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  • 30.6.04
    G. de' D. (1318-1389)

    Giovanni de' Dondi, de Pádua,
    gastou uma vida
    para construir um relógio.

    Um relógio sem igual, insuperado
    durante quatrocentos anos.
    Mecanismo múltiplo,
    rodas dentadas elípticas;
    ligadas por engrenagens articuladas,
    e o primeiro escapo fusiforme:
    uma construção inaudita.

    Sete mostradores
    indicam a situação do firmamento
    e as revoluções silenciosas
    de todos os planetas.
    Um oitavo mostrador,
    o mais discretode todos,
    marcava a hora, o dia e o ano:
    A.D. 1346.

    Trabalhado à mão pelo próprio:
    uma máquina celestial,
    sem finalidade e plena de sentido, como os Trionfi,
    um relógio de palavras
    construído por Francesco Petrarca.

    Mas por que perdeis tempo
    com o meu maniscrito,
    se não sois capazes
    de me imitar?


    Duração do dia solar,
    nós da órbita da Lua,
    festas móveis.
    Uma máquina de calcular, e ao mesmo tempo
    uma reprodução do céu.
    Em latão, em latão.
    Nós continuamos
    a viver sob esse céu.

    A gente de Pádua
    não olhava para o relógio.
    A um putsch seguia-se logo outro.
    As carroças da peste rolavam pelas calçadas.
    Os banqueiros
    saldavam as suas contas.
    A comida escasseava.

    A origem daquela máquina
    é problemática.
    Um computador analógico.
    Um menir. Um astrário.
    Trinfi del tempo. Restos.
    Sem finalidade e plena de sentido
    como um poema de latão.

    Nenhum Guggenheim mandava
    cheques a Francesco Petrarca
    no primeiro dia do mês.
    De' Dondi não tinha contrato
    com o Pentágono.

    Outros predadores. Outras
    palavras e rodas. mas
    o mesmo céu.
    Nós continuamos a viver
    nessa Idade Média.


    Este é o primeiro poema do Mausoléu de Hans Magnus Enzensberger, na tradução de João Barrento. O Mausoléu é uma compilação de poemas, em que cada um deles é uma evocação biografica duma personagem histórica. A poesia de Enzensberger é quase jornalistica e o seu jornalismo é poético. Difícil de classificar, Enzensberger é talvez o maior intelectual-poeta-ensaista, emfim, verdadeiro "homme de lettre" alemão vivo.

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