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27.1.05
Nasci na Alemanha, em 1960. Vivi numa vila pacata perto da fronteira holandesa, onde frequentei a escola primária, liceu, fiz o serviço cívico substituto do serviço militar para objectores de consciência; mais tarde mudei-me para Berlim, onde estudei e trabalhei, até 1993, quando emigrei para Portugal. Tenho boas memórias do meu país. Um país feliz, um país rico. E quando mais recuo na minha memória, aos anos setenta, sessenta, mais me aparece um pais pacífico, solidário e decente. Nada de que me lembro, evocou os horrores do regime nazi, da guerra, do holocausto. Nos anos cinquenta e sessenta, os tempos do regime nazi, a própria guerra mundial, e antes de mais Auschwitz foram assuntos tabu, apesar de todas as cerimónias de lembrança e dos mea-culpa oficiosos, e apesar da assunção pública da herança do estado nazi, isto é, da responsabilidade pelas consequências do holocausto, por todos os governos alemães (federais) desde 1948. Demasiadas pessoas que viveram os tempos da guerra e do holocausto em idade adulta, preferiam reprimir e esquecê-los, por um sentimento mais ou menos concreto, e caso à caso mais ou menos individualmente justificado, de culpa. Isto mudou no fim dos anos sessenta, antes de mais graças a geração de ’68. Na Alemanha, essa geração tinha, para além do idealismo e da ideologia marxista, um missão moral muito própria, uma pergunta: Pai, onde é que tu estiveste, o que é que tu fizeste para impedir o holocausto? Em 1969 o SPD de Willy Brandt chegou ao poder e iniciou a sua Entspannungspolitik, que passou pela aceitação também formal dos resultados da segunda guerra múndial. Quando no 7 de Dezembro 1970 Willy Brandt se ajoelhou no gueto de Warsóvia, isto causou ainda uma enorme polémica na Alemanha, mas o resultado mostrou claramente que a maioria dos alemães se revia neste gesto. A geração dos assassinos e dos que tinham desviado o olhar já estava em minoria. Nos anos setenta, quando andei no liceu, o nacional-socialismo, incluido o holocausto, eram matéria das aulas de história, para além das da moral. (E a Fuga da Morte de Celan conheço das aulas de alemão.) Não há nenhum mérito nisto, mas considero uma grande benção de ter crescido num país que foi obrigado à ensinar aos seus filhos a verdade sobre os crimes mais indizíveis que os seus antepassados próximos cometeram. Em 1979 passou a série televisiva americana Holocaust com grande impacto na TV alemã, num tempo em que ainda só havia três canais de TV público. O holocausto finalmente tinha chegado a ser discutido publicamente pelo cidadão comum, na rua e nos cafés. Era nesta altura que as últimas pessoas que estavam comprometidas com o nazismo desapareceram da vida profissional e pública. (Havia figuras públicas de relevo que só no fim da carreira ou já na reforma foram confrontadas com o seu passado, às vezes com, outras sem consequências palpáveis.) Os anos ’80 viram surgir os Skinheads, um fenómeno geracional não específicamente alemão de que se alimentam e ao qual se procuram aliar as estruturas da extrema direita tradicional que se vê na continuação do nazismo e que nunca completamente desapareceu. E que operavam e operam ora na clandestinidade, ora dentro da legalidade. É de notar, no entanto, que estes grupos nunca conseguiram uma base de apoio suficiente para ter um partido próximo deles no parlamento nacional – para isso são precisos 5% dos votos – e até hoje só pontual- e temporariamente em alguns parlamentos regionais. Depois da queda do muro em 1989 verificou-se uma maior expressão de fascismo e antisemitismo no território da antiga RDA, que me explico em parte pela maior instabilidade social ali existente, pela falta de quarenta anos de cultura democrática e antes de mais, pela falta da confrontação com a responsabilidade decorrente do holocausto: Ao contrário da RFA, a RDA recusara desde sempre estar em qualquer sentido na continuidade da Alemanha fascista: A RDA era o estado dos que resistiram ao fascismo, e que conseguiu julgar e punir atempadamente todos que de alguma forma foram culpados, só com excepção daqueles que antes conseguiram fugir para a RFA. Daí o legado do holocausto não se colocou como problema para os cidadãos da RDA. Já não sei como as coisas estão a desenvolver-se hoje, mas para a grande maioria dos alemães, o holocausto continua a ser um elemento indelével da sua história, e gostava de falar por todos, mas como não conheço as pessoas da Ex-RDA e já não vivo na Alemanha há 11 anos, não tenho a certeza toda quando digo que Auschwitz é um elemento indelével da nossa identidade nacional. O que acho bem que assim seja. Não por ser uma vergonha, mas como missão. P.S.: Quando refiro, no início do post, o país pacífico, solidário e decente, em que me lembro ter crescido, faço o hoje com a consciência incómoda de que foram só 15 anos, que separavam este país do país de Auschwitz, e que as mesmas pessoas ainda viviam nele que viviam no anterior... Este incómodo cresce com os anos, em que passo a perceber cada vez melhor que quinze anos são muito pouco. Não tinhamos e não temos consciência disto. Porque todos nós os alemães, que nascémos depois do holocausto, partilhamos uma sensação: Não interessa quão drasticamente fomos confrontados com estes horrores, quão seriamente queremos aprender com eles, sempre tomamo-los por histórias dum passado remoto e também por isso - quer nos parecer - incompreensível. Etiquetas: alemanha, antisemitismo, sel |
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