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  • 10.5.07
    Ceuta - Chefchaouen

    O que parecia via rápida deu lugar, após a próxima curva, a uma estrada larga, de berma aberta, com todo o tipo de tráfego: camiões, carros, carrinhas, motas e bicicletas. E táxis colectivos, sempre velhos Mercedes.
    Sinais de limite de velocidade, de 60, 40, 20, alternavam com frequência e sem qualquer sentido. Mas toda a gente cumpria-as religiosamente. Não tardou e L. compreendeu porquê. A polícia estava omnipresente, cronometrando os automóveis ao passarem um determinado troço, e por vezes até equipada com radares portáteis. Em cada cruzamento maior, em cada rotunda, havia um posto de controlo, um road-block. Lagartas metálicas com espigas de aço estavam preparadas no chão para serem estendidas, em caso de necessidade, num instante através da faixa de rodagem.
    Os road-blocks pareciam L. ter um motivo mais sério do que a mera disciplina rodoviária; calculava que serviam antes de intimidação, para mostrar a presença da autoridade a quem podia estar com ideias de desafiá-la. (Dias antes tinha explodido uma bomba em Casablanca.) Mais tarde descobriu que os road-blocks não constituíam problema para turistas; nunca foi incomodado, ao invés das carrinhas e dos táxis colectivos, que invariavelmente foram mandados parar. Caso diferente eram os limites de velocidade e as armadilhas de radar. Essas lembravam L. as auto-estradas na antiga RDA, que tinham limites de velocidade repentinos e incompreensíveis muito semelhantes, e que serviam, tal como a tolerância zero rigorosamente imposta, à caça de multas.

    De vez em quando atravessavam uma povoação genuína, mas entre elas o ambiente suburbano nunca se interrompia. À direita continuava a haver campos, como há trinta anos atrás, mas à esquerda, na faixa estreita que separava a estrada duma praia cinzenta sem sombra e graça, reinava o betão: seguiam-se casas de segunda habitação, hotéis e condomínios, recentemente acabados ou ainda em construção.
    Às seis da tarde, havia muitos peões na berma poeirenta. Pessoas que esperavam pelos autocarros, por táxis colectivos, ou, ao que parecia, para nada em especial.

    L. conseguiu passar por Tetouan sem grandes problemas, embora deu uma volta pela cidade até ter encontrado a saída certa para Chefchaouen.

    Então a condução tornou-se mais interessante. A estrada, com menos trâfego, serpenteava agora, ao subir o Rif, entre vales e encostas verdes. Os sinais de trânsito escasseavam, e a polícia também. Com prazer, L. passou a ignorar os limites de velocidade e o traço contínuo. Cortava as curvas para suavizar o trajecto, travando antes e acelerando a sair delas. De vez em quando alcançou uma coluna de automóveis, que se acumulara atrás dum camião: um desafio para ultrapassagens. Não eram demasiado difíceis, e L. e os seus filhos divertiam-se no jogo de saltar de coluna em coluna, percorrendo uma paisagem agora muito mais agradável num ritmo que compensava as horas de tédio e disciplina atrás do volante.

    Os amigos tinham deixado uma SMS no telemóvel: «Chegámos. Hotel Marraqueche. Perto da medina.» Ainda faltava uma hora para o pôr-do-sol, mas o verde dos pastos saturava e as pedras no leito do rio em baixo devolveram, tal como as falésias rochosas, a luz do dia numa tom alaranjado. Os cumes das montanhas estavam envoltos em nuvens.

    Chefchaouen: Uma mancha branca, bem delimitada, colada à encosta. Como em 1980. Mas não completamente. A via que ligava a povoação à estrada nacional no vale e que agora subiam era nova, larga e impecavelmente alcatroada. Um sinal inesperado de prosperidade, tal como os palacetes brancos e os espaçosos edifícios governamentais à entrada desta cidade de província.
    Também a encosta tinha mudado, em sua volta. O pano verde e castanho estava agora salpicado com prédios.
    L. recordou-se duma noite de há 27 anos, em que ele e uns companheiros europeus tinham bebido «rachachá» no «Paradise Valley», num vale então virgem no baixo Atlas, não muito longe de Agadir. Esta bebida medicinal tradicional, um chá de cabeças de papoila, tinha dado uma pedra enorme, mas uma diarreia ainda maior. Na manhã seguinte, toda a zona a volta da fogueira tinha estado salpicado por marcos de papel higiénico cor-de-rosa. Uma imagem semelhante.

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