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  • 3.1.04
    A natureza ou a verdade

    Agora postei este fragmento do texto de Flusser sobre jardins, que - confesso - já tinha muito tempo na gaveta, à espera de uma oportunidade, sem propósito especial.
    (Tinha uma agenda diferente para o blogue, mas atrapalhei me nas férias do natal e perdi o fio... Whatever: É só um blogue!)

    Flusser ilustra a mudança do papel do homem no mundo, mostra como se tornou ridículo a luta outrora heróica do homem contra a natureza. O que era uma fonte da dignidade humana, tornou se não só ridículo mas monstruoso. O exemplo mais drástico de que me lembro sempre é a caça à baleia: dos tempos de Moby Dick, e dos de hoje.

    Para o urbanismo e a arquitectura, ou melhor: para o conceito de habitar, esta passagem para o outro lado - do condicionado para o condicionador - obrigaria a consequências.
    O que nos hoje ameaça, é a própria civilização. Faz nos falta a natureza, faz nos falta a inocência. Só que já não há outro lado. Nem as praias virgens das ilhas das Maledivas, nem os glacieres do Himalaya, deflorados milhares de vezes cada ano, e muito menos os condomínios fechados com as suas falsas casas de campo e os seus greens em cima de panos de polietilene e tubos de rega automática - que tantos anseiam e, quando podem pagá-las, acham dever a si e as suas familias - são o outro lado.

    No fundo, (quase) todos sabemos isso. Mas não vivemos como se soubessemos. Custa-nos assumir a artificialidade do nosso ambiente.

    Isto é, entre outro, um dos grandes problemas de um arquitecto com ambição artísitica. Uma obra de arte não pode basear-se numa mentira, ou se pudesse, com certeza não se pode basear numa mentira piedosa. E é isso que tantos dos nossos clientes - nomeadamente os particulares - pedem: Um idílio. Um espaço com uma harmonia conhecida de outros tempos. Mesmo se for só encenado, mesmo se for falso.

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