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  • 14.11.05
    Porquê sou um liberal de esquerda
    Nota autobiográfica IV

    Os primeiros nove anos da minha vida vivemos num bairro operário de Wuppertal: o meu pai, que arranjara emprego numa fábrica téxtil onde desenhava os rótulos interiores de vestuário, a minha mãe que, depois do meu nascimento, se cingiu ao papel de doméstica e os meus dois irmãos que aqui nasceram.

    Embora o meu pai ganhava exactamente o mesmo como os seus vizinhos, eu nunca fui aceite pelos rapazes da vizinhança, com quem brincava na rua desde pequenino, como um deles. O meu vocabulário, também a minha roupa, costurada pela minha mãe com gosto diferente, traía-me como menino fino, e inúmeras tareias lembravam-me diáriamente da minha condição de outsider.

    Há uma história (há outras) que ilustra bem esta condição:
    Ao lado do nosso bairro havia uma colina, que era o local de eleição onde lançavamos os nossos papagaios. Na altura os papagaios que se compravam eram construções bastante pesadas, de pano e com estrutura de madeira. Mas o meu pai construiu um que era de papel de lustre com estrutura de bambú, e que tinha em vez dos 100 metros de corda de linho, 600 metros de linha de pesca. Voava tão alto que o ponto minúsculo no céu quase se perdia de vista.
    Uma vez quando voltavamos, com os papagaios nas costas, duma tarde de lançamentos - eu pela primeira vez sem ser acompanhado pelo meu pai - ia eu a frente, absorvido na memória empolgante da boa performance do meu papagaio. Primeiro não reparei neles, e depois não prestei, durante muito tempo, atenção aos risos e barulhos esquisitos dos meus amigos atrás de mim. Só a porta da casa dei pelo que tinha acontecido: Nas costas do meu anorak desciam lesmas de ranho, e da estrutura do meu papagaio pendia o papel de lustre em tiras amolecidas por viscosas lagrimas de cuspo.

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