírito gregário.

    A argumentação de Henrique Raposo parte também do pressuposto de que não existe nenhuma força exterior, social, que já constituiu os "gays" enquanto grupo, sem pedir licença aos seus membros (algo que lhes por exemplo aconteceu, tal como a muitos judeus assimilados, no regime Nazi, com as consequências conhecidas); e de que não existe nenhuma descriminação dum indivíduo, se este se limita a praticar actos homossexuais em privado, que o prejudicaria na sua condição de cidadão. Ou se existe, é tão insignificante que não justifica que o indivíduio se defende publicamente contra ela através da associação com outros que partilham o seu problema.

    Ora esses pressupostos, se existem, só podem existir graças à cegueira perante a formatação ideológica da nossa (de qualquer) sociedade, e da violência normativa do seu status quo. Essa cegueira tem um nome: hipocrisia.

    Lendo este post percebo melhor porque à direita se despreza tanto a ciência da sociologia. Pois ela torna visível a impossibilidade da separação estanque entre a esfera privada e pública, que de facto é o traço fundamental da sua moral:
    Da moral dupla da burguesia.

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    20.11.05
    A blogopédia está em construção.

    Uma iniciativa de Paulo Querido.
    19.11.05
    Sobre o assunto do artigo do MST
    O Olho do Girino

    Miguel Cardina fez-se à estrada.

    Sol LeWitt: Wall

    (encontrado no La force des choses)
    17.11.05
    Porquê sou um liberal de esquerda (fim).
    Nota autobiográfica X

    Cá em Portugal, um colega mais velho e bom amigo pegou–me no braço, depois de ouvir-me referir o meu avô carteiro. Sem ofensa, disse ele, mas não é prudente falares das tuas origens assim, estás a prejudicar-te e a desperdiçar a vantagem de seres alemão.

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    Porquê sou um liberal de esquerda
    Nota autobiográfica IX

    Uma vez na minha vida fui empregado. Até funcionário público. Durante três anos fui monitor do Instituto de Urbanismo e Habitação da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Berlim.
    Para quarenta horas de trabalho por mês, ganhava 660 DM (que, em poder de compra, corresponderia a ca. de 660 Euros hoje). Teoricamente, tinha 22 dias de férias por ano, mas como todos os funcionários lectivos da faculdade, a começar pelo professor catedrático, se baldavam integralmente durante as férias lectivas, também eu podia fazê-lo. Então, nestes três anos, passava dois meses de verão e um de inverno em Portugal, onde tinha namorada, enquanto o meu ordenado continuava a entrar na minha conta corrente em Berlim.
    As viagens fazia de avião, com a Interflug de Berlim (oriental) para Praga, e com a CSA de Praga para Lisboa. Era o voo mais barato, primeiro na barulhenta Iljushin 62 e depois na belissima Tupolev 134, ambas mais que semi-vazias; e o bilhete incluia ainda uma estadia duma noite na capital checa, num hotel de luxo à antiga com criados fardados e toda a cerimónia.
    Tudo pago com o meu ordenado de funcionário público part-time.

    Quando o Senador do Ensino Superior de Berlim decidiu reduzir o ordenado dos monitores em 30%, fizemos greve, organizados com sindicato como deve ser. Sindicalizamo-nos todos na altura para este efeito. Fizemos a greve e ganhamos mais do que uma meia vitória, pois a redução ficou-se pelos 5%. Desde o início, para nenhum de nós, este corte teria tido algum efeito, pois os nossos contratos estavam a salvo de condições retroactivas. Mas não fizemos a greve por isso. Era uma questão de solidariedade e de princípio.
    Lembro-me ainda da boca do nosso chefe de campanha, um dirigente do sindicato que não era nem estudante nem arquitecto, e que hoje é presidente do sindicato dos funcionários públicos de Berlim, que me ofendeu: "Amanhã, de qualquer maneira, vocês estarão do outro lado..."

    Quando, uns anos mais tarde, tive o meu primeiro emprego num gabinete de arquitectura, o meu patrão pôs me a escolher: podia receber o meu honorário completo contra recibo verde, ou podia empregar-me, com um ordenado que lhe criava exactamente os mesmos encargos. Explicou-me o câlculo como se pode comparar um ordenado com um honorário, e fiquei pasmado, pois antes sempre tive a ideia vaga que existia qualquer semelhança entre um ordenado de quatrocentos contos e um honorário de quatrocentos contos: Não existe nenhuma.

    Sem hesitação escolhi o recibo verde.

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    16.11.05
    Porquê sou um liberal de esquerda
    Nota autobiográfica VIII

    Havia tempos em que não havia dinheiro. Em que o meu pai passava noites sem dormir, a fazer contas e cenários de que fazer se não podia pagar o emprestimo da casa, se não conseguia pagar as contribuições da reforma, o seguro de vida.
    Nestas fases, sentíamos todos muito a sua angústia. Curiosamente, nós os filhos, só sentiamo-na como a sua, embora as consequências diziam-nos tanto respeito como a ele.

