$BlogRSDUrl$>
30.6.04
Giovanni de' Dondi, de Pádua, gastou uma vida para construir um relógio. Um relógio sem igual, insuperado durante quatrocentos anos. Mecanismo múltiplo, rodas dentadas elípticas; ligadas por engrenagens articuladas, e o primeiro escapo fusiforme: uma construção inaudita. Sete mostradores indicam a situação do firmamento e as revoluções silenciosas de todos os planetas. Um oitavo mostrador, o mais discretode todos, marcava a hora, o dia e o ano: A.D. 1346. Trabalhado à mão pelo próprio: uma máquina celestial, sem finalidade e plena de sentido, como os Trionfi, um relógio de palavras construído por Francesco Petrarca. Mas por que perdeis tempo com o meu maniscrito, se não sois capazes de me imitar? Duração do dia solar, nós da órbita da Lua, festas móveis. Uma máquina de calcular, e ao mesmo tempo uma reprodução do céu. Em latão, em latão. Nós continuamos a viver sob esse céu. A gente de Pádua não olhava para o relógio. A um putsch seguia-se logo outro. As carroças da peste rolavam pelas calçadas. Os banqueiros saldavam as suas contas. A comida escasseava. A origem daquela máquina é problemática. Um computador analógico. Um menir. Um astrário. Trinfi del tempo. Restos. Sem finalidade e plena de sentido como um poema de latão. Nenhum Guggenheim mandava cheques a Francesco Petrarca no primeiro dia do mês. De' Dondi não tinha contrato com o Pentágono. Outros predadores. Outras palavras e rodas. mas o mesmo céu. Nós continuamos a viver nessa Idade Média. Este é o primeiro poema do Mausoléu de Hans Magnus Enzensberger, na tradução de João Barrento. O Mausoléu é uma compilação de poemas, em que cada um deles é uma evocação biografica duma personagem histórica. A poesia de Enzensberger é quase jornalistica e o seu jornalismo é poético. Difícil de classificar, Enzensberger é talvez o maior intelectual-poeta-ensaista, emfim, verdadeiro "homme de lettre" alemão vivo. |
|
||||
|
|||||