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  • 17.11.05
    Porquê sou um liberal de esquerda
    Nota autobiográfica IX

    Uma vez na minha vida fui empregado. Até funcionário público. Durante três anos fui monitor do Instituto de Urbanismo e Habitação da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Berlim.
    Para quarenta horas de trabalho por mês, ganhava 660 DM (que, em poder de compra, corresponderia a ca. de 660 Euros hoje). Teoricamente, tinha 22 dias de férias por ano, mas como todos os funcionários lectivos da faculdade, a começar pelo professor catedrático, se baldavam integralmente durante as férias lectivas, também eu podia fazê-lo. Então, nestes três anos, passava dois meses de verão e um de inverno em Portugal, onde tinha namorada, enquanto o meu ordenado continuava a entrar na minha conta corrente em Berlim.
    As viagens fazia de avião, com a Interflug de Berlim (oriental) para Praga, e com a CSA de Praga para Lisboa. Era o voo mais barato, primeiro na barulhenta Iljushin 62 e depois na belissima Tupolev 134, ambas mais que semi-vazias; e o bilhete incluia ainda uma estadia duma noite na capital checa, num hotel de luxo à antiga com criados fardados e toda a cerimónia.
    Tudo pago com o meu ordenado de funcionário público part-time.

    Quando o Senador do Ensino Superior de Berlim decidiu reduzir o ordenado dos monitores em 30%, fizemos greve, organizados com sindicato como deve ser. Sindicalizamo-nos todos na altura para este efeito. Fizemos a greve e ganhamos mais do que uma meia vitória, pois a redução ficou-se pelos 5%. Desde o início, para nenhum de nós, este corte teria tido algum efeito, pois os nossos contratos estavam a salvo de condições retroactivas. Mas não fizemos a greve por isso. Era uma questão de solidariedade e de princípio.
    Lembro-me ainda da boca do nosso chefe de campanha, um dirigente do sindicato que não era nem estudante nem arquitecto, e que hoje é presidente do sindicato dos funcionários públicos de Berlim, que me ofendeu: "Amanhã, de qualquer maneira, vocês estarão do outro lado..."

    Quando, uns anos mais tarde, tive o meu primeiro emprego num gabinete de arquitectura, o meu patrão pôs me a escolher: podia receber o meu honorário completo contra recibo verde, ou podia empregar-me, com um ordenado que lhe criava exactamente os mesmos encargos. Explicou-me o câlculo como se pode comparar um ordenado com um honorário, e fiquei pasmado, pois antes sempre tive a ideia vaga que existia qualquer semelhança entre um ordenado de quatrocentos contos e um honorário de quatrocentos contos: Não existe nenhuma.

    Sem hesitação escolhi o recibo verde.

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