    Felizmente, chegou a reformar-se antes de a revolução informática o teria levado a falência...

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    Porquê sou um liberal de esquerda
    Nota autobiográfica VII

    Uma vez perguntei ao meu pai porque não empregava pessoas, como tinha mais trabalho do que podia dar conta...

    Respondeu que o seu trabalho era tão específico, que havia tão poucas pessoas capaz de desenhar como ele, que muito dificilmente encontrava uma. E se porventura encontraria alguém que era tão bom como ele, não podia empregá-lo mas teria de aceitá-lo como sócio, pois não tinha feitio para explorar pessoas...

    Acredito que a resposta foi honesta. Mas também era verdade que ele gostava tanto de fazer o que fazia, que não ia trocá-lo pelo trabalho comercial e de gestão, só para ganhar mais dinheiro.

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    Playmate da semana: Diane in restraints (Diane Edgecomb)
    15.11.05
    Descansem os comentadores:
    Coming out

    Sempre gostei do Viva Espanha. Um blogue com lúcidas análises políticas e com uma postura que me é muito próxima. Mas seu autor sempre parecia muito formal, não de fato e de gravata, porque se percebia que não era isso o seu estilo, mas sempre tão reservado e bem educado como quem não quer dar nenhum passo em falso no público.

    Agora o Miguel abriu o Tempo dos Assassinos. Aí vemos o homem: descontraído, cheio de espírito, de humor, palpável. Só a inteligência e a decência são as mesmas de antes.
    Porquê sou um liberal de esquerda
    Nota autobiográfica VI

    Quando tinha nove anos, mudámo-nos para uma pequena vila perto da fronteira holandesa. Um colega tinha desafiado o meu pai a associar-se a ele e trabalhar por conta própria. A experiência correu mal, mas depois da separação dos sócios o negócio do meu pai começou a florescer. Mudámos do apartamento no bairro dos prefabricados para uma moradia, onde o meu pai instalou o seu atelier no sótão. Desde então ganhava a vida da família, estando em casa a desenhar rotulos para garrafas de vinho e frascos de marmelada.

    Dum dia para outro, deixei de ter problemas com os vizinhos. Já ninguém me batia ou cuspia. Pertencia à classe média, como eles. Os meus amigos e namoradas eram filhos e filhas de médicos, advogados, pequenos empresários, funcionários públicos, professores. Tocava violino e fazia vela (embora o barco não era meu, mas do meu melhor amigo).

    A minha mãe, que antes da mudança se indignara porque a engomadoria exigia o pagamento adiantado por nós termos uma morada de gente pobre, rapidamente passou a ser uma pessoa respeitada na vila: fazia trabalho social gerindo o dia a dia das três ou quatro famílias desfavorecidas que havia na comunidade; foi convidada como candidata da lista independente para a câmara e, depois de ter frequentado um curso de cerâmica na "Volkshochschule", o que significa "academia do povo" mas é uma espécie de ATL de donas de casa desocupadas, lançou-se numa terceira carreira de ceramista. E fi-lo a sério: Com o tempo acabou por ser uma ceramista muito boa, que vendia e expunha o trabalho próprio, e dava no seu atelier aulas de cerâmica para os alunos do jardim infantil e da escola primária, que tinham muito sucesso.

    O meu pai, por sua vez, não tinha jeito para uma vida social; felizmente o seu negócio não dependia disso. Nunca integrara qualquer clube ou associação, muito menos por razões interesseiras. Nem sequer convidaria alguém com o objectivo de promover a sua carreira ou o seu negócio. Preferia ficar em casa e desenhar mais rótulos; e a sua vida teria sido bastante solitário, se não tivesse tido como frequentes interlocutores e audiências dos seus discursos filosóficos os amigos dos seus filhos adolescentes. Pois ao compensar pela falta de formação acadêmica, chegou a ser um homem muito lido, e estava sempre disponível e grato por oportunidades de poder discutir e transmitir o seu saber.

    Para ele como para a minha mãe, o dinheiro servia antes de mais como oportunidade de manter uma casa aberta, de preferência cheia de gente, amigos seus mas mais ainda os amigos dos seus filhos, a quem estavam feliz de poder oferecer o que lhes tinha faltado na sua infância. Não se preocupavam muito com o aumentar do património, e sempre nós disseram, que deviam aos filhos nenhuma herança, só uma infância feliz e uma educação decente.

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    14.11.05
    Viva o Mar Salgado!

    No meio de tanto que se escreveu à direita sobre os motins dos subúrbios franceses, e que me pôs vezes e vezes a escolher se autores, que me tinha habituado a achar lúcidos e intelectualmente honestos, tinham colocado os intestinos onde costumavam ter o juizo, ou se afinal de tudo escreviam de má fé... no meio disto o Mar Salgado tem sido um oceano de sensatez, de análise inteligente e de pensamento com nuance.
    Obrigado!

