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  • 30.8.08
    Antifascismo

    Hackers
    de esquerda conseguiram entrar na base de dados do site do grupo neonazi "Blood and Honour" e copiar 31948 fichas de membros, e colocaram-nas online.
    28.8.08
    Prioridades

    Só um saloio que não sabe o que é património cultural pode achar que o gosto de umas freiras é mais importante do que a protecção da Igreja de Ronchamps.

    Entre os melhores arquitectos do mundo não encontrarão um que sempre obedece às vontades do Dono da Obra e sempre coloca o conforto dos utentes acima de todos os outros objectivos.

    Há quem ache que estes arquitectos podem comportar-se assim pelo estatuto que alcançaram. Mas alcançaram o estatuto porque desde sempre assim se comportaram.
    25.8.08
    Regressos

    Ha blogues que não apago da lista dos meus links, mesmo quando os seus autores anunciam - o que acontece de vez em quando - a sua retirada da escrita bloguística. A experiência já provou que a minha recusa de acreditar na finalidade destes anúncios é muito menos do que wishful thinking.
    Há duas semanas e tal, o Luis voltou, há dias o JMF e o FNV.

    O Filipe iniciou uma série que promete, mais uma vez, ser do melhor que se possa ler online em língua portuguesa.
    24.8.08

    Natalja Paderina (Rússia) e Nino Salukwadse (Geórgia), no pódio dos Jogos Olímpicos no 10 de Agosto de 2008.
    22.8.08
    Gostei

    de ler Ferreira Fernandes a pedir desculpas ao Marco Fortes.
    Primeiro, porque tem toda a razão de o fazer. E segundo, por ser algo inédito: Não me lembro de um caso de um colunista português ter pedido desculpas a um visado de uma sua crónica, ainda por cima por iniciativa própria e não pressionado.
    21.8.08
    Salto na ciência

    Aconteceu já aos maiores. Um dado novo, inesperado, revoga os resultados de pesquisa recolhidos em trabalho abnegado, cuidadosamente organizados e apresentados para encaixar de forma límpida e convincente na teoria vigente sobre a matéria.

    Hoje aconteceu aos teóricos do portuguesismo. Julgavam estes ter demonstrado de forma final e concludente, com a prestação dos atletas portugueses nos Jogos Olímpicos de Beijing, que o insucesso é elemento indelével e constituinte do ser português, quando aparece um atleta que a deita, em três saltos, por terra e os obriga a rever toda a sua análise.
    Já começaram, e não tenho dúvida que já amanhã irão apresentar as suas conclusões que serão, desta vez, mesmo irrefutáveis: Afinal, o contrário é o caso.

    Sei que eu, estrangeiro e leigo que pouco percebo de desporto e menos ainda do portuguesismo, continuarei ignorante: não consigo ver o que uma medalha olímpica mais ou menos nos ensina sobre a sociedade, o carácter de uma nação, ou sobre a sua aptidão ou não pelo sucesso.
    19.8.08

    O Quase em Português está orgulhoso de poder já adiantar a ilustração para esta notícia.
    A inferioridade moral da direita*

    ...aqui provada de forma irrefutável, pelo Rui Tavares.

    * (não, não estou a ser irónico)
    Atitude

    Ainda não me decidi se o vendaval de indignação que caiu sobre os atletas portugueses com insucesso nos Jogos Olímpicos em Beijing, é mesmo um fenómeno imputável aos atletas ou não mais à comunicação social e à sociedade em geral.
    Tudo bem, quem foi a Beijing foi lá com ajuda e dinheiro do Estado português, ou seja, do contribuinte, e é legítimo questionar se este dinheiro foi bem gasto. Acho porventura que esta questão é, no mínimo, tanto de colocar aos funcionários que o atribuíram como aos atletas que usufruíram dele. Os últimos, pelo menos, para estarem na Olímpia e terem oportunidade de lá fazer boa ou má figura, passaram por um processo de selecção, foram os melhores nacionais na sua modalidade. Ao que parece, a preparação não foi a melhor, nomeadamente no que respeita às respostas a dar a jornalistas depois de um fracasso. Certamente os dirigentes desportivos darão, no futuro, melhor atenção à formação neste domínio.

