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15.11.05
Nota autobiográfica VI
Quando tinha nove anos, mudámo-nos para uma pequena vila perto da fronteira holandesa. Um colega tinha desafiado o meu pai a associar-se a ele e trabalhar por conta própria. A experiência correu mal, mas depois da separação dos sócios o negócio do meu pai começou a florescer. Mudámos do apartamento no bairro dos prefabricados para uma moradia, onde o meu pai instalou o seu atelier no sótão. Desde então ganhava a vida da família, estando em casa a desenhar rotulos para garrafas de vinho e frascos de marmelada. Dum dia para outro, deixei de ter problemas com os vizinhos. Já ninguém me batia ou cuspia. Pertencia à classe média, como eles. Os meus amigos e namoradas eram filhos e filhas de médicos, advogados, pequenos empresários, funcionários públicos, professores. Tocava violino e fazia vela (embora o barco não era meu, mas do meu melhor amigo). A minha mãe, que antes da mudança se indignara porque a engomadoria exigia o pagamento adiantado por nós termos uma morada de gente pobre, rapidamente passou a ser uma pessoa respeitada na vila: fazia trabalho social gerindo o dia a dia das três ou quatro famílias desfavorecidas que havia na comunidade; foi convidada como candidata da lista independente para a câmara e, depois de ter frequentado um curso de cerâmica na "Volkshochschule", o que significa "academia do povo" mas é uma espécie de ATL de donas de casa desocupadas, lançou-se numa terceira carreira de ceramista. E fi-lo a sério: Com o tempo acabou por ser uma ceramista muito boa, que vendia e expunha o trabalho próprio, e dava no seu atelier aulas de cerâmica para os alunos do jardim infantil e da escola primária, que tinham muito sucesso. O meu pai, por sua vez, não tinha jeito para uma vida social; felizmente o seu negócio não dependia disso. Nunca integrara qualquer clube ou associação, muito menos por razões interesseiras. Nem sequer convidaria alguém com o objectivo de promover a sua carreira ou o seu negócio. Preferia ficar em casa e desenhar mais rótulos; e a sua vida teria sido bastante solitário, se não tivesse tido como frequentes interlocutores e audiências dos seus discursos filosóficos os amigos dos seus filhos adolescentes. Pois ao compensar pela falta de formação acadêmica, chegou a ser um homem muito lido, e estava sempre disponível e grato por oportunidades de poder discutir e transmitir o seu saber. Para ele como para a minha mãe, o dinheiro servia antes de mais como oportunidade de manter uma casa aberta, de preferência cheia de gente, amigos seus mas mais ainda os amigos dos seus filhos, a quem estavam feliz de poder oferecer o que lhes tinha faltado na sua infância. Não se preocupavam muito com o aumentar do património, e sempre nós disseram, que deviam aos filhos nenhuma herança, só uma infância feliz e uma educação decente. |
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