    A todos que me cumprimentaram pelo segundo aniversário do Quase em Português, pela simpatia e pelo seu interesse:

    Afonso Bívar (bombyx mori), C.INDICO, Carla (Welcome to Elsinore), CBS (La force des choses), Céu e Helena (Dois dedos de conversa), Cláudia (Quatro caminhos), Carlos Manuel Castro e Luís Novaes Tito (Tugir em português), Daniel Carrapa (A barriga de um arquitecto), Eduardo Pitta (da literatura), Fernando Macedo (a bordo), Gabriel Silva (Blasfémias), Genial (Os (In)separáveis), Isabella (Chuinga.i), João Morgado Fernandes (French kissin’), João Pinto e Castro (bl-g-...-x-st-), João Tunes (Água Lisa 4), José Pimentel Teixeira (Ma-Schamba), Laurindinha (Abrigo de Pastora), Lourenço (Complexidade e Contradição), Luís (A Montanha Mágica), Luís Januário (A Natureza do Mal), Marco Oliveira (Povo de Bahá), Maria de Conceição (Jardim de Luz), Miguel Marujo (Cibertúlia), Miguel Silva (Tempo dos Assassinos), MP-S, Nuno Guerreiro (Rua da Judiaria), Pedro Caeiro (Mar Salgado), Pikkolo (Hotel Sossego), Rita (Boas intenções), Rui MCB (Adufe), Sara Monteiro, Susana (Lida insana), T. (Texere), Zazie (Cocanha).

    Não podia desejar melhores leitores!
    Porquê sou um liberal de esquerda
    Nota autobiográfica V

    Na escola primária os professores distinguiam entre alunos em que se batia, quando fizeram asneira, e outros em que não se podia bater. Sem qualquer hesitação incluiam-me naqueles que estavam a salvo dos castigos corporais.

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    Porquê sou um liberal de esquerda
    Nota autobiográfica IV

    Os primeiros nove anos da minha vida vivemos num bairro operário de Wuppertal: o meu pai, que arranjara emprego numa fábrica téxtil onde desenhava os rótulos interiores de vestuário, a minha mãe que, depois do meu nascimento, se cingiu ao papel de doméstica e os meus dois irmãos que aqui nasceram.

    Embora o meu pai ganhava exactamente o mesmo como os seus vizinhos, eu nunca fui aceite pelos rapazes da vizinhança, com quem brincava na rua desde pequenino, como um deles. O meu vocabulário, também a minha roupa, costurada pela minha mãe com gosto diferente, traía-me como menino fino, e inúmeras tareias lembravam-me diáriamente da minha condição de outsider.

    Há uma história (há outras) que ilustra bem esta condição:
    Ao lado do nosso bairro havia uma colina, que era o local de eleição onde lançavamos os nossos papagaios. Na altura os papagaios que se compravam eram construções bastante pesadas, de pano e com estrutura de madeira. Mas o meu pai construiu um que era de papel de lustre com estrutura de bambú, e que tinha em vez dos 100 metros de corda de linho, 600 metros de linha de pesca. Voava tão alto que o ponto minúsculo no céu quase se perdia de vista.
    Uma vez quando voltavamos, com os papagaios nas costas, duma tarde de lançamentos - eu pela primeira vez sem ser acompanhado pelo meu pai - ia eu a frente, absorvido na memória empolgante da boa performance do meu papagaio. Primeiro não reparei neles, e depois não prestei, durante muito tempo, atenção aos risos e barulhos esquisitos dos meus amigos atrás de mim. Só a porta da casa dei pelo que tinha acontecido: Nas costas do meu anorak desciam lesmas de ranho, e da estrutura do meu papagaio pendia o papel de lustre em tiras amolecidas por viscosas lagrimas de cuspo.

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    13.11.05
    Porquê sou um liberal de esquerda
    Nota autobiográfica III

    O meu pai, que tinha aprendido a profissão de gráfico, e a minha mãe conheceram-se no comboio que partilhavam no seu caminho para o emprego, no caso do meu pai, e para a escola para educadoras infantís, no caso da minha mãe, que tinha conseguido impôr a família essa segunda formação, desde que ela ficou, nos anos cinquenta, um pouco mais remediada.
    Descobriam que partilhavam interesses que extravazavam o mundo que lhes calhou por nascença: pela poesia, pela arte, pela história e filosofia, - e começavam a namorar.
    Descobriam também que, embora os unia a sua condição social, os afastava um obstáculo quase inultrapassável. A minha mãe era evangélica e o meu pai católico, e para ambas as famílias a ideia dum casamento interconfissional era algo absolutamente inimaginável. O seu namoro demorou cinco anos, até o meu nascimento iminente obrigou as famílias a escolher a vergonha menor.

    Não tenho à mão as fotografias do casamento, se não mostrava-as aqui: nenhuns sorrisos, as caras de quase todos, avôs, tios e tias, máscaras da censura moral. Com custo a minha mãe conseguiu impôr que casava em branco, apesar de já não ser vírgem.

