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  • 10.10.08
    O casamento numa sociedade livre

    O Pedro Picoito escreveu um longo post contra a legalização do casamento homossexual. Não tenho tempo para responder com a abrangência que queria, mas vou comentar alguns aspectos centrais do seu texto.

    Pedro Picoito acha que o direito à igualdade garantido pela Constituição não aplica a questão do casamento homossexual, pois ao contrário do que alegam os seus defensores, o direito ao casamento não é universal, mas limitado por muitas e significativas excepções.
    De facto existem, para além do que diz respeito a pessoas do mesmo sexo, outras excepções ao direito de casar, muitas destas por boas razões. Está proibido o casamento com menores de 16 anos, para proteger a parte menor, a qual não é reconhecida a autonomia necessária para assumir um contrato de tal envergadura; entre ou com dementes notórios, por razões semelhantes; está ainda proibido o casamento entre familiares próximos, por razões eugénicas, e está proibida a poligamia, também por razões historicamente e socialmente compreensíveis. (Nestes dois últimos casos, parece me contudo desejável uma revisão atenta relativamente a sua necessidade e utilidade social hoje em dia.)

    Para mim, ao contrário do Pedro, há uma condição essencial para poder aceitar essas excepções: cada uma necessita de justificação específica. E muitas têm, como apontei. Concluir desta situação actual que o direito ao casamento não é universal, é inverter um princípio basilar de qualquer sociedade livre: "Tudo que não tem de ser proibido é permitido."
    Logo, numa sociedade livre, o ónus de justificar está no lado de quem quer impor uma restrição de direitos, no caso, de quem defende a (manutenção da) proibição do casamento de pessoas do mesmo sexo.

    Apesar do muito que se escreveu nestes dias contra o casamento homossexual, pouco li que possa ser chamado argumento neste sentido. Em vez destes, lêem-se apenas críticas ao comportamento táctico dos defensores da proposta lei, e a imputação, manifestamente paranóica, de uma "agenda fracturante" que visa, com a luta pelo direito ao casamento dos gays, na verdade destruir a instituição do casamento tout court. E entre afirmações mais ou menos explícitas da defesa da ordem divina, ressalta o argumento cândido "mas porquê hão de querer casar", com ou sem - sem, no caso do Pedro - adição de "sendo, como é sabido, irremediavelmente promíscuos".

    Como expliquei, essa pergunta, feita a título de argumento, nem necessitava resposta, mas vou responder:
    Para ter um enquadramento legal que lhes permite partilhar a sua vida com outra pessoa - independente do seu sexo - com as mesmas garantias e responsabilidades que actualmente dá um casamento civil heterossexual. Pois as garantias da União de Facto - informem-se ou deixem de fazer de conta que não estão informados - não são as mesmas, nem pouco mais ou menos.

    P.S.: Queria este post sóbrio e cordatro, mas é apropriado comentar também aqui a última frase do post do Pedro Picoito: «O respeito pelos gays não consiste em dar-lhes o casamento como um prémio de consolação pelos dois milénios passados no armário.»
    Esta frase é de suprema arrogância. Parte do pressuposto de que o Pedro, ou "nós", os heteros, temos ou não de "dar-lhes" o casamento. (Quanto a mim, não pretendo dar o casamento a nenhum homossexual. Já estou casado.) Mas pior é ainda a condescendência com estes maricas, que precisavam dois mil anos para arranjar coragem para sair do armário.

    P.P.S.: Recomendo vivamente este post do Lida Insana.

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