    Mas uma coisa deixa-me a mim, simples telespectador sem nenhuma experiência de competição desportiva, sempre muito nervoso:
    A facilidade como jornalistas e outras pessoas que nem precisaram de levantar o cu da sofá, se apropriam do sucesso dos campeões, acham natural que a Vanessa correu para eles, para "Portugal", e no direito de censurar os que falharam, porque não lhes facultaram a sensação de vitória por interposta pessoa, que lhes acham estranhamente devida.
    O dia mais feliz da sua vida



    Uma caridosa ONG organizou - não percebo bem porquê - um casamento simultâneo de 50 casais afegães em Herat. Aqui a foto oficial das noivas no seu dia mais feliz da vida. Está bem a vista que, para elas, não o é. (A hipótese que os outros dias não foram nem serão melhores não é tão rebuscada, mas prefiro não encarar.) É conhecido que em muitas culturas muçulmanas tradicionais o casamento, para a noiva, é um dia de grande dor. É o dia em que é transferida da casa e do poder do seu pai para a casa e o poder do seu marido. Mantém-se a submissão, mudam os dominadores, e desaparece, para além do contacto com as pessoas que lhes estavam próximas e que em muitos casos raramente voltarão a ver, ainda o resto de liberdade que usufruíram na casa paternal, sob o estatuto de criança.

    Apoiei a invasão no Afeganistão, por causa da Al Quaida, não por achar que assim se pudesse libertar um país duma cultura que deixa pelo menos metade da sua população profundamente infeliz. Se uma guerra pudesse resolver isto, havia poucas que valeriam mais a pena. Mas o conselho cândido de Ann Coulter "Invade them, kill their leaders and convert them to christianity" já se provou impraticável ao mais estúpido dos habitantes do bible-belt e até da Casa Branca.
    Infelizmente é. Confesso que, ao ver uma foto como esta acima, compreendo o apelo do slogan, salvo a parte da "christianity", claro.

    (Notícia no DN de hoje, só na versão papel.)
    18.8.08
    Os Jogos Olímpicos prolongam a vida

    Não vi nenhuma notícia de execuções desde que os Jogos Olímpicos começaram. Terá o regime suspenso as execuções durante o evento? Se assim é, e a avaliar pela média habitual de execuções por dia na China – 3, segundo informações confirmadas, 18, segundo outras – pelo menos 50 pessoas podem agradecer mais uns dias de vida à nobre ideia olímpica.
    17.8.08
    Sobre Geórgia

    A ocupação russa da Geórgia é condenável, a todos os títulos. Mas outros, e não só o presidente Saakachvili que se julgava - Deus saberá porquê! - protegido pelo Ocidente, têm graves responsabilidades no desastre. Vale a pena ler este artigo (Descoberto via Dragoscópio), ou este.
    Berlim

    «Gosto de Paula Moura Pinheiro. Acho que ela é uma instituição cultural respeitável. Conduz um programa semanal onde aborda temas tão variados como a literatura e as artes performativas, sempre com os convidados apropriados. Este fim-de-semana PMP escrevia num jornal que Luanda é melhor do que Berlim. Eu não conheço Luanda. Nem tenciono conhecer. Mas Berlim, a actual Berlim, é uma das cidades mais fascinantes do mundo. Uma cidade democrática, onde se pode alugar um quarto num hotel decente, jantar num restaurante de estudantes em Mitte , tomar o pequeno almoço num café em Prenzlauer Berg. Uma cidade que guarda a memória da Berlim imperial, do nazismo, da guerra fria e do Muro. Onde se pode encontrar uma praça com o nome de Rosa Luxemburgo, uma avenida estalinista chamada Karl Marx Allee, um memorial do Holocausto, placas com os nomes dos campos de extermínio. Uma cidade viva, habitada pela gente jovem da Europa e do Mundo, mas com memória e convivendo com essa memória, por mais insuportavelmente dolorosa que ela possa ser. Comparar a capital da Alemanha de 2008 a Luanda é uma obscenidade, uma atoarda tropicalista, que ficaria bem a um Jorge Coelho inebriado pelos negócios africanos ou a um político interessado em ser incluído no inner-circle da corte angolana.»

    Sim, sou parte interessada, mas o Luís tem toda a razão.
    Aplausa para João Miranda!

    ... desta casa, provavelmente pela primeira vez sem ironia. Mas o aplauso é merecido:

    «A militarização da sociedade civil em resposta à criminalidade comum é uma traição ao ideal de "Liberdade sob a Lei" e um sintoma do fracasso das forças policiais. Os snipers, longe de serem um sinal de sofisticação, são um sinal de fracasso da polícia, enquanto força civil capaz de evitar o crime e de proteger os cidadãos. Uma polícia cujo maior orgulho é uma unidade paramilitar especializada em matar cidadãos é uma vergonha.»

