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  • 15.1.04
    Pensando em Mumbai

    Hoje começou o Forum Social Mundial em Mumbai. Não posso imaginar local mais apropriado. Não conheço Mumbai, mas passei alguns meses na Índia, e vi outras cidades grandes: Delhi, Madras, Calcutta.
    Tinha 18 anos. Até lá, toda a minha vida consciente tinha vivido na R.F.A. (dos anos setenta), num mundo onde não existia miséria.
    Não tinha experiência de barreiras sociais. Se era verdade que uns conduziam BMW, outros só VW, não havia dúvida que todos eramos cidadãos. No fundo era possível, com um pouco de boa vontade, estabelecer um discurso de igual para igual com qualquer um.

    E achei que, com um pouco mais de boa vontade, de que estava convencido de dispor, isso seria assim em qualquer parte do mundo. (Era mesmo um rapaz muito ingénuo...)

    Descobri que o discurso com o taxista alemão, por exemplo, não era repetivel com o homem que puxava a minha rickshaw. Sobre qué podia falar com ele? Sobre política? Sobre a familia, que ele não tem porque não pode sustentá-la? Sobre o seu trabalho? Porque andava descalço naquela imundice que são as ruas de Howrah? Sobre o que gosta mais e o que gosta menos? Sobre comida? Talvez sobre o tempo... O tempo é igual para todos. Só a falar do tempo lembrava me que eu, a noite, dormia numa pensão, ele no passeio.
    Ainda bem que - na realidade - toda essa questão do diálogo não se pôs, porque ele não sabia inglês...

    E ainda bem também que Howrah era plano, e não uma cidade em colinas, como Bangalore. Poupava me um embaraço. Lá, depois de ter andado como passageiro umas centenas de metros numa subida acentuada, achava a única atitude mínimamente decente seria sair da rickshaw de bicleta deixando nela só a minha mochila e caminhar ao seu lado até chegar ao topo. Para o total desespero do condutor. Nunca me perdoará tal humilhação...

    Descobri que podia armar-me em cidadão do mundo, se isso me dar na gana, mas que muitos habitantes das cidades indianas não são cidadãos de coisa nenhuma.

    E descobri outra coisa também. Esse fosso social era mesmo inultrapassável. Mesmo se seria capaz e distribuia os meus travellers cheques entre os mendigos e daí em diante vivia como os outros desgraçados, por exemplo como este cooli, que dorme no quais e que se masturba - tal como cães que copulam na rua - perante os olhos indiferentes dos viajantes, porque não tem espaço privado e muito menos hipoteses de arranjar um parceiro sexual, não deixaria de haver uma diferênça fundamental. Continuaria livre. Faria isso por opção. E quando me fartar, teria sempre só de deslocar-me para o próximo consulado alemão, onde me daraim de comer, roupa e metiam-me num avião para onde há uma segurânça social e um rendimento mínimo garantido.

    Nasci diferente. Com passaporte alemão.

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