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28.2.08
A história do casal gótico que referi uns posts atrás suscitou uma discussão interessante nos comentários no 5 dias, para qual infelizmente cheguei atrasado. Ponho então aqui as duas coisas que ainda me apetece dizer sobre isto. Primeiro queria descansar o Nuno Góis: Mesmo havendo legitimidade aos dois góticos de viverem numa relação de dominação/submissão, por mútuo acordo, não está em causa a liberdade da rapariga. As nossas sociedades acabaram, e bem, com a escravatura. Há direitos – os direitos humanos – que são inalienáveis, mesmo por vontade própria. Supomos que o casal tenha assinado um contrato em que a rapariga abdicou de vez da sua autodeterminação e se obrigou, para toda a vida, a obedecer ao rapaz em tudo. Um tal contrato é inválido, e bem. O que significa que basta para a rapariga revogar a sua submissão e acabou-se o jogo. Pois é um jogo de que se trata e não mais. (Há contudo nas nossas sociedades ocidentais casos de submissão, menos completa, sancionados por contratos especiais, refiro-me a casamentos religiosos, que infelizmente não são tão facilmente anuláveis. Mas isso é outra história.) A parte mais interessante no debate no 5 dias era sobre os limites da liberdade do comportamentos em público. Alguém invocou o princípio da liberdade individual limitada só onde choca com a liberdade do outro. Que é um belo conceito, mas carece de interpretação no concreto. Por exemplo no nosso caso há quem ache que a liberdade dos góticos de exprimirem a sua relação de dominação/submissão choca com a liberdade de outros de não serem confrontados com ela. O que acho descabido, também eu, mas só neste caso, não em princípio. Vamos agudizar um pouco: E se andassem nus na rua? E se andassem nus numa Escola Pública? Ou melhor que andassem nus na rua a porta de uma Escola Primária. E copulassem ali na altura quando os meninos saiem todos. E ainda praticassem sexo S/M hardcore, incluindo as coisas mais repugnantes e chocantes que conseguimos imaginar- (Mesmo libertinos, provavelmente qualquer um de nós encontrará algo que achasse incomodativo até só de ver - ou não?) Esse exercício de imaginação revela-me a mim que existem práticas que, se acontecem em privado, a ninguém dizem respeito e que a ninguém compete proibir, mas de cuja exibição no espaço público reclamo ser poupado. Exibições que em nada limitam a minha liberdade material, só perturbam a paz da minha alma. Ou a dos nossos filhos. Não acredito que uma sociedade possa funcionar que não assegura um código de conduta baseado em costumes. Ou seja, não só no princípio da liberdade acima referido. E admitido isso, estamos em plena discussão e negociação deste código, não legitimável com a defesa de direitos individuais, só com a necessidade de uma estrutura dos seus comportamentos públicos que fornece segurança psicológica aos seus membros. Gostava de poder afirmar que todas estas restrições deviam ser exclusivamente do domínio da boa educação - termo que ao mesmo tempo acho muito estimável e altamente problemático – e não da lei. Gostava que se pudesse traçar uma clara fronteira exactamente aí: Assegurar o equilíbrio das liberdades individuais cabe a regulamentação legal, e os assuntos da boa educação são reguladas pela mais ou menos suave pressão social. Mas tenho dúvidas que isso chegue. Registo então, com pena, que mais uma vez a minha posição é doutrinariamente pouco limpa. Também nos costumes o meu liberalismo tem limites. Registo o com pena porque é penoso: dá trabalho debater e negociar caso a caso o que pode ser permitido e o que deve ser proibido. E com alguma irritação, pois não me agrada nada arranjar argumentos àqueles que acham que têm o direito de limitar, na preguiçosa certeza das suas convicções, religiosas ou outras, os direitos dos que são diferentes, seja pelos seus hábitos, seja pela sua identidade ou orientação sexual. Nem aos que se deixam incomodar pela provocaçãozinha de uns parvos adolescentes, confirmando a insegurança e mesquinhez que estes lhes suspeitaram e atiçaram. |
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