    (João Miranda no DN do 16.8.08)
    16.8.08
    Os alemães da Meia Praia

    11 de manhã. Estou num café-esplanada na Meia Praia, grato pela sombra, comprada com uma água tónica com gelo que derreteu há muito no copo, e tento ler "Possession" de A.S.Byatt. Não é fácil. As conversas nas mesas vizinhas são todas em línguas que compreendo – português, alemão, inglês – e de som bem alto.
    Finalmente os ingleses da mesa a frente saem, com os seus dois cães-de-água e um cuja raça desconheço. Passam pelo sinal que mostra um cão riscado por uma barra vermelha e dirigem-se ao mar.
    A conversa em alemão atrás de mim, agora sem concorrência, impõe-se na minha percepção:
    - Já viste estes cães tão giros?
    - Hmmm.
    - Mãe!
    - Hmmm?
    - Já viste estes cães tão giros?
    - Sim.
    - Viste como o cão-de-água pequeno olhou para mim? Tão lindo!
    - Hmm.
    - Mãe!
    - Sim?
    - Viste como o cão pequeno olhou para mim? Com se quisesse falar comigo! Viste, mãe?
    - Hmm.
    - Como se quisesse falar comigo! Sempre tive imenso jeito com animais, não é verdade mãe?
    - ...
    - Mãe!
    - Sim?
    - Sempre tive imenso jeito com animais, mãe, não tive? Viste mesmo como este cãozinho me olhou?
    - Sim, sim.
    - Lembras-te da cadela da Christina, mãe?
    - Hmm?
    - Da Christina, mãe! Da minha amiga Christina. Lembras-te da cadela dela?
    - Hmm. Não.
    - Ó mãe! Da minha amiga Christina! A cadela. Sissy! A cadela chamava-se Sissy! Claro que te lembras, mãe! Aquela que tiveram de levar ao veterinário para matar, porque não parava de borrar a casa toda, as alctifas e tudo! Não te lembras mesmo? Ela era tão querida, mãe, a cadela. Tão querida! E olhava-me exactamente como este cãozinho aqui.
    - Hmm, hmm.
    - Exactamente com os mesmo olhos tristes, como este cãozinho aqui.
    - Hmm.
    - Tenho mesmo jeito com animais, mãe, não tenho?
    - Sim, sim.
    - Gostava de saber onde se meteu o Klaus.
    - Hmm.
    - Devia já ter voltado.... Ó mãe, viste aquela com este chapeu amarelo?
    - Hmm.
    - Mãe, viste aquela lá com o chapéu amarelo?
    - Sim, vi.
    - A Anna disse que não me fica bem o chapéu que comprei ontem!
    - Hmm.
    - Mãe, sabes que a Anna disse que não me fica bem o chapéu que comprei ontem?
    - Hmm. Não, filha.
    - Mas fica-me bem, não achas, mãe?
    - Sim, acho.
    - Gostava de saber onde se meteu o Klaus.
    - Hmm.
    - Já devia ter voltado há muito.
    - Hmm.
    - O Klaus disse que queria ir sozinho. Vê-lá, mãe, isto lá ao fundo não é ele, ou é?
    - Não. Não é.
    - Não sei onde o Klaus se meteu. O Klaus gosta de fazer passeios na praia sozinho, sabes, mãe?
    - Hmm.
    - O Klaus disse que gosta de fazer passeios na praia sozinho, mãe. - Não sei porque gosta de fazer passeios na praia sozinho.

    Viro-me para olhar as minhas compatriotas, protagonistas do diálogo. A mãe, uma matrona na casa dos sessenta. A filha perto dos quarenta.
    14.8.08
    Imagine

    Sempre achei intrigante a grande conta em que está este hino, não no grupo dos bem-intencionados em geral, o que se compreende, mas também no subgrupo dos bem-intencionados crentes cristãos. Não há fogueira de colónia de férias, cristã ou não, em que ele não é entoado, com acompanhamento mais ou menos hábil na guitarra do monitor.
    Já me ocorreu, como explicação, um eventual deficiente domínio do inglês, e atribuir o sucesso apenas à lamechisse da música, cujo apelo pode não depender da letra. Mas se isso for o caso, a deficiência deste domínio é curiosamente selectiva. Não abrange, certamente, «You may say that I'm a dreamer / But I'm not the only one / I hope someday you'll join us / And the world will be as one». É seguro supor que esta parte é perfeitamente entendida. Haverá melhor expressão para o espírito missionário, a bondade generosa de um jovem cristão? Outras partes contudo, apesar de sair da sua boca, aparentemente não conseguiram alcançar a mente religiosa. Veja-se a primeira estrofe, aquela que coloca todo o resto em perspectiva:
    «Imagine there's no Heaven / It's easy if you try / No hell below us / Above us only sky».