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    12.11.05
    Por esta e por outras só posso senão gostar das meninas:
    Porquê sou um liberal de esquerda
    Nota autobiográfica II

    O meu avô materno era carteiro dos correios. Mas também era um membro muito empenhado e respeitado da comunidade evangêlica da sua terra, o que fez com que ele, que também por razões profissionais e pela sua personalidade comunicador fez muitos amigos, alcançou um estatuto social muito acima da sua condição profissional e económica.
    Tinha seis filhos e o dinheiro também foi sempre escasso. Quando o seu único rapaz, o sexto filho depois de cinco raparigas, alcançou a idade para frequentar o liceu, o meu avô tirou a minha mãe do liceu e relegou-a ao ensino geral. Só havia dinheiro para um filho estudar e fazer possivelmente um curso superior, e não ocorria a ninguém que podia ser outro do que o herdeiro.
    O meu tio é hoje médico, professor doutorado e director dum grande laboratório público. A minha mãe aprendeu a profissão de costureira.

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    Porquê sou um liberal de esquerda
    Nota autobiográfica I

    O meu avô paterno era mestre carpinteiro, que tinha uma oficina própria de que ainda me lembro: das ocasiões em que ele – já semi-reformado - me levou consigo, para fabricarmos barcos e carrinhos de brincar. Lembro-me do barracão de tábuas grossas, das ferramentas antiquadas, da luz filtrada pelo pó de serradura e do fumo do seu inevitável cachimbo, cujo cheiro a tabaco barato nunca esquecerei.

    A minha avó, que na juventude estava "em serviço" como empregada domêstica interna, e tinha conseguido casar com um mestre artesão, nunca-lhe perdoou que a ascensão social, que ela ansiava e que achava devida ao estatuto profissional do seu marido, nunca se concretizou: A falta de espírito empresarial do meu avô fez com que o homem com a fama de fazer as melhores escadas da cidade nunca ganhava dinheiro que chegava, que a insegurança do dia de amanhã nunca se ultrapassou e que nos tempos mais difíceis, depois da guerra, a família com cinco filhos passava fome.

    Com catorze anos, no fim do nono ano e acabada a escolaridade obrigatória, tiraram o meu pai da escola, para contribuir com trabalho para o orçamento familiar.
    E a uma comissão de professores do liceu do meu pai, que veio a casa para oferecer uma bolsa para que o melhor aluno da turma possa continuar a estudar, a minha avó respondeu que não aceitava esmolas, e que tinha educado os seus filhos não para ser líderes, mas bons subordinados.

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    11.11.05
    11.11.2003
    10.11.05
    Ainda o 9 de Novembro

    Uma data marcante e complicada para os alemães:

    9.11.1918:
    Proclamação da Primeira República Alemã.

    9.11.1938:
    "Reichskristallnacht", pogrom organizado contra os judeus na Alemanha

    9.11.1989:
    Queda do muro de Berlim

    Remeto para os posts que escrevi no ano passado:

    Am Schleusenufer, 9. Novembro 1989 e
    9. Novembro 1938
    9.11.05

    Playmate da semana: Lucrezia Borgia

    Como personagem mítica ela encarna como nenhuma outra mulher a femme fatale, que usa implacavelmente o sexo, a traição e o veneno para atingir os seus fins, de acordo com os ensinamentos do mentor da sua família, Maquiavel.
    Históricamente mais provável é porém, que ela só foi um instrumento nas mãos do seu pai, o Papa Alexandre VI, e do seu irmão Cesare.
    Pelo menos convenceu-me (e comoveu-me) a mim mais o retrato que Manuel Vasquez Montalbán dela fez no seu muito recomendável romance histórico "Ou César ou Nada".

    (Por acaso, Miguel, apesar de todo apreço que também eu tenho pela rapariga, não consigo imaginá-la no papel da Lucrezia.)
    Modelos de integração e fugas

    Segundo o Abrupto, "o modo europeu de 'receber' e integrar os emigrantes envolvendo-os em subsídios e apoios" está em "crise", sendo mais eficaz o "modo americano"que dá "dá oportunidades de emprego e ascensão social".
    E um leitor do Abrupto considera que a fuga de cérebros da França traduz descontentamento com "o tipo de sociedade, emprego, impostos" franceses.

    São teorias interessantes. Por um lado, porque estudos da London School of Economics revelam que os EUA e a Grã-Bretanha são os países ocidentais com menor mobilidade social e maior fosso entre ricos e pobres. Por outro lado, os EUA são também o país com maior número de prisioneiros do mundo em termos absolutos (mais que a Índia, a Rússia, o Brasil) e a aumentar.
    Suponho que se poderá chamar a isto um modelo de integração de alta segurança.

    Em relação à teoria dos cérebros, reparo que segundo um estudo do FMI, alguns dos principais países com fuga de cérebros para os EUA são Taiwan, a Coreia do Sul e as ilhas Fiji, onde milhares de jovens académicos, sufocados com tanto subsídio, só sonham em tornarem-se self-made men americanos.


