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9.12.03
A impossibilidade de ser ético e viver eticamente - ou uma pessoa deixa ambos ao meio... A ética, como ela nos é ensinada, inclui sempre e à partida a derrota mundana; não salvamos o mundo do diabo, entregamo-lhe o mundo, para que nós próprios não sermos de diabo. Simplesmente deixamos o campo: para ser ético. Ou não o deixamos; não nos deixamos matar a tiro, não simplesmente, não sem atirarmos nós também, e o massacre está aí, o oposto do que queriamos...
Uma pessoa pode estar empenhada em impor e realizar o bem, ou uma pessoa pode estar empenhada em ser uma boa pessoa - isto são duas coisas distintas, que se excluam mutuamente. A maioria quer ser boas pessoas. Nínguem se alegre mais, quando ficamos boas pessoas, do que o mau. Enquanto as pessoas, que querem o bem, não ficam por sua vêz mãs, o mau está na maior! (Enquanto os pobres não "roubam".) Amoralidade em mentes fortes provavelmente não é - na maioria das vezes - nada diferente do que o desejo para uma outra ética, uma ética possível viver. Experiência diária nas coisas pequenas: A tua decência é a maior e mais barata arma dos teus inimigos! Tu prometeste a tí não mentir - por exemplo - e isto é bonito da tua parte, excelente, enquanto podes permitir-te isso; seria tolo, se achares que com isso servirias sem mais nem menos, a verdade. Serves a tua decência. Certas exigências éticas, acho, ficavam desde há muito esquecidas, se não os indecentes, que se libertaram destas exigências, teriam um interesse natural, que os outros se deixam atar por essas exigências - isto é válido para todas as exigências cristãs que dizem respeito à propriedade... Toda a educação, que não só a nossa igreja, mas também as nossas escolas fornecem, visa essencialmente que sejamos pessoas decentes, que, por exemplo, naõ roubam - não educa para que nós nos defendermos, sempre e onde se rouba, e que nós devemos lutar para o bem, que nos ensina. O bem, sabemos, se realiza, na melhor das hipotes, dentro do próprio peito. Uma boa ideia, de facto, boa para quem manda. A impossibilidade de ser ético e viver eticamente - a sua agudização em tempos de terror. Com o que é que trabalha qualquer terror? Com o nosso instinto de sobrevivência e consequentemente o nosso medo da morte, sim, mas também com a nossa consciência ética. Quanto maior a nossa consciência, mais garantida está a nossa destruição. Quanto maior uma fidelidade, mais certo a tortura. E o resultado de qualquer terror: os biltres se safam sempre. Porque o terror serve especialmente bem, assim parece, para o extermínio de pessoas decentes. Ele está calculado para uma certa decência; o seu falhanço mais cedo ou mais tarde relaciona-se talvez com o facto, que ele consome a decência, até ao momento em que já não pode prender ninguém nela. E antes de mais ele também desvaloriza a vida, a alegria na vida, até ao momento em que já não é preciso uma corágem superhumana para apostar uma vida desvalorizada contra ele - não como vítima na pedreira, onde é tarde demais, não como mártir ético, mas como agente ímoral, antes de ser tarde demais: como terrorista. in Max Frisch: Tagebuch 1946-49 Etiquetas: moral |
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