    P.S.:
    Nada contra Lennon, que escreveu algumas das mais belas canções do Século XX, embora eu nelas não incluiria "Imagine". E nada contra os cristãos, que naturalmente estão no seu pleno direito de cantar o que lhes apetece, e de compreender ou ignorar nisto o que lhes convêm. Eu faço o mesmo, com muita grande música religiosa. Mas é digno de nota como se aceita exprimir o explícito conteúdo textual de uma canção, mesmo se este esteja diametralmente oposto as suas crenças, apenas levado pela identificação com o seu sentimento geral.
    A música é uma coisa fascinante.

    Bathseba
    (Sebastiano Ricci)
    11.8.08
    Às armas, às armas! (reminiscência 2)

    Realmente, o que falta a esta sociedade decadente e amolecida, seria uma revigorante guerra imperialista, inspirada pela "noção de prestígio e de território".
    Essa limpava-a de elementos inválidos, tais como pacifistas e democratas, e reconduzi-la-ia à grandeza de outrora.
    Onde já ouvi isto?
    reminiscência

    «não sei se sou só eu, mas ao ver o governante da geórgia — sei tão pouco da geórgia que nem me lembro se o senhor é pm ou presidente — a apelar, desesperado, à intervenção da comunidade internacional, ouvi o eco do desespero dos checoslovacos e dos húngaros, há 40 anos e 52 anos, respectivamente. e o eco do silêncio do lado de cá (sim, porque há lado de lá e lado de cá, e coisas como esta clarificam-no muito bem).

    que isto, este horror imperial, suceda enquanto na brutal china decorrem os jogos olímpicos e bush, de lá, apela docemente à paz, é a cherry on top.»

    (Fernanda Câncio)
    A atracção da solução simples

    Sobre se foi acertada a opção da polícia de abater os dois sequestradores do BES na quinta-feira passada, não arrisco veredicto. Falta-me o conhecimento, da situação em detalhe, e o conhecimento profissional para avaliar quando esta escolha passa a ser o mal menor. Admito que haja casos em que a decisão de matar sequestradores armados possa ser isso.
    Admito também um sentimento de alívio - ao menos os reféns foram salvos - e compreendo ainda um outro sentimento, embora o ache censurável, de satisfação, que ouvi abundantemente expresso: "Bem-feito, os tipos colheram o que semearam. Na próxima vez pensarão duas vezes!" - Vá lá, estes já não, mas outros...
    Compreendo-o e confesso-me estar dele não completamente livre. Como tele-espectador do drama escolhi um lado, obviamente não o dos vilões, e por um momento senti-me atraído pela forma eficaz e final e aparentemente simples com que o assunto foi terminado. Mais do que tudo, pela simplicidade. Frustrado pela experiência diária de que não há soluções simples no nosso mundo complicado, sou levado, por um momento irreflectido, a voltar a acreditar que não falta mais contra os males do mundo do que a coragem e a pontaria de John Wayne.
    Sem negar a necessidade que haja quem as tenha, coragem e pontaria, e o juízo de aplicá-las quando e só quando for preciso, espero de mim e de todos nós, que cairmos em nós e vermos o óbvio: A solução não foi simples e, antes de mais, não foi boa. A menos má, talvez. Ou nem isso.

    P.S.:
    Não sei se teve, como o JPT suspeita, relevância na satisfação dos que elogiaram o abatimento dos assaltantes o facto de estes serem brazileiros. Mas recomendo ler o seu post.
    7.8.08

    (ver também isto na barbearia do senhor Luís)
    Como é que se escreve ASAE em chinês?

    «[...] Os cidadãos de Pequim foram por isso instruídos pelos funcionários para não refilar com estrangeiros e não fazer perguntas indiscretas como: "Quanto você ganha?" Outros receberam da "Comissão para o Fomento da Civilização Mental na Capital" explicações no comportamento: Para homens é doravante tabu vestir pijamas em público ou calças arregaçadas, para mulheres saias de cabedal ou blusas transparentes. Os homens devem fazer a barba diariamente, as mulheres usar make-up leve; e a quem tenha tornozelos mais grossos recomenda-se o uso de collants escuras. Generosamente consta que "meninas jovens podem vestir as saias entre três a seis centímetros acima do joelho".