    Adenda:
    O Timshel chamou-me a atenção ao facto de que o estudo citado no post acima reproduzido não refere a França, o que põe a nu a sua falta de honestidade intelectual. Lamento ter sido preciso alguém me ter de avisar-me para descobrir isso.
    Esta observação porém não valoriza a tese do Abrupto, de que a mobilidade social seja melhor assegurado por sociedades, em que o estado não subsidia e apoia os seus cidadãos desfavorecidos, do que por aqueles, que o fazem. Contra isto o referido estudo apresenta argumentos, só não com os paises em questão, a França e os EUA.
    8.11.05
    O que conduz os jovens à violência hoje?

    (Extrato duma entrevista do SPIEGEL com o politólogo franco-alemão Alfred Grosser)

    SPIEGEL ONLINE: O número dos polícias nos subúrbios foi aumentado de 1500 para 9500. Reage o governo, no seu todo, bem?

    Grosser: Nicolas Sarkozy cometeu erros como ministro de interior. Aboliu a "police de proximité"...

    SPIEGEL ONLINE: Isto são em Berlim os “Kontaktbereichsbeamte” [Agentes de vizinhança].

    Grosser: Sim, polícias que estão familiarizados com diversos bairros. As pessoas conhecem-nos, confiam neles. Eles apaziguam, quando há conflitos. Agora só conhecemos os "casques", os capacetes. Não se vê os olhos dos que estão a nossa frente. Isto provoca os "insurgentes" para os combater. Uma pacificação não se concretiza assim. Isto acho um enorme erro. O segundo grande erro foi, que se aboliu a medida de empregar muitos milhares de jovens por cinco anos em serviços sociais. Seja em escolas, nos subúrbios, em associações que estavam empenhados em evitar o pior e amparar as pessoas.

    SPIEGEL ONLINE: No 17. de Outubro 1961 uma manifestação contra a guerra na Argélia foi violentemente reprimida, no meio de Paris. Então morreram 200 Argélinos. Na revolução de '68 os excessos da "esquerda" eram tantos, que Charles de Gaulle foi exilar-se na Alemanha. Porque é que são estes conflitos na França mais brutais do que na Alemanha?

    Grosser: Uma Guerra da Argélia Alemanha não teve. A brutalidade alemã encontrava-se noutro lugar. No que diz respeito ao Maio 1968, existiu uma diferença entre Alemanha e a França. Os estudantes alemães estavam muito isolados na sociedade. Não houve em Berlim manifestações do DGB [associação dos sindicatos alemães]. Na França a faísca saltou para a sociedade. Os representantes dos estudantes foram reconhecidos pelos sindicalistas. Fazia-se manifestações juntos, a Renault fazia greve. Porém a violência não tinha um papel importante no Maio 1968, nem na polícia nem nos revoltosos. Pois os revoltosos eram também os filhos dos chefes da polícia. Neles não se bate nem se lhes dá tiros.

    SPIEGEL ONLINE: Nos 200 Argelinos, que foram espancados até a morte no meio de Paris, isto aparentemente foi diferente...

    Grosser: Isto foi praticamente o alastrar da Guerra da Argélia. A noite de Outubro 1961 foi especialmente horrível. Mas as pessoas esquecem sempre que no dia seguinte os deputados se levantaram para protestar contra isso.

    SPIEGEL ONLINE: O que conduz os jovens à violência hoje?

    Grosser: Nós experimentamos na França um minguar das regras do estado de direito. Isto advem do facto de que qualquer grupo social se sente no direito de desrespeitar as leis. Então qualquer um faz o que quer, porque se acha subjectivamente no direito. Dou um exemplo: A maioria dos franceses acha, que houve uma greve dos camionistas. Este nunca aconteceu. Uma greve dos camionistas teria significado que os camiões teriam ficado nas garagens. O que aconteceu foram bloqueios ilegais das estradas. Mas ninguém reparou na ilegalidade como algo ofensivo. Do mesmo modo os protestos dos agricultores, que controlaram a carne nos supermercados. Os mídia ampliam este efeito. Eles frequentemente só dão notícias quando houve violência, e perguntam então: Qual foi a sua justa raiva?
    7.11.05

    Uma playmate em exclusivo para o JPT: De Rivier (Maillol)
    6.11.05
    Só com polícia! - Repetem: Só com polícia!

    O que realmente me espanta é que, mal que defendo a ideia - aparentemente peregrina para vocês - que convinha perceber o que se passa, vocês concluam que simpatizo com aqueles vândalos...
    Como não defendesse, como qualquer um quem gosta do regime da lei, que se mande para lá a polícia, apanhe os criminosos, e ainda mais importante, reestabelece a ordem e a segurança pública nestes suburbios franceses.
    Só duvido que isso seja o suficiente para resolver o problema, pelo menos a longo prazo. Se o é a curto.

