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  • 23.1.04
    A nossa quotidiana duplicidade moral

    Há um artigo de Miguel Sousa Tavares no Público que devia ser leitura obrigatória (e seguida de discussão) nas escolas portuguesas.
    MST demostra em dois exemplos - o caso dos 200 atestados falsos de Guimarães, e um caso análogo da sua experiência profissional de advogado - o problema de duplicidade moral que reina no nosso dia a dia. Não a duplicidade moral nas coisas grandes, que nos irrita nos poderosos, não: a nossa, quotidiana.
    Há uma lei que proíbe a emissão e apresentação de atestados médicos falsos (mas o exemplo poderia ser outro...), que todos achamos justo, e reconhecemos que a sociedade sem ela não é viável, mas aplicar as sanções aos que foram apanhados a não cumprí-la, nem o juiz acha bem.

    O que me dá a pensar é que não me revolta a decisão do juiz (de não acusar, respectivamente, não instaurar processo).
    Revolta-me o estado das coisas, sim. Mas não acho - e aparentemente os juizes nos dois casos também não - que se possa começar neste caso concreto para aplicar a lei com toda a severidade, estatuando um exemplo.
    O que deixa as coisas como estão.
    O que é intolerável.
    Não tenho respostas, só uns palpites. Um é, desconfiar sempre de qualquer proposta que visa o agravamento das penas, mais ainda quando surge no âmbito de um caso concreto que fez especial escândalo. Pode ser que não, mas cheira me quase sempre a manobra de diversão e tem um efeito contraproducente.
    Para além da pedagogia o caminho certo passa pela maior fiscalização e pela aproximação das sanções à realidade social.
    A sanção para os alunos parece-me adequado: Em Guimarães afinal os alunos apanharam - julgo eu - um valente susto. Se a multa deveria ter sido maior ou não, deixo em aberto. Mas provavelmente pensarão duas vezes antes de apresentar o próximo atestado falso.
    Mas os médicos, o que acontece/aconteceu a eles? Não sei se há, mas deve criar-se, se não existe, condições para que eles possam ser punidos, sem perder logo a acreditação profissional ou serem presos. E em caso de reincidência, aí sim, a lei devia ser severo. (Sei que isso tudo não é nada fácil: fazer prova da má fé dos médicos etc. - mas isso é outra história...)

    Agora falei o tempo todo dos atestados, o que não queria. São só um exemplo.
    Como é que voltamos a reparar na nossa hipocrisia quando nos escandalizámos em geral, em casos alheios, com o incumprimento da lei, e temos, no nosso próprio caso ou do dos nosso próximos, toda a compreensão e complacência?

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