<$BlogRSDUrl$>




  • 22.11.03
    Conservadorismo 3

    Agora um bocado mais a sério:

    João Pereira Coutinho fala no seu artigo na Bomba Inteligente de "formas de encarar" ou "escolas [que olham]" os conservadores.
    Não sendo especialista nestas materias, não vou referir à "escolas", mas vou, o que me parece legítimo neste contexto, falar de diferentes tipos de conservadorismo, que se distinguem pelas suas motivações. (e que naturalmente podem ser parcialmente coincidentes).

    O primeiro tipo que JPC refere, é o conservadorismo por interesse, daqueles que não querem mudança porque teriam muito (ou mais do que outros) a perder.
    É uma motivação inteligente e humanamente mais que compreensível, mas nem para mim nem para o JPC, ao que entendi, legitimação para o conservadorismo.

    O segundo tipo é dos tradicionalistas.
    Neste grupo, que julgo ser de longe o maior, incluam-se muitos, que não têm privilégios para defender, mas em vez disso uma outra coisa que valorizam ainda mais: A paz de espírito, ou seja, a segurânça de referências absolutas, uniformes, inquestionáveis etc.
    As pessoas assim motivadas podem ser decentes mas, no meu entender, difícilmente ao mesmo tempo inteligentes e informadas, porque a pluralidade e a orígem social das referências, e a arbitrariedade da nossa pertença a uma ou outra sociedade, ou seja, sistema de referências, está a vista para qualquer um quem nâo fecha os olhos.
    Acontece no entanto que muitos os fecham, como penso, pelos motivos psicológicos acima referidos. Essas pessoas são, no meu entender, as mais perigosas.
    (Todos os fundamentalistas são - óbviamente - deste grupo, mas não só eles. Aliás, como falamos em motivações, é evidente que pode e normalmente conflui mesmo numa postura conservadora mais do que uma das referidas...)

    A terceira motivação, defendida por um grupo, no qual - julgo (não mostra as cores neste artigo sem reserva...) - o JPC se inclui, parece-me de facto ser pouco diferente de uma postura céptica e liberal, com o acrescento de um "conjunto de valores basilares da vida" e de uma postura cautelosa em relação às ameaças que as mudânças representam: o referido consevadorismo natural. Ou seja, uma postura de "live and let live", que até reconhece valor na diversidade de referências e formas de viver.

    Sem me considerar conservador, revejo-me nesta postura, com a salvaguarda do esclarecimento dos referidos acrescentos.

    Relativamente ao conjunto de valores basilares acho provável que, se fizermos uma comparação, o JPC e eu ou qualquer representante da esquerda liberal iríamos encontrar uma esmagadora coincidência neste domínio, e ainda bem: É este o common ground em que se fundamentam as nossas democracias ocidentais.

    Fica então o conservadorismo natural, ou seja, a reserva cautelosa - muitas vezes bem avisada - em mudar as coisas.

    Se fizer parte do conjunto de valores basilares, que o JPC e eu temos em comum, a premissa de não só querer o bem para nós, mas o melhor para o maior número de pessoas para além de nós, e consequentemente admitimos que os nossos actos políticos não devem somente defender os nossos interesses particulares ou os do nosso grupo (família, classe, etnia, nação), se isto for o caso, então reduz-se a nossa divergência a uma divergência não de princípio, mas gradual, ou seja sobre o grau de mudança que entendemos por um lado suportável arriscar e/ou de todo possível atingir, e por outro lado necessário para melhorar as coisas.
    (Ponho aqui de lado as filosofias salvatóricas que Popper denunciou na Sociedade Aberta: Se sou da esquerda - não sou daquela esquerda!)

    Claro que nesta avaliação das nossas opções podemos chegar a resultados embora gradualmente, mas mesmo assim muito diferentes.
    (Os resultados dos nossos raciocínios sobre a mudânça podem ter sido produzidos por análises e juizos racionais, mas estão sempre - e legítimamente -suspeitos de terem sido influenciados pelas motivações dos tipos 1 e 2 acima referidos, e ainda pelo "wishful thinking". Esta suspeita recai igualmente sobre conservadores e progressistas...)

    Mas se não acredito em filosofias salvatóricas, - e quem ainda faz isso? -, isto não reduz em nada o escândalo que sinto e vejo nas condições de vida da esmagadora maioria dos habitantes deste planeta.

    E este escândalo é tão grande, que dele advém no meu entender uma obrigação moral (pois é - agora está dito...) para todos nós, que somos - às vezes esquecemos isso - incrívelmente privilegiados, de não nos contentar com o status quo.

    This page is powered by Blogger. Isn't yours?

    Creative Commons License