    Compreendo - lá está: sou bom a compreender - o sonho do Dragão, de pegar nesta gente toda e atirá-la para onde os seus pais e avós vieram. Depois reforça-se os muros de Melilla e Ceuta, e esperemos que dure.
    Seria preciso resolver alguns pormenores, como o problema chato que a maioria desta gente tem passaporte francês, o que obrigaria-nos a aplicar um critério étnico ou religioso.
    Se não temos tomates para isso, ou escrúpulos parvos de ordem moral (uma chatice esses direitos humanos), então não devemos pensar em nada.

    Excepto em soluções de polícia, claro, mas por amor de Deus, não vamos começar a questionar se houve aqui outro erro qualquer, uma política de imigração falhada, um urbanismo megalómano, tecnocrata e antisocial, por exemplo. Porque se pensassemos nisto, podia nos assaltar a vontade de emendá-los ou de futuramente fazer melhor, e isso seria uma cedência indesculpável aos criminosos!

    (Comentário meu no Timshel, em resposta a comentários da Zazie e do Dragão)
    5.11.05

    quando os residentes nos condomínios fechados por dentro clamam pela polícia para suprimir motins noutros condomínios fechados por fora.

    Rebecca Horn: Hahnenmaske
    4.11.05
    Ainda "Dois pesos e duas medidas"

    Caro Carlos,
    obrigado pela sua resposta exaustiva e ponderada, que li com muita atenção. Agradeço também a rectificação de que o seu post não foi uma manifestação de indignação, mas uma constatação preocupada. Admito que tinha caído na armadilha de arrumar o seu post anterior no grupo de tentativas maniqueistas de empurrar os críticos da própria casa automaticamente para o campo do inimigo. Devia ter sabido melhor, pois não foi o primeiro nem o segundo post que lhe li.
    No Tugir discute-se com nuance, felizmente, o que neste tema é especialmente raro. Permito-me então de chamar atenção à nunace também no meu caso: Não me oponho à manifestações que visam exclusivamente dirigentes e governantes estrangeiros. Disse que elas me incomodam. Acrescento agora: normalmente.
    Não só não sou adepto da teoria da não ingerência, como muito bem constata, (e que aqui aliás nunca aplicaria pois a ameaça do presidente iraniano é óbviamente algo que sempre nos diz respeito); também estou a favor de reacções firmes e inequívocas dos nossos governos neste caso. Pode ler-se isto no post. E não condenei manifestações contra governantes estrangeiros, expliquei antes que acho, embora com cepticismo, de possível utilidade manifestações que se preocupam com os direitos humanos em paises estrangeiros.
    O que também disse e mantenho, é que manifestações deste tipo, que não se solidarizam com a população do país (governo) criticado, ameaçam de contribuir para aquecer os ânimos e para aprofundar ressentimentos e inimizades nas populações dos países visadas.

    Mas mais do que prescrever a outros como devem ou não manifestar-se, o post foi uma reacção de defesa contra o que li ou tresli no seu post, e que já li e ouvi em muitas outras ocasiões: a insinuação ou até acusação aberta de que pessoas que, como eu, se antes empenham em criticar o que está mal no país em que vivem, do que aquilo que noutros paises se faz mal, (não porque acham que o mal que se faz nestes outros países é menor, muito pelo contrário, mas porque já deram por adquirido o consenso sobre a sua maldade) acabam por se manifestar como partidários do mal dos outros.
    Dois pesos e duas medidas?

    O Carlos Manuel Castro indigna-se com aqueles, "que tanto se exaltaram na rua com, primeiro, a possível pretensão norte-americana e, depois, por causa da intervenção militar no Iraque, não promoveram nenhuma manifestação a repudiar as palavras do Presidente iraniano".

    Não me vou aqui colocar na defesa de todos estes manifestantes e nomeadamente organizadores destas manifestações – que neste caso se ausentam - e garantir pelos seus motivos idóneos.
    Mas repito que o argumento, que não é novo, não me convence.

    Sempre me incomodaram manifestações que visam exclusivamente dirigentes e governos estrangeiros. Não é que esses não dessem razões para criticas e repúdios, mas manifestações deste tipo pelo menos arriscam parecer chauvinistas e dirigir-se não contra o regime, mas o povo, o país.
    E depois: Que sentido faz ir à rua em Portugal e manifestar-me contra o Sr. Ahmadinejad, ou, já agora, contra o Sr. Sharon ou o Sr. Bush?
    As minhas manifestações fazem - se fazem - efeito onde se realizam, no meu país com uma sociedade civil e governantes que dependem da opinião pública, não num país estrangeiro, que em regra não depende da opinião pública do meu país, se depende de alguma. Por isso acho que o destinatário duma manifestação são e devem ser os próprios governantes, a própria sociedade em que vivo.
    Assim, uma manifestação contra a invasão do Iraque (se sou contra ela...) justifica-se, se o meu governo participa nela ou a apoia, e uma manifestação em Portugal na ocasião das declarações do Presidente Iraniano faria, no meu entender, todo o sentido, se achasse que o meu governo não o condena o suficiente, não faz as pressões devidas ou ainda mantém negócios criticáveis, como por exemplo trafego de armas ou de tecnologia nuclear, com ele.
    (Nesta lógica admito ainda que, se me manifesto contra políticas dum país estrangeiro com o qual me ligam fortes laços de solidariedade, amizade, partilha de valores e ainda a parceria em organizações comuns de segurança como a OTAN - como é o caso dos EUA e do Reino Unido - ainda estou a pressionar os meus.)

