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  • 17.2.06
    Arquitectos, bons ou maus, mas muitos

    Coloquei aqui ao lado os links para uma série de posts interessantes do Arte da Fuga sobre o enqadramento profissional dos licenciados em arquitectura.

    Tenho ideias formadas sobre o problema em geral, falta-me porém o conhecimento (e o tempo de o adquirir) sobre os pormenores do conflito actual entre a Ordem dos Arquitectos e os recem-licenciados, que dependem dela para adquirir o direito do pleno exercício da sua profissão.
    A prática da Ordem nesta matéria, recentemente desaprovada pelo Conselho Superior das Obras Públicas, está sempre sob suspeita de servir antes de mais a um motivo incofessável: de limitar o acesso de novos concorrentes a um mercado que já é pequeno para os que actualmente nele se encontram. É verdade que esta acusação não passa dum processo de intenções, impossível de provar por via causal, mas não se lhe pode negar plausibilidade. Porém, se damos ou não crédito a essa suspeita, em caso algum está certo à partida de que este eventual motivo invalida outras razões. E o argumento admitido, para além dos formais jurídicos como a eventual aplicação de directivas europeias, é a necessidade de assegurar a qualidade minima dos projectistas, em virtude da salvaguarda do interesse público.

    Mas vamos dizer sem rodeios o que aqui aconteceu: Enquanto o Estado se demite da sua suposta responsabilidade de regular o ensino superior, encontraram se como opositores a Ordem dos Arquitectos, defendendo os seus membros e, para quem como eu quer acreditar nisso, a qualidade da arquitectura, e as universidades privadas, que fizeram e fazem bom dinheiro ao formarem arquitectos, tantos mais melhor, e cujo acesso à profissão agora vêem posto em causa. Quem está entalado são os jovens licenciados. Só não é líquido para mim que eles se devem queixar (só) à Ordem.

    Saiem das faculdades arquitectos a mais, e nem todos são bons. Faz sentido que se formam muito mais arquitectos do que o mercado precisa? - Não. Deveria o Estado ter prevenida esta situação? Obviamente não é justificável gastar dinheiros públicos na formação de profissionais que ninguém precisa. Mas o problema é que as faculdades do Estado estão em concorrência com as faculdades privadas, que nasceram de forma súbita e formam tantos quanto podem, e não devem justificações ao contribuinte. O Estado não regulamentou, e a Ordem dos Arquitectos tentou substituir-se a ele nesta tarefa.
    Para umo liberal, o problema porém tem uma outra solução. A "natural": Se há mais candidatos a arquitecto do que o mercado pode absorver, porque não deixar deste problema encarregar-se o mercado? Vou esquecer por um momento a ideia de que houve aqui jóvens que foram enganados e digo: De acordo, em princípio. Só que não é tão simples.

    Deixar ao mercado a selecção da qualidade, por via do trial and error, sai caro ao cliente e aos demais lesados, pois desembaraçar-se duma obra malfeita não é tão fácil para o cliente como a devolução dum automóvel defeituoso! Os possíveis prejuízos são enormes e a possibilidade de responsabilizar o arquitecto por eles é muito limitada, tendo em conta o seu poder económico limitado e a inoperância da justiça portuguesa. Mas isso seria um problema dono da obra. Que ele se cuide, que arranje referências, garantias, e exiga um seguro ao projectista.
    Mas estes só cobrem uma parte do risco. Não cobre o risco, os danos possíveis para terceiros, os vizinhos ou a sociedade em geral. As implicações que uma obra particular tem para a sociedade podem ser muito grandes, para os vizinhos directos, para a infraestrutura, seja ela a rede de esgotos, a rede electrica, o tráfego etc. Estas implicações exigem uma actuação preventiva.

    E eis a resposta ao AA, que pergunta se, em vez de deixá-la ao cargo da temível burocracia camarária, não se podia deixar a verificação da qualidade do projecto a entidades privadas. Não podia estar mais de acordo, no que diz respeito à verificação da qualidade dos diversos projectos em relação a sua correcção técnica. E é verdade que na prática a câmara já não a faz, se uma vez a fez. Este é a parte mais fácil. Mas a parte complicada não é delegável. Digo isto com pesar, mas convicção.
    Porque alinho no seu lamento sobre o inenarrável processo de licenciamento de obras em Portugal, que realmente é uma escola em que se aprende paciência, mas também, ao passo que se desepera, a desrespeitar as instituições públicas, alguns dos seus funcionários (honra seja feita dos outros, que realmente há, e onde todos por favor se incluem que actualmente têm nas suas mãos processos da minha autoria!) e, por fim, a própria lei. Sem que se possa alegar má fé da maioria dos intervenientes, os obstáculos burocráticos, alguns até com uma justificação técnica plausível, parecem lá estar de propósito só para despir o requerente de todos os seus direitos que ingenuamente julgava deter e colocá-lo completamente à mercê dos técnicos municipais e/ou dos políticos, sem cuja ajudinha benevolente não pode ter nenhuma esperança de sair em tempo útil deste mundo kafkaiano. O prazo médio dum licenciamento em Lisboa é de três anos!

    Se alguém me perguntasse como contrariar esta situação triste, diria: Com mais qualidade. De formação. Se ela não existe, porque o Estado falhou em assegurá-la nas faculdades, será que a Ordem está agora tão mal a tentar de impô-la? Mesmo sendo suspeito de motivos menos nobres. Mas isto seria um remédio provisório, que não deixa de cheirar mal! Só uma melhoria da qualidade do ensino da arquitectura assegurava que não só os autores dos projectos subissem de qualidade, mas também os que estão nas entidades públicas, licenciadoras e outras, e isso, sim, seria um grande passo! Se estes depois ainda funcionassem em regime de exclusividade, assim libertos da tentação de considerar a sua função pública como o seu segundo emprego, e como oportunidade para misturar negócios privados com os seus deveres públicos, e ficassem em vez disto devidamente remunerados, melhor.
    Mas mesmo este passo relativamente grande ficaria sempre curto, enquanto não houver uma responsabilização de todos os agentes, públicos e privados. Estamos muito longe disso. E continuaremos a estar enquanto não passamos a ter uma justiça operante.

    O post é longo, e já passei dos recem-licenciados aos defeitos do processo do licenciamento e à inoperante justiça. Basta. Apetecia-me dizer ainda muita coisa sobre isto, mas melhor não. Pela primeira vez sinto que, tivesse eu um blogue anónimo, teria escrito diferente...

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