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  • 30.1.05
    Enfeitos

    Alemanha tem cidades belas, algumas mesmo muito belas, mas até as mais belas têm defeitos. Um defeito de que quase todas enfermam, provém do facto de que os seus habitantes gostam muito de cães. Não só gostam deles, o que não teria mal nenhum, mas insistem em tê-los, mesmo se isto lhes traz alguns inconvenientes, a eles e aos concidadãos que não partilham essa paixão, mas o passeio com eles e os seus quadrúpedes.

    Berlim, que não é uma das cidades mais belas da Alemanha, é porém seguramente uma das mais castigadas pelo problema referido. Sem alternativa, os seus habitantes adaptaram-se como podiam, com o efeito de que por isso hoje é muito fácil distiguir na rua entre eles e um forasteiro. Enquanto o turista deixa a sua vista passear sobre os encantos, que a cidade lhe oferece, o berlinense, avisado, mantem os seus olhos estoicamente presos ao chão a sua frente.

    O mais impressionante fica o chão no inverno, nomeadamente no primeiro dia de neve. Acordo de manhã e reparo logo que é um dia diferente, pela luz suave e uniforme que se faz notar mesmo atrás das cortinas ainda não abertas, e antes de mais pela invulgar e total ausência de som. Nenhum barulho dos automóveis, que ora ficaram imobilizados no seu lugar ou se movem, em passo de caracol, em cima da neve, que abafa tudo... Toda a rua outrora suja está agora coberta pelo manto de neve, vírginal, limpo e macio. Nesta encantadora calma matinal há poucos passantes, mas naturalmente há alguns, que têm tarefas inadiáveis, como os donos dos cães, que também num dia destes têm de passeá-los. E assim deparo-me ao pé da próxima árvore com uma mancha amarela no manto branco, dividida por um risco preto, onde o jacto quente conseguiu atravessar a camada da neve até ao chão, e um pouco mais além, vejo um montinho cor de chocolate, envolto, numa geometria suave mas regular como nas fotografias astronómicas, por um halo cor de caramelo.
    Já sei que até ao fim do dia, todos os passeios da cidade reluzirão de astros semelhantes, formando a galáxia de dezasseis toneladas diárias de dejectos caninos.

    Uma vez, mas isso não foi no inverno, mas num belo dia de primavera, um grupo de engraçadinhos fez uma acção de sensibilização para o problema.
    Neste dia soalheiro de Maio, a cidade encontrou as ruas enfeitadas: Em cada um dos montinhos estava espetado um chapéuzinho de sol, feito de palito e papel, daqueles que costumam enfeitar os gelados na gelataria.
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    Não me teria lembrado desta história se não tivesse lido o post da ACID, sobre uma acção em Lisboa com cartazes políticos. Realço que o que me despertou foi unicamente o modus operandi idêntico. De forma alguma pretendi levar a analogia mais longe!

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