    Quem quer mesmo manifestar-se durante os Jogos, pode fazê-lo em três jardins públicos da capital. Mas está proibido "ferir os interesses do país e da sociedade". Cada manifestação tem que ser requerida no mínimo 5 dias antes, e expressamente autorizada pela polícia. Mais que duvidoso que esta o fará.

    Também na cultura ninguém pode exceder-se. Em vez de introduzir a juventude do mundo na vital cena de roque pequinense, controladores em bares e clubes começaram entretanto a exigir licenças de palco para as bandas. Estas, verificou-se, são impossíveis de obter. "Vou de férias em Agosto", disse guitarrista Byan Yuan da banda "Joyside".

    Antes da gala de inauguração tudo leva a crer que Pequim vê os Jogos como um congresso de Partido um pouco diferente e não como um encontro alegre com a juventude do mundo. Alguns estudantes até fazem as malas: receberam até 4000 Yuan (ca.de 377 Euro), para que libertem as residências e irem para férias fora da cidade.

    Muitos pequinenses já aguardam o tempo depois do circo de Olímpia – quando a normalidade terá voltado para a cidade, poderão novamente andar de carro quando querem e comer espetadas de carne nas bancas de rua. Pois a maioria destas foram fechadas por alegada falta de higiene.»

    (Der SPIEGEL)
    6.8.08

    Sitzendes Mädchen
    (Georg Kolbe)
    4.8.08
    Alexander Soljenitzin

    Não me lembro de outro romancista cuja obra contribuiu tanto para mudar o mundo. Para o melhor.
    Yes! (novamente)
    3.8.08
    Etiam si omnes – ego non!

    O JPT faz um elogio duplo ao filme "A queda" e ao actor Bruno Ganz, que representa a sua personagem principal. Concordo, mas gostaria ainda estender o elogio ao autor do livro em que o filme se baseia, Joachim Fest, historiador e jornalista alemão falecido em 2006.

    Até esta data, 2006, não tinha este homem em grande conta, sem saber muito dele e da sua obra, o que achava dispensável, uma vez que se tratou de um jornalista famoso, mas também de reputação suspeita entre qualquer pessoa de esquerda, pois autor de livros sobre Hitler e Albert Speer, assumidamente anti-marxista e destacado detractor da superioridade moral da esquerda alemã pós-68. O prego final na caixa de preconceito em que arrumei o homem, foi o "Historikerstreit", o facto de que ele deu espaço no seu jornal FAZ ao historiador Ernst Nolte, para publicar as suas teses de que os "assassinatos racistas" perpetrados pelos nazis foram uma "resposta defensiva aos assassinatos classistas" na URSS de Estaline. Mesmo se Fest não alinhava completamente com a argumentação de Nolte, o simples facto de, em 1986, dar espaço a uma tal opinião num jornal era para mim e muita boa gente da esquerda prova bastante de uma de duas coisas: Ou era um idiota útil da propaganda negacionista, ou participava activamente, embora sem o assumir, nesta tentativa de relativizar, e como adivinhávamos, posteriormente reabilitar o nazismo.
    Nesta altura não tinha lido nada de Fest, salvo um ou outro artigo de jornal, e neste episódio firmei a minha opinião de ter feito bem assim: este homem não merecia ser lido, apesar do grande êxito crítico que teve a sua biografia "Hitler" de 1973, até no SPIEGEL de Augstein.

    Assim demorou até 2006 que comecei a ler um livro de Fest, e foram três razões que contribuíram para isso. A primeira foi o filme "A Queda", que me impressionou e era baseado num livro seu. A segunda era o seu falecimento no Outono deste ano que deu lugar a vários obituários e testemunhos mais diferenciados. Estes abalaram a imagem que tinha deste homem como reaccionário, ou seja de pessoa intelectualmente inflexível e moralmente censurável. A terceira razão foram os elogios unânimes a sua autobiografia “Ich nicht” ("Eu não"), publicada poucas semanas após a sua morte.

