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  • 21.11.06
    “O bebé que já sorri”

    Leio no Público duma “Plataforma Não Obrigada”, que reúne um conjunto de personalidades que “acreditam que antes das dez semanas existe um bebé formado no ventre da sua mãe que já sorri”.

    Se o “bebé” de dez semanas sorri, devo concluir, então ele já tem sentimentos e logo já é pessoa. E ignorar que nesta idade não está sequer dotado de sistema nervoso...
    Nesta ordem de argumentos inclui-se também a apresentação de imagens de embriões e fetos, contra quais não teria nada a opor - não vendo nenhum motivo porque devemos ser poupado delas -, se não se destinassem a apelar com a semelhança com bebés ao nosso instinto protector, e induzír-nos no erro que se tratasse mesmo de bebés.

    Estes argumentos não valem nada e deixam-me escolher: Ou quem os apresenta sabe isso mas acha que como propaganda vale tudo, ou acredita mesmo que a semelhança contribui, duma forma cuja explicação não me é alcançável, para que se deve considerar embriões pessoas.
    Por estranho que parece, sei que há pessoas, noutras áreas inteligentes e sensatas, que são capazes deste disparate. Pois essa convicção é de ordem religiosa: “Credo quid absurdum”.
    Quem argumenta assim atribui ao embrião qualidades - não é essa palavra a certa: atribui ao embrião uma essência, que tem a sua origem na fé. Num processo mental tão velho como a humanidade, relaciona as coisas não de ordem racional e causal, mas por semelhança e simpatia.
    Isto merece-me aliás todo o respeito, enquanto se cinge ao foro pessoal de quem assim sente e raciocina, mas quando se tenta aplicar os seus resultados a terceiros, a minha veemente oposição. Porque esta ordem de pensar e sentir, que se baseia não na razão mas na tradição, em doutrinas e sentimentos religiosos, serve e serviu para tudo, conforme a civilização que a enforma. Tanto serve para punir o aborto como para mandar viúvas para a fogueira, vender as suas filhas ou mutilar-lhes os seus genitais.

    Estou disposto de discutir a despenalização do aborto, porque deve e pode argumentar-se sobre ela como seriedade. Sobre a questão lateral mas pertinente, por exemplo, de se a despenalização não põe uma mulher grávida, frágil, à mercê de pressões para fazer o que ela não quer; e sobre a questão central de se uma pessoa em potência merece protecção ou não.
    Mas com quem insiste em chamar um embrião pessoa, não posso discutir. Crenças irracionais não estão ao alcance de argumentos. Só resta combatê-las, isto é, combater a sua influência na nossa sociedade.

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