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  • 16.2.07
    Perante a comissão

    A luz pálida do dia chuvoso de Fevereiro entrou pelas janelas altas da sala de espera que, embora assepticamente limpa, não se livrava do ar poeirento e tristonho tão característico em edifícios públicos antigos. Uma vigilante fardada atrás duma secretária colocada num canto, de forma provisória e manifestamente desenquadrada, confirmou:
    «Sim, a chamada era sua. Pode entrar!»
    A porta que indicara era alta e pesada, e a prova de som, o que era adequado para o caso.

    «Bom dia! - Sim, entre por favor, e feche a porta. Pode deixar o seu casaco naquela bengaleira.»
    A sala da entrevista era espaçosa e escassamente mobilada. Tinha um ar austero, de acordo com a arquitectura deste edifício que podia ter sido um tribunal, embora não era. Apesar do ar austero, e em contraste com a sala de espera, tudo aqui emanava qualidade, peso, severidade e desconsolo, sim, mas qualidade.
    Uma cadeira simples e solitária encontrava-se no centro da sala, um pouco afastada a frente da mesa comprida, ou pódio, que era o móvel dominate. Em cima dele uma garrafa de água, três copos, para cada membro da comissão um, e um dossier, em que a visita calculava encontrar-se o seu processo.
    Atrás da mesa os três membros da comissão. No meio o seu presidente, um homem hirto de cerca de quarenta anos, de fato e gravata, muito aprumado, óculos rectangulares sem aro. Ao seu lado direito uma senhora na casa dos cinquenta anos. A sua roupa de talho conservador, o xaile de seda floreada em tons decentes, as joias e os óculos com fio e aro em ouro, deixaram entender que era de boas famílias. No lado esquerdo do presidente, o terceiro membro da comissão, um homem também já para lá dos 40 anos, mas menos característico, de expressão mais plácida do que a dos seus colegas.

    «Sente-se! - Nervos? - Não tenha! Se a sua convicção é séria e genuína, não tem nada a recear. Sabe, todos nós somos pessoas com experiência de vida e conhecedores da natureza humana. E temos experiência na avaliação dos motivos das pessoas que nos passam pelas mãos. Ninguém aqui lhe quer mal. Veja, também há uma mulher na comissão, que vai avaliar o seu caso com intuição feminina, e certamente também com recurso à sua experiência maternal. Aliás, não duvidamos que ache justa a sua decisão e genuína a sua convicção, mas cabe a nós avaliar se ela é mesmo de consciência, se ponderou bem e se a sua decisão não é fruto de motivos fracos ou falsos, o que pode não ter compreendido até agora. É para isso que estamos aqui: Para lhe fazer ver a invalidade dos seus motivos, se for o caso.
    O procedimento é o seguinte. Primeiro, pedimos-lhe que exponha o seu caso, as suas razões. Vamos ouvi-las com calma. Depois vamos fazer-lhe perguntas e colocar alguns cenários, aos quais esperamos uma resposta honesta e em consciência.
    Então pode começar:»


    O que aqui contei não é ficção, é memória. É o relato de parte da minha Prova de Consciência realizada em Fevereiro de 1979, cujo resultado me permitiu trocar 15 meses de serviço militar para 18 meses de serviço cívico numa escola e centro de acolhimento de crianças deficientes. Pois é, o autor deste blogue é pessoa com consciência certificada!

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