    Li "Ich nicht" e fiquei avassalado. Descobri um escritor que usava da língua alemã com uma elegância despretensiosa, simultaneamente simples e precisa, como mais ninguém. Escrevia como eu sempre quis escrever e nunca escreverei. Li uma autobiografia cuja personagem principal não era o autor, mas o seu pai. A história de uma família burguesa no tempo nazi que teve todas as razões e oportunidades para se acomodar com a nova situação, mas não o fez. O pai de Fest era um director de um liceu num bom bairro berlinense. Com filhos e mulher de boas famílias, currículo de conservador moderado, a sua carreira na função pública até agora bem sucedida tinha todas as perspectivas para prosseguir. Só haveria um preço que muitos não julgavam muito alto. Alinhar ou pelo menos fazer de conta que alinhasse. Em concreto, o director do liceu tinha de entrar no Partido. Não o fez. Com a consequência do desemprego, da posterior expulsão dos seus filhos do liceu, e de outras chicanas. Sendo da classe média remediada, e com contactos no mundo da Igreja Católica, aguentaram isso certamente melhor do que teriam aguentado outros, menos afortunados. Mas custou, mesmo assim.
    Outra coisa que a família não fez foi deixar cair os seus amigos judeus. Uma das cenas mais comoventes do livro é a descrição como o filho Joachim, com 14 anos, é obrigado de visitar regularmente um amigo judeu da família, cuja mulher já se suicidara no desespero da crescente perseguição e total isolação, para levar ao homem de letras que já não se atrevia sair da casa alimentos e antes de mais, ler com ele as amadas grandes obras da literatura alemã.
    Seria exagero chamar a resistência desta família luta política, ela era sem grandes conspirações e sem grandes feitos na clandestinidade, mesmo se essa, a clandestinidade, fazia parte da sua vida como de todos que não alinharam a 100%. (Nestes tempos, bastava ouvir a BBC para merecer a pena de morte.) A resistência da família Fest não emanava de um antagonismo "genético", como a comunista ou a dos judeus; também não foi ingénua e idealista até ao auto-sacrifício, como a dos irmãos Scholl; e também não sofreu da ambiguidade inevitável como a daqueles que, já comprometidos com o regime, arriscavam tudo, mas em vão e tarde demais no atentado do 20 de Junho de 1944.
    A resistência dos Fest não foi heróica no sentido como estas foram, foi apenas cívica, limitou-se a insistir obstinadamente na decência quotidiana. Aquela decência simples de que todos sabemos que é, e em tempos de paz e liberdade todos exercemos mais ou menos bem, mas, nesta altura, tão poucos foram capazes de manter. A força do apelo deste livro deriva disto: que os seus protagonistas são - quase - pessoas como nós, e agem como exigiríamos a nós agir numa situação semelhante. O livro mostra como mesmo isto, em regimes desumanos, é difícil. Mas mostra que é possível.
    É difícil negar que o que os Fest fizeram não fosse exigível a qualquer um que não abdique da sua auto-estima. Só isso leva-nos a concluir que os 99% dos seus contemporâneos, que lhes ficaram atrás, perderam o direito de descansadamente olhar ao espelho. E leva-nos de seguida à questão se nós podemos estar seguros de contar-nos, caso a situação o exigisse, entre o restantes 1%.
    Note-se que até a modesta resistência cívica dos Fest sempre lhes custou a vida de um filho, que morreu de pneumonia não tratada num batalhão penal.

    Voltando do livro ao autor Joachim Fest e ao leitor Lutz Brückelmann.
    "Ich nicht" abriu-me os olhos para a injustiça que tinha feito ao autor, ao arrumá-lo no outro lado. Eu que se orgulhava de não ter lado, não me tinha apercebido que na apreciação do outro fiquei refém da perspectiva do lado que julgava não ter. Depois de ter lido a magnífica biografia de Hitler e mais sobre a sua vida e actividade, admito que melhor do que eu Fest seguiu ao mote do seu pai, que logo me agradou e deu o título ao livro. "Eu não" deriva de Mat 26/33 e reza "Etiam si omnes – ego non!"
    "E mesmo se todos alinhassem, eu não!"


    (Infelizmente não existe - ainda? - tradução inglesa ou portuguesa do "Ich nicht".)
    1.8.08
    O Oráculo

    Não reclamo sucesso na minha longa empresa de compreender a "alma" dos portugueses. Mas tenho para mim que essa tarefa é fácil comparada com a de compreender a "alma" do PSD.
    Uma das manifestações mais intrigantes deste mistério é o estatuto que Cavaco Silva alcançou ao longo dos anos como oráculo do seu partido. Embora não me ficou oculta a técnica como o construiu, falhei até hoje em perceber porquê esta técnica resultou. Mas que resultou, resultou.

    Desta vez, ao tentar aplicá-la, enquanto Presidente da República, ao país, fracassou. Folgo em ver que, ao contrário do que se gosta de dizer, as almas do país e do PSD não são a mesma coisa.

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