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  • 21.11.05
    O privado e o público (act.)

    Tenho apreço pelos posts de Henrique Raposo, que escreve o que pensa e argumenta centrado no assunto, e sem agenda de combate político, ao contrário de muitos dos seus colegas de blogue.

    Concordo inteiramente com o seu post Bejos com fartura, que procura, o que só consegue pelo preço da contradição, excluir certas leituras do seu post anterior Não há gays ou a brigada das bolinhas de algodão, de que discordo muito, mas que se recomenda, porque evidencia de forma excelente a falácia duma certa direita que se acha tolerante e liberal nos costumes.

    Essa falácia resulta da insistência e da confiança na separação entre o privado/íntimo e o público. Confiança que ignora que a definição da fronteira entre essas duas esferas, cuja existência e necessidade não nego, é um acto eminentemente político e por isso deve ser pública. Ou seja, essa fronteira é tudo menos do que imutável.

    Só com essa ignorância pode escrever-se que "Fazer do corpo privado uma marca de definição pública é um sinal de barbarismo", sem aperceber-se do pressuposto antiliberal em que se baseia essa afirmação.
    Ou "Uma coisa tem de ser dita: não há gays.[...]. Aquilo que existe, e ainda bem, é algo mais simples: indivíduos que, no seu íntimo protegido por quatro paredes, têm actos sexuais homossexuais."
    Ou ainda: "Há uma diferença entre Fazer actos homossexuais e Ser-se homossexual. É a diferença entre um indivíduo que merece respeito e um membro passivo de qualquer coisa que pensa por ele."

    Se levasse o critério no que se baseiam essas afirmações à sério, devia concluir que Henrique Raposo nega a existência (ou legitimidade) na esfera pública de qualquer traço identitário, que advém da condição pessoal e íntima duma pessoa.
    De acordo com ele não há gays, não há heteros, não há católicos, nem muçulmanos, não há vegetarianos, nem apreciadores de poesia, nem melomanos. Pode-se ter fé católica, mas não ser católico, recusar de comer carne, mas não ser vegetariano, gostar dae música mas não ser melómano etc. Quem entende uma inclinação privada para os tais actos como elemento constituinte da sua identidade não lhe merece respeito, e a quem leva essa sua condição privada a associar-se com outros que a partilham e assim intervêm em público, está longe de exercer qualquer espécie de cidadania, mas é uma amostra lamentável de espírito gregário.

    A argumentação de Henrique Raposo parte também do pressuposto de que não existe nenhuma força exterior, social, que já constituiu os "gays" enquanto grupo, sem pedir licença aos seus membros (algo que lhes por exemplo aconteceu, tal como a muitos judeus assimilados, no regime Nazi, com as consequências conhecidas); e de que não existe nenhuma descriminação dum indivíduo, se este se limita a praticar actos homossexuais em privado, que o prejudicaria na sua condição de cidadão. Ou se existe, é tão insignificante que não justifica que o indivíduio se defende publicamente contra ela através da associação com outros que partilham o seu problema.

    Ora esses pressupostos, se existem, só podem existir graças à cegueira perante a formatação ideológica da nossa (de qualquer) sociedade, e da violência normativa do seu status quo. Essa cegueira tem um nome: hipocrisia.

    Lendo este post percebo melhor porque à direita se despreza tanto a ciência da sociologia. Pois ela torna visível a impossibilidade da separação estanque entre a esfera privada e pública, que de facto é o traço fundamental da sua moral:
    Da moral dupla da burguesia.

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