    Não é que acho ilegítimo manifestações contra regimes estrangeiros e os seus actos, e nem sempre desapropriados. (Ocorre-me, só a título de exemplo, o apartheid na Africa do Sul, a ocupação chinesa de Tibete, a guerra suja russa na Tchetchenia. No primeiro caso pode atribuir-se algum sucesso às nossas campanhas, onde seria interessante investigar em que medida o facto de que os sulafricanos brancos foram, de certo modo, "os nossos", pesou; no segundo caso não houve nem se prevê sucesso nenhum; no terceiro nem campanha houve ou há.)
    Também não significa, se não acho apropriado manifestar-me na rua, que não defenda que se faça campanha pela melhora da situação nos estados visados. O que convém é salvaguardar que as campanhas não acabam de funcionar contra o país, o povo, nem que elas podem ser aproveitadas propagandisticamente neste sentido pelo regime em questão. A melhor forma aqui é o apoio à oposição democrática interna, a insistência no respeito pelos direitos humanos. Partilho aqui, no que diz respeito ao Irão, a esperança de Timothy Garton Ash.

    O que refuto - até digo: como calunioso - é o argumento que a prevalência quantitativa de manifestações contra actos e políticas do meu lado seja indício de que simpatizo e me identifico menos com ele do que com o outro. O contrário é o caso.

    Imagino que esta ideia é um left-over do tempo em que o combate político ainde era marcado pelo antagonismo entre os campos do "socialismo real" e do "imperialismo", e em que partes da esquerda europeia efectivamente se identificavam mais com regimes "socialistas", como os do partido Baath, do que com o regime capitalista em que vivia. Olhando para Portugal, com o seu Partido Comunista (e talvez uma parte do Bloco de Esquerda), não posso afirmar que essa visão desapareceu por completo, embora que ela nunca se podia aplicar ao actual caso do fundamentalista islâmico Ahmadinejad.
    Mas não falo só por mim, falo seguramente pela vasta maioria dos que se maniferstaram na rua contra a invasão do Iraque e não o fizeram contra as declarações do presidente iraniano, que não é essa visão absurda a explicação desta opção.
    3.11.05

    Confesso que já desde há algum tempo engracei com esta rapariga.
    Mas por razões que hoje já não consigo recordar e muito menos compreender, achei que um blogue não pode ter direito a um link permanente no Quase em Português só pelo facto de eu achar a sua autora gira...

    Mas podem confirmar que o blogue também é giro. É muito pessoal, e assim tive no início, não fazendo parte do circulo dos seus amigos, a sensação de invadir um espaço privado. Mas caramba, o blogue está lá para ser lido. E se a Rita acha que se pode expôr tanto como eu e a maioria de nós não se atreviam, isso é com ela.

    E sabem o mais: Ela pode, sim, pode!

    Uma pequena prova:
    Quando ontem na lavandaria o Nicolai me contou que as apreciações do nosso seminario ja tinham saido, fiquei naquele estado entre o em pulgas e o assustado. O que faria Roger Eatwell, um tipo genial com a fama de ser muito exigente, da minha auto-estima?
    Entre o copo de gelado fora do prazo que me calhou trazer da Fresh hoje e a decisão de ir comprar a roupa interior mais gira da Ann Summers toda no caso de ele destruir o meu ego, estava safa.
    O Rog gostou imenso de mim, e estou aos pulinhos, mas uma parte de mim parece achar que ficou a perder e esta a dar-me alergia à cadeira e apetites de High Street shopping. A vida é dura. Se conseguir resistir, depois venho conta-os.
    2.11.05
    ?!

    O que dizer de quem não vislumbra diferença entre cidadão e consumidor?

