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4.9.05
Que a América, a América orgulhosa, rica e poderosa, e famosa pela sua organização, não tem resposta adequada perante uma catástrofe natural previsível no próprio território, traz me sentimentos mistos. Começo com o mais ignóbil: - Alguma satisfacção clandestina ao verificar que o país mais poderoso do mundo, cuja arroância me tantas vezes irrita, não fez melhor figura do que um país do terceiro mundo. E também satisfacção induzida pela confirmação duma ideia preconcebida que tinha: neste caso, da incompetência da administração americana. - Incredulidade: Aos holandeses, que vivem tanto abaixo do nível do mar como os habitantes de Nova Orleans, isto nunca poderia ter acontecido. (A grande cheia de 1953, João Miranda, oito anos depois da devastação da guerra, foi a última catástrofe deste género. Depois arregassaram as mangas e defenderam-se adequadamente.) - Revolta, ao verificar que as vítimas são, claro, os mais pobres. E, sem surpresa, que os mais pobres são os pretos. A suspeita de que este facto e a impreparação da população, mas também e antes de mais das autoridades, estão relacionados. - Revolta e tristeza ao verificar o aparente colapso da ordem pública no território da catástrofe. Falha das forças de segurança, mas o que mais me assusta e desilude é a aparente falha da sociedade civil. Costuma contar-se, noutros desastres semelhantes, histórias exemplares de solidariedade e de entre-ajuda dos atingidos. - Compaixão com as vítimas, claro. (Resisto ao intuito de colocar este ponto, a posteriori, no primeiro lugar desta lista). E tristeza perante a perda de património cultural. - Mas também: Uma angústia, uma sentimento de desprotecção, ao verificar que os grande EUA, aquele grande irmão, pouco amado, tantas vezes irritante, injusto, prépotente, mas também protector, se revela tão impotente. P.S.: A forma como Nova Orleans e a região foram atingidas pela catástrofe e como a população e as autoridades (não) souberam reagir reforça uma minha suspeita: Não foram atingidas como se fossem do terceiro mundo, mas foram atingidas assim por serem terceiro mundo. Algumas caracterísitcas falam por isso: A falta de planeamento, a falta de investimento público, neste caso, antes de mais na segurança colectiva ou seja em diques seguros, e a falta duma solidariedade da população, que atravessa as barreiras de classe. Também é um aspecto dos nossos tempos, que o terceiro mundo não se delinea através de fronteiras nacionais. |
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