    O novo blogue do Miguel Silva! (Viva Espanha)

    Playmate da semana: Teresa Ann (Duncan Hannah)

    Esta rapariga foi uma escolha espontânea e convicta para a minha galeria de playmates, mal que tropecei sobre ela.
    And yet... há tantos argumentos contra. A começar pela suspeita de pedofilia, a que me sujeito, expondo uma prepuberescente, ainda por cima vestida, se não em uniforme de escola, sempre num vestuário formal e carregado de convencionalismo, o que acentua a transgressão como elemento constituinte da sua carga erótica.
    Não achando muitas outras predilecções eróticas, que têm essa reputação, perversas, sempre julguei, sim, perverso o erotismo que recorre ao imaginário da escola, porque este esconde na própria violação das regras a sua ainda mais forte afirmação (o que é o parádigma da duplicidade moral burguesa, que defende implacavelmente as convenções e que, consciente da impossibilidade do seu cumprimento, reprova e castiga não o infractor, mas o estúpido ou fraco que se deixa apanhar nela). Não é por acaso que a insinuação do sado-masoquismo não está longe, como sempre no contexto escola (com o seu omnipresente desnível de poder), e muito mais tendo em vista o ambiente anglo-saxónico do tempo pré-2ª Guerra Mundial, que o quadro sugere, tanto pelo vestuário como pela propria forma como é pintado.
    O quadro é recente, de 2002. É retro. Remete para uma estética e um mundo passado, o que me leva ao segundo complexo de argumentos contra ele. Não será uma grande obra de arte. O que de novo ele traz? Não será somente um olhar nostálgico, convencional, a evocação dum mundo passado em que aparentemente ainda havia calma, ordem e beleza? Não é tão hipócrito como reacionário?
    Penso que sim.
    Mas essa conclusão não me impediu postá-lo. Também leio políciais, o genero literário mais reacionário que há. Li Agatha Christie, leio P.D.James, e até Martha Grimes, pelas mesmas razões escapistas.
    Tenho, sim, um critério de qualidade para o que ponho aqui como playmate, tento não ser ordinário, tento não ser banal, mas antes de mais ponho o que gosto, ou acho interessante, e duma ou outra forma erótico.
    E esta rapariga, acho-a, como ela nos mostra o que não cobram o vestido e as meias brancas, simplesmente irresistível.
    1.11.05
    Terramoto

    Para comemorar o grande Terramoto do 1 de Novembro de 1755, é aqui.
    O SPD assassina o seu presidente por acidente

    Teria graça se não fosse preocupante. Franz Müntefering era, ainda mais depois da retirada de Schröder, um homem incontestado como presidente do SPD, a figura paternal que ira conduzir o partido através dos vindouros difíceis anos da grande coligação. Incontestado como presidente, embora não sem problemas, pois coube-lhe contrariar e controlar o descontentamento dentro do partido, em que muitos desde há anos só com ranger de dentes acompanharam a política das reformas de Schröder, e que hoje também não se alegram com os compromissos necessários na futura grande coligação.
    Mas como aguentou o partido, granjeou-lhe respeito, com naturalidade a escolha como futuro vice-chanceler caiu nele e ninguém no SPD lembrar-se-ia de questionar, neste momento, o seu lugar.

    Mas a política é uma arte difícil, e uma momentánea falta de habilidade pode fazer estragos enormes, se o momento for bem (mal) escolhido.

    Na reunião da "Präsidium" (espécie de comissão política nacional) do SPD de hoje, estava na ordem do dia escolher o candidato para o cargo do futuro secretário geral do partido, o cargo nacional mais influente a seguir ao presidente, a que cabe assegurar a unidade e eficácia da organização partidária. Compreende-se que, neste cargo, convem ao partido ter uma pessoa leal ao presidente, e assim coube em tradição, mas não pelos estatutos, a escolha do secretário geral a ele.
    Mas desta vez, a jovem porta voz da ala esquerda do partido, Andrea Nahles (35), candidatou-se contra o homem proposto por Müntefering.
    Já uma afronta, mas era de esperar que a sua candidatura sairia derrotada. Curiosamente, os cerca 50 membros da direcção não se aperceberam, que uma derrota do presidente nesta votação seria uma tal desautorização que o impediria a continuar no cargo. E foi isso que aconteceu.
    Agora estão todos genuinamente chocados, afirmam que não pretendiam mais do que marcar posição e de mostrar ao presidente um cartão amarelo, e lamentam o desastre.

    Pois é um desastre. Sem Schröder e sem Müntefering, no meio de negociações de coligação, a SPD vê-se sem liderança, e o que é pior, não se vislumbra quem pode preencher o vazio. Ainda ontem o partido pôde dar-se feliz por ter se safado melhor na eleições do que o mais optimista esperava, mas hoje comenta o SPIEGEL com razão:
    “Talvez o SPD acabou de chegar onde os maiores pessimistas a imaginaram antes das eleições do 18. de Setembro: No fim das suas forças, num delírio esquerdista.”

    (Notícias e comentários lidos no SPIEGEL)

    P.S.:
    Escreve o Carlos Manuel Castro no Tugir que a demissão do líder do SPD talvez seja benéfica, como oportunidade para a necessária regeneração do partido. Talvez seja. Mas não enquanto o SPD está no governo, ainda por cima como parceiro numa grande coligação. Não me lembro ter visto um partido regenerar-se no poder.
    Com a queda de Müntefering a grande coligação está seriamente comprometida. E está implícito no argumento do CMC, que o passo seguinte razoável seria a repetição das eleições federais. E talvez a ideia não é tão absurdo como isso....

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